Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1191/16.4PCLSB-A.S1
Nº Convencional: 5ª SECÇÃO
Relator: ISABEL SÃO MARCOS
Descritores: RECURSO DE REVISÃO
NOVOS FACTOS
NOVOS MEIOS DE PROVA
NOTIFICAÇÃO PESSOAL
ANTECEDENTES CRIMINAIS
Data do Acordão: 06/27/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE REVISÃO
Decisão: NEGADA A REVISÃO
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL PENAL – ACTOS PROCESSUAIS / COMUNICAÇÃO DOS ACTOS E CONVOCAÇÃO PARA ELES – RECURSOS / RECURSOS / RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS / REVISÃO.
Doutrina:
- Paulo Pinto de Albuquerque, Código de Processo Penal, 4.ª edição, Universidade Católica Portuguesa, p. 1206 e 1207.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 113.º, N.º 10, 449.º, N.ºS 1, ALÍNEA D) E 3 E 453.º, N.º 2.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 32.º, N.º 6.
Referências Internacionais:
CONVENÇÃO EUROPEIA DOS DIREITOS DO HOMEM (CEDH): - ARTIGO 6.º, N.º 3, ALÍNEA C).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- ACÓRDÃO N.º 59/99, DE 02-02-1999, PROCESSO N.º 487/97, IN DR, II SÉRIE, N.º 75, DE 30-03-1999;
- DE 11-03-1993, PROCESSO N.º 43.772;
- DE 03-07-1997, PROCESSO N.º 485/97;
- DE 10-04-2002, PROCESSO N.º 616/02;
- DE 01-07-2009, PROCESSO N.º 319/04.1GBTMR-B.S1;
- DE 20-02-2013, PROCESSO N.º 2471/02.1TAVNG-B.S1;
- DE 20-06-2013, PROCESSO N.º 198/10.0TAGRD-A.S1;
- DE 25-06-2013, PROCESSO N.º 51/09.0PABMAI-B.S1;
- DE 02-12-2013, PROCESSO N.º 478/12.0PAAMD-A.S1;
- DE 06-03-2014, PROCESSO N.º 67/07.0PALRS-A.S1;
- DE 07-12-2016, PROCESSO N.º 1136/13.3PCSNT-A.S1.


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ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:

- ACÓRDÃO N.º 59/99, DE 02-02-1999, IN DR N.º 75, 2.ª SÉRIE, DE 30-03-1999;
- ACÓRDÃO N.º 461/2004, IN WWW.TRIBUNALCONSTITUCIONAL.PT.
- ACÓRDÃO N.º 109/15, DE 06-03-2012, IN DR, 2.ª SÉRIE, N.º 72, DE 11-04-2012.
Sumário :
I - Com respeito ao conceito de novos factos e/ou novos meios de prova, tem vindo a pronunciar-se a generalidade da doutrina no sentido de que são novos os factos ou meios de prova que não tenham sido apreciados no processo que levou à condenação do agente, por não serem do conhecimento da jurisdição na ocasião em que ocorreu o julgamento, pese embora pudessem ser do conhecimento do condenado no momento em que foi julgado.
II - De harmonia com o disposto no art. 453.º, n.º 2, do CPP, só podem ser indicadas testemunhas que já foram ouvidas no processo e só excepcionalmente testemunhas que jamais o foram. Porém, a suceder tal, terá o requerente de justificar a razão por que assim ocorreu, e designadamente porque ignorava a sua existência ao tempo da decisão, ou porque as mesmas estiveram impossibilitadas de depor.
III - Mas, numa outra perspectiva algo menos restritiva que a anterior e da qual vimos partilhando, tem considerado certa jurisprudência do STJ que os factos ou meios de prova, embora conhecidos de quem cabia apresentá-los, serão ainda invocáveis em sede de recurso de revisão, contanto que, antes da sua apresentação, se dê justificação bastante para a omissão verificada, explicando-se, designadamente, o motivo por que tal não sucedeu antes (por impossibilidade prática ou por, na altura, se considerar que não deviam ser apresentados os factos ou os meios de prova, agora novos para o tribunal).
IV - Considerando que com o pedido de revisão, fundado na al. d) do n.º 1 do art. 449.º do CPP, teve em vista o requerente, não a correcção da medida da pena em que foi condenado mas, tão-só a alteração da espécie da mesma, o que vale por dizer a substituição da pena de 3 anos e 6 meses de prisão efectiva decidida pela Relação pela pena em igual medida mas declarada suspensa na respectiva execução que lhe havia sido imposta pelo Tribunal de 1.ª instância, entende-se que, no caso, não há lugar à convocação da norma do n.º 3 do art. 449.º do CPP e, como consequência, que o recurso será, por princípio, admissível.
V - O n.º 10 do art. 113.º do CPP, ao não prever a obrigação da notificação pessoal do arguido do recurso interposto pelo MP da sentença que o haja condenado em pena de prisão suspensa na respectiva execução, não afronta qualquer preceito constitucional, maxime o do n.º 6 do artigo 32.º da CRP.
VI - O estatuído na norma do n.º 10 do art. 113.º do CPP não importa ofensa alguma do estatuído no art. 6.º, n.º 3, al. c) da CEDH, também invocado pelo requerente, e que estabelece tão-só que o acusado tem, entre outros direitos, o direito de se defender a si próprio ou de ter a assistência de um defensor da sua escolha, e se não tiver meios para remunerar um defensor, que pode ser assistido gratuitamente por um defensor oficioso, quando os interesses da justiça assim o exigirem.
VII – Na al. d) do n.º 1 do art. 449.º do CPP, a considerar, como parece considerar, que os depoimentos das referidas testemunhas (uma delas sua progenitora e outra sua companheira à data do facto ilícito típico) se revestiam de interesse para aferir das suas condições pessoais, deveria o arguido e ora requerente tê-los feito valer aquando do julgamento em 1.º instância, a que não compareceu e que se realizou escassos 20 dias após ter sido detido em flagrante delito, constituído arguido e prestado TIR, ocasião em que disse ser solteiro, estudante, e residir em Cascais.
VIII - A inércia voluntária do interessado quanto à indicação dos factos/meios de prova alegadamente considerados essenciais para a descoberta da verdade não pode servir de fundamento para o pedido de revisão da sentença transitada em julgado, sob pena, isso sim, de serem violados os princípios constitucionais da segurança jurídica, da lealdade processual e da protecção do caso julgado.
IX - Sendo o requerente aquando da prática do facto ilícito típico solteiro, maior de 24 anos de idade, estudante, e residente em Cascais, mal se compreende a relevância que para o caso teriam os depoimentos que porventura viessem a prestar as ditas testemunhas sobre as suas condições pessoais.
X - A mera circunstância de por lapso se mencionar nos antecedentes criminais do arguido que o mesmo foi anteriormente condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes (e não pela prática de um crime de consumo de estupefacientes, não releva para efeitos de revisão se ao mencionado facto (erróneo tão-só no que concerne à sua qualificação jurídica) não foi atribuída particular relevância pela Relação que, para efeitos do decidido, enfatizou, isso sim, o percurso criminal do arguido, com especial enfoque para o cumprimento efectivo de penas de prisão por parte do mesmo, embora por crimes de diferente notureza daquele por cuja prática foi condenado na decisão revidenda.
XI - Daí que, não se divise que tal facto - a que, como visto, não foi conferida relevância de maior na decisão revidenda - por si só e em conjugação com os demais apreciados naquela oportunidade seja de alguma sorte idóneo a suscitar graves dúvidas sobre a justiça da condenação do arguido na referenciada pena de 3 anos e 6 meses de prisão efectiva.
Decisão Texto Integral:

*

I. Relatório

1.

No Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Local de Pequena Criminalidade de Lisboa e no âmbito do Processo Sumário n.º 1191/16.4PCLSB, o arguido AA foi condenado, por sentença de 29.12.2016, pela prática de um crime de tráfico ilícito de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 25.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.01, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, com regime de prova a ser elaborado pelos Serviços de Reinserção Social.

Decisão que, na procedência reconhecida ao recurso interposto pelo Ministério Público, o Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 06.06.2017, transitado em julgado em 22.06.2017, revogou tão-só no que concerne à suspensão da referida pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão que passou a ser efectiva.

2.

Invocando como fundamento o previsto na alínea d), do número 1 do artigo 449.º do Código de Processo Penal, o condenado AA veio, em 08.04.2019, interpor o presente recurso extraordinário de revisão do aludido acórdão condenatório de 06.06.2017.

São as seguintes as conclusões que o requerente entendeu extrair da sua motivação:

“1. O recorrente foi condenado na sua ausência a uma pena de prisão suspensa na sua execução;

2. O MP recorreu dessa decisão;

3. O Recorrente não foi notificado, na sua pessoa, da interposição desse recurso;

4. O Recorrente reclama que [o] mandatário que lhe foi nomeado não lhe prestou uma assistência jurídica concreta e efectiva, conforme determina o artigo 6.º, n.º 3, alínea c), da Convenção Europeia dos Direitos do Homem;

5. Alegando-se expressamente a inconstitucionalidade, por omissão, do artigo 113.º, n.º 10, do CPP, na redacção em vigor à data de interposição do presente recurso, ao não consagrar a obrigatoriedade da notificação ao arguido, na sua pessoa, da interposição de recurso cujo pedido consista na revogação da suspensão da execução da pena aplicada em 1.ª instância, por violação do artigo 32.º, n.º 7, da CRP;

6. Por esse motivo, não pôde aduzir factos novos que permitissem o Tribunal a quo apreciar o recurso tendo como fundamento as condições pessoais do Recorrente.

7. Ora, caso o Recorrente tivesse tido oportunidade de apresentar esses factos novos, se lhe tivesse sido assegurado através de um efectivo contraditório material, estes seriam susceptíveis de criar graves dúvidas acerca da justiça levada a cabo pela decisão do Tribunal a quo que o privou da liberdade, ao revogar a suspensão da execução da pena de prisão a que foi condenado.

8. Por fim, o âmbito do recurso de revisão interposto ao abrigo do n.º 1, alínea d), desse artigo, do CPP, não exclui a correcção quanto à escolha da pena.

Termos em que requer, e sempre com o mui douto suprimento de V. Exa., que seja dado provimento ao presente recurso e consequentemente:

- Autorizar a revisão do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa – 5.ª Secção Criminal e transitada em julgado, nos termos do artigo 449.º, n.º 1, alínea d), do CPP;

- Determinar a suspensão da execução da pena de prisão do Recorrente, sendo o Recorrente restituído à Liberdade, nos termos do artigo 457.º, n.º 2, do CPP;

- Autorizar a produção de prova, rol de testemunhas que se junta, atinente às condições pessoais em que o Recorrente se encontrava à data dos factos que determinaram a sua condenação, nos termos do artigo 453.º, n.º 2, do CPP, pois não teve oportunidade de o fazer, uma vez que não foi notificado, na sua pessoa, da interposição do recurso do MP que veio a determinar a revogação da suspensão da execução da pena de prisão a que foi condenado”.

3.

Pronunciando-se sobre os requeridos meios de prova, o Senhor Juiz do processo indeferiu, por despacho de 09.04.2019, a inquirição das sete testemunhas arroladas pelo requerente na consideração de que não se tratavam de novos meios de prova.

4.

Por sua vez, o Ministério Público na 1.ª instância, pronunciando-se sobre o mérito do recurso, concluiu no sentido da sua improcedência.

E isto já porque o requerente não indica de que sorte os depoimentos das testemunhas que ora arrolou e que não foram ouvidas no processo, em conjugação com as demais provas no mesmo produzidas, poderão suscitar sérias dúvidas sobre a justiça da condenação, já porque não alega que não ignorava a existência das referidas testemunhas aquando do julgamento ou que elas estiveram então impossibilitadas de depor, como impõe o número 2 do artigo 453.º do Código de Processo Penal, a que acresce que o novo facto relativo aos antecedentes criminais do requerente e atinentes ao tipo legal de crime e sanção em que foi condenado no âmbito do Processo n.º 101/13.5JALRA não se revela de molde a suscitar graves dúvidas acerca da sua condenação na mencionada pena de prisão efectiva.

E no mesmo sentido pronunciou-se o Ministério Público no Supremo Tribunal de Justiça na oportunidade conferida pelo número 1 do artigo 455.º do Código de Processo Penal.

5.

