Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
4160/20.6T8GMR.G1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: MARIA DA GRAÇA TRIGO
Descritores: RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
DANOS FUTUROS
NULIDADE DE ACÓRDÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
BAIXA DO PROCESSO AO TRIBUNAL RECORRIDO
REAPRECIAÇÃO DA PROVA
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
DUPLA CONFORME
SEGMENTO DECISÓRIO
RECURSO SUBORDINADO
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
Data do Acordão: 01/19/2023
Votação: UNANIMIDADE COM * DEC VOT
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE
Sumário :
I. Em consonância com o critério da segmentação definido pelo AUJ n.º 7/2022 aplicado anteriormente, por decisão da relatora, à decisão de admissibilidade do recurso principal, a admissibilidade do recurso subordinado deve ser igualmente aferida em função de cada segmento decisório do acórdão da Relação impugnado; sendo que, de acordo com o n.º 3 do art. 633.º do CPC, tal recurso apenas poderá ser admitido para apreciar os segmentos decisórios relativamente aos quais o recurso principal foi admitido.

II. Para a qualificação como danos futuros previsíveis exige-se a prova da elevada probabilidade de ocorrência de tais danos; a prova da mera probabilidade de ocorrência de danos futuros não basta para o efeito, pelo que, por maioria de razão, não basta também a prova da possibilidade de ocorrência de danos, como sucede no caso dos autos.

III. Concluindo-se que assiste razão à ré seguradora ao invocar padecer o acórdão recorrido de nulidade por omissão de pronúncia acerca da impugnação da matéria de facto realizada em sede de apelação, fica prejudicado o conhecimento da questão da impugnação, por ambas as partes recorrentes, do valor indemnizatório atribuído a título de “dano biológico”, devendo os autos baixar ao tribunal a quo para apreciação da impugnação da matéria de facto e prolação de decisão de direito em conformidade.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



I - Relatório


1. AA instaurou contra Seguradoras Unidas, S.A. (atualmente Generali, S.A.), a presente acção declarativa sob a forma de processo comum, com fundamento em responsabilidade civil por acidente de viação, formulando os seguintes pedidos:

«A. Deve ser a Ré condenada a pagar ao Autor uma indemnização correspondente a todos os danos patrimoniais e não patrimoniais pelo mesmo sofridos em virtude do acidente de viação melhor descrito nos autos, de montante nunca inferior a € 71.062,33 (setenta e um mil e sessenta e dois euros e trinta e três cêntimos);

B. Deve ser a Ré condenada a pagar ao Autor uma indemnização a acrescer à primeira e referida em A., e cuja total e integral quantificação se relega para posterior liquidação em sede de incidente de liquidação ou execução de sentença, a título de indemnização pelos danos, patrimoniais e não patrimoniais futuros:

a) Decorrentes da necessidade atual e futura, por parte do Autor, de acompanhamento médico periódico nas especialidades médicas de Psiquiatria, Ortopedia, Fisiatria e Cirurgia Plástica para superar as consequências físicas e psíquicas das lesões e sequelas;

b) Decorrentes da necessidade atual e futura, por parte do Autor, de realizar tratamento fisiátrico (duas vezes por ano, sendo que cada tratamento deverá ter a duração mínima de 20 sessões) para superar as consequências físicas e psíquicas das lesões e sequelas;

c) Decorrentes da necessidade atual e futura, por parte do Autor, de ajuda medicamentosa - anti-inflamatórios, antidepressivos e analgésicos - para superar as consequências físicas das lesões e sequelas;

d) Decorrentes da necessidade atual e futura, por parte do Autor, de ajudas técnicas para superar as consequências físicas das lesões e sequelas;

e) Decorrentes da necessidade atual e futura, por parte do Autor, de se submeter a várias intervenções cirúrgicas e intervenções plásticas, a vários internamentos hospitalares, de efetuar várias despesas hospitalares, de efetuar a vários tratamentos médicos e clínicos, para superar as consequências físicas das lesões e sequelas;

f) Decorrentes da necessidade atual e futura, por parte do Autor, de efetuar várias deslocações a hospitais e clínicas para tratamento e correção das lesões e sequelas melhor descritas;

g) Decorrentes do futuro agravamento do Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica;

h) Decorrentes do futuro agravamento da Incapacidade Permanente Parcial;

i) Montantes esses, atualmente impossíveis de concretizar, mas cuja total e integral concretização e quantificação se relega para posterior incidente de liquidação ou execução de sentença a título de indemnização pelos danos, patrimoniais e não patrimoniais futuros.

C. Deve ser a Ré condenada a pagar ao Autor:

a) Pela apresentação por parte da Ré ao Autor de uma proposta manifestamente insuficiente e não razoável: deve ser a Ré condenada no pagamento ao Autor dos juros no dobro da taxa prevista na lei aplicável ao caso, sobre a diferença entre o montante oferecido pela Ré ao Autor (€ 3.857,11) e os montantes que vierem a ser fixados na decisão judicial a titulo de danos patrimoniais e não patrimoniais, contados a partir do dia seguinte ao final dos prazos previstos nas disposições identificadas no n.º 1, ou seja, desde 20/02/2018, (data do envio ao Autor por parte da Ré da proposta de indemnização final por conta de todos os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelo Autor), ou contados desde a data da citação da Ré, ou desde a data que vier a ser estabelecida na decisão judicial e sempre até efetivo e integral pagamento, ou, caso assim o não entenda:

b) Deve ser a Ré condenada no pagamento ao Autor dos juros vincendos a incidir sobres as referidas indemnizações calculados à taxa legal anual, a contar da data da citação da Ré e sempre até efetivo e integral pagamento.».

2. A R. contestou, reconhecendo a responsabilidade pelo ressarcimento dos prejuízos decorrentes do acidente, mas impugnando os danos alegados pelo A..

3. Por sentença de 4 de Julho de 2021 foi proferida a seguinte decisão:

«Em face do exposto, julga-se a ação parcialmente procedente, e, em consequência, condena-se a Ré GENERALI a pagar ao Autor AA:

i) A quantia indemnizatória de € 9.500,00 (nove mil e quinhentos euros), para compensação do dano de perda de capacidade de ganho futuro e dano biológico, sobre a qual vencem juros, à taxa legal de juros de 4%, desde a citação até integral pagamento;

ii) A quantia indemnizatória de € 9.000,00 (nove mil euros), para compensação dos danos não patrimoniais, sobre a qual vencem juros à taxa legal de 4%, à taxa legal de juros de 4%, desde a citação até integral pagamento;

iii) Uma indemnização cuja fixação se relega, nos termos do artigo 609º/2, do CPCiv, para ulterior incidente de liquidação, correspondente aos gastos relacionados com a necessidade de realização de intervenção cirúrgica aludida em 41º, dos factos provados;

iv) Absolve-se a Ré do restante peticionado.».

4. Inconformado, interpôs o A. recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães, tendo a R. apresentado recurso subordinado.

5. Por acórdão de 13 de Janeiro de 2022 foi decidido o seguinte:

«Pelo exposto, acorda-se nesta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação do A., aumentando para 12.000,00 (doze mil euros) a indemnização devida por danos não patrimoniais e absolvendo a Ré do pagamento da quantia que se apurasse em incidente de liquidação respeitante ao valor da operação ao A. para retirada do material de osteossíntese, mantendo no restante a decisão de primeira instância.».

