Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
10682/15.3T8LSB.L1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: RIJO FERREIRA
Descritores: RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANOS PATRIMONIAIS
DANOS FUTUROS
EQUIDADE
TAXA DE JURO
DUPLA CONFORME
FUNDAMENTAÇÃO ESSENCIALMENTE DIFERENTE
NULIDADE DE ACÓRDÃO
CONDENAÇÃO EXTRA VEL ULTRA PETITUM
Data do Acordão: 05/27/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I. A utilização de fórmulas matemáticas para cálculo do dano patrimonial futuro não é, pela aleatoriedade dos factores que utilizam, uma forma objectiva de cálculo, pelo que não é incompatível com o recurso à equidade.

II. Salvas as situações previstas no art.º 982º do CPC, o STJ tem competência para julgar segundo a equidade.

III. As fórmulas matemáticas são um precioso auxiliar na quantificação do dano patrimonial futuro, mas os seus resultados têm de ser ajustados em função da aleatoriedade inerente à prognose efectuada e às circunstâncias particulares do caso concreto.

IV. Como factores dessas fórmulas matemáticas deve considerar-se o ‘tempo provável de vida’ e não apenas o ‘tempo de vida activa’, bem como o ‘rendimento efectivo’ e não apenas o ‘rendimento declarado’, e, ainda, uma taxa de juro de 3%.

V. Para uma perda de rendimento anual de 14.782,70 € aos 33 anos de idade é ajustada uma indemnização por dano patrimonial futuro no montante de 270.000 €.

Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


NO RECURSO DE REVISTA

INTERPOSTO NOS AUTOS DE ACÇÃO DECLARATIVA



ENTRE

AA

(aqui patrocinado por BB, adv.)

Autor / Apelante / Apelado / Recorrente

CONTRA

SEGURADORAS UNIDAS SA

[anteriormente SEGUROS LOGO SA]

(aqui patrocinada por CC, adv.)

Ré / Apelante /Apelado / Recorrida

EM QUE INTERVEM

MAPFRE – SEGUROS GERAIS SA

(aqui patrocinada por DD, adv.)

Interveniente Principal


I – Relatório


O Autor intentou a presente acção contra a Ré pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de 492.862,42 € (331.803, 58 € de danos patrimoniais, 125.000,00 € de danos não patrimoniais, 36.059,04 € de despesas médicas e deslocações liquidáveis), acrescida de juros, e ainda o que se vier a liquidar relativamente a danos futuros, a título de indemnização decorrente de acidente de viação (e simultaneamente de trabalho) que se ficou a dever a culpa exclusiva de segurado na Ré.

A Ré contestou por impugnação e requereu a intervenção principal provocada da seguradora do acidente de trabalho, o que foi admitido.

A Interveniente peticionou a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de 66.325,03 €, e juros, e o mais que vier a despender a título de indemnização pelo acidente de trabalho.

A final foi proferida sentença que, considerando ser o acidente igualmente imputável aos condutores de ambos os veículos, condenou a Ré a pagar ao Autor a quantia de 175.202,51 € e juros (desde a citação sobre 94.702,51 € e desde a sentença sobre 80.500,00 €), deduzidos do já recebido a título provisório, e à Interveniente a quantia de 43.428, 66 € e juros desde a citação. Mais se decidiu dispensar o pagamento do remanescente da taxa de justiça.

Inconformada, apelou a Ré concluindo, em síntese, que a indemnização arbitrada é injusta, excessiva e arbitrária, violando o adequado juízo de equidade.

Igualmente inconformado, apelou o Autor, concluindo, em síntese, por erro na decisão de facto, haver culpa exclusiva do condutor do veículo segurado na Ré e pela insuficiência da indemnização arbitrada.

A Relação, de forma unânime, manteve inalterado o elenco factual fixado na 1ª instância e, considerando haver violação das regras estradais – dever geral de cuidado, mudança de direcção, velocidade e ultrapassagem – por banda de ambos os condutores a determinar a igualitária repartição de culpa, que haveria de considerar os rendimentos não declarados e fixar-se a indemnização por recurso à equidade, decidiu:

“Pelo exposto, julgo a presente acção parcialmente procedente e, consequentemente, decido condenar a R.:

a) A pagar ao A. a quantia de 179.496,34 (17.425 € + 125.000 € - 43.428,66 € + 80.500 €), a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida dos respectivos juros de mora, à taxa legal, vencidos e vincendos, devidos, sobre a quantia de 98.996,34 €, desde a citação e, sobre a quantia de 80.500 €, desde a data da decisão, até integral pagamento, deduzida do valor pago a título de “adiantamento” e arbitramento de reparação provisória, absolvendo-a do mais peticionado.

b) A pagar ao A. metade do valor das quantias que vierem a liquidar-se em execução de sentença, relativamente a gastos decorrentes do sinistro, nomeadamente com medicamentos, tratamentos e com pessoa para o auxiliar nas tarefas domésticas,

c) A pagar à Interveniente a quantia de 43.428,66 €, acrescida de juros de mora, à taxa legal, devidos desde a citação até integral pagamento, absolvendo-a do mais peticionado.

