Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1851/07.0TVVNF.P1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: GARCIA CALEJO
Descritores: SOCIEDADE COMERCIAL
REGIME DE COMUNHÃO DE ADQUIRIDOS
BENS PRÓPRIOS
BENS COMUNS
AUMENTO DO CAPITAL SOCIAL
DIREITO AOS LUCROS
DIVIDENDOS
DISTRIBUIÇÃO DE LUCROS
FRUTOS CIVIS
Data do Acordão: 12/16/2010
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: CJASTJ, ANOXVIII, TOMO III/2010, P.226
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :

I - Se os cônjuges contraíram casamento sem convenção antenupcial, devem ter-se como casados sob o regime de comunhão de adquiridos, fazendo parte dessa comunhão o produto do trabalho dos cônjuges e os bens adquiridos na constância do matrimónio, que não sejam exceptuados por lei, constituindo bens próprios de cada cônjuge os bens adquiridos na constância do matrimónio por virtude de direito próprio anterior – cf. arts. 1717.º, 1724.º e 1722.º, al. c), todos do CC.
II - Os sócios têm direito aos lucros da sociedade, como resulta do disposto nos arts. 217.º e 294.º do CSC. Todavia, tal direito não resulta automaticamente da geração de lucros, já que a lei não determina a sua distribuição imediata, podendo ser afastado por cláusula contratual e por deliberação de ¾ dos votos correspondentes ao capital social – cf. arts. 217.º, n.º 1, e 294.º, n.º 1, do CSC.
III - A constituição de reservas, resultantes da acumulação de dividendos/lucros ou de outros montantes para dividir pelos sócios que, em vez de serem divididos, foram convertidos em aumentos de capital social, numa sociedade comercial em que o réu já era proprietário, antes de se casar, de uma quota social, não constituem frutos civis – cf. art. 212.º, n.º 1, do CC.
IV - Deste modo, as reservas incorporadas na sociedade comercial, não podendo ser consideradas frutos civis – pois não têm existência autónoma com possibilidade de apropriação própria –, não se comunicaram à autora mulher, pese embora a respectiva constituição se tenha produzido na constância do matrimónio – cf. art. 1728.º, n.º 1, do CC.
V - Tendo-se provado que os aumentos de capital da sociedade ocorridos em numerário (entre o casamento e o divórcio das partes), foram realizados através de dinheiro doado pelo pai do réu e não podendo este Supremo retirar que a doação foi feita (apenas) a favor do réu (não compete ao STJ fazer ilações factuais), mas tendo sido essa dedução feita pelas instâncias, designadamente pela sentença de 1ª instância, a situação cairá na previsão do disposto no art. 1722.º n.º 1, al. b), do CC, que considera bens próprios do cônjuge os bens que lhe advierem depois do casamento por sucessão ou doação.
VI - De qualquer forma vale aqui também a argumentação usada para as reservas sociais, uma vez o numerário incorporado na sociedade deixou de ter existência autónoma com possibilidade de apropriação própria.


Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I- Relatório:
1-1- AA, residente na ..., Vila Nova de Famalicão, propôs a presente acção com processo ordinário contra BB, residente na ..., Vila Nova de Famalicão, pedindo que o R. seja condenado a reconhecer que A. e R. são proprietários, sem determinação de parte ou direito, de 55.000 acções num universo de 280.000 acções representativas do capital social de TN - Transportes M. S...N..., SA.
Fundamenta este pedido, em síntese, dizendo que a A. e o R. estão divorciados um do outro por sentença de 24-11-1997, tendo contraído contraíram casamento a 6-6-1982, sem convenção antenupcial. A 26-6-1980, o R. adquiriu uma quota de mil contos daquela sociedade que, então, se denominava M. S...N..., Limitada, sendo que entre 6-11-1984 e 23-12-1992, por ocasião de aumentos do capital social, aquela quota do R. viu o seu valor nominal aumentado para 56.000.000$00. A sociedade transformou-se em anónima, passando o R. a ser detentor de 56.000 acções no valor nominal de 1.000$00 cada, pelo que a propriedade de 55.000 acções são bens comuns de A. e R..
O R. contestou alegando, em resumo, que em 6-11-1984, a quota do R. foi aumentada em Esc. 1.192.726$0, por incorporação de reservas e em Esc. 1.807.274$00 por entrada em numerário. Em 22-12-1987, a quota do R. foi aumentada em Esc. 5.865.748$0, por incorporação de reservas e em Esc. 134.252$00 por entrada em numerário. Em 23-12-1992, a quota do R. foi aumentada para Esc. 56.000.000, por incorporação de reservas; sendo transformada em sociedade anónima passou o R. a ser detentor de 56.000 acções no valor nominal de Esc. 1.000$00 cada. O numerário com que o R. entrou para o capital social foi resultante de doações que seus pais lhe efectuaram, por conta da sua legítima, para o beneficiar e não ao casal.
Termina pedindo a improcedência da acção.
A A. replicou dizendo que o numerário em causa saiu da disponibilidade do casal e não tendo sido objecto de qualquer doação.

