Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
6768//19.3T8LSB.L1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: MARIA CLARA SOTTOMAYOR
Descritores: ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
CONVOCATÓRIA
FALTA DE COMPARÊNCIA
DILAÇÃO
ANULABILIDADE
ANULAÇÃO
DELIBERAÇÃO
ABUSO DO DIREITO
PRESSUPOSTOS
CONHECIMENTO OFICIOSO
INTERPRETAÇÃO DA LEI
Data do Acordão: 09/21/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I - A realização da assembleia de condóminos, em segunda convocatória, no mesmo dia e local, mas com a mera dilação de trinta minutos face à hora designada para a primeira convocatória, infringe o disposto no nº 4 do Artigo 1432º do Código Civil, determinando o vício da anulabilidade de todas as deliberações aí tomadas.

II - O poder atribuído pela lei de invocar a anulação das deliberações sociais nestas condições, pode ser sempre temperado ou limitado pelo instituto do abuso do direito (artigo 334.º do Código Civil), sendo que, no caso vertente, não só não foi pedida a aplicação desta norma, como não pode este Supremo Tribunal a ela recorrer oficiosamente por falta de factualidade provada para o preenchimento dos seus pressupostos.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



I - Relatório


1. INPROPRIETATE – SOCIEDADE IMOBILIÁRIA, LDA., intenta ação de anulação das deliberações sociais da assembleia de condóminos do prédio sito na ..., n.º ..., em ... contra os condóminos AA, BB, CC, Telha Vã – Sociedade de Construções, Lda., Rep, Importação e Exportação, Lda., Forum 407, Sociedade Imobiliária, Lda., Áreadelta, Investimentos Imobiliários, S.A., DD, Leite e Anes, Lda., Administração de Condomínio do Prédio sito na ..., n.º ..., em ..., bem como contra os administradores do Condomínio do Prédio sito na ..., n.º ..., em ..., pedindo a anulação das deliberações aprovadas na ata da assembleia exarada na ata n.º 15 do livro de atas do condomínio, que foi comunicada aos condóminos ausentes e não representados, nomeadamente, à aqui Autora, por carta registada e recebida em 12 de fevereiro de 2019, entendendo a Autora que as deliberações tomadas, foram efetuadas sem existência do quórum necessário para o efeito.


2. Citados os Condóminos, contestaram, alegando, em síntese, que as deliberações aprovadas o foram validamente.


3. Após julgamento, foi proferida sentença que julgou a ação improcedente.


4. Não se conformando com a decisão, dela apelou a Autora, tendo o Tribunal da Relação acordado julgar procedente a apelação e, em consequência, revogar a sentença impugnada, sendo anuladas as deliberações tomadas na Assembleia de Condóminos de 29.1.2019 (Ata nº 15).


5. Estabeleceu-se no sumário do acórdão da Relação a seguinte orientação:

«A realização da assembleia de condóminos, em segunda convocatória, no mesmo dia e local, mas com a mera dilação de trinta minutos face à hora designada para a primeira convocatória, infringe o disposto no nº 4 do Artigo 1432º do Código Civil, determinando o vício da anulabilidade de todas as deliberações aí tomadas».


6. Inconformados, os réus interpõem recurso de revista, ao abrigo do disposto nos artigos 671.º, n.º 1 e 3, do Código de Processo Civil, formulando na sua alegação as seguintes conclusões: 

«A. A posição tomada pelo acórdão recorrido não se coaduna com a letra da lei, uma vez que defende como única possível uma de várias possibilidades legalmente admitidas, limitando infundadamente a liberdade de agendamento das assembleias de condóminos e interpretando erradamente o artigo 1432.º, n.º 4, do Código Civil.

B. O presente recurso tem, assim, fundamento na violação de lei substantiva, por parte do acórdão, por erro de interpretação da norma aplicável, nos termos do artigo 674.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil.