Custas pelo Autor e pela Ré na proporção do decaimento, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário daquele, dispensando-se o pagamento do remanescente da taxa de justiça.

Registe e notifique”.

Negar provimento ao recurso interposto pela R., confirmando, na parte por ela impugnada, a Sentença recorrida.”


Ainda irresignado veio o Autor interpor recurso de revista excepcional nos termos do art.º 672º, nº 1, als. a) e c), do CPC, concluindo, em síntese, pela nulidade do acórdão e por inadequado recurso à equidade, erro no cálculo da indemnização por danos patrimoniais futuros ao deduzir ⅓ relativo a gastos pessoais, ao deduzir ¼ pela antecipação do capital, ao só considerar o tempo de vida activa e ao não considerar as possibilidades de evolução profissional/salarial, devendo a mesma fixar-se em 318.610,86 €.

Não houve contra-alegação

II – Da admissibilidade e objecto do recurso


A situação tributária mostra-se regularizada.

O requerimento de interposição do recurso mostra-se tempestivo (artigos 638º e 139º do CPC) e foi apresentado por quem tem legitimidade para o efeito (art.º 631º do CPC) e se encontra devidamente patrocinado (art.º 40º do CPC).

Tal requerimento está devidamente instruído com alegação e conclusões (art.º 639º do CPC), bem como, formalmente, mostram-se satisfeitos os ónus de indicação dos elementos específicos de recorribilidade (artigos 637º e 672º, nº 2, do CPC).

O acórdão impugnado é, pela sua natureza, pelo seu conteúdo, pelo valor da causa e da respectiva sucumbência, recorrível (artigos 629º e 671º do CPC), uma vez que se entende não se verificar uma situação de ‘dupla conforme’ impeditiva da revista nos termos gerais (art.º 671º, nº 3, do CPC).

A ‘dupla conforme’, tal como está legalmente caracterizada, ocorre quando a Relação confirma a decisão da 1ª instância, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente.

Com efeito, enquanto a 1ª instância fundamentou a imputação da responsabilidade no facto de ambos os veículos circularem pelo lado esquerdo da faixa de rodagem em violação do art.º 13º do CEst, a Relação fez a mesma imputação, por um lado, porquanto o veículo do Autor circulava em excesso de velocidade ultrapassando o veículo seguro na Ré, em contravenção dos artigos 24º, 36º e 38º do CEst, enquanto este último mudava de direcção em contravenção com o disposto no art.º 44º do CEst e, por outro lado, invocando a igualdade do risco de ambos os veículos na produção do acidente. Relativamente ao cálculo dos danos, embora se encontre uma significativa parte comum, ocorrem divergências que contribuem significativamente para alterar o resultado final e que, por conseguinte, constituem fundamentação essencialmente diferente, a saber: a 1ª instância parte de um rendimento anual de 12.382,70 € enquanto a Relação considera 14.782,70 €; a 1ª instância atém-se a uma única fórmula matemática enquanto a Relação lança mão de duas fórmulas matemáticas; a 1ª instância utiliza uma taxa de juro de 3% enquanto que a Relação utiliza a taxa de 5%; a 1ª instância não faz qualquer dedução a título de gastos pessoais enquanto que a Relação desconta ⅓ a esse título.

Donde se conclui ser a revista, por ausência de ‘dupla conforme’, admissível nos termos gerais.

Mostra-se, em função do disposto nos artigos 675º e 676º do CPC, correctamente fixado o seu modo de subida (nos próprios autos) e o seu efeito (meramente devolutivo).

Destarte, o recurso merece conhecimento.

Vejamos se merece provimento.           


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Consabidamente, a delimitação objectiva do recurso emerge do teor das conclusões do recorrente, enquanto constituam corolário lógico-jurídico correspectivo da fundamentação expressa na alegação, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio.

De outra via, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, ius novarum, i.e., a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo.

Por outro lado, ainda, o recurso não é uma reapreciação ‘ex novo’ do litígio (uma “segunda opinião” sobre o litígio), mas uma ponderação sobre a correcção da decisão que dirimiu esse litígio (se padece de vícios procedimentais, se procedeu a ilegal fixação dos factos, se fez incorrecta determinação ou aplicação do direito). Daí que não baste ao recorrente afirmar o seu descontentamento com a decisão recorrida e pedir a reapreciação do litígio (limitando-se a repetir o que já alegara nas instâncias), mas se lhe imponha o ónus de alegar, de indicar as razões por que entende que a decisão recorrida deve ser revertida ou modificada, de especificar as falhas ou incorrecções de que em seu entender ela padece.

Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras.

Assim, em face do que se acaba de expor e das conclusões apresentadas, são as seguintes as questões a resolver por este Tribunal:

- da nulidade do acórdão;

- da indemnização pelos danos patrimoniais futuros decorrentes da incapacidade para o trabalho.


III – Os factos


Das instâncias vêm fixada a seguinte factualidade:


Factos provados:

1. No dia ... de Agosto de 2012, pelas 7H05m, na Rua ……, em ………, ocorreu um embate entre o motociclo marca ………, matrícula …-…-EU, conduzido pelo Autor, e o veículo de mercadorias, matrícula ….-….-DQ, conduzido por EE.