O processo seguiu os seus regulares termos posteriores, tendo-se proferido o despacho saneador, após o que se fixaram os factos assentes e se organizou a base instrutória, se realizou-se a audiência de discussão e julgamento, se respondeu à base instrutória e se proferiu a sentença.

Nesta julgou-se a acção improcedente e, em consequência, absolveu-se o R. do pedido contra ele formulado.

1-2- Não se conformando com esta decisão, dela recorreu a A. de apelação para o Tribunal da Relação do Porto, tendo-se aí, por acórdão de 19-05-2010, julgado improcedente o recurso, confirmando-se a sentença recorrida.

1-3- Irresignada com este acórdão, dele recorreu a A. para este Supremo Tribunal, recurso que foi admitido como revista e com efeito devolutivo.
A recorrente alegou, tendo das suas alegações retirado as seguintes conclusões:
1ª- Na Sociedade, “TN - Transportes M. S...N..., S.A.", a ausência de divisão de lucros/dividendos e outros montantes pelos sócios, referida na resposta ao quesito 9, pressupõe que tais lucros e outros montantes seriam um direito dos sócios, entre os quais o réu BB, casado em comunhão de adquiridos com a A.
2ª- Juntamente com os demais sócios, o réu BB anuiu a que os lucros/dividendos e outros montantes que lhe cabiam, transitassem directamente para o capital, nele sendo incorporados, como reservas;
3ª- As reservas mencionados nas respostas aos quesitos 1 e 9 da b.i, não resultaram de mera reavaliação da quota inicial do réu BB, no valor de 1.000.000$00, mas sim da valorização do activo da sociedade, por acréscimo de existências, decorrente da acção da gerência, onde se incluía aquele réu, conforme docs. de fls. 32, 88, 189 a 197, 234, 236 e 238 dos autos, parte integrante dos articulados;
4ª- Através dos citados documentos, verifica-se que, sendo o réu também gerente, as reservas, incorporadas no capital da sociedade “TN Transportes M. S...N..., S.A.", na vigência do casamento de A. e réu, referidas nas alíneas h) a m) dos factos assentes, só podem ter resultado do acréscimo das existências do activo, por causa do trabalho da gerência, muito para lá do valor inicial da quota de 1.000 contos do réu BB;
5ª- Isto, porque é um facto notório, do conhecimento geral, que, a não ser por acréscimo de existências, jamais se alcançaria uma reavaliação de cerca de 550% da participação social do réu, em menos de 12 anos.
- Acresce ainda que, quanto aos valores em numerário, que se incorporaram nas reservas conducentes aos aumentos de capital da dita sociedade, ficou provado apenas que tais valores foram doados por M... S...N...;
7ª- Assim, na conformidade das alegações precedentes, é inquestionável que todos os valores que proporcionaram a subida da participação social do réu de 1.000 contos para 56.000 contos constituem um bem comum do casal, que o mesmo constituíra com a A., só dissolvido em 24/11/1997 (al. b) f. assentes);
8ª- Além do mais, na ausência de qualquer prova da exclusividade do réu como donatário, é presumível a comunicabilidade do aumento da participação social do réu, constituindo um bem comum do casal que o mesmo constituíra com a A., ora recorrente, no valor de 55.000 contos;
9ª- O douto acórdão recorrido, ao considerar o valor do referido aumento da participação social, no montante de 55.000 contos, como bem exclusivo do réu, confirmando a sentença da 1ª instância, violou o disposto nos art. 1724°, a) e b), 1725°, 1; e 1733°, 2, do Cód. Civil.