C. Tal como dispôs a sentença da Primeira Instância, a data da segunda convocatória é conforme à lei, com base em argumentos de três ordens distintas:

a. um argumento literal, qual seja o de que a convocatória foi explícita na designação da data da segunda convocatória, e que permite fazer operar o disposto no n.º 4 do artigo 1432.º do Código Civil, ao se ter fixado, desde logo, na convocatória, uma outra data para a nova reunião;

b. um argumento jurisprudencial, remetendo para jurisprudência fixada pelo Tribunal da Relação de Lisboa no acórdão n.º 741/09.7YXLSB.L11, em que o Tribunal considerou que não há invalidade se a assembleia de condóminos da propriedade horizontal for marcada para reunir em 2ª convocação meia hora depois da hora inicial, se a esta hora inicial não estiver presente o quórum necessário para a reunião, de acordo com o artigo 1432.º, n.º 4, do Código Civil;

c. um argumento de enquadramento social, o qual deixa supor que se esteja perante a construção, paulatinamente, de uma prática reiterada com convicção de obrigatoriedade ou, pelo menos, de uma prática maioritariamente seguida e cumprida no que respeita à convocatória e à realização de assembleias de condomínios.


D. A lei, no artigo 1432.º, n.º 4, do Código Civil, deu às administrações de condomínios, conhecedoras das suas próprias realidades, liberdade para fixarem a segunda data da reunião, sem as condicionar quanto ao intervalo de tempo posterior à primeira reunião, ao invés do que fez no artigo 383.º, n.º 7, do Código das Sociedades Comerciais, em que fixou um intervalo de tempo mínimo de quinze dias entre as duas reuniões de uma mesma assembleia de accionistas.

E. Na doutrina e na jurisprudência recolhida pelo acórdão, parte-se da noção, errada no ver dos Recorrentes, de que os condóminos ausentes na primeira reunião são mais frágeis, ou mais desinformados, ou mais ineptos, e por isso necessitarão de ser protegidos, do que os que nela estavam presentes, e que estes estarão de má fé em relação aos ausentes e, por isso, não se lhes deverá permitir tomar decisões nessa primeira reunião.

F. A lei não distingue entre os condóminos com base na sua suposta fragilidade ou ineptidão, pelo que todos os condóminos têm igual peso perante o legislador, e não deverão ser os ausentes mais protegidos do que os presentes, quando aqueles faltaram, sem mais, à reunião aprazada.

G. A maior ou menor afluência de condóminos também não pode ser um critério, na medida em que se estaria a preferir, de novo, os ausentes face aos presentes.

H. A lei acautela que todos os condóminos possam ser ouvidos na produção das deliberações das Assembleias, disponibilizando-lhes dois meios que permitem a sua intervenção quando venha a ocorrer a sua ausência, previsível ou fortuita, na Assembleia, a saber a nomeação de procurador para representação na Assembleia, permitida pelo n.º 3 do artigo 1431.º, e a possibilidade de pronúncia quanto aos assuntos ali discutidos, comunicando o seu assentimento ou discordância, no prazo de 90 dias posteriores à recepção da cópia da acta, com o correspondente dever, imposto ao administrador do condomínio, de enviar a acta da reunião, no prazo de 30 dias após a mesma, aos condóminos ausentes, prevista nos números 6 e 7 do artigo 1432.º.

I. A Autora não utilizou nenhum destes meios ao seu dispor, limitando-se a propor a acção de anulação da deliberação tomada pela Assembleia, tendo aceitado a validade, formal e material, do Regulamento aprovado na Assembleia, bem como da colocação do corrimão, ao não recorrer dos segmentos da sentença que os validaram, podendo, aliás, colocar-se em causa o interesse da Autora em recorrer, na medida em que nenhuma vantagem material retirou do resultado do recurso.

J. A preparação da Assembleia e a tomada de posição sobre os assuntos constantes da respectiva convocatória devem ocorrer no prazo de dez dias dado pela própria convocatória da assembleia, para que os condóminos possam exprimir-se subsequentemente, e não ficarem dependentes da existência, ou não, de uma segunda reunião para o fazerem, como o acórdão recorrido pretende que aconteça, relegando a primeira convocatória para um estatuto de mera formalidade.


