Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
26928/20.3T8LSB.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: PEDRO DE LIMA GONÇALVES
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
ARRENDAMENTO URBANO
ALOJAMENTO
INTERPRETAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO
OBRAS
ARRENDATÁRIO
SENHORIO
BAIXA DO PROCESSO AO TRIBUNAL RECORRIDO
CONHECIMENTO PREJUDICADO
Data do Acordão: 03/12/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Sumário :

As cláusulas de um contrato de locação para exercício de atividade de alojamento local, à luz do regime do artigo 236.º e ss do Código Civil que referem:

Cláusula Sétima - “É da responsabilidade da Inquilina a realização de obras que reponham o prédio em bom estado de conservação, que se obriga a manter custeando ainda as instalações e canalizações de água, eletricidade e esgotos e demais equipamento do local arrendado, pagando à sua custa todas as reparações por danos decorrentes de culpa sua ou negligência, bem como a manter em bom estado os respetivos pavimentos, tectos e paredes, portas e janelas, ressalvando o desgaste proveniente da sua normal utilização”.

Cláusula Oitava “1. Ficam a cargo da Inquilina as obras de adaptação inicial do locado à sua actividade (…) na condição das mesmas não porem em causa com as paredes estruturais/mestras e o equilíbrio arquitetónico do edifício ou a sua segurança, podendo alterar a disposição interna das divisões, bem como todas as obras de reparação, conservação necessárias e adequadas à manutenção do local arrendado, requeridas pela actividade da Inquilina, por lei ou pelo fim do contrato”

devem ser interpretadas como não estabelecendo a obrigação da inquilina de realizar e suportar todas e quaisquer obras impostas por lei que o locado careça, mas tão só as que estejam relacionadas com o exercício da atividade a que se destina.

Decisão Texto Integral:

Acórdão


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I. Relatório

1. ZONA CÓMODA HOTELS, LDA. intentou a presente ação declarativa, com forma de processo comum, contra DELEGAÇÃO DA CAIXA DE PREVIDÊNCIA DO PESSOAL DO CAMINHO DE FERRO ... pedindo:

“a) Ser a R. condenada a pagar à A. a quantia total de € 108.823,52 (cento e oito mil, oitocentos e vinte e três euros e cinquenta e dois cêntimos), a título de reembolso pelas despesas suportadas pela A. com a realização das obras no Locado identificadas no artigo 95.º supra, acrescida de juros de mora, à taxa de juro comercial em vigor em cada momento, calculados desde a data em que a A. realizou o pagamento de cada uma das faturas identificadas no artigo 106.º supra e da data em que a A. venha a efetuar o pagamento da fatura identificada no artigo 107.º supra e até efetivo e integral pagamento, computando-se os juros já vencidos na quantia de € 5.868,50 (cinco mil oitocentos e sessenta e oito euros e cinquenta cêntimos);

Subsidiariamente, e caso se considere que as obras acima identificadas não tinham natureza urgente,

b) Ser a R. condenada a restituir à A. a quantia de € 108.823,52 (cento e oito, oitocentos e vinte e três euros e cinquenta e dois cêntimos), a título de enriquecimento sem causa; e

c) Ser a R. condenada a realizar e a concluir as obras descritas nos artigos 97.º e 127.º supra, correspondentes às obras constantes dos orçamentos juntos como Documentos n.ºs 19 e 37 do presente articulado, no prazo de 90 dias, a contar do trânsito em julgado da decisão proferida nos presentes autos.”.

Alegou, para tanto, e em síntese, que é inquilina do imóvel identificado na petição inicial do qual a Ré é senhoria, tendo realizado obras de adaptação do locado ao projeto de AL que lá desenvolve, assim como pequenas obras de conservação, sendo a responsabilidade pela realização de tais obras determinada com base no Contrato de arrendamento, no qual nada foi convencionado quanto às obras de natureza “extraordinária”, cuja responsabilidade recai sobre a Ré; por força de vicissitudes várias, a Autora suportou o pagamento de obras que seriam da responsabilidade da Ré, o que levou a acordarem a redução da renda; em 2018, face à verificação de infiltrações, inundações e humidades, foram feitas diligências que levaram a apurar que o locado carece de um reforço estrutural; a Autora interpelou a Ré para a realização de determinadas obras, de cariz urgente, e, como a Ré não as efetuou, avançou ela com a sua realização; o locado carece ainda de outras obras estruturais, urgentes, sob pena de comprometimento da sua estabilidade e segurança, que são da responsabilidade da Ré.

2. Regularmente citada para contestar, no prazo e sob a cominação legal, a Ré fê-lo em tempo, invocando, no essencial, que, nos termos acordados, a Autora/inquilina ficava como a única responsável pela manutenção e conservação do imóvel, o que justificou o baixo valor da renda e o prazo de 30 anos de vigência do contrato, só assim se garantindo o equilíbrio contratual, sendo que, aquando da celebração do contrato (2009) eram já visíveis sinais de humidade, concluindo pela sua absolvição do pedido.

3. Foi realizada audiência prévia, proferido despacho saneador, identificado o objeto do litígio, enunciados os temas da prova e determinada a realização de perícia.

4. Procedeu-se a julgamento com observância de todo o formalismo legal, como resulta da respetiva ata.

5. Foi proferida sentença, tendo o dispositivo o seguinte teor:

“Pelo exposto, decido julgar a presente ação improcedente, absolvendo a Ré do pedido.

Custas pela Autora.”