Quanto ao pedido de revisão deduzido pelo requerente AA o Senhor Juiz prestou a seguinte informação:

Interpôs o arguido recurso extraordinário de revisão, nos termos do artigo 448.º e 449.º, n.º1, al. d), do CPP, alegando que não foi notificado pessoalmente da interposição de recurso pelo Ministério Público, o que constitui uma violação dos seus direitos de defesa, tanto mais que foi assistido por mandatário que não escolheu, em violação do disposto no artigo 32.º, n.º2, da CRP.

Mais invoca a inconstitucionalidade por omissão do artigo 113.º, n.º 10, do CPP, porque violadora do disposto no art.º 32.º, n.º 7, da CRP, ao não prever expressamente a obrigatoriedade de tal notificação e que lhe vedou a possibilidade de apresentar os meios de prova necessários a sustentar a suspensão da execução da pena perante o tribunal de recurso, fundado num juízo de prognose favorável de que se julga ser merecedor.

Juízo de prognose favorável assente em factos atinentes à sua situação económica e pessoal, e sustentado em meios de prova, que ora deste modo invoca e apresenta, qualificando-os, em consequência, como novos para efeitos da aplicação do disposto no art.º 449.º, n.º 1, al. d), do CPP.

Finalmente, invoca que a decisão recorrida é, em consequência, desproporcional e injusta, devendo ser corrigida, uma vez que está em causa a escolha da pena e não a sua medida concreta, pelo que não é aplicável o disposto no art.º 449.º, n.º 3, do CPP.

Vejamos então.

Nos termos do disposto no art.º 449.º, n.º 1 do CPP, a revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando:

a) Uma outra sentença transitada em julgado tiver considerado falsos meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão;

b) Uma outra sentença transitada em julgado tiver dado como provado crime cometido por juiz ou jurado e relacionado com o exercício da sua função no processo;

c) Os factos que servirem de fundamento à condenação forem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação;

d) Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

e) Se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n.ºs 1 a 3 do artigo 126.º;

f) Seja declarada, pelo Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação;

g) Uma sentença vinculativa do Estado Português, proferida por uma instância internacional, for inconciliável com a condenação ou suscitar graves dúvidas sobre a sua justiça.

Acrescenta o n.º3 que o recurso sustentado nos termos do disposto na alínea d) do n.º 1 não é admissível quando tenha por único fim de corrigir a medida concreta da sanção aplicada.

Revertendo ao objecto do presente recurso, delimitado pelas conclusões apresentadas, temos que o mesmo se fundamenta na invocação da descoberta de novos factos ou de meios prova que de per si, ou conjugados com os apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação (artigo 449.º, n.º 1, al. d),do CPP).

Para sustentar a qualificação de tais factos como novos, argumenta o recorrente que estes não foram oportunamente apreciados sem culpa sua, uma vez que os não pode alegar por não ter sido notificado do recurso interposto pelo Ministério Público e por não ter sido cabalmente defendido, tanto mais que foi representado por mandatário que não escolheu.

Assim, a obrigatoriedade ou não da notificação da interposição de recurso e a conformidade do disposto no artigo 113.º, n.º 10 do CPP com o artigo 32.º, n.º 7, da CRP, constitui questão prévia à apreciação do fundamento do recurso, sobre a qual cumpre dar informação.

Vejamos.

Nos termos do disposto no art.º 113.º, n.º 10, do CPP, as notificações do arguido, do assistente e das partes civis podem ser feitas ao respectivo defensor ou advogado. Ressalvam-se as notificações respeitantes à acusação, à decisão instrutória, à designação de dia para julgamento e à sentença[1]1, bem como as relativas à aplicação de medidas de coacção e de garantia patrimonial e à dedução do pedido de indemnização civil, as quais, porém, devem igualmente ser notificadas ao advogado ou ao defensor nomeado.

A obrigatoriedade de notificação pessoal do arguido destes actos prende-se com a necessidade de garantir o exercício cabal dos seus direitos de defesa, consagrados no art.º 61.º do CPP, em particular, o direito de conhecer os factos que lhe são imputados, bem como os meios de prova em que assentam, para que os possa contraditar, o direito a estar presente e a ser ouvido, querendo, e o direito de recorrer (artigo 61.º, n.º 1, al. a), b), c), do CPP) e que constituem uma concretização do disposto no art.º 32.º, n.º 1, 5 e 7, da Constituição da República Portuguesa.

Mas tais direitos não se encontram tolhidos com a não obrigatoriedade de notificação da interposição do recurso pelo Ministério Público, até porque a reacção motivada quanto ao mesmo compete ao defensor ou advogado constituído, sendo um acto relativamente ao qual o arguido tem necessariamente que se encontrar representado (artigo 64.º, n.º 1, al. e), do CPP)[2].

É que o defensor exerce os direitos que a lei reconhece ao arguido, salvo os que reservar pessoalmente a este (artigo 63.º, do CPP), não havendo, assim, uma equivalência estrita entre os actos que podem ser praticados pelo arguido e que lhe devem ser notificados, e aqueles que podem ser praticados e que devem ser notificados ao defensor.

E essa falta de equivalência decorre da própria Constituição, que, no seu artigo 32.º, n.º 6, estatui que a lei define os casos em que, assegurados os direitos de defesa, pode ser dispensada a presença do arguido ou acusado, incluindo a audiência de julgamento.

A defesa do arguido é, nesses casos, salvaguardada pela presença do defensor, seja constituído por aquele, seja nomeado pelo tribunal (artigo 32.º, n.º 2, da CRP e artigo 61.º, n.º 1, al. e), do CPP).

O direito à assistência por defensor, constitucionalmente garantida, mesmo em caso de insuficiência económica (artigo 32.º, n.º 3 e 20.º, n.º 1, da CRP), constitui uma medida de tutela jurisdicional efectiva, destinada a garantir o pleno exercício de defesa por parte do arguido.

Do supra exposto, resulta que, contrariamente ao alegado, o artigo 113.º, n.º 10, do CPP, ao não incluir entre os actos obrigatoriamente comunicados ao arguido a notificação da interposição de recurso por parte do MP, não padece de qualquer inconstitucionalidade, estando tal restrição fundada no artigo 32.º, n.º 6 da CRP, sendo uma opção do Legislador, a qual é, além do mais consentânea com o disposto nos artigos 61.º, n.º 1, al. e), 63.º, n.º 1 e 64.º, n.º 1, al. e), do CPP.