2. O Autor era, à época, trabalhador do «El Corte Inglês».

3. Por contrato de seguro do ramo automóvel, a Ré assumiu a responsabilidade emergente de acidente de viação do condutor do veículo de mercadorias, matrícula …-…-DQ, conforme e nos demais termos da Apólice nº …40.

4. A Ré procedeu a adiantamentos ao Autor por conta da indemnização final no valor global de € 4.250,00 a título de perdas salariais, em duas prestações que se enumeram:

- € 2.250,00 em 09.01.2014;

- € 2.000,00 em 29.10.2014.

5. Por contrato de seguro do Ramo Acidentes de Trabalho, a Interveniente assumiu a responsabilidade infortunística emergente de acidente de trabalho, relativamente aos trabalhadores do «El Corte Inglês Grandes Armazéns, S.A»., conforme e nos demais termos da Apólice nº ……00 junta como documentos 1 e 2, de fls. 86 a 107.

6. Em Setembro de 2013, a Interveniente participou o acidente objeto dos autos ao Tribunal de Trabalho ………, correndo termos pela Comarca ……, Instância Central, …… Seção do Trabalho, Juiz …, o processo com o Nº 3257/13……….. .

7. O autor nasceu em .../10/1979.

8. O motociclo conduzido pelo Autor circulava na referida Rua no sentido Este-Oeste, …… para …, assim como o veículo seguro na Ré.

9. O motociclo circulava no lado esquerdo da faixa de rodagem, atento o seu sentido de marcha, assim como o veículo seguro na Ré, quando ocorreu o embate entre ambos.

10. Como consequência do sinistro, o Autor sofreu:

- traumatismo da grelha costal esquerda;

- traumatismo do pé e tornozelo esquerdos, com fratura justa-articular do calcâneo;

- ferida da face externa do calcâneo com duas áreas de perda de substância.

11. No dia do acidente foi transportado ao Hospital … .

12. Posteriormente, foi assistido na Clínica …, através do seguro de acidentes de trabalho.

13. Em consequência do acidente, o Autor fez várias sessões de fisioterapia e mesoterapia.

14. Foi operado em abril 2012 e reoperado em outubro 2013 e em junho de 2014, tendo realizado vários exames como TCs, cintigrafia óssea e EMG, mantendo sempres queixas dolorosas.

15. Esteve com gesso durante, pelo menos, 6 semanas após a saída do Hospital ………, entre a primeira e segunda operação, mais 3 e, pós a terceira operação, mais 5 meses.

16. O Autor ficou com as seguintes sequelas:

 - anquilose do tornozelo esquerdo;

- alterações da enervação sensitiva e autónoma do pé esquerdo; - alterações da cognição e da afetividade;

as quais lhe causam limitações funcionais importantes com repercussões na sua autonomia, tornando-o dependente de ajudas técnicas (canadianas), medicamentosas (ansiolíticos, depressivos e analgésicos) e de terceira pessoa (tarefas domésticas).

17. Tem que fazer um grande esforço para caminhar em passeios que tenham desníveis e subir e descer escadas.

18. Não consegue estar muito tempo de pé nem sentado porque quando está muito tempo de pé fica com dores nas pernas e sentado fica com problemas de circulação, pé frio e formigueiro.

19. Tem dificuldades em conduzir por longos períodos.

20. Não consegue pegar em pesos nem fazer atividades que exijam esforços físicos ou que impliquem movimentos de agachar e ajoelhar.

21. À data do sinistro, o Autor era saudável, dinâmico, robusto, alegre, praticava desporto e não padecia de qualquer doença ou defeito físico e praticava “air-soft”, desporto que nunca mais poderá voltar a praticar.

22. Diminuiu a frequência da sua atividade sexual, não só pelas limitações físicas mas sobretudo pela afetação psicológica.

23. Apresenta um quadro depressivo, sendo seguido no Hospital … .

24. Tem momentos de muita impaciência, irritabilidade, impulsividade, agressividade e mudança de humor.

25. À data do sinistro trabalhava como operador de supermercado especializado.

26. Nessa atividade, auferia uma retribuição anual global de € 12.382,70.

27. Em alguns dias de folga, fazia trabalhos de construção civil onde auferia cerca de 200 euros/mensais.

28. Devido às sequelas do sinistro, está impedido de exercer a sua atividade profissional habitual bem como qualquer outra dentro da sua área de preparação técnico-profissional, tendo-lhe sido atribuída uma IPP fixável em 15,4%.

29. No centro de emprego não aceitaram a sua inscrição por não reunir as condições de capacidade para o trabalho, devido a incapacidade definitiva na sequência de acidente de trabalho.

30. O Autor tem o 6º ano da escolaridade.

31. O facto de ficado inapto para o exercício da sua profissão, causou um enorme desgosto ao Autor, sentindo-se um “inválido”, diminuído e revoltado.

32. O Autor tem uma filha menor que tinha ... anos à data do sinistro.

33. O Autor teve enorme desgosto por não conseguir acompanhar a sua filha nos primeiros dias de escola e por não poder brincar com a mesma no Parque.