6. A Autora, notificada da Sentença, e com a mesma não se conformando, veio, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 637.º, no n.º 1 do artigo 638.º, no n.º 1 do artigo 639.º, na alínea a) do n.º 1 do artigo 644.º, 645.º, n.º 1, a) e 647.º, n.º 1 e 678.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil, interpor RECURSO DE REVISTA PER SALTUM, formulando as seguintes (transcritas) conclusões:

“A. A Apelante entende que a interpretação das cláusulas contratuais, e das alterações contratuais subsequentes, que vem realizada pelo Tribunal a quo não é a que melhor se coaduna com os critérios interpretativos ínsitos nos artigos 236.º a 239.º do CC, pelo que o Tribunal a quo fez uma incorreta interpretação e aplicação do direito aos factos que resultaram provados;

B. Tal como vem sendo sustentado pela jurisprudência, os artigos 236.º e 238.º, ambos do CC impõem que a interpretação de determinada cláusula contratual não se faça de forma isolada, impondo-se, antes, que seja analisada no conjunto do quadro contratual onde se insere;

C. Resulta do n.º 3 da Cláusula Sexta do Contrato de Arrendamento que o “estado” do imóvel avaliado e ponderado pelas partes, designadamente para efeitos da celebração do Contrato de Arrendamento e das obrigações aí assumidas pelas partes, é o que vem refletido nas referidas fotografias, sendo que não vem aí documentado o estado do elemento estrutural do imóvel, pelo que este elemento nunca foi ponderado pelas partes, designadamente para efeitos de reconhecimento e aceitação pela Apelante quanto às características apresentadas pelo Locado nessa data;

D. Por outro lado, resultou provado nos autos que “Quando a Autora tomou de arrendamento o locado, não conhecia –nem estava em condições de conhecer –o estado em que se encontrava o elemento estrutural de madeira do edifício” (cfr. ponto 32 dos Factos Provados), pelo que é manifesto que o estado do elemento estrutural do Locado nunca foi ponderado pelas partes – designadamente pela Apelante – na decisão de contratar e, mais importante, na definição das obrigações contratuais relacionadas com a execução de obras e na “reposição” do Locado em bom estado de conservação;

E. A interpretação das Cláusulas Sétima e Oitava do Contrato de Arrendamento tem, assim, de partir da premissa que o estado do imóvel aí mencionado está limitado àquilo que foi observado pelas partes e, nessa medida, ponderado aquando da assunção da obrigação de reposição do Locado “em bom estado de conservação”;

F. Os vícios já existentes à data da celebração do Contrato de Arrendamento que se integram no espírito daquelas cláusulas para efeitos de reposição do Locado “em bom estado de conservação” são apenas aqueles que estão documentados no referido registo fotográfico, sendo esta a única interpretação que se afigura conforme ao princípio interpretativo contido no artigo 237.º do CC, no sentido em que é a que conduz ao maior equilíbrio contratual;

G. Se as partes tivessem pretendido transferir para a Apelante a responsabilidade pela realização de todas as obras de conservação ordinária e/ou extraordinária do Locado, independentemente das razões que as determinam, não teriam, seguramente, convencionado na Cláusula Sétima do Contrato de Arrendamento que a responsabilidade pelos danos depende de culpa ou negligência da Apelante e que a obrigação de manter o estado de conservação está ressalvada pela normal utilização do Locado pela Apelante;

H. Face à existência de (i) uma necessária conexão entre o “estado” do imóvel a que se alude na Cláusula Sétima e o registo fotográfico que ficou em anexo ao Contrato de Arrendamento e (ii) uma necessária relação causal entre o comportamento da Apelante e a responsabilidade pela realização de obras no Locado, a interpretação mais consentânea com o disposto nos artigos 236.º e 238.º do CC é a de que a Apelante não se obrigou à realização de todas e quaisquer obras de conservação do Locado;

I. Ao contrário do que vem sustentado pelo Tribunal a quo, a menção na Cláusula Oitava do Contrato de Arrendamento às obras requeridas “por lei”, uma vez que vem feita em conjunto as referências à “actividade da Inquilina” e ao “fim do contrato”, reporta-se necessariamente a normas legais associadas à própria atividade da Apelante e não à lei em geral;

J. Tomando por referência a definição contida no artigo 11.º do já revogado Regime do Arrendamento Urbano (DL n.º 321-B/90, de 15 de outubro), as obras de natureza ordinária são as “destinadas a manter o prédio em bom estado de preservação e em condições exigidas pelo fim do contrato, existentes à data da sua celebração”, ou seja, são as obras destinadas à manutenção do Locado com referência à data da celebração do Contrato de Arrendamento;

K. Nos termos do n.º 1 da Cláusula Oitava do Contrato de Arrendamento, a Apelante está obrigada a realizar “todas as obras de reparação, conservação necessárias e adequadas à manutenção do local arrendado”, manutenção essa que se reporta, por um lado, à data em que a Apelante tomou de arrendamento o Locado e, por outro lado, à obrigação de manutenção prevista na Cláusula Sétima do Contrato de Arrendamento;

L. A Cláusula Sétima do Contrato de Arrendamento tem como epígrafe “Manutenção do Local Arrendado”, pelo que a referência feita no n.º 1 da Cláusula Oitava à manutenção do local arrendado remete, necessariamente, para o disposto naquela Cláusula Sétima;