Assinale-se que, apesar de esta decisão afirmar apenas que julga parcialmente procedente a apelação do A., ao decidir absolver «a Ré do pagamento da quantia que se apurasse em incidente de liquidação respeitante ao valor da operação ao A. para retirada do material de osteossíntese», constata-se que julgou também parcialmente procedente a apelação da R..


6. Veio o A. interpor recurso de revista, por via excepcional, ou, se se entender que não se verifica dupla conforme, por via normal.


7. A R. Recorrida contra-alegou, pugnando pela inadmissibilidade do recurso do A. tanto por via normal como por via excepcional.

Subsidiariamente, pugnou pela sua admissibilidade restringida ao conhecimento da decisão relativa à indemnização «a liquidar ulteriormente com respeito à intervenção cirúrgica para remoção do material de osteossíntese».

Para o caso de o recurso do A. ser admitido, requereu ainda a ampliação do respectivo objecto de modo a reconhecer-se existir omissão de pronúncia do acórdão recorrido «sobre a questão da impugnação da decisão proferida quanto ao facto do ponto 40 da matéria dada como provada», impugnação essa efectuada pela R. no recurso de apelação subordinado.


8. Interpôs a R. recurso de revista subordinado, não invocando a admissibilidade por via excepcional.


9. O A. Recorrido apresentou contra-alegações, pugnando pela inadmissibilidade do recurso da R. seja por via normal seja por via excepcional.


10. Em 6 de Julho de 2022 foi proferida decisão de suspensão da instância até ao julgamento do recurso para uniformização de jurisprudência, a proferir no Processo n.º 545/13...., sobre a delimitação do conceito de dupla conforme entre as decisões das instâncias em acções indemnizatórias como a presente.


11. Tendo o recurso para uniformização de jurisprudência referido no número anterior sido julgado com a prolacção do AUJ n.º 7/2022 (entretanto publicado no Diário da República, Iª Série, de 18.10.2022), por decisão da relatora, e em consonância com a orientação interpretativa fixada em tal decisão uniformizadora («Em acção de responsabilidade civil extracontratual fundada em facto ilícito, a conformidade decisória que caracteriza a dupla conforme impeditiva da admissibilidade da revista, nos termos do artigo 671º, nº. 3, do CPC, avaliada em função do benefício que o apelante retirou do Acórdão da Relação, é apreciada, separadamente, para cada segmento decisório autónomo e cindível em que a pretensão indemnizatória global se encontra decomposta.»), foi proferida a seguinte decisão:

«Pelo exposto, decide-se:

a) Admitir o presente recurso de revista, por via normal, apenas no que se refere ao segmento decisório da não atribuição de qualquer quantum indemnizatório a liquidar respeitante aos custos com cirurgia futura;

b) Após trânsito, determinar a remessa dos autos à Formação prevista no n.º 3 do art. 671.º do CPC para apreciação e decisão acerca da admissibilidade do recurso, por via excepcional, em relação aos seguintes segmentos decisórios do acórdão recorrido:

- Segmento decisório que manteve o quantum indemnizatório a atribuir ao A. a título de reparação por dano biológico, na acepção supra enunciada;

- Segmento decisório que aumentou o quantum indemnizatório a atribuir ao A. a título de compensação por danos não patrimoniais;

- Segmento decisório que manteve a decisão de não condenação da R. no pagamento de juros em dobro;

c) Relegar para momento posterior à decisão da Formação a apreciação e decisão sobre o objecto da revista por via normal, tal como definido em a);

d) Relegar para momento posterior à decisão da Formação a decisão sobre o conhecimento do recurso subordinado da R..

e) Determinar que, após prolação da decisão da Formação, sejam os presentes autos presentes de novo à relatora.».


12. Por acórdão da Formação prevista no n.º 3 do art. 672.º do CPC, proferido em 17 de Novembro de 2022, foi decidido o seguinte:

«Pelo exposto admite-se o recurso de revista excecional interposto pelo Autor apenas relativamente à questão da fixação do quantum indemnizatório a atribuir ao Autor a título de reparação por dano biológico.».


II – Questões a apreciar. Admissibilidade do recurso subordinado


1. Em conformidade com as decisões dos pontos 11. e 12. do relatório do presente acórdão, importa apreciar as seguintes questões recursórias:

- Da impugnação do segmento decisório da não atribuição de qualquer quantum indemnizatório a liquidar respeitante aos custos com cirurgia futura do A.;

- Da impugnação do segmento decisório que manteve o quantum indemnizatório a atribuir ao A. a título de reparação do dano biológico.

O recurso não foi, assim, admitido em relação à impugnação dos seguintes segmentos decisórios: (i) Segmento decisório que aumentou o quantum indemnizatório a atribuir ao A. a título de compensação por danos não patrimoniais; (ii) Segmento decisório que manteve a decisão de não condenação da R. no pagamento de juros em dobro.


2. Aqui chegados, cumpre decidir da admissibilidade do recurso subordinado da R., o que –em consonância com o critério da segmentação definido pelo AUJ n.º 7/2022 – deve ser igualmente aferido em função de cada segmento decisório do acórdão da Relação impugnado pela mesma R.. Por se tratar de recurso subordinado, de acordo com o n.º 3 do art. 633.º do CPC, o recurso da R. apenas poderá ser admitido para apreciar os segmentos decisórios relativamente aos quais o recurso principal foi admitido.

Procuremos concretizar.

Suscitou a R. as seguintes questões:

- Nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia sobre a questão do erro de julgamento relativamente ao facto do ponto 40. da matéria dada como provada (cfr. conclusões XXII a XXIII da apelação da R.) e que corresponde à questão igualmente suscitada pela R. em sede de pedido de ampliação do objecto do recurso de revista do A.;

- Erro de direito ao não ter o acórdão recorrido reconhecido padecer a sentença da 1.ª instância de nulidade por omissão de pronúncia a respeito de não se ter o tribunal de 1.ª instância pronunciado sobre os factos alegados pela R. nos pontos 87.º a 90.º e 92.º da contestação (cfr. conclusões VIII a XII das contra-alegações da R. ao recurso apelação do A.);

- O quantum indemnizatório atribuído a título de “dano biológico” deve ser reduzido para € 6.500.00;

- O quantum indemnizatório atribuído a título de danos não patrimoniais deve ser reduzido para € 7.500,00.

Tendo o recurso do A. sido admitido, por via excepcional, na parte em que impugna o segmento decisório respeitante ao valor indemnizatório a atribuir a título de “dano biológico”, é também admissível o recurso subordinado da R. nesta parte.

O que, por sua vez, implica também conhecer da primeira questão enunciada pela R. (nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia acerca da questão do erro de julgamento relativamente ao facto do ponto 40. da matéria dada como provada, na medida em que o dito ponto 40. respeita às sequelas físicas e limitações funcionais de que o A. ficou a padecer, sendo, portanto, essencial para aferir da correcção da indemnização pelo “dano biológico”.

Quanto ao invocado erro de direito por não ter o acórdão recorrido reconhecido padecer a sentença da 1.ª instância de nulidade por omissão de pronúncia a respeito de não se ter o tribunal de 1.ª instância pronunciado sobre os factos alegados pela R. nos pontos 87.º a 90.º e 92.º da contestação, alega a R., em síntese, que «[n]as conclusões VIII a XII das contra-alegações que apresentou ao recurso de apelação do Autor (em sede de ampliação do âmbito do recurso), a Ré suscitou a nulidade da douta sentença por omissão de pronúncia quanto a um conjunto de factos que alegou na sua contestação».