Acresce que, no caso vertente, o arguido foi representado por defensor oficioso, que lhe foi nomeado, uma vez não escolheu, como podia, advogado para o representar, constituindo-o seu mandatário (artigo 62.º, n.º 1, do CP).

Pelo exposto, não se verificou nos autos qualquer preterição dos direitos de defesa do arguido no âmbito do recurso perante o Tribunal da Relação de Lisboa, e cujo acórdão constitui a presente decisão revidenda.

Posto isto, cumpre agora dar informação quanto ao fundo do recurso, analisando se existem ou não factos novos a apreciar.

Para resposta a sobre dita questão, importa, antes do mais, delimitar o âmbito do recurso de revisão.

O recurso de revisão “constitui um meio extraordinário de reapreciação de uma decisão transitada em julgado, e tem como fundamento principal a necessidade de se evitar uma sentença injusta, de reparar um erro judiciário, por forma a dar primazia à justiça material em detrimento de uma justiça formal” (cfr. Ac. do STJ de 14.05.18, disponível www.dgsi.pt), não servindo como reexame dos factos já analisados e dados como provados por sentença transitada em julgado, e cuja demonstração não foi posta em crise por qualquer forma, desde logo com novas provas ou com o conhecimento de novos factos determinantes para a decisão.

Os factos alegados pelo arguido, quanto à sua situação económica e pessoal, deveriam ter sido oportunamente alegados e só o não foram pela sua inércia e falta de empenho, de que a ausência ao julgamento é, além do mais, sintomática.

Todavia, compulsado o teor do acórdão recorrido, pode ler-se, no juízo feito sobre as exigências de prevenção especial, que “os autos não revelam que a personalidade do arguido apresente alguma especificidade, porque diferente da dos mais comuns dos mortais, e que leve a um prognóstico favorável no sentido da adopção de um comportamento distinto do empreendido e descrito nos autos.

Antes pelo contrário, a conduta do arguido terá de ser aferida a momento anterior ao cometimento do facto ilícito e aí não poderemos deixar de revelar o percurso criminal do arguido e o cumprimento efectivo de penas de prisão, embora por crimes de diversa natureza daquele de que nos ocupamos, apontam para que os elementos citados acima [“após a prática dos factos não é conhecido comportamento desviante ao arguido” e “a condenação já tida por tráfico de estupefaciente ter sido em pena de multa”] em que se fundou a decretada suspensão também não podem constituir alicerce bastante para fundar a exigida prognose favorável” (sublinhado nosso)

Do trecho citado resulta que foi determinante para o Tribunal de Recurso a existência do cumprimento efectivo de penas de prisão, mas também o percurso criminal no seu todo, conforme se evidenciou, entre os quais se inclui uma anterior condenação por tráfico, mas que após a consulta da certidão junta do processo n.º 101/13.5JALRA, resulta ser antes pela prática de um crime de consumo, p. e p. pelo art.º 40.º, n.º 2, do DL 15/93, de 22 de Janeiro.

É inquestionável que a energia criminosa de um crime de tráfico de estupefacientes, ainda que de menor gravidade, e de um crime de consumo é absolutamente diversa.

O certo é que, o certificado de registo criminal junto aos autos à data da condenação em primeira e segunda instância não atestava correctamente o crime pelo qual o arguido foi efectivamente condenado naqueles autos, o que poderá, em teoria, ter influenciado a decisão de não suspender a pena de prisão fixada.

Apenas este facto, agora descoberto, poderá ser qualificado como novo, nos termos do disposto no artigo 449.º, n.º 1, al. d), do CPP, sendo duvidoso que o seu conhecimento oportuno tivesse conduzido a solução diversa quanto à suspensão ou não da execução da pena de prisão aplicada ao arguido, a qual se prende com o modo de execução da pena e já não com a fixação da sua medida concreta (artigo 449.º, n.º 3, do CPP).

Em conclusão:

Do supra exposto, resulta que dos autos constava um elemento probatório, referente aos antecedentes criminais do arguido, que não traduzia de forma correcta os mesmos, o que poderá colocar dúvidas quanto à justiça da condenação.

Do texto do acórdão recorrido não é possível retirar o peso relativo conferido à condenação no processo n.º 101/13.5JALRA na análise feita ao percurso do arguido, e que fundou o afastamento da suspensão da execução da pena de prisão.

Todavia, face à preponderância ali dada ao anterior cumprimento de penas de prisão, entendemos que as dúvidas sobre a justiça da condenação, não têm, ainda assim, a gravidade exigida pelo artigo 449.º, n.º 1, al. d), do CPP”.

6.

Colhidos os “vistos”, foram os autos levados à conferência.

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II. Apreciação

Não tendo sido observado o estatuído no artigo 452.º do Código de Processo Penal, entendeu-‑se requisitar o processo principal à 1.ª instância, visto reputar-se indispensável a sua consulta para decidir do pedido de revisão que vem formulado pelo requerente.

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II.1 – Do recurso de revisão

Como bem se sabe, o recurso extraordinário de revisão de sentença transitada em julgado, com consagração constitucional no artigo 29.º, número 6, da Lei Fundamental, constitui o meio processual vocacionado para reagir contra clamorosos e intoleráveis erros judiciários ou casos de flagrante injustiça, fazendo-se prevalecer o princípio da justiça material sobre a segurança do direito e a força do caso julgado.

É assim que a segurança do direito e a força do caso julgado, valores essenciais do Estado de direito, cedem perante novos factos ou a verificação da existência de erros fundamentais de julgamento adequados a porem em causa a justiça da decisão.

Daí que o Código de Processo Penal preveja, de forma taxativa, nas alíneas a) a g) do número 1 do artigo 449.º as situações que podem, justificadamente, permitir a revisão da sentença penal transitada em julgado. São elas:

- Falsidade dos meios de prova, verificada por sentença transitada em julgado [alínea a)];

- Sentença injusta decorrente de crime cometido pelo juiz ou por jurado relacionado com o exercício da sua função no processo [alínea b)];

- Inconciliabilidade entre os factos que servirem de fundamento à condenação e os dados como provados noutra sentença, suscitando-se graves dúvidas sobre a justiça da condenação [alínea c)];

- Descoberta de novos factos ou meios de prova que, em si mesmos ou conjugados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação [alínea d)];

- Condenação com fundamento em provas proibidas [alínea e)];

- Declaração pelo Tribunal Constitucional, com força obrigatória geral, de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que haja servido de fundamento à condenação [alínea f)];

- Sentença de instância internacional, vinculativa do Estado Português, inconciliável com a condenação ou que suscite graves dúvidas sobre a sua justiça [alínea g)].