M. Da articulação das Cláusulas Sétima e Oitava do Contrato de Arrendamento resulta, assim, que as partes não pretenderam transferir para a Apelante a responsabilidade pela realização de obras (i) decorrentes de vícios do Locado já existentes à data da celebração do Contrato de Arrendamento e que não eram conhecidos, nem cognoscíveis, pela Apelante e (ii) com a profundidade e amplitude como aquelas que vêm reclamadas nos presentes autos, que se verificaram ao nível da estrutura do Locado;

N. Ao invés, resulta das referidas Cláusulas que a Apelante está apenas obrigada a proceder às obras de conservação que tenham natureza ordinária e que respeitem a vícios do Locado “reconhecidos” pelas partes por referência ao registo fotográfico que ficou em anexo ao Contrato de Arrendamento;

O. A este respeito, cumpre sublinhar que resultou provado nos autos que “É altamente provável que os danos verificados no elemento estrutural de madeira já existissem em data anterior a 2009, ainda que em precedente estádio evolutivo” (cfr. ponto 82 dos Factos Provados), pelo que é manifesto que as obras aqui em causa se destinam a colmatar um vício pré-existente no Locado, sendo que, como também resultou provado nos autos, “Quando a Autora tomou de arrendamento o locado, não conhecia – nem estava em condições de conhecer – o estado em que se encontrava o elemento estrutural de madeira do edifício” (cfr. ponto 32 dos Factos Provados);

P. Se, de acordo com o entendimento do Tribunal a quo, as partes reduziram o valor das rendas e alteraram a forma de cálculo do valor da indemnização em caso de denúncia do Contrato de Arrendamento como contrapartida da assunção, pela Apelante, da realização de todas as obras de conservação no Locado, isso significa, necessariamente, que tal obrigação não vinha inicialmente prevista no Contrato de Arrendamento, o que é revelador de que o Tribunal a quo interpretou incorretamente o teor das Cláusulas Sétima e Oitava do Contrato de Arrendamento;

Q. A primeira redução do valor da renda ficou logo prevista no Contrato de Arrendamento (cfr. ponto 73 dos Factos Provados) e ficou a dever-se ao facto de a Apelante necessitar de realizar obras de adaptação do Locado à atividade a prosseguir, o que acarretaria (como acarretou) a não utilização do Locado durante o período de execução das referidas obras, com a consequente falta de obtenção de rendimentos, visando, assim, “compensar” a Apelante por essa situação (cfr. Doc. n.º 4 da Contestação);

R. Assim, (i) tendo a redução da renda sido acordada no âmbito das obras de adaptação do Locado à atividade da Apelante (as quais, nos termos do Contrato de Arrendamento, já eram da responsabilidade da Apelante) e (ii) vindo expressamente mencionado nas comunicações entre as partes que essa redução visou conceder um desafogo financeiro à Apelante, afigura- se incorreto o entendimento do Tribunal a quo segundo o qual esta primeira redução da renda teria visado compensar a assunção da responsabilidade, pela Apelante, de todas as obras de conservação no Locado;

S. O pedido de redução de renda realizado através da carta de 7 de abril de 2010 teve por base as situações concretas aí descritas (designadamente os inconvenientes sentidos pela Apelante em virtude de um embargo da obra que se prolongou por um período de 9 meses) e inseriu-se no âmbito da redução que já vinha prevista no Contrato de Arrendamento, pelo que não se pode daí retirar que a “compensação” solicitada pela Apelante tinha como contrapartida a assunção da responsabilidade pela realização de todas as obras de conservação no Locado;

T. Foi a partir da carta remetida pela Apelante à Apelada em 21 de julho de 2010 (cfr. Doc. n.º 4 da Contestação) que as partes encetaram as negociações que culminaram na segunda alteração do valor da renda (cfr. Docs. n.ºs 5 e 6 da Contestação), tendo a Apelante referido nessa carta que o pedido visava “concretizar o objetivo referido na anterior alínea e)”, ou seja, “permitir-nos algum desafogo financeiro, para os primeiros meses do início da nossa actividade no locado, do que não temos podido usufruir, em razão dos embargos anteriormente referidos não nos terem, ainda, permitido iniciar a exploração do Hostel” (sublinhado nosso);

U. Note-se que o valor da renda reduzido vigoraria por um período temporal limitado, pelo que se afigura claro que esse prolongamento da redução do valor da renda visou “compensar” determinadas contingências da Apelante, concretas e circunscritas no tempo, e não, como entendeu o Tribunal a quo, uma assunção, pela Apelante, em abstrato e para o futuro, da responsabilidade pela realização de todas e quaisquer obras de conservação no Locado durante a vigência do Contrato de Arrendamento;

V. A redução da renda acordada pelas partes em agosto de 2012 foi negociada na sequência da dívida incorrida pela Apelada junto da Câmara Municipal de ... (“CM...”), em virtude da realização de obras coercivas no Locado, sendo que, como resulta da matéria de facto dada como provada nos pontos 15 a 21 dos Factos Provados, como forma de pagamento da referida dívida, a renda devida pela Apelante à Apelada ao abrigo do Contrato de Arrendamento passou a ser paga diretamente à CM...;

W. Como resulta manifesto do teor da carta datada de 10 de agosto de 2012, remetida pela Apelante à Apelada, a negociação da alteração do valor da renda foi motivada pelos constrangimentos a que a atividade da Apelante vinha sendo sistematicamente exposta desde 2010 – no que se inclui, designadamente, o embargo da obra – constrangimentos esses que estavam a comprometer gravemente a viabilidade económico–financeira da Apelante (cfr. carta junta com o Doc. n.º 1 da p.i.);

X. Como também resulta manifesto do teor da referida carta, a proposta de alteração do valor da renda teve como contrapartida o pagamento imediato e integral, pela Apelante à CM..., da quantia de € 48.000,00, o que representava um esforço financeiro considerável por parte da Apelante, esforço esse reconhecido expressamente pela Apelada na sua carta de resposta (cfr. carta identificada com o número 098 e que integra o Doc. n.º 1 da p.i.);

Y. A Apelada, por seu lado, tinha claro interesse na realização deste pagamento por parte da Apelante, pois voltaria a receber as rendas ao abrigo do Contrato de Arrendamento, voltando, assim, a obter liquidez mensal para solver os seus compromissos, aspeto que, salvo o devido respeito, não foi devidamente valorizado pelo Tribunal a quo.