O recorrido contra-alegou, pronunciando-se pela confirmação do acórdão recorrido.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:

II- Fundamentação:
2-1- Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, apreciaremos apenas as questões que ali foram enunciadas (arts. 690º nº 1 e 684º nº 3 do C.P.Civil).
Nesta conformidade, será a seguinte a questão a apreciar e decidir:
- Se o incremento patrimonial social que ocorreu na empresa TN - Transportes M. S...N..., SA., derivado da incorporação de reservas no capital social e de entradas de numerário, deve ser reputado como coisa comum do casal ou se como bem próprio do R. BB.

2-2- Vem fixada das instâncias a seguinte matéria de facto:
1. A. e R. casaram entre si em 6 de Junho de 1982, sem convenção antenupcial – alínea A).
2. O referido casamento foi dissolvido, por divórcio, em 24 de Novembro de 1997, no âmbito da acção de divórcio por mútuo consentimento que, autuada sob o nº 552-A/2002, correu seus termos pelo 2º Juízo Cível do T. J. de Vila Nova de Famalicão – alínea B).
3. Como preliminar da acção de divórcio, a A. instaurou contra o R., providência cautelar de arrolamento dos bens comuns do casal – alínea C).
4. Posteriormente, por apenso às referidas acções de divórcio e de procedimento cautelar, foi instaurado processo de inventário para partilha dos bens comuns do extinto casal – alínea D).
5. Nos autos de inventário foi proferido, em 12 de Fevereiro de 2003, despacho transitado em julgado, que remeteu as partes para os meios comuns, relativamente aos bens “sobre os quais não existe acordo” – alínea E).
6. O R. foi admitido como sócio da sociedade “ M. S...N..., Ldª”, em 26 de Junho de 1980 – alínea F).
7. Por escritura pública datada do dia 26 de Junho de 1980, por via de um aumento de capital e alteração parcial do pacto, subscreveu o R. uma quota no valor nominal (à data) de 1 000 000$00 realizado em dinheiro, no capital social da sobredita sociedade, que passou de 100 000$00 para 5 000 000$00 – alínea G).
8. Por escritura pública de 6 de Novembro de 1984, do 2º Cartório Notarial de Vila Nova de Famalicão, foi deliberado reforçar o capital social da mesma sociedade “M. S...N..., Ldª” de 5.000.000$00 para 20.000.000$00, através da incorporação de reservas e de entrada em numerário – alínea H).
9. O referido aumento de 15. 000,000$00 foi integrado nas quotas dos sócios, na proporção da respectiva participação no capital social da sociedade, sendo que o aqui R. BB, viu reforçada a sua quota no montante de 3.000.000$00, sendo 1.192.726$00, por incorporação de reservas de reavaliação e 1.807.274$00, com entrada em numerário – alínea I).
10. Em 22 de Dezembro de 1987, por escritura pública do 2º Cartório Notarial de Vila Nova de Famalicão, foi deliberado aumentar o capital social da mesma sociedade “M. S...N..., Ldª” de 20.000.000$00 para 50.000.000$00 – alínea J).
11. Sendo que do aumento de 30.000.000$00, 671.261$00 foi realizado em dinheiro e 29.328.739$00 foi realizado por incorporação de reservas – alínea K).
12. Tal aumento de 30.000.000$00 foi efectuado na proporção das quotas de cada sócio, sendo a quota do sócio e aqui R. BB, elevada para 10.000.000$00 – alínea L).
13. Por escritura pública de 23 de Dezembro de 1992, do 2º Cartório Notarial de Vila Nova de Famalicão, foi deliberado aumentar o capital social da sociedade “M. S...N..., Ldª” de 50.000.000$00 para 280.000.000$00, subscrito pelos sócios e, assim, pelo sócio BB, ora R., na proporção das suas quotas e todo realizado por incorporação de reservas – alínea M).
14. Sendo a partir de então a sua quota elevada para 56.000.000$00 – alínea N).
15. Nessa mesma escritura foi ainda deliberado transformar essa sociedade em sociedade anónima, com a denominação “TN – Transportes M. S...N..., S.A.”, passando o capital de 280.000.000$00 a ser representado por 280.000 acções, no valor nominal de 1.000$00 cada uma, recebendo cada sócio o número de acções correspondentes aos valores nominais das quotas que detinham – alínea O).
Resultantes da Decisão de Facto:
16. Todos os aumentos de capital da sociedade “TN – Transportes M. S...N..., S.A”, ocorridos em numerário, entre o casamento e o divórcio das partes, relativamente à quota inicial do R., ou seja, o aumento de 1.807.274$00, de 6/11/1984 e o aumento de 134.252$00, de 22/12/1987 do valor total de 1.941.526$00 (9.684,29 Euros) foram realizados através de dinheiro doado pelo pai do R. M... S...N... – 2º da B.I..
17. Os pais do R. não compareceram ao casamento do R. com a A. – 8º da B.I..
18. As reservas que serviram para que se efectuassem aumentos de capitais, resultaram da acumulação de dividendos/lucros ou de outros montantes para dividir pelos sócios que, em vez de serem divididos, foram convertidos em aumentos de capital – 1º e 9º da B.I.. -------------------------------------------