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II.2

2.1

Como se viu, no caso sub juditio, o requerente invoca, como fundamento do presente recurso de revisão, o previsto na alínea d), do número 1 do artigo 449.º do Código de Processo Penal, que, como já referido, estabelece que a revisão da sentença transitada em julgado é admissível quando se descobrirem novos factos ou meios de prova que, em si mesmos ou conjugados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

Ora, no que tange ao fundamento de revisão previsto na alínea d) do número 1 do artigo 449.º do Código de Processo Penal que vem invocado pelo recorrente, cabe ter presente que no número 3 do mesmo normativo estabelece a lei que, com fundamento na alínea d) do número 1, não é admissível a revisão com o único fim de corrigir a medida da pena.

De outro modo, e ora com respeito ao conceito de novos factos e/ou novos meios de prova, tem vindo a pronunciar-se a generalidade da doutrina no sentido de que são novos os factos ou meios de prova que não tenham sido apreciados no processo que levou à condenação do agente, por não serem do conhecimento da jurisdição na ocasião em que ocorreu o julgamento, pese embora pudessem ser do conhecimento do condenado no momento em que foi julgado.

Entendimento que, conquanto o Supremo Tribunal de Justiça houvesse partilhado durante largo lapso de tempo de jeito que podia considerar-se pacífico[3], veio, depois[4], a sofrer uma limitação, de sorte que, pelo menos maioritariamente, passou a entender-se que, por mais conforme à natureza extraordinária do recurso de revisão e, como assim, mais adequado à busca da verdade material e ao respectivo dever de lealdade processual que recai sobre todos os sujeitos processuais, só são novos os factos e/ou os meios de prova que eram desconhecidos do recorrente aquando do julgamento e que, por não terem aí sido apresentados, não puderam ser ponderados pelo tribunal.

Aliás, de harmonia com o disposto no artigo 453.º, número 2, do Código de Processo Penal, o requerente não pode indicar testemunhas que não tivessem sido ouvidas no processo, a não ser justificando que ignorava a sua existência ao tempo da decisão ou que estiveram impossibilitadas de depor.