Compulsadas as referidas conclusões das contra-alegações da R. ao recurso de apelação do A., verifica-se que, efectivamente, nelas se invoca que a 1.ª instância «não se pronunciou sobre os factos alegados pela Ré nos artigos 87º a 90º e 92º da contestação da Ré». Contudo, aí se alega também que «[e]sta factualidade era relevante para a decisão da causa, mais precisamente no que toca ao pedido de condenação no pagamento de juros em dobro».

Temos, pois, que, independentemente da correcção do juízo da Relação a respeito da questão da invocada nulidade da sentença, na medida em que – nos termos enunciados pela própria R. –, o conhecimento da mesma seria relevante para apreciar do pedido de condenação no pagamento de juros em dobro, e, na medida em que o recurso de revista principal não foi admitido na parte em que o A. impugnou a decisão desse pedido, tampouco pode ser admitido, nesta parte, o recurso subordinado, nos termos do n.º 3 do art. 633.º do CPC.

Por fim, no que se refere à impugnação do quantum indemnizatório atribuído a título de danos não patrimoniais, não tendo sido admitido o recurso principal na parte em que impugna este segmento decisório, tampouco pode ser admitido, nesta parte, o recurso subordinado, nos termos do n.º 3 do art. 633.º do CPC.


3. Em síntese, cumpre conhecer das seguintes questões:

- Da impugnação pelo A. do segmento decisório da não atribuição de qualquer quantum indemnizatório a liquidar respeitante aos custos com cirurgia futura do A.;

- Da impugnação, tanto pelo A. como pela R., do segmento decisório que manteve o quantum indemnizatório (€ 9.500,00) a atribuir ao A. a título de reparação do “dano biológico”; o que implica conhecer previamente da nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia sobre a questão do erro de julgamento relativamente ao facto do ponto 40. da matéria dada como provada.


III – Fundamentação de facto

1º. No passado dia 19.09.2017, cerca das 14h20m, na rua ..., junto ao Café ..., sita na freguesia ..., ..., ocorreu um embate, no qual intervieram os seguintes veículos automóveis:

- Um veículo ligeiro, de mercadorias, de serviço particular, com o número de matrícula ..-PM-.., conduzido por BB, e

- Um motociclo, de passageiros, de serviço particular, com o número de matricula ..-..-UZ, conduzido pelo Autor.

2º. Entre aquela BB e a seguradora Açoreana Seguros, S.A., foi celebrado um acordo de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, titulado pela apólice nº ...04, mediante o qual se transferiu para aquela seguradora a respetiva responsabilidade civil automóvel emergente de acidente de viação/circulação rodoviária do mesmo do veículo ligeiro, de mercadorias, de serviço particular, com o número de matrícula ..-PM-.., pelos danos causados a terceiros.

3º. Em 30.12.2016, a Açoreana Seguros, S.A., foi incorporada, por fusão, na Companhia de Seguros Tranquilidade, S.A..

4º. Na mesma data, a Companhia de Seguros Tranquilidade, S.A. alterou a sua denominação social para Seguradoras Unidas, S.A., a qual foi mais tarde modificada para Generali Seguros, S.A..

5º. O Autor, à data do embate, tinha 33 (trinta e três) anos de idade, tendo nascido a ... .11.1983.

6º. No dia, hora e local mencionados em 1.º, a via pública da rua ..., junto ao Café ..., na freguesia ..., ..., dispunha de uma faixa de rodagem única, com dois sentidos de trânsito, um no sentido de marcha rua .../E... e outro no sentido de marcha contrário E.../rua ....

7º. Nessa data, o Autor circulava com o motociclo matrícula ..-..-UZ, na rua ..., junto ao Café ..., na freguesia ..., ..., no sentido de marcha rua .../E..., isto atento o seu sentido de marcha.

8º. O Autor tinha o capacete de proteção colocado na sua cabeça.

9º. O Autor conduzia o motociclo matrícula ..-..-UZ dentro da sua metade direita da faixa de rodagem, junto à berma direita.

10º. No mesmo dia, hora e local acima mencionados, mas em sentido de marcha contrário, circulava o veículo automóvel de matrícula ..-PM-...

11º. A condutora do veículo matrícula ..-PM-.., ao chegar junto do Café ... existente do seu lado direito e encontrando-se um veículo automóvel estacionado na berma direita da referida rua ... junto ao referido Café, e atento o seu sentido de marcha (E.../rua ...), pretendendo contornar/ultrapassar esse veículo estacionado.

12º. E sem ter previamente verificado que não circulava nenhum outro veículo automóvel em sentido contrário ao seu, sem se aproximar do eixo da via e sem para o efeito acender e manter ligado o sinal luminoso de mudança de direção do lado esquerdo, sem reduzir a velocidade que vinha imprimindo ao veículo por si conduzido, sem imobilizar a sua marcha junto ao eixo da via e sem assinalar a sua presença,

13º. Fletiu e guinou o veículo por si conduzido à sua esquerda, atento o seu sentido de marcha, saindo assim da sua meia faixa de rodagem (mão de trânsito), transpondo dessa forma o eixo da via, passando dessa forma a circular pela metade da faixa de rodagem esquerda contrária à sua, iniciando assim a manobra de ultrapassagem ao referido veículo automóvel estacionado na berma direita da rua ....

14º. Dessa forma, em ato contínuo, o veículo automóvel de matrícula ..-PM- .. invadiu e passou assim a circular dentro da metade esquerda da faixa de rodagem contrária aquela que competia à sua mão de trânsito e por onde circulava previamente e em sentido oposto ao seu o motociclo conduzido pelo Autor.

15º. A condutora do veículo automóvel de matrícula ..-PM-.. obstruiu a meia faixa de rodagem contrária àquela que competia à sua mão de trânsito, cortando assim a passagem e o sentido de marcha (linha de trânsito) do motociclo conduzido pelo Autor.

16º. Acabando por embater com a sua parte frontal esquerda e parte lateral esquerda da frente (espelho retrovisor exterior esquerdo) na parte frontal esquerda e parte lateral esquerda da frente (punho/manete esquerda do guiador e membro superior esquerdo do Autor) do motociclo matrícula ..-..-UZ.

17º. Bem como ainda e em ato contínuo, acabou o veículo segurado na Ré por projetar quer o motociclo matrícula ..-..-UZ, quer o corpo do próprio Autor, contra um muro em pedra delimitador de uma propriedade com o n.º de policia ...02 existente do lado direito da rua ... atento o sentido de marcha do Autor.

18º. Embatendo o punho direito do guiador do motociclo conduzido pelo Autor, bem como o lado direito do corpo do Autor contra esse mesmo muro, provocando-lhe lesões a nível do ombro e membro superiores direitos.

19º. Mercê da projeção e embate do lado direito do motociclo matrícula ..-..-UZ contra o muro, o punho direito do motociclo conduzido pelo Autor acelerou e rodou até ao limite máximo, ficando colado, tendo aquele caído no chão, continuado a circular sozinho pela hemifaixa de rodagem até se imobilizar uns metros mais à frente.

20º. O Autor, ao avistar o veículo de matrícula ..-PM-.., não teve tempo nem espaço para diminuir a sua velocidade, travar e encostar-se o mais possível para a sua direita, atento o seu sentido de marcha.

21º. O embate deu-se dentro da metade esquerda da faixa de rodagem.

22º. O Autor, após o embate, ficou imobilizado e caído dentro da hemifaixa de rodagem direita da rua ..., junto à berma direita da mesma, atento o seu sentido de marcha.