Z. No âmbito deste acordo de redução de renda, as partes acordaram expressamente que se mantinham inalteradas e em vigor todas as demais cláusulas do Contrato de Arrendamento (cfr. carta de 20 de agosto de 2012, que integra o Doc. n.º 1 da p.i. e constitui o Doc. n.º 7 da Contestação), sendo que, se tal alteração tivesse sido motivada pela assunção, pela Apelante, da responsabilidade pela realização de todas as obras de conservação no Locado, as partes teriam, seguramente, feito referência expressa a essa circunstância e teriam, seguramente, alterado a formulação das cláusulas Sétima e Oitava do Contrato de Arrendamento, o que expressa e intencionalmente não fizeram;

AA. Por outro lado, não se afigura plausível que as partes tenham tido a vontade de alterar a forma de cálculo da indemnização estabelecida no n.º 1 da Cláusula Nona do Contrato de Arrendamento como “contrapartida pela assunção pela Autora do custo de todas as obras de conservação do locado”, mas não tenham, nessa ocasião, alterado o teor das cláusulas Sétima e Oitava do Contrato de Arrendamento, que regem diretamente sobre a obrigação de realização de obras no Locado;

BB. A este respeito, cumpre referir que a defesa da Apelada assentava no facto de o valor da renda reduzida ser inferior ao valor de mercado – cfr. artigos 29.º, 42.º, 61.º, 152.º e 157.º da Contestação – o que não resultou, de todo, provado nos autos (aliás, nenhuma prova foi feita em relação a essa matéria);

CC. Na falta de demonstração de um racional plausível entre o montante da redução da renda e o custo de realização de todas as obras de conservação do Locado até ao final do Contrato de Arrendamento, não se pode, razoavelmente, deduzir que aquela redução só se compreende numa lógica de contrapartida pela assunção, pela Apelante, do custo de todas as obras de conservação do Locado;

DD. O Tribunal a quo descurou por completo o comportamento das partes na execução do Contrato de Arrendamento, sendo que este é, inequivocamente, um dos critérios interpretativos das declarações negociais expressas no Contrato de Arrendamento e na troca de correspondência que culminou nas diversas alterações ao Contrato;

EE. A relação mantida entre a Apelante e a Apelada até janeiro de 2019 –data em que se verificou a alteração dos representantes legais da Apelada (cfr. artigo 59.º da Contestação) – é absolutamente relevante para efeitos de interpretação da vontade das partes, pois foi mantida com as mesmas pessoas que, do lado da Apelada, negociaram e assinaram o Contrato de Arrendamento e que negociaram e concluíram os acordos em que se determinou a redução do valor da renda – AA e BB – devendo presumir-se que o seu comportamento vai de encontro à vontade por si manifestada através das declarações negociais que ficaram a constar do Contrato de Arrendamento e das subsequentes alterações contratuais que foram sendo acordadas;

FF. Se, de facto, a Apelada tivesse transmitido para a Apelante a responsabilidade pela execução de todas e quaisquer obras de conservação no Locado, seria altamente incongruente que viesse mais tarde a assumir – como veio, conforme resulta dos pontos 28 a 30 dos Factos Provados – a responsabilidade pelo pagamento dos custos associados à realização de uma vistoria ao Locado que se destinou a identificar as patologias existentes e a determinar as obras necessárias para colmatar essas patologias;

GG. Da mesma forma, caso a Apelada tivesse, efetivamente, transmitido para a Apelante a responsabilidade pela execução de todas e quaisquer obras de conservação no Locado, não teria seguramente solicitado à Apelante que lhe remetesse o orçamento relativo à execução das obras destinadas a colmatar as patologias identificadas, como resulta da carta junta aos autos como Doc. n.º 6 da p.i.;

HH. O declinar da responsabilidade pela realização das obras no Locado surgiu apenas quando se deu a alteração dos representantes legais da Apelada – janeiro de 2019 – pelo que esse comportamento, porque manifestado por pessoas físicas que não participaram na celebração do Contrato de Arrendamento nem negociaram as alterações contratuais subsequentes, não é apto a servir de critério interpretativo das declarações negociais aí contidas;

II. O sentido normativo da declaração da vontade negocial das partes alcançado pelo Tribunal a quo viola o disposto nos artigos 236.º a 239.º do CC, porquanto, de acordo com os critérios interpretativos aí previstos, conclui-se que a Apelante não assumiu a responsabilidade pela execução de obras de conservação extraordinária no Locado, nem de obras que se destinem a eliminar vícios que não eram por si conhecidos à data da celebração do Contrato de Arrendamento;

JJ. Como resulta dos pontos 63 e 64 dos Factos Provados, o Locado carece de um reforço estrutural no que respeita aos barrotes de madeira deteriorados e estrutura de suporte do telhado, sendo que a não intervenção nestes elementos pode, no limite, colocar em risco a estabilidade e segurança do edifício onde se insere o Locado;