O que quer dizer que, por princípio, só podem ser indicadas testemunhas que já foram ouvidas no processo e só excepcionalmente testemunhas que jamais o foram. Porém, a suceder tal, terá o requerente de justificar a razão por que assim ocorreu, e designadamente porque ignorava a sua existência ao tempo da decisão, ou porque as mesmas estiveram impossibilitadas de depor. 
Mas, numa outra perspectiva algo menos restritiva que a anterior e da qual vimos partilhando, tem considerado certa jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça[5] que os factos ou meios de prova, embora conhecidos de quem cabia apresentá-los, serão ainda invocáveis em sede de recurso de revisão, contanto que, antes da sua apresentação, se dê justificação bastante para a omissão verificada, explicando-se, designadamente, o motivo por que tal não sucedeu antes (por impossibilidade prática ou por, na altura, se considerar que não deviam ser apresentados os factos ou os meios de prova, agora novos para o tribunal).
2.2
Ora, como decorre das conclusões que entendeu extrair do requerimento apresentado, alega o requerente que os novos factos/meios de prova em que alicerça o pedido de revisão que formula dizem respeito às suas condições pessoais, não tidas em conta pela Relação quando, na procedência reconhecida ao recurso interposto pelo Ministério Público, revogou a sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª instância na parte em que suspendeu na respectiva execução a pena de 3 anos e 6 meses de prisão em que fora condenado e que passou a efectiva.
Condições pessoais com respeito às quais alega o requerente que, por não haver sido notificado na sua própria pessoa do recurso interposto pelo Ministério Público, não pôde “… aduzir factos novos que permitissem ao Tribunal a quo apreciar o recurso …”.
Razões que, no entendimento do requerente, têm como efeito a inconstitucionalidade da norma do número 10 do artigo 113.º do Código de Processo Penal por invocada violação do artigo 32.º, número 6[6] da Constituição da República Portuguesa, ao não prever a obrigatoriedade da notificação pessoal do arguido da interposição do recurso com vista à revogação da suspensão da pena na respectiva execução, imposta em 1.ª instância.
Porém, antes de se proceder à apreciação do pedido de revisão da sentença transitada em julgado que vem formulado pelo requerente, importa conhecer das questões prévias que no mesmo se suscitam.
2.2.1 – Da admissibilidade do recurso de revisão
Como decorre do antes anotado, com o presente pedido de revisão, fundado na alínea d) do número 1 do artigo 449.º do Código de Processo Penal, teve em vista o requerente, não a correcção da medida da pena em que foi condenado mas, tão-só a alteração da espécie da mesma, o que vale por dizer a substituição da pena de 3 anos e 6 meses de prisão efectiva decidida pela Relação pela pena em igual medida mas declarada suspensa na respectiva execução que lhe havia sido imposta pelo Tribunal de 1.ª instância.
E sendo assim entende-se que, no caso, não há lugar à convocação da norma do número 3 do artigo 449.º do Código de Processo Penal e, como consequência, que o recurso será, por princípio, admissível.
E isto porque – partindo do pressuposto de que o legislador, conhecedor da distinção dos conceitos em referência (escolha e medida da pena), soube exprimir o seu pensamento em termos correctos e adequados (segundo segmento do número 3 do artigo 9.º do Código Civil) – tal interpretação é a que, a nosso ver, melhor se afeiçoa à letra da citada norma.   
2.2.2 – Da invocada inconstitucionalidade da norma do número 10 do artigo 113.º do Código de Processo Penal, por desrespeito do artigo 32.º, número 6 da Constituição e da alegada violação do artigo 6.º, número 3, alínea c) da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH)  
A.
Por via do prescrito no número 10 do citado artigo 113.º do Código de Processo Penal, é bem verdade que, em matéria de notificações, a regra é que as notificações do arguido, do assistente e das partes civis podem ser efectuadas na pessoa do respectivo Defensor, constituído ou nomeado, como resulta do primeiro segmento da referenciada norma, sendo excepções à mesma regra as notificações relativas à acusação, à decisão instrutória, à designação de data para julgamento e à sentença (entenda-se, proferida em 1.ª instância, mas já não prolatada pelo Tribunal superior, como considerou o Tribunal Constitucional no seu acórdão n.º 59/99, de 02.02.1999[7]), e bem assim à aplicação de medidas de coacção e de garantia patrimonial e à dedução do pedido cível, que devem ser feitas ao arguido e ao seu Defensor, nomeado ou constituído.
Obrigatoriedade de notificação pessoal do arguido em tais casos que se prende, efectivamente, com a necessidade de garantir o pleno exercício por parte do mesmo dos direitos de defesa, consagrados no artigo 32.º, número 6, da Constituição e no artigo 61.º, número 1, do Código de Processo Penal, designadamente os direitos de estar presente nos actos processuais que directamente lhe disserem respeito, de ser ouvido pelo tribunal ou pelo Juiz de Instrução sempre que estes devam tomar qualquer posição que pessoalmente o afecte, de ser informado dos factos que lhe são imputados por forma a poder contraditá-los [alíneas a), b), e c) do número 1 do artigo 61.º do Código de Processo Penal].
Direitos que, todavia, não são minimamente beliscados pelo prescrito naquela norma do número 10 do artigo 113.º do Código de Processo Penal.
E isto na exacta medida em que é a própria Constituição (número 6 do artigo 32.º) que incumbe o legislador ordinário de definir os casos em que, assegurados os direitos de defesa do arguido ou do acusado, pode ser dispensada a presença destes em certos actos processuais, incluindo a audiência de julgamento e, por maioria de razão, a sua notificação no que concerne a determinados actos, como seja o da interposição de recurso por parte do Ministério Público, em que, para efeitos de resposta, a lei exige aliás que o arguido esteja representado por Advogado [artigo 64.º, número 1, alínea e),do Código de Processo Penal].
Direito de defesa que, nos casos em que, por opção legislativa, se não exige a presença do arguido, este é assegurado, como decorre das normas dos artigos artigo 32.º, número 3, da Constituição e 61.º, número 1, alínea e), do Código de Processo Penal, pelo Defensor, constituído ou nomeado pelo Tribunal.
Ora, a ser assim, por claro há-de ter-se que, ao invés do sustentado pelo requerente, a indicada norma do número 10 do artigo 113.º do Código de Processo Penal, ao não prever a obrigação da notificação pessoal do arguido do recurso interposto pelo Ministério Público da sentença que o haja condenado em pena de prisão suspensa na respectiva execução, não afronta qualquer preceito constitucional, maxime o do número 6 do artigo 32.º da Constituição.
E isto porque se trata, justamente, de um dos actos processuais em que, para tanto incumbido pela Constituição, o legislador ordinário entendeu ser dispensável a presença do arguido e, como consequência disso, a sua notificação.
B.
Do mesmo jeito que o estatuído na norma do número 10 do artigo 113.º do Código de Processo Penal não importa ofensa alguma do estatuído no artigo 6.º, número 3, alínea c) da CEDH, também invocado pelo requerente, e que estabelece tão-só que o acusado tem, entre outros direitos, o direito de se defender a si próprio ou de ter a assistência de um defensor da sua escolha, e se não tiver meios para remunerar um defensor, que pode ser assistido gratuitamente por um defensor oficioso, quando os interesses da justiça assim o exigirem.
Direito que, no caso sub juditio, foi, de resto, escrupulosamente respeitado.
Na verdade, a defesa do arguido e ora requerente, que não constituiu mandatário, foi, desde que o processo se iniciou em 09.12.2016, assegurada pelo Senhor Advogado, Dr. ... que, por indicação da Ordem dos Advogados, tendo-lhe sido oficiosamente nomeado pelo Tribunal em 13.12.2016 (confira-se folha 26), o representou em todos os actos processuais, maxime no julgamento, a que o arguido decidiu não comparecer, e nos termos subsequentes à sua condenação em 1.ª instância, por sentença de 29.12.2016, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, declarada suspensa na sua execução.
Sentença que, além de ter sido notificada àquele seu Defensor, também foi notificada, como prescreve o citado número 10 do artigo 113.º do Código de Processo Penal, ao arguido e ora requerente que, tratando-se de condenação em pena privativa da liberdade suspensa na respectiva execução e acompanhada de regime de prova, sabendo que a sua relação com o tribunal não ficara definitivamente encerrada na medida em que sempre existia a possibilidade de vir a ser revogada (como sucedeu, aliás), não podia pura e simplesmente alhear-se da ocorrência de tal eventualidade, como considerou, a propósito de situação paralela, o Tribunal Constitucional no seu acórdão n.º 109/15, de 06.03.2012[8].
Assim, o requerente – que logo mostrou não possuir qualquer interesse em estar presente na audiência de julgamento, a que não compareceu, e aí expor as suas razões, entre o mais quanto às suas condições pessoais − persistiu, como visto, nessa atitude de total indiferença, mesmo depois de ter sido notificado da dita sentença condenatória.
E continuando a ser representado pelo mesmo Senhor Advogado Dr. ... – que, a seu tempo, foi notificado do recurso interposto pelo Ministério Público da sentença de 29.12.2016 – o requerente, já depois da prolação do acórdão revogatório de 06.06.2017 do Tribunal da Relação de Lisboa, utilizou em 10.07.2018 os serviços daquele seu Defensor para pôr termo ao contrato de adesão que firmara com uma operadora de telecomunicações.
O que significa que, não tendo deixado de manter contacto com o Defensor que, lhe foi nomeado pelo Tribunal, posto que não constituiu mandatário, o requerente dispôs de meios e oportunidade para, na ocasião indicada para o efeito, alegar os factos que, relativos às suas condições pessoais, sempre teriam de reportar-se ao momento da prática do crime e bem assim do julgamento.
 Optando, porém, por não fazê-lo, apenas em 08.04.2019 – quando já haviam decorrido mais de dois anos sobre o julgamento em 1,ª instância e quase dois anos sobre a prolação do indicado acórdão da Relação e respectivo trânsito – veio alegar as referidas condições pessoais como fundamento do pedido de revisão.
E sucedendo assim, há que concluir que não ocorreu violação alguma do preceituado nas invocadas normas do artigo 113.º, número 10, do Código de Processo Penal e do artigo 6.º, número 3, alínea c) da CEDH.