34. Quando a sua filha lhe pergunta quando irá melhorar, o Autor fica deprimido por não lhe poder responder, sabendo que isso não irá acontecer.

35. O Autor era uma pessoa que gostava de conviver e de passear.

36. Devido às sequelas do sinistro passa a mais tempo em casa e convive menos com as outras pessoas.

37. Tem crises de choro frequentes.

38. Ficou com marcha claudicante e área cicatricial rosada na região do maléolo externo, com 5 cm de diâmetro; cicatriz nacarada, linear horizontal, abaixo do maléolo interno, com 5 cm de comprimento, tendo sido fixado o dano estético permanente em grau 5, numa escala de 7;

39. Sofreu dores intensas e tem dores crónicas no calcanhar e pé esquerdos, tendo sido fixado o quantum doloris, entre a data do evento e a consolidação das lesões, em grau 6 numa escala de 7.

40. Nos autos de procedimento cautelar de arbitramento de reparação provisória apensos, foi a Ré condenada a pagar ao Autor o montante de € 900,00 em forma de renda mensal, com início em 01/03/2015.

41. Nos autos de Acidente de trabalho, foi a Interveniente condenada a pagar ao Autor, com início em 08/03/2015, pensão anual e vitalícia no valor de € 6.572,74 bem como, a título de subsídio por elevada incapacidade, o valor de € 4.129,20.

42. O Autor encontra-se pago de todos os valores devidos por incapacidades temporárias até 07/03/2015, data da consolidação das lesões.

43. A Interveniente pagou ao Autor as seguintes quantias:

- € 26.262,33, a título de indemnização por Incapacidade Temporária;

- € 22.895,73, a título de despesas médicas, de transporte e alimentação; - € 17.166,33, a título de pensões.


Factos não provados:

a) o veículo de mercadorias circulava na fila de trânsito da direita, atento o seu sentido de marcha, e, inesperadamente, cortou a linha de trânsito do motociclo, invadindo a sua faixa e embatendo com a frente do lado esquerdo a meio do motociclo do lado direito, quando pretendia entrar no parque, que se situa nessa rua, no lado esquerdo, próximo da passadeira, mudando de direção para a esquerda;

b) o Autor tentou desviar-se mais para a esquerda da sua fila de trânsito, mas não conseguiu evitar o embate;

c) tem cefaleias, que melhoram no escuro e com a ingestão de analgésicos orais, e insónias;

d) estava para ser transferido para o El Corte Inglês no …, como chefe de secção e iria ser aumentado para 1000 euros, a que acresciam as horas extraordinárias e noturnas;

e) o Autor viu o seu casamento “degradar-se” devido às sequelas do sinistro;

f) teme que a sua esposa não consiga suportar a situação e o abandone;

g) o pé esquerdo poderá ter que ser amputado;

h) não sabe se terá de ser novamente operado ou fazer outro tipo de tratamentos;

i) tem crises de pânico quando se recorda do acidente, sofrendo de síndrome pós-traumático e de insónia;

j) a sua situação clínica tem tendência a agravar-se;

l) nas consultas médicas, o Autor gasta 100 euros/mensais e, em medicamentos, cerca de 30 euros mensais.           


IV – O direito


Da nulidade do acórdão


Incapaz de se afastar de arreigada má prática do patrocínio judiciário, não deixou o Recorrente de imputar ao acórdão recorrido uma das nulidades previstas no art.º 615º, nº 1, do CPC (conclusão 7ª); no caso a da al. e) - condenação em quantidade superior ou objecto diverso do pedido -, na medida em que ao capital calculado por aplicação de fórmula matemática se deduziu ⅓ a título de despesas pessoais, sem que tal facto tivesse sido alegado ou provado.

Muito sinteticamente se dirá que não se vislumbra em que medida é que aquela dedução, enquanto uma das componentes da operação de cálculo do montante indemnizatório, constitua ou possa levar, ou tenha levado, a uma condenação em quantidade superior ou objecto diverso do pedido. E o Recorrente também não substância tal nulidade.

Concluindo-se, pois, pela inexistência da imputada nulidade.


Da indemnização pelos danos patrimoniais futuros decorrentes da incapacidade para o trabalho


Neste domínio várias são as objecções ao acórdão recorrido postas pelo Recorrente, a saber:

- não haver lugar ao recurso à equidade (conclusão 17ª);

- indevida dedução de ⅓ por despesas pessoais (conclusão 6ª e 8ª);

- indevida dedução de ¼ por adiantamento do capital (conclusões 9º a 11ª);

- incorrecta utilização ou desconsideração de elementos de cálculo, como ‘vida activa até 65 anos’, ‘progressão/valorização profissional’, ‘família a cargo’ (conclusão 15ª);

- manifesta desadequação do valor encontrado, que corresponde apenas aos rendimentos que auferiria até aos 52 anos de idade (conclusões 12ª a 14ª).         


Dispõe o art.º 564º, nº 2, do CCiv que na fixação da indemnização o tribunal deve atender aos danos futuros que forem previsíveis, devendo a sua fixação, quando não forem determináveis, ser remetida para decisão posterior. Por seu turno o nº 2 do art.º 566º do mesmo código estabelece que não podendo ser averiguado o valor exacto dos danos o tribunal julgará por recurso à equidade.