KK. As obras já executadas pela Apelante constituem a primeira fase do projeto de reparação/reforço do elemento estrutural do Locado, sendo que, como resulta inequívoco dos orçamentos juntos como Documentos n.ºs 18, 19 e 37 da p.i., tratam-se de intervenções profundas, ao nível do sistema construtivo existente, e que compreendem a realização de trabalhos complexos;

LL. A classificação das obras como ordinárias ou extraordinárias depende da sua natureza e amplitude, sendo que as obras que impliquem intervenções profundas, complexas e que se revelem mais onerosas não poderão deixar de ser qualificadas como extraordinárias;

MM. Estando em causa obras de reforço estrutural do Locado, afigura-se patente que tais obras se qualificam como obras de conservação extraordinária;

NN. Ainda que se suscitassem dúvidas quanto à responsabilidade pela realização das obras objeto dos presentes autos – o que não se admite mas equaciona por mera cautela de patrocínio – sempre se teria de concluir, por força do disposto no artigo 237.º do CC, que, atenta a natureza e dimensão das obras em causa, a responsabilidade pela sua realização compete à Apelada, por ser a interpretação que conduz a um maior equilíbrio das prestações das partes ao abrigo do Contrato de Arrendamento;

OO. Conforme resulta do Ponto 64 dos Factos Provados, as obras de reforço estrutural já realizadas e a realizar assumem caráter de urgência, pelo que, tendo a Apelada entrado em mora na obrigação de realização de tais obras, a Apelante estava legitimada a “fazê-las extrajudicialmente, com direito ao seu reembolso” (cfr. n.º 1 do artigo 1036.º do CC);

PP. Pela realização dos trabalhos descritos no ponto 46 dos Factos Provados, a Apelante pagou à C... a quantia total de € 143.204,99 (cfr. pontos 54 a 55 dos Factos Provados), valor que lhe deve ser reembolsado pela Apelada.”

E conclui: o “presente recurso ser julgado integralmente procedente e, em consequência, deverá a Sentença ser revogada e substituída por outra que julgue a ação integralmente procedente, por provada, condenando a Apelada nos exatos termos formulados na p.i..”

7. A Ré veio contra-alegar, formulando as seguintes (transcritas) conclusões:

A. O recurso a que ora se responde é um recurso per saltum interposto da sentença que julgou improcedente, por não provada, a pretensão da Recorrente, absolvendo a Recorrida, por concluir que “… tendo em conta todo o teor do Contrato, incluindo o seu “Aditamento”, e a forma como foi sendo executado ao longo de mais de 10 anos, a interpretação que conduzisse à pretensão da Autora conduziria a uma beneficiação sua no confronto com a posição da Ré.”.

B. A Recorrente centra o seu recurso na apreciação da questão de saber se se o Tribunal a quo incorreu em erro na aplicação do direito aos factos que resultaram provados, nomeadamente, se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento no que respeita à interpretação das cláusulas contratuais do Contrato de Arrendamento e das alterações contratuais subsequentes.

C. A Recorrente requer ainda a “retificação” de um alegado lapso manifesto cometido pelo Tribunal a quo no Ponto 56 dos Factos Provados.

D. Cumpre desde logo notar que a questão preliminar de alegada “retificação de lapso manifesto” no Ponto 56 dos Factos Provados influi diretamente na (in)admissibilidade da interposição do presente recurso como recurso per saltum, por consubstanciar um pedido de alteração de matéria de facto alicerçado na reapreciação da prova documental e testemunhal alegadamente produzida nos autos, e não uma mera retificação de um lapso apreensível pela leitura da decisão recorrida (como sucederia no caso de uma retificação de um lapso manifesto em sentido próprio).

E. Neste sentido, ao contrário do alegado pela Recorrente nos pontos A e B das “conclusões preliminares” das suas alegações de recurso, não se verifica no presente recurso o pressuposto de exclusiva apreciação de questões de direito o qual, nos termos do disposto no art. 678.º, n.º 1, alínea c) do CPC, constitui condição sine qua non para interposição de recurso per saltum.

F. Em face de exposto, por versar sobre matéria de facto e de direito, o presente recurso não pode ser admitido como recurso per saltum, devendo ser remetido ao Tribunal da Relação de Lisboa para ser apreciado como recurso de apelação, nos termos do disposto no art. 641.º, n.º 1 do CPC.

G. Já no que diz respeito ao alegado erro de julgamento do Tribunal a quo relativamente à interpretação das cláusulas contratuais do Contrato de Arrendamento e das alterações contratuais subsequentes, ao contrário do alegado pela Recorrente nas Conclusões A e B das suas alegações de recurso, o Tribunal a quo não interpretou o Contrato de Arredamento, ou as alterações contratuais subsequentes, de forma isolada. Pelo contrário, o Tribunal a quo interpretou a prova no seu conjunto, socorrendo-se da prova documental e testemunhal junta aos autos, das regras de experiência comum e do princípio do equilíbrio contratual para aplicar o direito aos factos que julgou provados.