2-3- Na presente acção pretende a A., em síntese, que se lhe reconheça que ela, juntamente com o R., são proprietários de 55.000 acções do capital social da empresa “TN - Transportes M. S...N..., SA.”, por terem sido adquiridas na constância do seu casamento com o R..
O R., por sua vez, defende que essas acções são apenas suas uma vez que a sua primitiva quota da sociedade foi adquirida antes do seu casamento com a A., sendo que foi essa quota que foi sucessivamente reforçada, nunca tendo saído do seu património individual. Os sucessivos aumentos de capital foram realizados por incorporações de reservas sociais e por numerários resultantes de doações a si realizadas por seus pais.
No douto acórdão recorrido, confirmando a posição assumida pela 1ª instância, entendeu-se que o sócio não retira do aumento de capital por incorporação de reservas qualquer proveito, qualquer vantagem patrimonial directa, já que a sua participação na sociedade tem, antes e depois, o mesmo valor real, havendo uma mera aproximação do valor nominal da participação ao seu valor real. Por isso, o aumento de capital social, que redunda em benefício de cada sócio é, no caso presente, resultante de facto anterior ao casamento que consiste em ser titular de fracção de capital social, situação pré-existente na data do matrimónio. Isto é, a incorporação de reservas, foi adquirida por virtude de direito próprio anterior. O circunstância de ser titular da quota inicial, adquirida antes do matrimónio, é que permitiu o passar a ser titular da quota de maior valor nominal e, posteriormente, das acções (quando a sociedade se transformou em sociedade anónima). Assim, as incorporações de reservas devem ser reputadas como bens próprios do R., nos termos dos arts. 1722º, 1, c), e 1728º, 1, do C. Civil (diploma de que serão as disposições a referir sem menção de origem). O mesmo se diga em relação às entradas em dinheiro, já que o poder ser titular da quota de maior valor e, posteriormente, das acções, é adquirido em consequência de ser titular da quota inicial. Se não tivesse aquela quota, jamais beneficiaria dos aumentos ou lhe seria possível subscrever o respectivo aumento por entradas em dinheiro. Acresce que a participação social aumentada por entrada em numerário é, no seu cômputo geral, inferior à resultante da incorporação de reservas, pelo que esta nunca faria perder a natureza de própria, ainda que essas entradas tivessem sido feitas com numerário comum. A entrada em numerário é menos valiosa do que a restante (vide art. 1726º nº 1).
Por isso se considerou que as acções em causa, são bens próprios do R., pelo que se considerou improcedente a posição da A..
Sustenta a recorrente que se considerou no acórdão recorrido, fundamentalmente, que os aumentos de capital social efectuados pela sociedade incidiram sobre um bem próprio do R., mantendo, por isso, essa característica. Importa, porém, sublinhar que não se podem desligar os aumentos de capital, quer em reservas, quer em numerário, do património do casal constituído por A. e R., os quais decidiram, na constância do matrimónio, abdicar da distribuição de lucros, aceitando, com os demais, aplicar no capital da sociedade o que lhes caberia por direito à referida distribuição. As reservas resultam da acumulação de dividendos/lucros ou de outros montantes para distribuir pelo recorrido, delas aproveitando a recorrente, na constância do seu matrimónio com o R.. O facto de terem anuído ao reforço do capital da sociedade, não lhes retira a característica de bem comum, como decorre dos arts. 1724º a) e b) e 1730º nº 1.
Vejamos:
Como no caso vertente os cônjuges (A. e R.) contraíram casamento sem convenção antenupcial, devem ter-se como casados sob o regime de comunhão de adquiridos (art. 1717º). Neste regime, fazem parte da comunhão, o produto do trabalho dos cônjuges e os bens adquiridos na constância do matrimónio, que não sejam exceptuados por lei (art. 1724º). Para o caso presente, haverá a sublinhar que, como resulta do disposto no art. 1722º al. c), são bens próprios de cada cônjuge os bens adquiridos na constância do matrimónio por virtude de direito próprio anterior.
Recorde-se que quando o R. casou já era proprietário (desde 26 de Junho de 1980) de uma quota social da dita empresa, no valor nominal de 1.000.000$00. E sem qualquer dúvida (a própria recorrente não contesta isso), essa quota constitui um bem próprio do R., como decorre do art. 1722º, alínea a).
Posteriormente o valor nominal da quota cresceu em consequência de aumentos do capital social, acréscimos resultantes de incorporação de reservas e de entradas em dinheiro.
As instâncias consideram que esse aumento de capital social de que o R. beneficiou, foi resultante de direito próprio anterior ao casamento (do facto de ser já titular da dita quota social), pelo que o resultado desse aumento foi reputado como bem próprio do R., de acordo com aquele art. 1722º al. c).