No entender do Recorrente, sendo possível determinar objectivamente através de fórmulas matemáticas comummente aceites, o valor dos rendimentos que deixou de auferir não há fundamento legal para fazer intervir a equidade, devendo a indemnização ser fixada no valor resultante da aplicação das fórmulas matemáticas.

As fórmulas matemáticas que para o efeito possam ser construídas e utilizadas gozam da característica da exactidão típica da matemática apenas quanto ao seu funcionamento interno; mas não já quanto à exactidão do seu resultado, na medida em que este é contingente por estar dependente da aleatoriedade dos diversos factores operacionais da fórmula matemática, que resultam de puras extrapolações retiradas de projecções estatísticas ou de experiência comum de vida, designadamente o tempo de vida, a manutenção do emprego, a progressão e valorização profissional, a taxa de juro.

Os danos patrimoniais resultantes da perda da capacidade para o trabalho sendo previsíveis (‘id quod plerunque accidit’) não são, porém, e dada a ‘natureza das coisas’, susceptíveis de exacta avaliação pelo que a fixação da correspondente indemnização haverá de ser feita com recurso a juízos de equidade.

Isso não significa, no entanto, que se prescinda da utilização das referidas fórmulas matemáticas; mas antes que elas são meios auxiliares, a conjugar com outros elementos, para a formulação do juízo equitativo através do qual se haverá de fixar a indemnização.

Em função do que se conclui não ter ocorrido violação da lei ao recorrer-se à equidade na fixação da parcela indemnizatória em causa.


As apreciações das demais questões postas pelo recorrente extravasam o domínio da apreciação da legalidade do recurso à equidade, entrando na apreciação do próprio conteúdo do juízo de equidade, o que levanta desde logo a questão de saber se os poderes de cognição deste Supremo Tribunal integram essa possibilidade.


A matriz primordial da reflexão sobre a equidade vem de Aristóteles (em especial na Ética a Nicómaco) que faz a distinção entre o direito ‘da lei’ e a equidade. As preposições desta, considerando as suas abstracção e generalidade, tenderiam para o típico ou geral, mas nem sempre levariam na devida conta as especificidades do caso, de resto muitas vezes insusceptíveis de antecipação pelo legislador; aqui interviria a equidade, corrigindo a justiça legal. Em contraste com a lei, a equidade representaria uma medida flexível, semelhante à régua que os arquitectos de Lesbos usavam e que tinham a propriedade de se adaptarem aos contornos das pedras.

A equidade, na esteira do pensamento de São Tomás de Aquino, sendo apanágio da virtude e da prudência é um ‘julgar mais justamente’ (“La epiqueya es mejor que cierta justicia, es decir mejor que la legal, que cumpre la ley al pie de la letra. Piero como ella misma es certa forma de justicia, no es mejor que toda a justicia”; “En tales casos, aun el mismo legislador juzgaría de outra manera, y si lo hubiera previsto lo habría determinado en la ley” – Cf. ‘Summa Theologiae’, II-II, questões 120.2 e 60.5 - acessível, em tradução espanhola, em https://www.dominicos.org/media/uploads/recursos/libros/suma/3.pdf e https://www.domini cos.org/media/uploads/recursos/libros/suma/4.pdf).

O julgamento ‘ex aequo et bono’ apela a um juízo de oportunidade, de justiça concreta, sem deixar de aplicar os critérios gerais do sistema, mas agora tendo por referência decisiva as necessidades de justiça que o concreto caso reclama. A equidade encerra um mecanismo de adaptação da lei às circunstâncias do caso concreto, a usar pelo juiz, aquando da aplicação do direito, permitindo-lhe adaptar a própria lei ao caso concreto, sendo que a equidade opera, em todo o caso, não apenas a respeito de normas jurídicas, mas também no momento de apreciar a prova dos factos (cf. acórdão do STJ de 05FEV2020, proc. 10529/17.6T8LRS.L1.S1, referindo Alejandro Nieto, apud, El Arbitrio Judicial, Barcelona, 2000, págs. 234-235).


A equidade é uma forma de fazer justiça para além, ou com independência, dos limites do sistema jurídico-positivo. Corresponderá a uma ‘forma superior de justiça’, situada acima da lei e do direito constituído, pois que compreendendo-se, segundo São Tomás de Aquino, a justiça como a virtude geral que dirige o acto de todas as outras qualidades do sujeito ao bem comum, que ordena a acção humana naquilo em que ela se relaciona com os outros, ela pode contrapor-se com a máxima eficácia à ditadura da ‘dura lex, sed lex’ e ao descrédito subversivo do ‘summum ius, summa iniuria’.

Mas a equidade é também a ‘arte’ de harmonizar a justiça com outras virtudes que regulam as relações humanas, o que implica uma particular aptidão, a ‘sabedoria’, e por essa ligação à sabedoria a equidade melhora a justiça do direito constituído, permite uma composição mais integral dos interesses e conduz a uma solução mais plena ou harmónica de um conflito.