23º. O veículo de matrícula ..-PM-.., após o embate, ficou imobilizado dentro da hemifaixa de rodagem esquerda, contrária à sua mão de trânsito, atento o seu sentido de marcha (E.../rua ...).

24º. A rua ..., à data e no local onde ocorreu o embate, tinha uma faixa de rodagem, que em toda a sua largura media cerca de 7,00 m (sete metros), dispondo cada hemifaixa de rodagem de uma largura de cerca de 3m50cm (três metros e cinquenta centímetros) por referência ao ponto A) mencionado na participação do auto policial.

25º. A rua ..., à data e no local onde ocorreu o embate e atento o sentido de marcha do veículo de matrícula ..-PM-.., constituía uma forma de reta, em patamar, com uma extensão superior a 50/100 (cinquenta/cem) metros de extensão.

26º. A rua ..., à data e no local onde ocorreu o embate, era ladeada e marginada de ambos os lados por edificações, com saídas diretas para a mesma, possuindo uma placa indicativa de que se trata de uma localidade.

27º. À hora e no local onde ocorreu o embate descrito nos presentes autos, o pavimento betuminoso/alcatroado da via da rua ... encontrava-se regular e em bom estado de conservação.

28º. À hora e no local onde ocorreu o embate descrito nos presentes autos, o pavimento betuminoso/alcatroado da via da rua ... encontrava-se seco.

29º. O Autor, como consequência do embate, foi transportado do local do embate para o Serviço de Urgência ..., sito em ..., onde deu entrada no dia 19.09.2017.

30º. O Autor foi internado e examinado, apresentando:

- Ferida na região medial do braço superficial;

- Traumatismo do ombro direito;

- Traumatismo do membro superior direito; e

- Fratura da diáfise do úmero direita, no terço médio, com desvio.

31º. O Autor, nesse Centro Hospitalar, foi radiografado, tendo sido detetada a fratura aludida no item anterior.

32º. O Autor, nesse Centro Hospitalar, em 26.09.2017, foi operado para colocação de placa de osteossíntese.

33º. O Autor teve alta hospitalar para o domicílio no dia 27.09.2017, sendo orientado para cuidados no centro de saúde local para continuidade de cuidados a ferida cirúrgica.

34º. O Autor, após a sua alta hospitalar e durante cerca de um mês, andou com o braço direito imobilizado ao peito durante cerca de um mês.

35º. O Autor, em consequência das lesões, queixas e sequelas sofridas, após a sua alta hospitalar, por conta, a mando e expensas da Ré, de 18.12.2017 e até 04.01.2018, foi seguido e acompanhado no Hospital ..., em fisiatria, tendo realizado cerca de 20 sessões de fisioterapia.

36º. O Autor, após a sua alta hospitalar, a partir de 15.10.2017 e até 14.02.2018 passou a ser acompanhado e prosseguiu os tratamentos médicos por conta, a mando e expensas da Ré nos serviços clínicos no Hospital ... no ....

37º. O Autor teve alta dos serviços clínicos da Ré em 14.02.2018.

38º. As lesões sofridas pelo Autor atingiram a consolidação médico legal em 14.02.2018.

39º. O Autor, no dia 13.10.2017, foi observado e submetido a um relatório inicial de avaliação por conta da Ré, com o conteúdo que consta de fls. 47 a 48.

40º. O Autor apesar da assistência médica e medicamentosa que recebeu, ficou a padecer das seguintes queixas permanentes e irreversíveis:

- Queixas a nível funcional: desconforto ligeiro no decúbito lateral direito no descanso noturno, com prejuízo da qualidade do sono por dificuldade em encontrar uma posição ótima para dormir; dificuldade em elevar carga com o membro superior direito, nomeadamente acima do nível dos ombros; dor no braço e cotovelo direitos, que se agrava com os esforços, com a elevação de carga e com as mudanças de tempo (frio); a dor no cotovelo direito agrava-se ao puxar carga, ao pegar em pesos e nos movimentos de tração; dor esporádica ao mobilizar o polegar e o dedo auricular direitos; parestesias no membro superior direito durante o período noturno;

- Queixas a nível situacional: deixou de pegar e levantar grandes pesos, assim com realizar trabalhos com os braços elevados; frequentava o ginásio (quase todos os dias) e jogava futebol com os amigos aos fins de semana e graças às sequelas vê-se agora limitado nessas atividades desportivas e de lazer;

- Vida profissional ou de formação: dificuldades ao pegar e levantar grandes pesos, nomeadamente ao carregar os cabazes de peixe quando vai à lota; neste momento paga a terceiros para o ajudar a carregar a carrinha; dificuldades acrescidas ao mexer no gelo;

- Lesões e/ou sequelas relacionáveis com o evento: ligeiro desnível de ombros (D<E), cicatriz cirúrgica vertical com 18 x 0,5 cm na face lateral posterior do braço e cicatriz com 3 cm na face interna do terço proximal do braço; cicatriz com 2 cm na base do polegar direito; rigidez ligeira do ombro direito com elevação e abdução a mais de 130º; rotações e extensão sem alterações de relevo; cotovelo com boas mobilidades; consegue levar a mão direita à nuca, ao ombro oposto e à região lombar sem dificuldades significativas; polegar, auricular e restantes dedos da mão direita com boas mobilidades, não dolorosas e simétricas.

41º. O Autor poderá vir a ser sujeito à cirurgia de extração do material de osteossíntese, necessitando da assistência médica e medicamentosa conexionada com essa cirurgia.

42º. O Autor, em virtude das lesões sofridas e das sequelas causadas pelo embate, padece de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 3 (três) pontos.

43º. O défice funcional de que o Autor padece são compatíveis com o exercício da sua habitual atividade profissional, mas implicam esforços acrescidos.

44º. O Autor, à data do embate e ainda atualmente, exercia, e exerce, a atividade de trabalhador independente no ramo de “comerciante de peixe-distribuidor”.

45º. O Autor fiscalmente e pelo exercício da sua atividade de trabalhador independente de “comerciante de peixe – distribuidor” encontra-se inserido no regime simplificado de IRS.

46º. O Autor declarou junto dos serviços fiscais, no ano de 2016, um rendimento de € 15.659,88 a título de vendas de mercadorias e produtos.

47º. O Autor esteve incapaz para o exercício da sua profissão no período compreendido entre 19.09.2017 e até 14.12.2018, num total de 149 dias, tendo deixado de auferir a quantia líquida de € 972,17.

48º. O Autor durante o referido período de incapacidade recebeu da Segurança Social a quantia de € 665,71 a título de concessão provisória de subsídio de doença.

49º. O Autor despendeu quantia não apurada (mas inferior a € 500,00) na realização da avaliação conducente ao relatório de avaliação de fls. 49 a 57, efetuada a seu pedido.

50º. O Autor, para receber assistência, teve necessidade de efetuar várias deslocações.

51º. O Autor, em consequência das lesões, sofreu dores durante todo o tempo que mediou entre o embate, o internamento hospitalar, os tratamentos médicos, a intervenção cirúrgica, os tratamentos clínicos, a recuperação funcional a que foi submetido, o seu período de convalescença, a sua alta hospitalar e médica, o período de incapacidade temporária absoluta e a sua recuperação ainda que parcial até à data da consolidação médico-legal das lesões sofridos em consequência do mesmo.

52º. O quantum doloris sofrido pelo Autor foi fixado no grau 4/7, numa escala crescente de 1 a 7.

53º. O Autor, antes e à data do embate, era uma pessoa sem qualquer incapacidade física ou estética que lhe dificultasse a sua normal vida pessoal e profissional, sendo uma pessoa saudável e trabalhadora.