Discordando desta construção diz a recorrente que as reservas resultam da acumulação de dividendos/lucros ou de outros montantes para distribuir pelo R., delas aproveitando ela, recorrente, por tal ter sucedido na constância do seu matrimónio com o R.. Assim, o respectivo aumento aproveita-lhe.
É certo que, os sócios têm direito aos lucros da sociedade, como resulta do disposto nos arts. 217º e 294º do C.S.Comerciais (para as sociedades por quotas). Todavia tal direito não resulta automaticamente da geração de lucros, já que a lei não determina a distribuição imediata deles. A lei somente proíbe a não distribuição de metade dos lucros do exercício, caso não exista cláusula contratual diversa, ou deliberação em contrário de ¾ dos votos correspondentes ao capital social. Assim, poder-se-á dizer que o direito à distribuição de lucros é supletivo, pois pode ser afastado por cláusula contratual e por deliberação de ¾ dos votos correspondentes ao capital social (vide de novo arts. 217º nº 1 e 294º nº 1).
No caso dos autos, provou-se que as reservas que serviram para que se efectuassem aumentos de capitais, resultaram da acumulação de dividendos/lucros ou de outros montantes para dividir pelos sócios que, em vez de serem divididos, foram convertidos em aumentos de capital. Isto é, os lucros da sociedade (e dividendos), ao invés de serem repartidos pelos sócios foram convertidos em aumento do capital social.
Por evidente falta de elementos e porque sabemos que o direito do sócio ao lucro da sociedade pode ser afastado por cláusula contratual ou por deliberação de ¾ dos votos correspondentes ao capital social, não poderemos concluir ter existido qualquer irregularidade na conversão dos lucros em aumento do capital social. Aliás essa questão (atinente a uma possível infracção das disposições legais aludidas), não foi sequer alegada no presente caso, não tendo, outrossim, sido referido ter sido intentada qualquer acção para declarar a irregularidade dessa operação.
Temos, portanto, como certo e sem que se prove a ocorrência de qualquer invalidade formal, o aumento de capital da sociedade por conversão de lucros. (1)
Porque o aumento de capital (com o consequente aumento de quotas e de acções), ocorreu no decurso do casamento, questiona-se se esse incremento patrimonial, deve ser reputado como coisa comum ou se como bem próprio do R.. Mais particularmente indaga-se se as reservas que se incorporaram no capital social, se comunicam ao outro cônjuge, em razão das respectivas operações se terem produzido na constância do casamento.
Como essa incorporação resultou da circunstância de o R. ser titular da primitiva quota social, coloca-se a questão de saber se as reservas produzidas pela sociedade devem ser reputadas como frutos civis. A este respeito convém sublinhar que, nos termos do art. 212º nº 1, são frutos de uma coisa, tudo o que ela produz periodicamente, sem prejuízo da sua substância, sendo civis as rendas ou interesses que a coisa produz em consequência de uma relação jurídica (nº 2 da disposição).
Nos termos do art. 1728º nº 1 consideram-se bens próprios de um cônjuge, os bens adquiridos por titularidade de bens próprios que não possam ser considerar-se como frutos destes, sem prejuízo da compensação eventualmente devida ao património comum.
Por tanto, face a esta disposição, não se questionando, a nosso ver, que o aumento de capital em causa foi derivado da titularidade pelo R. da primitiva quota social, coisa própria dele (2) só se se considerar esse acréscimo como fruto (civil) é que se poderá colocar a hipótese da sua comunicação à A. mulher.
A este respeito refere Lopes Cardoso (3) que pese embora as novas acções “hajam sido formadas à custa de rendimentos, a lei não considera as reservas como frutos e, assim, as acções antigas, fazem parte do dote as acções novas se constituído com as acções antigas, ou serão bem próprio do cônjuge a quem estas pertenciam já (comunhão de adquiridos)
Não constituindo para este autor as reservas frutos civis, é evidente que face à evidenciada disposição legal não se comunicarão ao cônjuge, no caso à A. mulher.
No mesmo sentido decidiu o acórdão da Relação de Lisboa de 9-10-1997 (4). Neste aresto, distinguindo-se as reservas livres, de resultados sociais distribuídos escreve-se “enquanto as “reservas livres” fazem parte do património líquido da sociedade, os resultados atribuídos passam a constituir património dos sócios mesmo antes do seu vencimento e pagamento, razão por que passam a constituir um passivo da sociedade … é a deliberação dos sócios que distribuiu os resultados que transforma os “rendimentos” em verdadeiros “frutos civis”. Sem essa deliberação o sócio detém apenas um direito de participar nos resultados que venham a ser distribuídos, e caso o venham a ser. Só constitui “fruto” e como tal “comunicável” o resultado efectivamente distribuído. As reservas livres podem afectar e afectam naturalmente a valorização do bem (a sociedade), mas não constituem para nós algo diferente e autónomo susceptível de apropriação individualizada. Ora o conceito de “fruto” implica a existência da coisa ou interesse que se destaca periodicamente da coisa ou bem que lhe deu origem sem afectar a substância deste”.