H. Tanto assim é que, no que diz respeito à assunção de responsabilidade pelas obras e ao conhecimento do estado de conservação do Imóvel na data da celebração do arrendamento, e, uma vez mais, contrariamente ao alegado pela Recorrente nas conclusões C a F, o Tribunal a quo alicerçou a prova do pleno conhecimento do seu estado por parte da Recorrente no Documento n.º 2 da Contestação (não sendo admissível que a Recorrente alegue desconhecer tal estado), bem como nas diversas negociações havidas entre as Partes, durante as quais os sócios em nome individual da Recorrente – nos se incluía um arquiteto, portanto alguém com conhecimentos especializados – tiveram oportunidade de visitar, de forma exaustiva e completa, o Imóvel, atestando as condições em que o Imóvel se encontrava, incluindo a nível da técnica da sua construção (traça pombalina), da sua antiguidade, do seu estado de conservação, das reparações e manutenções que carecia e daquelas que se poderiam vir a verificar no futuro como necessárias, urgentes ou adequadas;

I. Ressalta-se que a Recorrente entendeu não impugnar a matéria de facto e ainda assim tenta sub-repticiamente dar como provado um novo facto que não consta da sentença recorrida (o de que, alegadamente, “As partes não documentaram o estado do elemento estrutural do imóvel.”) ou, pelo menos, pretende modificar a redação do Facto Provado 68 da Sentença recorrida, nos termos do qual o Tribunal a quo considerou provado que o Contrato de Arrendamento foi “… acompanhado de um registo fotográfico do estado do imóvel.” sem especificar se tal estado inclui, ou não, o estado estrutural do Imóvel.

J. Ora, tal constitui um pedido de alteração à matéria de facto dada como provada o que, como é evidente, não é admissível em sede de recurso per saltum.

K. De facto, no que diz respeito ao estado do Imóvel, a Recorrente não logrou provar, sendo que lhe cabia tal ónus, que quando tomou de arrendamento o locado, não estava em condições de conhecer (todas) as patologias verificadas na envolvente do edifício, pelo que não ficou provado nos autos que de alguma forma nas negociações que precederam a celebração do arrendamento as Partes tivessem excluído a realização pela Recorrente de obras ditas estruturais.

L. Neste sentido, ao contrário do alegado pela Recorrente nos pontos H a O das suas conclusões, andou bem o Tribunal a quo ao considerar que ficou acordado no Contrato de Arrendamento que a Recorrente estava obrigada a realizar todas as obras no Imóvel.

M. Na verdade, só a conclusão de que a assunção de responsabilidade de realização de todas as obras por parte da Recorrente justifica a disparidade do valor que ficou estipulado a título de renda com os valores de renda praticados no mercado para imóveis com características semelhantes,

N. E sobretudo a única que se coaduna com a matéria de facto dada como provada nos autos e que, reitera-se, a Recorrente não põe em causa.

O. Assim, sempre terá que improceder integralmente o alegado pela Recorrente nos pontos P a CC e II a PP das suas alegações, pois, reitera-se, sempre foi entendimento das partes que tais obras eram da responsabilidade da Recorrente, o que foi contratualizado como contrapartida da aceitação pela Recorrida de um período tão dilatado de arrendamento (30 anos, o prazo máximo admitido por lei) por um valor de renda inferior ao praticado no mercado para imóveis semelhantes.

P. Não pode igualmente ser relevado o alegado pela Recorrente nos pontos DD a HH das suas conclusões, na medida em que facto de a Recorrida custear a realização de uma vistoria ao Imóvel ou de requerer o envio de orçamentos não indicia qualquer assunção de responsabilidade pela realização de obras no Imóvel. Pelo contrário, tal vistoria teve como único objeto apurar quais os trabalhos efetivamente realizados pela Recorrente e quais os trabalhos da responsabilidade da Recorrente que não haviam sido realizados, bem como o custo inerente à sua realização, na medida em que a Recorrente nunca apresentou à Recorrida qualquer plano ou orçamento para trabalhos/obras, limitando-se a afirmar que havia gasto “muito dinheiro” com a realização das mesmas!

Q. Neste sentido, e à semelhança do que concluiu o Tribunal a quo, a letra do Contrato de Arrendamento, conjugada com o comportamento adotado pelas Partes durante a vigência do mesmo e com os princípios de equilíbrio contratual que vigoram no nosso ordenamento jurídico, legitimam as expectativas da Recorrida em que as obras fossem suportadas pela Recorrente e determinam a improcedência da totalidade dos pedidos formulados pela Recorrente na sua petição inicial.

R. Em face do exposto, impõe-se que o Tribunal ad quem mantenha a decisão do Tribunal a quo de absolver a Recorrida dos presentes autos.

8. Cumpre apreciar e decidir.

II. Delimitação do objeto do recurso

Como é jurisprudência sedimentada, e em conformidade com o disposto nos artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil, o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pelo recorrente, pelo que, dentro dos preditos parâmetros, da leitura das conclusões recursórias formuladas pela Autora / ora Recorrente decorre que o objeto do presente recurso está circunscrito à questão de saber se as cláusulas 7º e 8º do contrato foram bem interpretadas pelo Tribunal recorrido.

III. Fundamentação

1. O Tribunal de 1.ª instância deu como provados os seguintes factos:

1.1. A Autora dedica-se, entre outros, à exploração de unidades hoteleiras e de alojamento local.

1.2. A Ré é uma Delegação da Caixa de Previdência do Pessoal do Caminho de Ferro ..., pessoa coletiva número ...99, com sede no ..., Angola (“CPPCF...”).

1.3. A CPPCF... é proprietária do prédio urbano sito na Rua ..., da freguesia de ..., concelho de ..., inscrito na matriz sob o artigo 33 e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... com o n.º ...40.