54º. O Autor ficou triste com as lesões e sequelas com que restou.

55º. As cicatrizes com que o Autor ficou causam-lhe inibição, o que é causa de um prejuízo estético fixável em grau 2 numa escala crescente de 1 a 7.

56º. Em consequência das sequelas, o Autor deixou de fazer alguns exercícios de ginásio (que implicam a mobilidade dos membros superiores), o que é causa de uma repercussão nas atividades desportivas e de lazer no grau 1 numa escala crescente de 1 a 7.

57º. A Ré dirigiu ao Autor uma carta datada de 13.10.2017, subscrita por CC, na qual sob a epígrafe “...: 19-09-2017 – N/Refª. 100 Processo: ...02 - Apólice: ...04”, comunicou o seguinte:

“Exmo Senhor

Em cumprimento do disposto na alínea a) do Nº.1° do Artº.37° do Decreto Lei 291/2007, informamos que não pretendemos proceder ao exame de avaliação do dano corporal sofrido por V. Exa..

Não obstante e no sentido de complementarmos a instrução do nosso processo, agradecemos que V. Exa. nos remeta os elementos clínicos que tiver em seu poder, relativos às lesões que sofreu.

Sem mais de momento, subscrevemo-nos com elevada consideração

Pela seguradora

CC”

58º. Na carta datada de 20.02.2018 e nessa mesma data endereçada pela Ré ao Autor e por este rececionada, subscrita por DD, na qual sob a epígrafe “...: 19-09-2017 – N/Refª. Processo: ...02 – Apólice ...04”:

“Exmo. Senhor,

Reportamo-nos ao sinistro acima indicado.

Após a Alta Clínica que ocorreu em 14.02.2018 e atendendo a que estão reunidas as condições necessárias para se proceder à regularização do presente sinistro, informamos V. Exa. que estamos na disponibilidade de lhe liquidar, para finalização do processo, o montante de 3.857,11€, calculado de acordo com os critérios estabelecidos na Portaria 377/08 de 26 de maio e respectivas actualizações, valor este que corresponde a:

- Internamento hospitalar: 366,30€;

- Dano Estético (2 pontos): 1.775,94€; - Quantum Doloris (4 pontos):887,96€;

- Dano Biológico (IPP 1 ponto): 826,91€.

Nesta conformidade, ficamos a aguardar a anuência de V. Exa., a fim de procedermos à emissão do respectivo recibo de indemnização.

Sem mais de momento, subscrevemo-nos com elevada consideração, Pela Seguradora

DD”

59º. A Ré procedeu ao pagamento ao Autor, das seguintes quantias, nas seguintes datas, a título de perdas salariais, despesas médicas, medicamentosas, deslocações e outras despesas:

- € 1.622,77, em 31.01.2018; - € 380,20, em 19.02.2018;

- € 222,90, em 19.02.2018; e - 120,00, em 26.02.2018.

60º. A Ré procedeu ao pagamento junto do proprietário do motociclo matrícula ..-..-UZ à indemnização devida a título de danos materiais causados nesse veículo.

61º. A Ré procedeu ao pagamento das despesas hospitalares junto das entidades hospitalares que prestaram tratamento médico e hospitalar ao Autor.

62º. A ocorrência do embate foi comunicada à Ré pelo seu segurado, dentro do prazo de 8 dias a contar do dia da ocorrência do mesmo.

63º. O Autor através do seu Il. Mandatário, por mail enviado para a Ré Seguradora em 31.07.2020 pelas 17 horas 18 minutos e pela mesma rececionado na mesma data, com cópia das perícias de avaliação do dano corporal em direito civil direito do trabalho e da declaração de IRS do Autor relativa aos rendimentos auferidos pelo mesmo no ano de 2016 junta aos presentes autos, apresentou por escrito à Ré Seguradora o seguinte:

“EXMOS SENHORES

SEGURADORAS UNIDAS, S.A.

RUA D. MANUEL II - 290 4050-344 PORTO

AO CUIDADO DE EE Perito Liquidatário

Departamento de Sinistros Acompanhamento de Sinistrados Rua ...

... ... Tel....07/...06 ... ...

DATA: 31/07/2020.

ASSUNTO: ACIDENTE DE VIAÇÃO OCORRIDO EM 19/09/2017. V/REF: PROCESSO N.º ...01/002 - APOLICE N.º 9001476404 N/REF: AA.

Processo: 4160/20.... Referência: ...96

N/REF: PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO FINAL por conta dos danos corporais

(danos patrimoniais e não patrimoniais) sofridos, artigo 37.º, n.º 1, alínea c) do Decreto-lei 291/2007 de 21 de agosto.

Exm.os Senhores.

Os meus cordiais cumprimentos.

Na sequência do sinistro acima referenciado, incumbiu-me o meu constituinte AA de apresentar juntos dos vossos serviços um pedido de indemnização final por conta dos danos corporais (danos patrimoniais e não patrimoniais) sofridos pelo mesmo em consequência do acidente de viação em epigrafe, em cumprimento do disposto no artigo 37.º, n.º 1, alínea c) do Decreto-lei 291/2007 de 21 de agosto, pelos seguintes valores:

Danos patrimoniais: Perda de Capacidade de Ganho: IPP de 5,91%: 1.034,94€ x 12 meses = 12.419,34€ x 5,91% de IPP = 733,98€ x 37 Anos Esperança de Vida Ativa (70 – 33) = 27.500,00€;

2. Danos patrimoniais - Dano Biológico: D.F.P.I.F.P. (IPG) de 4 pontos: 659,38€ x 12 meses = 9.231,32€ x 4 Défice Funcional = 461,56€ x 47 Anos Esperança Media de Vida (80 – 41) = 25.000,00€;

3. Danos não patrimoniais: 30.000,00€; 4. Despesas médicas: 500,00€.

5. Despesas com deslocações: 500,00€. ELEMENTOS DE CÁLCULO:

A data da consolidação Médico-Legal das lesões é fixável em 14/2/2018. Período de Défice funcional Temporário Total fixável em 7 dias.

Período de Défice Funcional Temporário Parcial fixável em 141 dias. Repercussão Temporária na Actividade Profissional Total fixável em 148 dias.

Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica fixável em 4 pontos.

Incapacidade permanente parcial (IPP) atribuível a este acidente fixável em 5,91 %;

As sequelas descritas são, em termos de Repercussão Permanente na Actividade Profissional, compatíveis com o exercício da actividade habitual, exigindo, contudo, esforços acrescidos.

h) Quantum Doloris fixável no grau 4/7.

i) Dano Estético Permanente fixável em grau 3/7.

j) Repercussão nas Actividades de Desporto e de Lazer Prejuízo de Afirmação Pessoal

fixável em grau 2/7.

k) Categoria profissional: Empresário/Comerciante; l) Salário Ilíquido auferido:1.034,94€

m) Esperança média de vida: 47 anos tendo em conta a idade de 33 anos (80 – 33);

n) Esperança de vida: 37 anos tendo em conta a idade de 33 anos (70 – 33); DOCUMENTOS EM ANEXO:

Relatório de Avaliação do Corporal em Direito Civil; Relatório de Avaliação do Corporal em Direito do Trabalho; Declaração de IRS de 2016;

Cópia da procuração forense que me foi outorgada pelo meu constituinte. Grato pela atenção dispensada e aguardando por prezada resposta,

subscrevo-me. Atenciosamente.