75. A esmagadora maioria da Assembleias de Condóminos deste país é convocada nos exactos termos em que esta o foi, com o agendamento da segunda convocatória para meia hora ou para uma hora depois da primeira, o que revela existir uma convicção de obrigatoriedade geral, em que a grande maioria dos condóminos aceitam e obedecem ao facto de a segunda convocatória ser realizada meia-hora ou uma hora depois da primeira.


76. A jurisprudência maioritária lavra, assim, contra o comportamento geral dos agentes económicos, que não se reconhecem nos acórdãos que vão surgindo, nem aceitam a sua orientação, e vão mantendo esta forma de convocação de assembleias, sendo que, nos poucos casos que chegam aos Tribunais superiores, as partes têm por único objectivo, como no caso vertente, anular formalmente deliberações sociais contra as quais não têm argumentação material bastante.


K. A marcação de uma reunião não se basta com a indicação do dia concreto em que a mesma terá lugar, pois inclui, necessariamente, a respectiva hora, conforme se retira da leitura do artigo 1432.º, n.º 2, que manda fazer constar o dia e hora da reunião na convocatória, pelo que a fixação de uma segunda hora, no mesmo dia, constitui uma data diferente da primeira.

L. Pretende-se dar primazia a todos quantos se deslocaram à Assembleia, pois a necessidade de se ter de deslocar duas vezes para uma mesma reunião aumentaria as ausências dos condóminos na segunda reunião, e provavelmente, nem sequer se conseguiria reunir um quarto do valor total do prédio para se poder deliberar em segunda convocatória.

M. Urge, pois, actualizar a interpretação do artigo 1432.º, n.º 4, privilegiando-se os condóminos cumpridores da primeira convocatória, e tendo sempre em atenção que a lei confere aos ausentes a possibilidade de se virem a pronunciar posteriormente.

N. Deste modo, não existe qualquer irregularidade nem ilegalidade no que respeita à forma como deliberou a Assembleia em segunda convocatória, nem à fixação da data da segunda reunião meia-hora depois da primeira.

O. Deve, assim, proceder o presente recurso de revista, considerando-se válida a convocatória, em segunda data, da Assembleia de Condóminos agendada para meia hora depois da primeira data.


Assim decidindo, farão os Exmos. Senhores Juízes Conselheiros a costumada Justiça».


6. A Autora apresentou contra-alegações, em que pugnam para que o recurso seja julgado improcedente “(…) por não padecer de erro de interpretação a aplicação dada ao artigo 1432.5 do Código Civil, mantendo-se a decisão proferida pelo douto Tribunal da Relação de Lisboa”.  


7. Sabido que o objeto do recurso é delimitado, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, pelas concussões do recurso, a única questão a decidir consiste em determinar se as deliberações da assembleia de condóminos são anuláveis pelo facto de a assembleia ter sido realizada em segunda convocatória, na mesma data e meia hora depois da hora fixada para a primeira convocatória.


Cumpre apreciar e decidir.


II – Fundamentação

A – Os factos

1. A Autora é proprietária da fração autónoma designada pela letra F que corresponde a Piso … comércio …, com entrada pela ..., Lote …, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Zona de Intervenção …, ..., Avenida ... e Rua ..., lote …, da freguesia de ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número … da respetiva ficha ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … da freguesia ..., conforme certidão predial junta sob Doc.1 e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.