1.4. Em 30 de janeiro de 2009, a Autora, na qualidade de arrendatária, e a CPPCF..., na qualidade de senhoria, celebraram um contrato de arrendamento para fins não habitacionais, tendo por objeto a cave, rés-do-chão, primeiro andar e terraço contíguo, segundo andar e mansarda, bem como o espaço designado como “jardim”, do imóvel identificado supra.

1.5. O “anexo/dependência” do imóvel onde se insere o locado é da exclusiva utilização da Senhoria, cuja entrada autónoma é efetuada pelo n.º 7-B.

1.6. Desde 8 de dezembro de 2010, a Autora explora no locado um estabelecimento de alojamento local designado por “L... Hostel”.

1.7. O locado compreende um edifício de traça pombalina, construído no século XVIII.

1.8. Desde o início do Contrato de arrendamento que foram sendo realizadas várias intervenções no locado.

1.9. Desde logo, foram realizadas e custeadas pela Autora as obras necessárias à adaptação do locado ao seu projeto de alojamento local.

1.10. Nos termos da Cláusula Oitava do Contrato de arrendamento, sob a epígrafe “Obras a Cargo da Inquilina”:

“1. Ficam a cargo da Inquilina as obras de adaptação inicial do locado à sua actividade (…) na condição das mesmas não porem em causa com as paredes estruturais/mestras e o equilíbrio arquitectónico do edifício ou a sua segurança, podendo alterar a disposição interna das divisões, bem como todas as obras de reparação, conservação necessárias e adequadas à manutenção do local arrendado, requeridas pela actividade da Inquilina, por lei ou pelo fim do contrato.

(…)

3. A Inquilina estima, nesta data, o valor de € 500.000,00 como necessário à adaptação do locado à actividade a prosseguir.

(…)”.

1.11. A Autora tem vindo a realizar obras de reparação, pinturas de paredes, reparação e substituição de sinalética, limpezas mais profundas e tratamento superficial das madeiras expostas.

1.12. As referidas obras são realizadas pela Autora com uma periodicidade anual, geralmente durante o mês de janeiro, e destinam-se a permitir a regular prossecução da atividade no Hostel.

1.13. Ao longo da execução do Contrato de arrendamento, a Autora e a Ré mantiveram um diálogo aberto e construtivo, procurando sempre alcançar uma resolução amigável e concertada para as questões e problemas que se iam suscitando.

1.14. Como forma de compensação da Autora pelo esforço financeiro e custos incorridos com as obras, as partes acordaram na redução da renda prevista no Contrato de arrendamento.

1.15. Na sequência do aluimento parcial do muro de suporte dos logradouros pertencentes ao imóvel onde se insere o locado, a Câmara Municipal de ..., em 25 de fevereiro de 2008, realizou uma vistoria ao local, tendo constatado a derrocada parcial do referido muro e o colapso do sistema de drenagem de águas residuais que servia aqueles edifícios.

1.16. Em 21 de abril de 2008, a Câmara Municipal de ... realizou nova vistoria ao local, tendo constatado um agravamento da situação, com alargamento da área invadida no Beco ..., por terras e águas provenientes da derrocada e, ao nível do logradouro do Imóvel onde se insere o locado, o acentuar da depressão sobre a zona aluída.

1.17. Face ao acentuado agravamento da situação face à vistoria realizada em 25 de fevereiro de 2008 e à impossibilidade de cumprimento dos prazos legais previstos para uma intervenção municipal ao abrigo dos procedimentos previstos no Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, a Câmara Municipal de ... determinou a intervenção imediata ao abrigo do estado de necessidade, com vista à realização dos seguintes trabalhos:

- Remoção de entulhos e limpeza dos terrenos afetados, nomeadamente no Beco ... e via pública adjacente;

- Consolidação estrutural do muro de suporte e pavimentos dos logradouros (designadamente, do Imóvel onde se insere o Locado); e

- Reposição do sistema de drenagem de águas residuais.

1.18. A decisão da Câmara Municipal de ... foi tomada na sequência da intimação para realização de obras que foi devidamente notificada à Ré e que não foi por esta cumprida.

1.19. No seguimento daquela decisão, a Câmara Municipal de ..., por carta datada de 13 de julho de 2009, notificou a Autora nos seguintes termos: “Na sequência da referida intervenção administrativa e ao abrigo do disposto no artigo 18º do Decreto-Lei n.º 157/2006, de 8 de Agosto, fica V. Exa. notificada, na qualidade de arrendatária do local, de que deverá proceder ao pagamento da renda à ordem da Câmara Municipal de ..., mediante depósito na Conta da Caixa Geral de Depósitos, nº ...30 / NIB ...29 e até notificação em contrário, com vista ao ressarcimento do valor gasto com as obras executadas coercivamente”.

1.20. Uma vez recebida a referida notificação, a Autora deu início ao pagamento das rendas nos termos indicados pela Câmara Municipal de ..., tendo cessado os pagamentos a esta entidade em setembro de 2012.

1.21. Na sequência da cessação do pagamento da renda à Câmara Municipal de ..., a Ré, em setembro de 2012, remeteu uma carta à Autora, a informar o seguinte: “Serve a presente para confirmar a transferência efectuada por V. Exas., a favor da Câmara Municipal de ..., no montante de Euros 39 131, 45 (trinta e nove mil cento e trinta e um euros e quarenta e cinco cêntimos), crédito efectuado na conta daquela Câmara. Assim, e formalizado o nosso pedido, conforme a nossa carta n.º 98, datada do passado dia 16.08.2012, a partir do próximo dia 1 de Outubro, ser-nos-á creditado, de futuro, o valor da renda nela acordada, e na conta indicada. Confirmando o recebimento do respectivo recibo de quitação por parte daquela edilidade, aproveitamos a oportunidade para apresentar os nossos melhores cumprimentos, subscrevendo-nos".