2.2.3 – Da requerida produção dos meios de prova
A.
Como se referiu, fundando o pedido de revisão, deduzido em 08.04.2019, na alínea d) do número 1 do artigo 449.º do Código de Processo Penal, requereu o arguido que fossem inquiridas sete testemunhas que haviam de depor sobre as suas condições pessoais à data da prática do facto ilícito típico que determinou a sua condenação e bem assim do julgamento realizado em 1.ª instância, onde não compareceu, apesar de notificado para tanto.
E, como justificação para a impetrada produção dos mencionados meios de prova, o requerente (que se limitou a indicar os nomes e as moradas das sete testemunhas) alega que, tendo então como agora o centro da sua vida profissional e afectiva em Lisboa, apenas esporadicamente se deslocava à casa da sua mãe, o que o impediu de tomar conhecimento da notificação que, para a morada constante do TIR prestado, o Tribunal de 1.ª Instância lhe fez sobre a data do julgamento.  
Pronunciando-se sobre o assim requerido, a Senhora Juíza do processo indeferiu-o na consideração, em síntese, de que, para além do requerente não esclarecer em que medida é que os depoimentos a prestar pelas ditas testemunhas poderiam, em conjugação com os demais meios de prova apreciados, suscitar graves dúvidas sobre a justiça da condenação e a razão de ciência das mesmas testemunhas a respeito dos referenciados factos, não alega o requerente que ignorava a sua existência ao tempo da decisão ou que então elas estiveram impossibilitadas de depor, como impõe o artigo 453.º, número 2, do Código de Processo Penal.
Decisão que se entende não ser passível de qualquer juízo de censura.
B.
Na verdade, a considerar, como parece considerar, que os depoimentos das referidas testemunhas (uma delas sua progenitora e outra sua companheira à data do facto ilícito típico) se revestiam de interesse para aferir das suas condições pessoais, deveria o arguido e ora requerente tê-los feito valer aquando do julgamento em 1.ª instância, a que não compareceu e que se realizou escassos 20 dias após ter sido detido em flagrante delito, constituído arguido e prestado TIR, ocasião em que disse ser solteiro, estudante, e residir em Cascais.

Ora, como bem se tem entendido[9], a inércia voluntária do interessado quanto à indicação dos factos/meios de prova alegadamente considerados essenciais para a descoberta da verdade não pode servir de fundamento para o pedido de revisão da sentença transitada em julgado, sob pena, isso sim, de serem violados os princípios constitucionais da segurança jurídica, da lealdade processual e da protecção do caso julgado.

Acresce que, como consta do TIR elaborado de acordo com o que declarou, sendo o requerente aquando da prática do facto ilícito típico solteiro, maior de 24 anos de idade, estudante, e residente em Cascais, mal se compreende a relevância que para o caso teriam os depoimentos que porventura viessem a prestar as ditas testemunhas sobre as suas condições pessoais.
Daí que, tudo ponderado, se não represente susceptível de qualquer reparo a decisão da Senhora Juíza de não proceder à realização das requeridas diligências de prova, já porque inadmissíveis, nos termos do disposto no citado artigo 453.º, número 2, do Código de Processo Penal, já porque de nenhuma utilidade se revestiriam para efeitos de revisão da sentença condenatória há muito transitada em julgado.
Posto isto …
*
2.3 – Da existência (ou não) de fundamento para a requerida revisão
2.3.1
Por via das razões que se aduziram facilmente se compreenderá que, no caso concreto, não se descortine a existência de quaisquer novos factos/meios de prova que, não tendo sido ponderados pelo tribunal aquando da prolação decisão revidenda, pudessem, por si sós ou em conjugação com os que foram apreciados nessa ocasião, suscitar, não quaisquer dúvidas mas, graves dúvidas sobre a justiça da condenação do arguido e ora requerente na pena de prisão efectiva de três anos e seis meses.  
E isto na consideração de que, para efeitos de revisão da sentença transitada em julgado, não se revestem de qualquer novidade os meios de prova ora invocados pelo condenado que, não ignorando a sua existência aquando do julgamento, tão pouco forneceu uma explicação plausível e aceitável para os não ter indicado em tal oportunidade, que era a indicada para o fim em vista. 
É que a razão alegada pelo requerente para não ter comparecido em julgamento (a de se deslocar apenas esporadicamente à morada constante do TIR que indicou como sendo a do seu domicílio e, como consequência disso, não se haver inteirado da data do mesmo) não só carece de qualquer verosimilhança como não pode, como antes se disse, servir de justificação para não ter diligenciado no sentido de arrolar para aquele acto, que era o apropriado para o efeito, os ora invocados novos meios de prova.
E, depois, porque, como atrás também se reparou, não se antolha qualquer viabilidade de, por si sós ou em conjugação com os que foram apreciados aquando do julgamento e da prolação da decisão revidenda, os alegados novos factos/meios de prova suscitarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.
Antes de mais porque ou seriam de pendor semelhante ao estabelecido na decisão revidenda e decorrente do declarado pelo próprio requerente, ou, reportando-se a factos ocorridos em momento ulterior ao da prolação da mesma decisão (v.g os relativos à alegada ocupação profissional), tratar-se-iam, não de novos factos mas, de factos supervenientes que, como tal, sempre careceriam de qualquer valia para efeitos de aferir da injustiça da condenação, pressuposto do recurso de revisão fundado na alínea d) do número 1 do artigo 449.º do Código de Processo Penal.
Na verdade, a condenação só poderá reputar-se de injusta se, face à situação factual existente à data da mesma, devendo ter sido proferida decisão de não condenação, tal não aconteceu apenas devido ou a errónea apreciação dessa situação ou por se ignorar a sua real dimensão.
Não é, pois, o que sucederia no caso em apreciação em que o Tribunal da Relação, apreciando e valorando a factualidade atinente às condições pessoais do arguido e aqui requerente, considerou que a mesma não era molde a revelar que a personalidade do arguido apresentava alguma especificidade que, porque diferente do mais comum dos mortais, levasse a formular um prognóstico favorável. Bem ao invés, atendendo ao seu percurso criminal e ao cumprimento efectivo de penas de prisão, embora por crimes de diversa natureza daquele por cuja prática fora condenado.
2.3.2
Chegados a este ponto, cumpriria tão-só concluir o raciocínio que se vem expendendo a respeito da inexistência de justificação para a revisão da sentença requerida com fundamento na alínea d) do número 1 do artigo 449.º do Código de Processo Penal, se não fora a descoberta ora verificada de um facto que, embora não suscitado pelo requerente, vem contudo referido pela Senhora Juíza na informação prestada nos termos do artigo 454.º daquele diploma.
Facto que, relativo ao constante de um dos boletins do certificado de registo criminal do arguido e mencionado no acórdão revidendo, se prende com a condenação na pena de 30 dias de multa à taxa diária de € 5,00, sofrida no Processo n.º 101/13.5JALRA, pela prática, em 24.03.2013, não de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.01, como ali se diz mas, de um crime de consumo de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 40.º, número 2 do mesmo diploma legal.
Tratando-se embora de um “facto novo” o ora descoberto através do confronto efectuado entre o constante de tal boletim do certificado de registo criminal e a cópia da sentença condenatória proferida naquele Processo n.º 101/13.5JALRA, entende-se que o mesmo não é, porém, susceptível de suscitar dúvidas e muito menos graves acerca da justiça da condenação.
Na verdade, ao mencionado facto (erróneo tão-só no que concerne à sua qualificação jurídica) não foi atribuída particular relevância pela Relação que, como antes se reparou, para efeitos do decidido, enfatizou, isso sim, o percurso criminal do arguido, com especial enfoque para o cumprimento efectivo de penas de prisão por parte do mesmo, embora por crimes de diferente natureza[10] daquele por cuja prática foi condenado na decisão revidenda.
E tanto assim é que, se pelo mencionado crime, que não se tratou de tráfico ilícito mas de consumo de substâncias estupefacientes, o arguido foi condenado, no Processo n.º 101/13.5JALRA, em pena de multa e não de prisão efectiva, os crimes de diversa natureza daquele por cuja prática o mesmo sofreu condenações (uma delas como reincidente) em penas de prisão efectiva só podiam ser − e são − os indicados dois crimes de roubo simples.
Daí que, não se divise que tal facto – a que, como visto, não foi conferida relevância de maior na decisão revidenda – por si só e em conjugação com os demais apreciados naquela oportunidade seja de alguma sorte idóneo a suscitar graves dúvidas sobre a justiça da condenação do arguido na referenciada pena de 3 anos e 6 meses de prisão efectiva.   
Razões pelas quais, em conclusão, se entende que, no caso vertente não se preenche o alegado fundamento de revisão da sentença, previsto na citada alínea d) do número 1 do artigo 449.º do Código de Processo Penal, ou qualquer outro dos demais.    
***
III. Decisão