Quer dizer, apenas constituem frutos, os rendimentos efectivamente distribuídos. A constituição de reservas, não obstante valorizem a sociedade, não têm essa característica, pois não têm existência autónoma com possibilidade de apropriação própria.
Ainda a respeito de as reservas não constituírem frutos, refere Lopes Cardoso (5) “tal conclusão ressalta ainda de etiologia do preceito (art. 1728º nº 1), pois na redacção proposta para ele consideravam-se como próprios os bens … adquiridos por virtude da titularidade dos bens … próprios, que não pudessem ser considerados frutos ou rendimentos e esta referência não a incluiu a norma adoptada”. Em nota de rodapé, o mesmo autos refere que “a eliminação residiu, necessariamente, no propósito de só atribuir a natureza de «próprios» aos bens adquiridos que não fossem frutos, certo que, no critério legal, se todos os frutos são rendimentos, nem todos os rendimentos são frutos”.
Portanto as reservas incorporadas, não podendo ser consideradas frutos civis, não se comunicaram à A. mulher, pese embora a respectiva constituição se tenha produzido na constância do casamento.
Questão diferente será a de saber se a A. terá direito a uma compensação nos termos da parte final do art. 1728º nº 1, questão, porém, que não cabe aqui apreciar.
Mas, no caso, como se demonstrou, os aumentos de capital da sociedade, resultaram, não só através da constituição de reservas, mas também por entradas de numerário, sendo que essas entradas foram realizadas através de dinheiro doado pelo pai do R. M... S...N... (2º da B.I.).
O acórdão recorrido, em relação a estas entradas de dinheiro, referiu que o aumento de capital daí resultante derivou da circunstância de o R. ser titular da quota inicial. Se não tivesse essa quota, jamais beneficiaria dos aumentos ou lhe seria possível subscrever o respectivo aumento por entradas em dinheiro. Além disso, acrescentou que “há ainda que ter em devida conta o facto de a participação social aumentada por entrada em numerário ser, no seu cômputo geral, inferior à resultante da incorporação de reservas, pelo que esta nunca faria perder a natureza de própria, ainda que essas entradas tivessem sido feitas com numerário comum. A entrada em numerário é menos valiosa do que a restante - ver art. 1726º nº 1”.
Em relação a este aspecto a A., negando qualquer dádiva por parte dos pais do R. (ou por outrem), afirmou que os aumentos de capital através de numerário “saiu da disponibilidade do dissolvido casal” (arts. 11 e 12 da réplica).
Esta factualidade foi levada ao art. 1º da B.I., mas recebeu resposta negativa. Quer dizer que a A. não logrou provar, conforme alegara, que os aumentos de capital derivados da entrada na sociedade de dinheiro, tinham saído de rendimentos do casal.
Ficou, porém, provado que todos os aumentos de capital da sociedade ocorridos em numerário (entre o casamento e o divórcio das partes), foram realizados através de dinheiro doado pelo pai do R. M... S...N....
Desta circunstância não pode este Supremo retirar que a doação foi feita (apenas) a favor do R. (não compete ao STJ fazer ilações factuais). Porém, essa dedução foi feita pelas instâncias, designadamente pela sentença de 1ª instância (6) , que referiu expressamente que “resultando da matéria de facto provada que o réu foi o único beneficiário directo da doação – e não se tendo provado, nem sendo de presumir que a aludida doação haja sido efectuada ao casal – há que inferir que a mesma foi efectuada ao réu e que, por isso, mesmo que fosse possível dissociar a natureza jurídica da participação social originária e seus reforços, em numerário, sempre as novas acções (tal como o aumento do valor nominal da quota) que resultaram desse incremento, constituiriam um bem próprio do réu, por força das alíneas b) e c) do nº 1 do art. 1722º do C.C.”. Não tendo sido colocada em causa pelo recurso a ilação factual efectuada (7) , a situação cairá na previsão do disposto no art. 1722º nº 1 al. b).
De qualquer forma, também aqui vale a argumentação acima usada para as reservas, uma vez o numerário incorporado na sociedade deixou de ter existência autónoma com possibilidade de apropriação própria. E não nos esqueçamos que se o R. não fosse proprietário da (primitiva) quota, jamais poderia beneficiar dos aumentos derivados não só da incorporação de reservas, como também das entradas em dinheiro. Por isso, nos parece também aqui chamar à liça o disposto no art. 1722º nº 1 al. c) que, como se viu, considera próprios do cônjuge os bens adquiridos na constância do casamento por virtude de direito próprio anterior.
Assim se concluiu que, como decidiram as instâncias, o bem em causa é bem próprio do R., pelo que a pretensão da recorrente improcede.