2. Por seu turno os primeiros Réus são condóminos do prédio em referência, proprietário das frações e com a permilagem seguintes:

a) AA, BB e CC, proprietários da fracção A (Comércio a, 2, e 19), com uma permilagem de 65,96 do capital Investido;

b) Telha Vã – Sociedade de Construções, Lda., Rep, Importação e Exportação, Lda., proprietária da fracção H (comércio 8) com uma permilagem de 65,96 do capital Investido;

c) DD, proprietário da fracção M (comércio 12) com uma permilagem de 14,64 do capital Investido;

d) Leite e Anes, Lda., proprietária da fracção N (comércio 13) com uma permilagem de 15,06 do capital Investido;

e) Rep, Importação e Exportação, Lda, proprietária da fracção S (comércio 18) com uma permilagem de 41,18 do capital Investido;

f)     Forum 407, Sociedade Imobiliária, Lda., proprietária da fracçãon AI (escritório 4) com uma permilagem de 33,68 do capital Investido;

g) Áreadelta, Investimentos Imobiliários, S.A., proprietária da fracção H (escritório 1)) com uma permilagem de 109,18 do capital Investido.

3. A segunda Ré é a administração de condomínio do referido prédio e os terceiros Réus os administradores em exercício.

4. No passado dia 29 de janeiro de 2019, realizou-se uma assembleia de condomínio no prédio referido em 1.º desta petição inicial.

1. A ordem de trabalhos era a seguinte:

Ponto um – Análise, discussão e deliberação sobre as contas do Condomínio relativas ao ano de 2018;

Ponto dois – Análise, discussão e deliberação sobre o orçamento e plano de atividades para o ano de 2019;

Ponto três – Discussão e aprovação das medidas a tomar no que respeita aos condóminos com dívidas de quotas ao Condomínio;

Ponto quatro - Discussão e votação sobre a eventual transferência, para os condóminos do 2.º e 3.º piso

dos escritórios, das despesas com a manutenção e resolução de avarias das casas de banho desses pisos;

Ponto cinco - Medidas a tomar com vista à resolução das infiltrações que se manifestam na garagem, na

rampa de acesso e na sala de condomínio;

Ponto seis - Limpeza e tratamento do pavimento da ponte, dos deck's e pérgolas;

Ponto sete - Pintura das guardas metálicas dos Pisos 0 e 1;

Ponto oito - Apresentação, discussão e votação do Regulamento da Ocupação e Utilização dos Espaços Privados de Uso Público do Edifício;

Ponto nove - Apresentação, discussão e votação da possível instalação de um corrimão nos dois lances de escadas exteriores da entrada da Rua ...;

Ponto dez - Apresentação, discussão e votação dos orçamentos para avaliação da qualidade do ar do edifício;

Ponto onze – Eleição da Administração do Condomínio para o ano de 2019;

Ponto doze - Outros assuntos de interesse geral do condomínio.”

5. Encontravam-se presentes, os aqui ora Réus, condóminos com representatividade de uma permilagem de 333,89, do capital investido.

6. Os quais deliberaram sobre as matérias constantes nos pontos da ordem de trabalhos supra melhor descrita.

7. A Assembleia de Condóminos entendeu que não havia quórum à hora marcada na convocatória, dezasseis horas e trinta minutos, ou seja, não se encontravam presentes a maioria dos votos representativos do capital investido, pelo que, os condóminos presentes correspondentes aos aqui primeiros Réus deliberaram em segunda convocatória meia hora depois, pelas dezassete horas, em consonância com o que descrevia a convocatória da assembleia, com um total de 333,89 dos votos do capital investido.


8. A ata da assembleia exarada na ata n.º 15 do livro de atas do condomínio, foi comunicada aos condóminos ausentes e não representados, nomeadamente, à aqui Autora por carta registada e recebida em 12 de fevereiro de 2019, conforme ata que junta como Doc.2.



B – O Direito

 1. No presente recurso está em discussão a pretensão da Autora de anular as deliberações tomadas pela Assembleia de Condóminos, no dia 29 de janeiro de 2019, sustentando a sua pretensão na ilegalidade de uma reunião da Assembleia de Condóminos, em segunda convocatória, na mesma data e meia hora depois da hora fixada para a primeira convocatória. Trata-se, pois, de uma mera apreciação da legalidade das deliberações e não do seu mérito.

A convocatória da Assembleia referia explicitamente que, caso não houvesse, em primeira convocatória, o número de condóminos suficiente, a Assembleia reuniria em segunda convocatória meia-hora depois, desde que estivessem reunidos condóminos cuja permilagem ultrapassasse um quarto do valor total do prédio.