Nos termos expostos, acordam, na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça, em negar o pedido de revisão formulado pelo condenado AA.

Custas pelo recorrente, com taxa de justiça de 3 UC (artigos 456.º e 513.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, e artigo 8.º, n.º 9, da Tabela III, do Regulamento das Custas Processuais).

Lisboa, 27 de Junho de 2019

Os Juízes Conselheiros
Isabel São Marcos (relatora)
Helena Moniz
Manuel Braz (com declaração de voto no sentido de que deve fazer-se uma interpretação extensiva do n.º 3 do art. 449.º do CPP, considerando que proíbe a revisão sempre que tenha como única finalidade corrigir a determinação concreta da pena.)

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[1] Mas já não a decisão proferida por Tribunal Superior em sede de recurso, a qual se encontra suficiente e validamente notificada quando o for ao seu defensor, seja constituído, seja nomeado, desde que seja o defensor primitivo e não um apenas nomeado para o efeito. O “cabal conhecimento da decisão condenatória que a seu respeito foi tomada (…) atinge-se, sem violação das garantias de defesa que o processo criminal deve comportar, desde que o seu defensor - constituído ou nomeado oficiosamente -, contanto que se trate do primitivo defensor, seja notificado da decisão condenatória tomada pelo tribunal de recurso. Na verdade, os deveres funcionais e deontológicos que impendem sobre esse defensor, na vertente do relacionamento entre ele e o arguido, apontam no sentido de que o mesmo, que a seu cargo tomou a defesa daquele, lhe há-de, com propriedade, transmitir o resultado do julgamento levado a efeito no tribunal superior.- Cfr. Acórdão n.º 59/99, de 2 de Fevereiro de 1999, Processo n.º 487/97- 2ª secção, publicado no Diário da República, II Série, n.º 75, de 30-03-1999, e Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume 42º, e BMJ, n.º 484, pág. 48.
[2]Confira-se Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 461/2004, disponível em “http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/2004040461.htm”.
[3] De conferir, entre muitos, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 11.03.93, Processo n.º 43.772; de 03.07.97, Processo n.º 485/97; de 10.04.2002, Processo nº 616/02, todos da 3ª Secção, ou de 01.07.2009, Processo nº 319/04.1 GBTMR-B.S1.
[4] Veja-se, por todos, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 20.06.2013, Processo n.º 198/10.0TAGRD-A.S1, e de 02.12.2013, Processo n.º 478/12.0PAAMD-A.S1, ambos da 5ª Secção, ou de 25.06.2013, Processo n.º 51/09.0PABMAI-B.S1, da 3ª Secção.
[5] Confira-se, entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 20.06.2013, Processo n.º 198/10.0TAGRD-A.S1, e de 02.12.2013, Processo n.º 478/12.0PAAMD-A.S1, ambos da 5ª Secção.
[6] E não 7, como por manifesto lapso menciona.
[7] Publicado no D.R n.º 75, 2.ª Série, de 30.03.1999.
[8] Publicado no D.R, 2.ª Série, n.º 72, de 11.04.2012.
[9] Assim de conferir Paulo Pinto de Albuquerque, “Código de Processo Penal”, 4.ª edição actualizada, Universidade Católica Portuguesa, páginas 1206 e 1207.
E no mesmo sentido de conferir, entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 20.02.2013, Processo n.º 2471/02.1TAVNG-B.S1; de 06.03.2014, Processo n.º 67/07.0PALRS-A.S1; de 07.12.2016, Processo n.º 1136/13.3PCSNT-A.S1, todos da 5.ª Secção.

[10] Em causa dois crimes de roubo, um deles como reincidente, previstos e punidos pelo artigo 210.º, número 1 do Código Penal, por cuja prática, em 05.11.2008 e em 04.11.2014, o arguido e ora requerente foi condenado, respectivamente, nas penas de prisão de 4 anos e 9 meses e de 3 anos.