Daí que dela se diga “aequitas est iustitia dulcore misericordiae temperata”, que consiste numa dulcificação das exigências da lei, ou que é a “justiça do coração” (cf. CARNEIRO DA FRADA, A EQUIDADE (OU “A JUSTIÇA COM CORAÇÃO”) – A propósito da decisão arbitral segundo a equidade - https://www.oa.pt/upl/%7Ba83fee07-fbee-44a1-86d7-bef33f38eb86%7D.pdf).

No entanto as necessidades de confiança e segurança jurídica, que implicam uma normalização dos padrões de relação, levam a que a equidade embora se não deixe aprisionar pelo sistema jurídico não deixe de o ter como padrão referencial.

 Daí que:

 - o juiz não possa, dentro da organização jurídica das nossas sociedades, recorrer à equidade sem uma especial habilitação para tal;

- a equidade não é campo irrestrito de uma justiça de sentimento, não consente arrogâncias paternalistas, não remete para o entendimento pessoal do juiz ou para a sua íntima convicção, nem apela a apreciações intuitivas e puramente individuais;

- a equidade apela a uma apreciação fundada em critérios de razoabilidade, bom senso, ordem natural e natureza das coisas, objectivável numa fundamentação intersubjectiva.


Nessa conformidade vem entendendo alguma jurisprudência deste Supremo Tribunal que o juízo de equidade, alicerçado não na aplicação de um estrito critério normativo, mas na ponderação das particularidades e especificidades do caso concreto, por isso de justiça concreta e não de justiça normativa, não integra, em bom rigor, a resolução de uma ‘questão de direito’, reconhecendo que mais do que discutir e reconstruir a substância de um casuístico juízo de equidade, formulado em articulação incindível com a especificidade irrepetível do caso concreto plasmada nas particulares singularidades da matéria de facto fixada, importa essencialmente verificar, num recurso de revista,  se os critérios seguidos são passíveis de ser generalizados para todos os casos análogos – muito em particular, se os valores arbitrados se harmonizam com os critérios ou padrões que, numa jurisprudência actualista, vêm sendo seguidos em situações análogas ou equiparáveis. Não competirá, assim, ao Supremo Tribunal de Justiça a determinação exacta do valor pecuniário a arbitrar, mas tão-somente a verificação do respeito pelos limites e pressupostos dentro dos quais se deve situar o juízo equitativo (cf. acórdãos do STJ de 20MAI2010, proc. 103/2002.L1.S1, 01JUL2010, proc. 457/07.9TCGMR.G1.S1, 28OUT2010, proc. 272/06.7TBMTR.P1.S1, 22FEV2017, proc. 5808/12.1TBALM.L1.S1, 08JUN2017, proc. 2104/05.4TBPVZ.P1.S1, 14DEZ2017, proc. 589/13.4TBFLG.P1.S1, 08FEV2018, proc. 245/12.0TAGMT.G1.S1, 17MAI2018, proc. 952/12.8TVPRT.P1.S1, 18OUT2018, proc. 3643/13.9TBSTB.E1.S1, 06DEZ2018, proc. 652/16.0T8GMR.G1.S2, 05FEV2020, proc. 10529/17.6T8LRS.L1.S1 e 20FEV2020, proc. 298/17.5T8BRG.G1.S1).

Estará fundamentalmente em causa assegurar que o juízo equitativo se conforme com os princípios da igualdade e da proporcionalidade, constituindo-se numa decisão razoável, pelo que o controlo a levar a cabo pelo Supremo Tribunal de Justiça em sede de revista deve assentar (como lapidarmente sintetizado no acórdão do STJ de 14MAR2019, proc. 9913/15.4T8LSB.L1.S1) na verificação de quatro circunstâncias:

a. Se estavam verificados os pressupostos normativos do recurso à equidade;

b. Se foram consideradas as categorias ou tipo de danos cuja relevância é admitida e reconhecida;

c. Se na avaliação dos danos foram considerados os critérios que, de acordo com a legislação e a jurisprudência, deveriam ser considerados;

d. Se na avaliação dos danos foram respeitados os limites que, de acordo com a legislação e a jurisprudência, deveriam ser considerados.

Não se nos afigura, porém, que seja de sufragar tal entendimento.

Se é verdade que o julgamento segundo critérios de equidade não corresponde à resolução de uma pura ‘questão de direito’, não é menos verdade que também se não reconduz a uma ‘questão de facto’, que é o elemento antinómico quando se invoca que o STJ só aprecia ‘questões de direito’. O que ao STJ está vedado é firmar juízos probatórios (cf. URBANO DIAS, ‘Limites ao poder cognitivo do juiz – nas instâncias e no STJ’, Blog do IPPC, 03ABR2017).

O julgamento segundo a equidade é, como resulta do que vem dito, uma ‘questão de justiça’, em cujo exercício vem, ademais, implicada a sabedoria; e nessa conformidade seria destituído de qualquer razoabilidade, porque negaria a sua própria essência, que ao Supremo Tribunal de Justiça, topo da hierarquia judicial e cujos juízes, pela ordem natural das coisas,  se haverão de ter como ‘prudens’ e ‘sapiens’, fosse negada a possibilidade de administrar a justiça nos termos que, por habilitação legal, a concreta situação reclama.