Relativamente à questão em apreço, a sentença do tribunal de 1.ª instância e o Tribunal da Relação adotaram posições opostas.

O tribunal de 1.ª instância privilegiou os interesses dos condóminos presentes na assembleia de condóminos, na validade das deliberações aprovadas após segunda convocatória para a reunião a realizar meia hora depois da primeira convocatória, por entender que existe já uma práxis neste sentido em grande parte das convocatórias deste país. Invocou na fundamentação o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 14/07/2014, proferido no processo n.º 741/09.7YXLSB.L11, em cujo sumário se determinou que “Não há invalidade se a assembleia de condóminos da propriedade horizontal é marcada para reunir em 2ª convocação meia hora depois da hora inicial, se a esta hora inicial não estiver presente o quórum necessário para a reunião – art.º 1432.4 do C. Civil.”

Já o Tribunal da Relação, após citações doutrinais e jurisprudenciais em ambos os sentidos, decidiu pela anulabilidade das deliberações votadas nas condições referidas no ponto 7 da matéria de facto, com base nos argumentos literal e racional de interpretação (finalidade da lei e proteção dos interesses dos condóminos ausentes), formulando a seguinte fundamentação:  

«Em primeiro lugar, menção legal a “outra data” (nº 4 do Artigo 1432º do Código Civil) não comporta a interpretação literal de “outra hora” ou “outra ocasião” (cf. Artigo 9º, nº 2, do Código Civil), reportando-se a outro dia («A convocatória deve indicar o dia, hora, local (…)» - nº 2 do Artigo 1432º). Em segundo lugar, o desiderato do regime legal é o de que as assembleias de condóminos obtenham a maior participação possível, razão de ser da convocatória de todos os condóminos, sendo o regime-regra o da aprovação das deliberações por maioria dos votos representativos do capital investido (nº 3 do Artigo 1432º). Conforme refere pertinentemente o STJ, existe um inquestionável interesse em que ocorra a intervenção efetiva dos condóminos na vida e gestão do condomínio, o que passa nomeadamente pela aprovação de soluções em prol do interesse coletivo com a maior abrangência possível. Em terceiro lugar, e com base nesses pressupostos, o hiato entre a primeira e a segunda convocatórias deve ser de molde que os condóminos, que não compareceram na primeira data, possam organizar a sua vida para poderem comparecer na segunda data bem como prepararem a sua posição quanto às questões que aí serão discutidas e deliberadas. Essa função útil do hiato temporal ficaria completamente esvaziada se fosse admissível a fixação da segunda convocatória para o mesmo dia, mas com uma dilação de meia hora. Em quarto lugar, é pertinente a síntese do último aresto referido no sentido de que uma dilação de trinta minutos constitui um atraso no início da reunião, não uma nova reunião».

 Assim se decidiu também no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 26-05-2015, processo n.º 741/09, proferido nesta 1.ª Secção, em cujo sumário se entendeu o seguinte:

«I - No âmbito do n.º 4 do art. 1432.º do CC, a preocupação do legislador na convocatória para uma 2.ª assembleia de condóminos, assentou prevalentemente não na proteção dos interesses dos condóminos presentes na 1.ª reunião frustrada mas nos dos ausentes, em viabilizar e procurar assegurar a presença destes na assembleia, pelo inquestionável interesse que a mesma importa numa intervenção efetiva na vida e gestão do condomínio e no alcance do bem-estar comum com a aprovação de soluções em prol do interesse coletivo com a maior abrangência possível.

II - O espaço de tempo a mediar entre a primeira e a segunda reunião não poderá ser tão curto, de algumas horas ou meia hora apenas, pois afrontaria os limites da boa fé, sabendo-se que, se não sempre pelo menos quase sempre, tal inviabilizaria a presença de quem pouco antes esteve ausente, assim como não lhe permitiria a reponderação da conveniência de estar presente na assembleia, e mesmo a sua preparação para nela participar e assumir uma correta tomada de posição.