O Advogado ao dispor. FF”

Factos dados como não provados:

a) O Autor conduzia o motociclo, imprimindo ao mesmo a velocidade calculada entre os 30/40 Km/horários, com as luzes de cruzamento (médios) acesas (ligadas).

b) A condutora do veículo de matrícula ..-PM-.. circulava a velocidade superior a 50/60 km/h.

c) O Autor retomou o seu trabalho apenas em 06.03.2018, ficando de baixa médica emitida pela médica de família, após a alta dada pelos serviços clínicos da Ré, entre 15.02.2018 e 06.03.2018.

d) O Autor, no ano de 2016, declarou ter percebido um rendimento de € 7.137,31 a título de prestações de serviços (comerciante de peixe distribuidor).

e) O Autor, à data do embate, pelo exercício da sua categoria profissional de “trabalhador independente “comerciante de peixe – distribuidor” auferia uma retribuição anual na ordem dos € 8.128,10.

f) O Autor sofreu perdas líquidas, durante o período de incapacidade para o trabalho, superiores às mencionadas em 47º.

g) O Autor, em virtude do embate a que se alude em 1.º, ficou a padecer de lesões e sequelas, para além das referidas em 40º, 43º, 55º e 56º, bem como de um défice funcional superior ao indicado em 42º.

h) O défice funcional de que o Autor padece poderá reduzir o período de vida ativa do Autor.

i) É previsível que o défice funcional de que o Autor padece se venha a agravar com o decurso dos anos durante toda a sua vida e em função da habitual atividade profissional do Autor de “comerciante de peixe – distribuidor” e outras categorias profissionais semelhantes.

j) Salvo o referido em 41º, o Autor necessitará e necessitará no futuro de acompanhamento médico periódico nas especialidades médicas de psiquiatria, fisiatria e cirurgia plástica para superar as consequências físicas e psíquicas das lesões e sequelas.

k) O Autor necessita atualmente e necessitará no futuro de realizar tratamento fisiátrico (duas vezes por ano, sendo que cada tratamento deverá ter a duração mínima de 20 sessões) para superar as consequências físicas e psíquicas das lesões e sequelas.

l) O Autor necessita atualmente e necessitará no futuro, de ajuda medicamentosa – anti-inflamatórios, antidepressivos e analgésicos – para superar as consequências físicas das lesões e sequelas.

m) O Autor necessita atualmente e necessitará no futuro, de ajudas técnicas para superar as consequências físicas das lesões e sequelas.

n) Salvo o referido em 41º, o Autor terá necessidade no futuro de se submeter a várias intervenções cirúrgicas e intervenções plásticas, a vários internamentos hospitalares, de efetuar várias despesas hospitalares, de efetuar a vários tratamentos médicos e clínicos, para superar as consequências físicas das lesões e sequelas.

o) Salvo o referido em 41º, o Autor terá necessidade no futuro de efetuar várias deslocações a hospitais e clínicas para tratamento e correção das lesões e sequelas.

p) O recurso a uma ou várias operações cirúrgicas plásticas às referidas cicatrizes não eliminará na totalidade as mesmas.

q) O Autor tem dificuldades em dormir por se recordar, sob a forma de pesadelos recorrentes, do embate.

r) O Autor em consequência das lesões, padeceu e ainda atualmente de alterações de humor e irritabilidade para com os seus pais, familiares, amigos, esposa e colegas de trabalho.

s) O Autor, atualmente e desde a data da ocorrência do embate, devido às lesões sofridas e às sequelas atuais e permanentes de que o mesmo padece - e continuará a padecer no futuro - tornou-se uma pessoa introvertida, abalada psiquicamente, deprimida, angustiada, sofredora, insegura, muito nervosa, receosa de que o seu estado de saúde piore e desgostosa da vida.

t) Era também uma pessoa alegre, confiante, cheia de projetos para o futuro, cheia de vida, possuidora de uma enorme vontade e alegria de viver, sendo uma pessoa calma, amante da vida, confiante, detentora de um temperamento afável e generoso que lhe permitia bons relacionamentos com as outras pessoas.

u) O Autor, por forças das lesões sofridas em virtude do embate, teve necessidade de ser submetido a vários tratamentos, a vários internamentos hospitalares, de recorrer a consultas médicas, de ajuda medicamentosa, de efetuar vários exames clínicos, nas quais despendeu até à presente data a quantia, de cerca de € 500,00.

v) O Autor realizou despesas de deslocação para além das suportadas pela Ré.


V – Fundamentação de direito

1. Relativamente à impugnação pelo A. do segmento decisório da não atribuição de qualquer quantum indemnizatório a liquidar respeitante aos custos com cirurgia futura do A. releva o seguinte facto provado:

41º. O Autor poderá vir a ser sujeito à cirurgia de extração do material de osteossíntese, necessitando da assistência médica e medicamentosa conexionada com essa cirurgia.

A sentença da 1.ª instância condenara a R. a pagar ao A. «[u]ma indemnização cuja fixação se relega, nos termos do artigo 609º/2, do CPCiv, para ulterior incidente de liquidação, correspondente aos gastos relacionados com a necessidade de realização de intervenção cirúrgica aludida em 41º, dos factos provados».

Tendo a R. impugnado, nesta parte, a decisão da 1.ª instância, o acórdão recorrido revogou, também nesta parte, essa decisão, considerando que «a intervenção cirúrgica do A. é um evento incerto, pois apresenta-se como meramente possível, como hipotético e não como um evento futuro e certo, assim, não se pode relegar para liquidação posterior a demonstração de um dano que é eventual.».

Insurge-se o A. contra o decidido pela Relação, invocando essencialmente «que a eventual consumação dos danos enunciados no ponto 41 dos factos provados na Douta Sentença é medicamenta previsível».

Quid iuris?

Como se sabe, nos termos do n.º 2 do art. 564.º do Código Civil, os danos futuros previsíveis são atendíveis.

Quanto ao que deva entender-se por danos previsíveis, socorremo-nos da fundamentação do acórdão deste Supremo Tribunal de 04.11.2021 (proc. n.º 590/13.8TVLSB.L1.S1), consultável em www.dgsi.pt:

«Danos futuros decorrentes de despesas com tratamentos médico-cirúrgicos

(...)

Conforme o art. 564.º, n.º 2, do CC, “Na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior”.

Os danos futuros previsíveis são, pois, atendíveis. Assim, entre os danos ressarcíveis encontram-se aqueles que o lesado ainda não sofreu, ao tempo da atribuição da indemnização, mas que seguramente ou muito provavelmente virá a sofrer no futuro, por causa do facto ilícito do lesante.

Danos futuros são os prejuízos que não produzem efeitos imediatamente após o evento danoso, mas que se manifestam ulteriormente. Trata-se de danos não ainda presentes ao tempo em que é exigida e concedida a reparação, mas que se verificarão seguramente no futuro. São danos de natureza patrimonial. Não se tendo ainda produzido, a sua valoração será efetuada com base em juízos de prognose, mediante um cálculo de verosimilhança ou probabilístico.

Os danos futuros indemnizáveis compreendem as despesas implicadas pelos tratamentos médico-cirúrgicos que a vítima de acidente estradal haja de suportar quando o julgador dê como assente que tais despesas ocorrerão segundo um critério de atendibilidade razoável e fundada. Esses danos emergentes futuros pressupõem, pois, a convicção do julgador de que tais despesas serão suportadas pelo lesado conforme aquele critério da atendibilidade razoável e fundada, da segurança bastante. i.e., apenas se admite a ressarcibilidade de despesas médico-cirúrgicas futuras em que o lesado incorrerá com elevada probabilidade.