Além de que não se vislumbra como se pode apreciar se foram considerados as categorias e tipos de danos, utilizados os critérios e respeitados os limites admissíveis sem, no fundo, se rever todo o juízo de equidade; sem, no fundo, aplicar a equidade ao caso concreto.

A única excepção, em matéria de equidade, aos poderes de cognição do STJ serão as situações expressamente referidas no art.º 988º, nº 2, do CPC – as resoluções proferidas em processos de jurisdição voluntária segundo critérios de oportunidade e conveniência.

Somos, pois do entendimento de que o STJ pode conhecer em recurso de revista de decisões que tenham julgado segundo critérios de equidade – designadamente fixando montantes indemnizatórios – embora, como é óbvio, nessa parte o critério do julgamento seja (e sem prejuízo da apreciação dos critérios legais de recurso à equidade) também ele o da equidade (cf., nesse sentido, URBANO DIAS, ‘Breves notas sobre os poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça’, Blog do IPPC, 02NOV2016; Competência do Supremo Tribunal de Justiça para decidir segundo a equidade’, Blog do IPPC, 20JUN2020).


É pacífico na jurisprudência que, idealmente, a indemnização pelos danos futuros deve corresponder a um capital susceptível de gerar rendimento que permita cobrir a diferença com a situação anterior, correspondente ao dano verificado, durante o tempo provável de vida da vítima, de forma que o capital se extinga no termo desse período.

E é no cálculo desse capital se que faz apelo às fórmulas matemáticas acima referidas.

No entanto para a sua aplicação é mister definir valores para as variáveis que as mesmas utilizam. Mais especificamente: o tempo provável de vida, o rendimento perdido, e a taxa de juro.

Relativamente ao tempo de vida põe-se a questão considerar apenas o ‘tempo de vida activa’ (ou seja, até à idade da reforma) ou em toda a sua extensão. A redução ao ‘tempo de vida activa’ tem por base a ideia de que após a reforma a vítima deixaria de auferir rendimento; mas tal ideia é manifestamente infundada porquanto não só o reformado pode continuar a exercer uma actividade que lhe garanta rendimentos como, naturalmente, substituiria o seu salário por uma pensão de reforma (de que se viu privado porquanto com a perda de rendimentos deixou de fazer as correspondentes contribuições para a segurança social, sendo a perda dessa pensão mais um dano futuro indemnizável). Entende-se, assim, que deve ser considerado todo o tempo provável de vida, que actualmente se situa nos 78 anos para os homens e 83,5 anos para as mulheres (cf. https://www.pordata.pt/Portugal/Esperan%c3%a7a+de+vida+%c3%a0+nascen%c3%a7a+total+e+por+sexo+(base+tri%c3%a9nio+a+partir+de+2001)-418).

Relativamente ao rendimento perdido deve ser considerado o rendimento auferido pela vítima à data do facto danoso e não apenas o rendimento declarado para efeitos de liquidação de IRS (questão que, aliás, já foi resolvida pelo Tribunal Constitucional no apontado sentido nos seus acórdãos 383/2012, 273/2015 e 565/2018). Nos casos de morte da vítima, e só nestes, deverá considerar-se apenas a parte do rendimento que este aportaria aos seus familiares e não já aquilo que despenderia consigo própria; estando consolidada a prática de redução de 1/3 a esse título (sem prejuízo de ajustamento às particularidades do caso). No caso em apreço, tendo a vítima sobrevivido ao acidente, não há lugar à apontada dedução.

De maior dificuldade se apresenta a escolha da taxa de juros a considerar, tendo em conta a extensão temporal do período a que ela se pretende aplicar e a variabilidade da mesma. A taxa de juros nos depósitos a prazo nas últimas duas décadas (cf. https://www.pordata.pt/Portugal/Taxas+de+juro+de+dep%c3%b3sitos+(m%c3%a9dia+anual)+de+particulares+total+e+por+tipo-2850) situou-se entre os cerca de 4% e os cerca de 0%, verificando-se mais recentemente um ‘esmagamento’ da taxa de juros. Haverá, no entanto, de considerar não só que  rendimento proveniente dessa taxa de juros é um rendimento bruto, sujeito a tributação, pelo que só uma parte dele (o rendimento liquido) ficará disponível para o lesado como também haverá, ainda, de considerar a depreciação monetária, que, nos últimos vinte anos (cf. https://www.pordata.pt/Portugal/Taxa+de+Infla%c3%a7%c3%a3o+(Taxa+de+Varia%c3%a7%c3%a3o+do+%c3%8dndice+de+Pre%c3%a7os+no+Consumidor)+total+e+por+consumo+individual+por+objectivo-2315), se tem situado entre os cerca de 4% e os cerca de -1%. Em face do que se entende ser se aplicar uma taxa de juro de 3%.

 Em face desses critérios, temos para o caso concreto um rendimento anual de 14.782,70 € (12.382,70 € de trabalho assalariado como operador de supermercado especializado e 2.400,00 € de esporádicos trabalhos na construção civil em dias de folga), um tempo provável de vida de 45 anos (nascido em 18OUT1979 estava, em 31AGO2012, data do acidente, preste a completar 33 anos de idade) e uma taxa de juro de 3%.