III- Decisão:
Por tudo o exposto, nega-se a revista confirmando-se o douto acórdão recorrido.
Custas pela recorrente.

Garcia Calejo (Relator) *
Helder Roque
Sebastião Póvoas
__________________

(1) As entradas de dinheiro serão tratadas mais à frente.

(2) A este propósito refere Lopes Cardoso (in Partilhas Judiciais, Volume III, pág. 373) a respeito de acções novas, que estas “são adquiridas por virtude da titularidade de bens já existentes em certo património é inquestionável, pois o possuir acções antigas é que radica o direito à atribuição gratuita de novos títulos”.
Evidentemente que o que vale para as sociedades anónimas (acções), deve valer para as sociedades por quotas, sendo equivalente a atribuição de novas acções, ao aumento do valor nominal da quota

(3) Mesma obra e página.

(4) Col. de Jur. Ano 1997, Tomo IV, pág. 115. De sublinhar que apesar da consulta de vários elementos não se logrou encontrar outra jurisprudência a tratar do tema.

(5) Mesma obra, pág. 373

(6) Posição aceite no douto acórdão recorrido.

(7) O Supremo poderia sindicar a dedução feita, mas apenas na medida em que contendesse com a unidade lógica factual, o que deriva do poder atribuído pelo art. 729º nº 3 do C.P.Civil no sentido de poder controlar a suficiência e coerência da base factual.