Na verdade, os danos futuros previsíveis são certos ou altamente prováveis. Para serem indemnizados, devem ser provados pelo lesado, pois é sobre ele que impende o ónus da prova da existência do dano (o an), da sua medida (o quantum) e do nexo de causalidade entre ele e o facto ilícito. No caso de os danos futuros previsíveis não serem determináveis, a fixação da respetiva indemnização é remetida para decisão ulterior (art. 564.º, n.º 2, do CC). Por seu turno, na hipótese de não poder ser provada a sua medida precisa, i.e., quando os elementos, considerados suficientes, não consintam a determinação certa do quantum do dano, a fixação da correspondente indemnização tem lugar segundo a equidade (art. 566.º, n.º 3, do CC).

Naturalmente que o grau de certeza que deve existir para tornar o dano futuro ressarcível – para que seja considerado como previsível - não é o mesmo daquela que carateriza o dano presente. A especificidade dos danos futuros previsíveis reside justamente no facto de, não se tendo ainda verificado no momento da atribuição da indemnização, virem verossimilmente a produzir-se segundo um grau de elevada probabilidade com base no critério do id quod plerumque accidit.

A previsibilidade dos danos futuros inculca, pois, um elevado grau de probabilidade, atendendo aos efeitos geralmente associados à lesão causada e às especificidades das circunstâncias concretas do lesado e do evento. Daqui resulta a necessidade da existência de “suficiente segurança”: i.e., os danos futuros devem ser previsíveis com segurança bastante. Se o não forem, o tribunal não pode condenar o lesante a reparar danos que não se sabe se virão a produzir-se. Por conseguinte, se os danos futuros não forem previsíveis com segurança bastante, o seu ressarcimento apenas pode ser exigido quando ocorrerem [2: Cf. Henrique Sousa Antunes, “Anotação ao Artigo 564.º”, in Comentário ao Código Civil – Direito das Obrigações – Das Obrigações em Geral, Lisboa, Universidade Católica Editora, 2018, p.561.].

Conforme mencionado supra, a previsibilidade com segurança dos danos pode resultar da verosimilhança ou de probabilidades da sua produção: a certeza dos danos futuros pode decorrer do facto de serem o desenvolvimento seguro de danos atuais, mesmo que o respetivo quantum seja incerto. Entre a certeza e a elevada probabilidade subsiste, ainda, uma margem significativa de apreciação para os tribunais, de acordo com as regras da experiência comum [3: Cf. Henrique Sousa Antunes, “Anotação ao Artigo 564.º”, in Comentário ao Código Civil – Direito das Obrigações – Das Obrigações em Geral, Lisboa, Universidade Católica Editora, 2018, p.561.].

De um lado, não basta a mera eventualidade de um prejuízo futuro para justificar a condenação do lesante no pagamento da respetiva indemnização, i.e., para afirmar o dano futuro como imediatamente ressarcível. De outro lado, afigura-se suficiente a atendibilidade fundada de que o dano se venha a produzir segundo a normalidade e regularidade do desenvolvimento causal; a probabilidade relevante de consequências prejudiciais é configurável como dano futuro imediatamente indemnizável sempre que a efetiva diminuição patrimonial surja como resultado da evolução natural de factos concretamente assentes e inequivocamente sintomáticos daquela probabilidade, segundo um critério de normalidade fundado nas circunstâncias do caso concreto. Os danos futuros decorrentes de despesas implicadas por tratamentos médico-cirúrgicos são ressarcíveis quando se assente que tais despesas serão suportadas segundo um critério de atendibilidade fundada e razoável.

Importa, assim, saber se a factualidade provada permite considerar verificados danos futuros indemnizáveis.

Conforme mencionado supra, de acordo com o facto provado sob a letra W), “existem probabilidades de a autora vir a necessitar de ser submetida a intervenção à coluna cervical”. Foi, assim, dado como provado que existem probabilidades de a Autora vir a necessitar de intervenção cirúrgica à coluna cervical.

De acordo com o art. 564.º, n.º 2, do CC, na fixação da indemnização, o tribunal pode atender aos danos futuros previsíveis.

A previsibilidade dos danos futuros corresponde a uma probabilidade elevada da sua produção: segundo as regras da experiência, os danos verificar-se-ão. A mera – que não elevada - probabilidade significa apenas que os danos podem tanto verificar-se como não se verificar.

Por conseguinte, a prova da mera probabilidade (por não quantificada, não elevada) da necessidade da Autora de intervenção médico-cirúrgica à coluna cervical não demonstra a previsibilidade dos danos. Não, tem, por isso, lugar a correspondente indemnização, pois não pode antecipar-se a sua ocorrência.

Todavia, a Autora AA, mesmo depois do termo da presente lide, pode sempre pedir o ressarcimento dos danos supervenientes – ainda não produzidos - e não razoavelmente previsíveis ao tempo da decisão, após a sua manifestação. Com efeito, não sendo os danos futuros previsíveis com segurança bastante, o seu ressarcimento apenas pode ser exigido quando ocorrerem [negritos nossos]

Perante a clareza e rigor destas considerações, resta-nos concluir que, para a qualificação como danos futuros previsíveis, se exige a prova da elevada probabilidade de ocorrência de tais danos. A prova da mera probabilidade de ocorrência de danos futuros não basta para o efeito pelo que, por maioria de razão, também não basta a prova da possibilidade de ocorrência de danos, como sucede no caso dos autos em que apenas foi provado que «[o] Autor poderá vir a ser sujeito à cirurgia de extração do material de osteossíntese».

Improcede, pois, nesta parte a pretensão do A..


2. Passemos, de seguida, a conhecer da impugnação (por ambas as partes) do segmento decisório que manteve o quantum indemnizatório (€ 9.500,00) a atribuir ao A. a título de reparação por “dano biológico”, o que, como se afirmou supra, implica conhecer previamente da questão suscitada no recurso subordinado da R. da nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia sobre a questão do erro de julgamento relativamente ao facto do ponto 40. da matéria dada como provada, na medida em que o dito ponto 40. respeita às sequelas físicas e limitações funcionais de que o A. ficou a padecer, sendo, portanto, essencial para aferir da correcção da indemnização pelo “dano biológico”.

O ponto 40. dos factos dados como provados pela 1.ª instância, e não alterados pela Relação, tem o seguinte teor:

40º. O Autor apesar da assistência médica e medicamentosa que recebeu, ficou a padecer das seguintes queixas permanentes e irreversíveis:

- Queixas a nível funcional: desconforto ligeiro no decúbito lateral direito no descanso noturno, com prejuízo da qualidade do sono por dificuldade em encontrar uma posição ótima para dormir; dificuldade em elevar carga com o membro superior direito, nomeadamente acima do nível dos ombros; dor no braço e cotovelo direitos, que se agrava com os esforços, com a elevação de carga e com as mudanças de tempo (frio); a dor no cotovelo direito agrava-se ao puxar carga, ao pegar em pesos e nos movimentos de tração; dor esporádica ao mobilizar o polegar e o dedo auricular direitos; parestesias no membro superior direito durante o período noturno;

- Queixas a nível situacional: deixou de pegar e levantar grandes pesos, assim com realizar trabalhos com os braços elevados; frequentava o ginásio (quase todos os dias) e jogava futebol com os amigos aos fins de semana e graças às sequelas vê-se agora limitado nessas atividades desportivas e de lazer;

- Vida profissional ou de formação: dificuldades ao pegar e levantar grandes pesos, nomeadamente ao carregar os cabazes de peixe quando vai à lota; neste momento paga a terceiros para o ajudar a carregar a carrinha; dificuldades acrescidas ao mexer no gelo;

- Lesões e/ou sequelas relacionáveis com o evento: ligeiro desnível de ombros (D<E), cicatriz cirúrgica vertical com 18 x 0,5 cm na face lateral posterior do braço e cicatriz com 3 cm na face interna do terço proximal do braço; cicatriz com 2 cm na base do polegar direito; rigidez ligeira do ombro direito com elevação e abdução a mais de 130º; rotações e extensão sem alterações de relevo; cotovelo com boas mobilidades; consegue levar a mão direita à nuca, ao ombro oposto e à região lombar sem dificuldades significativas; polegar, auricular e restantes dedos da mão direita com boas mobilidades, não dolorosas e simétricas.