Utilizando esses valores na fórmula aplicada nas instâncias (proposta pelo Cons.º Joaquim José de Sousa Dinis em ‘Dano Corporal em Acidentes de Viação’, CJ/STJ, 1/2001, pg. 5; que, em nosso modo de ver, sustentando-se na ideia de obter ‘o capital necessário para dar ao lesado o rendimento perdido a uma certa taxa de juro’, prima por demasiada simplicidade e proporciona um enriquecimento indevido do lesado uma vez que o capital se mantém integro no final do período, em vez de se ir paulatinamente esgotando), obtemos um valor de 492.756,67 € (14.782,70 x 100:3).

Se, por outro lado atendermos à tabela constante do anexo III da Portaria 377/2008, 26MAI (que se nos afigura excessiva ao considerar uma taxa de juro líquida de 5%, acrescida de 2% para taxa de crescimento da prestação), obtemos um valor de 377.012,61 € (14.782,70 x 25,503637).

Se utilizarmos antes, e como se nos afigura mais apropriado, a tabela financeira para uma taxa de 3% (cf. Manuel Ferreira de Sá Ribeiro, ‘Tabelas Financeiras’, Universidade Católica Portuguesa, 1981) obtemos o valor de 362.452,73 € (14.782,70 x 24,51871).

Encontrados esses valores haverá de os ajustar, como já se referiu, tendo em conta por um lado a aleatoriedade inerente à prognose efectuada (que não considera situações infortunísticas que poderiam vir a ocorrer, como desemprego, doença ou mesmo morte prematura e que parte de um rendimento bruto, desconsiderando que ele estaria sujeito a tributação em IRS e em contribuições para a segurança social) e por outro lado as circunstâncias particulares do caso concreto (e.g., a maior ou menor probabilidade de progressão/valorização profissional, que com a reforma ocorre uma quebra de rendimento uma vez que a pensão será menor do que o salário e será apenas calculada com base não no rendimento mas nas contribuições efectuadas, a situação familiar, que o facto de receber antecipadamente todo o capital permite melhores oportunidades de rentabilização do mesmo).

É nesse ajustamento e tendo em conta os factores referidos que é usual proceder-se a um abatimento ao valor encontrado na ordem dos 25%.

No caso concreto em apreço não se vislumbram circunstâncias susceptíveis de alterar significativamente aquele critério usual, em particular, e ao contrário de alegado pelo Recorrente, não se vislumbram na profissão que exercia relevantes perspectivas de valorização/progressão profissional nem que ela, atento o nível de escolaridade do Recorrente, pudesse advir de reconversão profissional.

Dessa forma, aplicando tal critério e tendo por referência o acima apontado valor de 362.452,73 €, alcançamos um valor de 270.000,00 € como montante dos danos patrimoniais futuros liquidados.

Valor esse que se nos afigura compatível com os que vêm sendo arbitrados pela jurisprudência deste Supremo Tribunal em similitude de situações e que, consequentemente, se configura como justo, porque equitativo, como montante indemnizatório pelos danos patrimoniais futuros.

Atenta a repartição de culpas efectuada nas instâncias (e que não vem impugnada na revista) caberá ao Recorrente a verba de 135.000,00 € a título de indemnização pelo dano patrimonial futuro já liquidado, mostrando-se parcialmente procedente o seu recurso.

No mais (aliás, não impugnado) há que manter o já decidido.         


V – Decisão

 Termos em que, concedendo parcialmente a revista, se condena a Ré:

a) A pagar ao Autor a quantia de 189.496,34 (17.425 € + 135.000 € - 43.428,66 € + 80.500 €), a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida dos respectivos juros de mora, à taxa legal, vencidos e vincendos, devidos, sobre a quantia de 98.996,34 €, desde a citação e, sobre a quantia de 80.500 €, desde a data da decisão, até integral pagamento, deduzida do valor pago a título de “adiantamento” e arbitramento de reparação provisória, absolvendo-a do mais peticionado.

b) A pagar ao Autor metade do valor das quantias que vierem a liquidar-se em execução de sentença, relativamente a gastos decorrentes do sinistro, nomeadamente com medicamentos, tratamentos e com pessoa para o auxiliar nas tarefas domésticas,

c) A pagar à Interveniente a quantia de 43.428,66 €, acrescida de juros de mora, à taxa legal, devidos desde a citação até integral pagamento, absolvendo-a do mais peticionado.


Custas:

- nas instâncias, conforme aí decidido;

- na revista: 4/5 pelo Autor (sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficie) e 1/5 pela Ré.

Fixa-se a taxa de justiça global devida na revista em 3.000 €, dispensando-se do demais remanescente.



Lisboa, 27MAI2021


Rijo Ferreira (relator)

[Com voto de conformidade dos Exmos. Juízes Conselheiros Adjuntos,

conforme o disposto no art.º 15º-A do DL 10-A/2020, 13MAR, com

a redacção introduzida pelo DL 20/2020, 01MAI]


Cura Mariano

Fernando Baptista