III - Não é admissível a segunda convocatória com a mera dilação de meia hora após a primeira».

           

 O Supremo Tribunal de Justiça já no acórdão de 11 de janeiro de 2000 (processo n.º 99A1089) pressupôs este entendimento, afirmando que «No actual regime da propriedade horizontal se à assembleia de condóminos não comparecer o número necessário de condóminos e se na respectiva convocatória se não indicar a data da nova assembleia, a nova reunião considera-se convocada para uma semana depois».

                                              

2. A questão objeto da revista, relativa à convocação da assembleia de condóminos, enquadra-se na matéria mais ampla, mas essencial para a regulação da propriedade horizontal, que é a da organização do conjunto dos condóminos para a condução dos assuntos de interesse comum, em que avulta o direito dos condóminos participarem na administração do condomínio (artigos 1430 e seguintes do Código Civil).

Nos termos do n.º 2 e do n.º 4 do artigo 1432.º, sob a epígrafe Convocação e funcionamento da assembleia, «2. A convocatória deve indicar o dia, hora, local e ordem de trabalhos da reunião e informar sobre os assuntos cujas deliberações só podem ser aprovadas por unanimidade dos votos» (…) «4. Se não comparecer o número de condóminos suficiente para se obter vencimento e na convocatória não tiver sido desde logo fixada outra data, considera-se convocada nova reunião para uma semana depois, na mesma hora e local, podendo neste caso a assembleia deliberar por maioria de votos dos condóminos presentes, desde que estes representem, pelo menos, um quarto do valor total do prédio».

        

3. Ora, considerando que, como impõe a hermenêutica jurídica, o texto da lei é o ponto de partida da interpretação, temos que o preceito em causa, o n.º 4 do artigo 1432.º, refere-se a “outra data”, expressão cujo sentido corrente não pode deixar de ser outro dia e não o mesmo dia em hora diversa.

O elemento gramatical de interpretação tem, contudo, de ser confrontado com o elemento racional ou teleológico, presumindo-se sempre que o legislador se exprimiu em termos adequados e que disse o que efetivamente pretendia dizer. Assim, só em casos excecionais, impostos pela coerência valorativa do sistema, é que o alcance da letra da lei pode ser ampliado ou restringido de forma a fazer coincidir a letra com o seu espírito, razão de ser ou finalidade.

Procedendo, então, a uma interpretação sistemática e teleológica da norma em causa, designadamente ponderando o objetivo do regime legal da propriedade horizontal e aos interesses tutelados pela lei, resulta que o legislador quis efetivamente proteger o interesse coletivo dos condóminos e fomentar a sua participação na gestão do condomínio, ou seja, proteger os condóminos ausentes.

A letra da lei exprime de forma adequada a finalidade do regime jurídico em causa, devendo, pois, ser interpretada no sentido de a segunda convocatória ter de marcar a reunião para um dia distinto da primeira, não bastando que os condóminos presentes entendam, para suprir a falta de quórum, convocar a assembleia para meia hora, uma hora, ou algumas horas mais tarde, no mesmo dia.

A norma constante do artigo 1432.º, n.º 4, tem uma parte imperativa, na medida em que, se não comparecer o número de condóminos suficiente para se obter vencimento, a segunda convocatória deve marcar nova reunião noutra data, mas outra parte supletiva, pois a convocação de uma nova reunião não tem de ser feita para uma semana depois, podendo os condóminos presentes fixar um período inferior a uma semana para a data de realização de nova reunião, desde que não coincidente com o dia fixado na primeira convocatória.

Neste sentido, se pronuncia Sandra Passinhas (A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal, Almedina, 2000, p. 219), afirmando que «Da letra da lei não se retira que a data para a marcação da segunda assembleia seja posterior a uma semana. Parece-nos que, dentro dos limites da boa-fé, a reunião poderá ter lugar num espaço mais curto; a lei não estabelece um intervalo mínimo obrigatório. Os condóminos já foram regularmente informados da realização da primeira reunião, com a devida antecedência, pelo que não há aqui a considerar especiais exigências de tutela do interesse dos condóminos.»