Em sede de recurso de apelação, formulou a R. a seguintes conclusões:

«XXII- A Ré impugna, por considerar incorretamente julgado, a decisão proferida quanto á matéria do ponto 40º dos factos provados.

XXIII- Sendo certo que, no decurso do exame pericial, o A apresentou ao perito as queixas reproduzidas nos dois primeiros travessões do ponto 40º dos factos provados (“Queixas a nível funcional” e “Queixas a nível situacional”), nenhuma prova foi produzida no sentido de que as mesmas existem, são imputáveis ao acidente dos autos e são permanentes e irreversíveis.

XXIV- O que resulta do relatório pericial é, tão só, que o Autor apresentou ao perito as queixas constantes dos indicados dois travessões do ponto 40º dos factos provados.

XXV- O que impõe, na perspetiva da Ré, que seja alterada a redação do ponto 40 dos factos provados, no sentido de se considerar demonstrado, apenas, aquilo que se provou, ou seja, que o Autor apresentou as ditas queixas ao perito

XXVI- Por outro lado, no último travessão desse mesmo ponto, foram dadas como provadas as sequelas que resultam da descrição do exame objetivo constante do relatório pericial.

XXVII- Ora, parece-nos claro que não se pode dar como provado que as sequelas objetivas constatadas pelo perito sejam meras queixas do Autor.

XXVIII- Assim, no que toca às sequelas reproduzidas no último travessão do ponto 40º dos factos provados, impõe-se que seja dado como provada a sua existência, não como queixas, mas antes como alterações definitivas (sequelas).

XXIX- Consequentemente, em face do teor do relatório pericial elaborado nestes autos, mais precisamente do seu segmento onde estão reproduzidas as queixas do sinistro e a descrição do exame objetivo, associado à total ausência de prova no sentido da decisão proferida, impunha-se que, quanto à matéria do ponto 40º dos factos provados, tivessem sido dados como provados dois factos distintos, em dois pontos diferentes, nos seguintes termos:

- Ponto 40. Provado que:

“Aquando do exame pericial realizado nestes autos o Autor apresentou as seguintes queixas, que associou ao acidente:

- Queixas a nível funcional: desconforto ligeiro no decúbito lateral direito no descanso noturno, com prejuízo da qualidade do sono por dificuldade em encontrar uma posição ótima para dormir; dificuldade em elevar carga com o membro superior direito, nomeadamente acima do nível dos ombros; dor no braço e cotovelo direitos, que se agrava com os esforços, com a elevação de carga e com as mudanças de tempo (frio); a dor no cotovelo direito agrava-se ao puxar carga, ao pegar em pesos e nos movimentos de tração; dor esporádica ao mobilizar o polegar e o dedo auricular direitos; parestesias no membro superior direito durante o período noturno;

- Queixas a nível situacional: deixou de pegar e levantar grandes pesos, assim com realizar trabalhos com os braços elevados; frequentava o ginásio (quase todos os dias) e jogava futebol com os amigos aos fins de semana e graças às sequelas vê-se agora limitado nessas atividades desportivas e de lazer; - Vida profissional ou de formação: dificuldades ao pegar e levantar grandes pesos, nomeadamente ao carregar os cabazes de peixe quando vai à lota; neste momento paga a terceiros para o ajudar a carregar a carrinha; dificuldades acrescidas ao mexer no gelo;

Ponto 40-A. Provado que O Autor apesar da assistência médica e medicamentosa que recebeu, ficou a padecer das seguintes sequelas permanentes e irreversíveis

- Lesões e/ou sequelas relacionáveis com o evento: ligeiro desnível de ombros (D cicatriz cirúrgica vertical com 18 x 0,5 cm na face lateral posterior do braço e cicatriz com 3 cm na face interna do terço proximal do braço; cicatriz com 2 cm na base do polegar direito; rigidez ligeira do ombro direito com elevação e abdução a mais de 130º; rotações e extensão sem alterações de relevo; cotovelo com boas mobilidades consegue levar a mão direita à nuca, ao ombro oposto e à região lombar sem dificuldades significativas; polegar, auricular e restantes dedos da mão direita com boas mobilidades, não dolorosas e simétricas.».

Verifica-se que, efectivamente, a R. impugnou o ponto 40. da matéria de facto. Ora, compulsada a fundamentação do acórdão recorrido, nela se afirma o seguinte:

«Questões a decidir:

- Analisar se a sentença é nula por omissão de pronúncia;

- Verificar se os montantes fixados a título de indemnização por dano biológico e danos não patrimoniais são adequados ao ressarcimento dos danos sofridos pelo A.;

- Analisar se a taxa de juro aplicada se encontra correta.

*

Nada obstando ao conhecimento do objeto do recurso, cumpre apreciar e decidir.

A matéria considerada provada na 1ª instância não foi impugnada, nem se impõe qualquer alteração à mesma por parte desta Relação, pelo que, temos por apurada a seguinte factualidade:

(...)». [negrito nosso]

Forçoso é, assim, concluir-se que assiste razão à R. ao invocar padecer o acórdão recorrido de nulidade por omissão de pronúncia acerca da questão do invocado erro sobre a prova do ponto 40. da decisão de facto.

Sendo tal ponto da matéria de facto essencial para se aferir da correcção do quantum indemnizatório a atribuir a título de “dano biológico”, fica prejudicado o conhecimento da questão da impugnação, por ambas as partes recorrentes, do valor de € 9.500,00 mantido pelo acórdão recorrido, devendo os autos baixar de novo ao tribunal a quo para apreciação da impugnação do ponto 40. da matéria de facto e prolação de decisão de direito em conformidade.


V – Decisão

Pelo exposto, decide-se:

a) Julgar improcedente o recurso do autor, na parte em que impugna o segmento decisório do acórdão recorrido de não atribuição de qualquer quantum indemnizatório a liquidar respeitante aos custos com cirurgia futura do autor.

b) Julgar parcialmente procedente o recurso da ré, na parte em que suscita a nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia, determinando-se a baixa dos autos ao Tribunal da Relação para, se possível pelos mesmos Senhores Juízes Desembargadores:

(i) Conhecer da impugnação do ponto 40. da matéria de facto apresentada no recurso de apelação da ré; e

(ii) Proferir decisão de direito em conformidade.

Custas do recurso do autor pelo recorrente.

Custas da acção e do recurso da ré a final.


Lisboa, 19 de Janeiro de 2023


Maria da Graça Trigo (Relatora)

Catarina Serra

Paulo Rijo Ferreira (Subscrevo o acórdão no pressuposto de que se encontram já prévia e definitivamente resolvidas as questões de admissibilidade do recurso independente).