O legislador quis dar preferência à participação de um maior número possível de condóminos sobre a eficácia e celeridade das decisões a tomar pela assembleia, à igualdade entre os condóminos sobre a liberdade de agendamento das reuniões pelos condóminos presentes, não sendo por isso relevantes os argumentos apresentados pelos recorrentes. A invocação de que estaríamos perante um costume, dado que a maioria das assembleias usa este método para suprir a falta de quórum também não é válida, pois o costume não só não é fonte de direito, como nunca poderia ter uma eficácia revogatória de uma lei.

Por outro lado, o poder atribuído pela lei de invocar a anulação das deliberações sociais nestas condições, pode ser sempre temperado ou limitado pelo instituto do abuso do direito (artigo 334.º do Código Civil), sendo que, no caso vertente, não só não foi pedida a aplicação desta norma, como não pode este Supremo Tribunal a ela recorrer oficiosamente por falta de factualidade provada para o preenchimento dos seus pressupostos.

Assim, improcedem todas as conclusões de recurso dos recorrentes.

           

4. Dispõe o nº 1 do artigo 1433º do Código Civil que “As deliberações da assembleia contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados são anuláveis a requerimento de qualquer condómino que as não tenha aprovado”.

 Como afirma Sandra Passinhas (A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal, pp. 250-251), «A sanção cominada é, portanto, a anulabilidade das deliberações. A lei não se refere às deliberações nulas, nem às ineficazes, que seguem o regime geral. Temos assim em matéria das deliberações da assembleia de condóminos, de distinguir os vícios que enfermam as deliberações de nulidade daqueles que as enfermam de anulabilidade: estas últimas são sanáveis com deliberações sucessivas e a invalidade deve ser feita valer no prazo estabelecido pelo artigo 1433º, sob pena de decadência».

 Assim sendo, a realização da assembleia de condóminos, em segunda convocatória, no mesmo dia e local, mas com a mera dilação de trinta minutos face à hora designada para a primeira convocatória, infringe o disposto no nº 4 do artigo 1432º do Código Civil, determinando a consequência da anulabilidade de todas as deliberações aí tomadas, vício que foi arguido por tempestivamente pela autora (artigo 1433.º, n.º 4, do Código Civil).

 Em consequência, decreta-se a anulação das deliberações da assembleia de condóminos impugnadas pela Autora, confirmando-se o acórdão recorrido.


5. Anexa-se sumário elaborado nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do CPC:

I - A realização da assembleia de condóminos, em segunda convocatória, no mesmo dia e local, mas com a mera dilação de trinta minutos face à hora designada para a primeira convocatória, infringe o disposto no nº 4 do Artigo 1432º do Código Civil, determinando o vício da anulabilidade de todas as deliberações aí tomadas.

II - O poder atribuído pela lei de invocar a anulação das deliberações sociais nestas condições, pode ser sempre temperado ou limitado pelo instituto do abuso do direito (artigo 334.º do Código Civil), sendo que, no caso vertente, não só não foi pedida a aplicação desta norma, como não pode este Supremo Tribunal a ela recorrer oficiosamente por falta de factualidade provada para o preenchimento dos seus pressupostos.


 III – Decisão

 Pelo exposto, nega-se a revista e confirma-se o acórdão recorrido.

 Custas pelos recorrentes.


Supremo Tribunal de Justiça, 21 de setembro de 2021


Maria Clara Sottomayor (Relatora)

Pedro de Lima Gonçalves (1.º Adjunto)

Maria de Fátima Gomes (2.ª Adjunta)

 

Nos termos do artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo DL n.º 20/2020, de 1 de maio, declaro que o presente Acórdão tem o voto de conformidade dos Juízes Conselheiros Pedro de Lima Gonçalves (1.º Adjunto) e Maria de Fátima Gomes (2.ª Adjunta).