1.22. No início do ano de 2018, face à verificação do agravamento de diversas infiltrações e problemas daí decorrentes nalgumas áreas do locado, a Autora solicitou uma reunião com a Ré, com vista a identificar e discutir as patologias que afetavam, à data, o locado e, sobretudo, ponderar medidas para determinar a sua origem.

1.23. A Ré manifestou disponibilidade para esse efeito e, em 8 de junho de 2018, Autora e Ré reuniram nas instalações desta.

1.24. Nessa reunião, a Autora transmitiu à Ré os problemas de infiltrações e humidades que se verificavam nalgumas áreas do locado, a saber:

(a) Quartos do 3.º Piso:

(i) Quarto António Zambujo: manchas negras provocadas pelo excesso de humidade nas paredes;

(ii) Quarto Ana Moura: (i) manchas negras provocadas pelo excesso de humidade nas paredes, (ii) existência de um buraco na cobertura exterior e (iii) alvenaria, que é composta por madeira e areia, completamente alagada;

(iii) Quarto Camané: manchas negras provocadas pelo excesso de humidade nas paredes;

(b) Casa-de-banho do R/C: mancha no teto provocada pela presença de água/humidade; e

(c) Zona de Arrumos do escritório na Cave: manchas no teto, salitre nas paredes e manchas por escorrimento de água.

1.25. No dia 18 de junho de 2018, a Autora enviou à Ré, que a recebeu, uma carta com o seguinte teor: “No passado dia 08 de junho de 2018 realizou-se, entre a Zona Cómoda (ZC) e a Caixa de Previdência do Pessoal do Caminho de Ferro ... (CPPCF...), uma reunião, nas vossas instalações, que teve como tema principal a exposição dos problemas por nós identificados no edifício sito na Rua ..., que é alvo de um contrato de arrendamento comercial entre a ZC e a CPPCF..., do qual são v.exas. legítimos proprietários.

Conforme verbalizado na reunião em causa, a ZC tem vindo a detetar um número crescente de danos na estrutura do edifício provenientes de infiltrações e humidades verificadas em vários pontos do edifício.

Numa primeira tentativa de resolver o problema a ZC levou a cabo uma renovação da área dos duches, canalização e isolamento destes, corrigindo uma situação que julgávamos ser a causa do problema. Sucede, porém, que, tendo já sito terminada a intervenção nos duches, continuam a verificar-se os problemas de infiltrações, inundações e humidades acima referidos.

As humidades verificadas nos quartos do piso superior tiveram de ser alvo de urgente intervenção por parte da ZC [A.], por as mesmas estarem a danificar, seriamente, as paredes e tectos do edifício, impedindo a ZC [A.] de fazer uma exploração comercial adequada do edifício. Ao dar início a estas intervenções ao nível das pinturas observou-se que do lado de dentro do edifício era possível ver a luz do exterior, bem como em alguns casos a perfuração do telhado tinha tal dimensão que foi possível ver com clareza o espaço exterior ao edifício.

A ZC vem por este meio reiterar a posição já havida na passada reunião de que existem graves problemas estruturais no edifício do L... Hostel e é necessária intervenção urgente na estrutura do mesmo pois está posta em causa a integridade do próprio edifício.

Sendo estas mesmas intervenções responsabilidade da CPPCF..., aguardamos que, com a máxima urgência, seja por vós analisada a situação e alocado à intervenção um especialista que consiga identificar os danos causados e fazer um levantamento das intervenções necessárias, de preferência, até ao final do presente mês de Junho, não obstante a ZC, paralelamente, ir solicitar uma opinião a outro especialista designado pela própria.

Em anexo à presente carta (Anexo I) segue uma descrição graficamente detalhada dos danos já causados na estrutura”.

1.26. Por carta datada de 20 de junho de 2018, a Ré respondeu à Autora, transmitindo o seguinte: “Acusamos a recepção da carta de V. Exas. datada do dia 18 de Junho corrente, que agradecemos, cujo conteúdo mereceu a nossa melhor atenção.

Dadas as razões aduzidas, quer verbalmente quer identificadas e evidenciadas pelas fotografias anexas à carta acima referenciada, vimos sugerir que solicitem a especialista designado por vós, no intuito de colmatar as anomalias que constatam.

Assim, deverão V. Exas. fazer o favor de mandar proceder à avaliação da intervenção necessária, remetendo-nos, posteriormente, o respectivo orçamento, descrevendo, tanto quanto possível, a obra a efectuar.”.

1.27. A Autora, em junho de 2018, solicitou à sociedade P..., S.A. a “apresentação das melhores soluções para colmatar as patologias que se verificavam no imóvel de que é locatária e onde funciona o L... Hostel e as quais consistiam essencialmente em infiltrações de água que penetravam no edifício através da envolvente do imóvel em causa”.

1.28. Pelos “honorários relativos ao processo de consulta, com vista à realização de obras de conservação e irradicação das patologias existentes na envolvente do edifício”, a Autora pagou à P... a quantia de € 1.230,00 (mil duzentos e trinta euros).

1.29. No seguimento daquele pagamento, a Autora emitiu e dirigiu à Ré a fatura n.º ...18, com data de emissão e de vencimento de 07/11/2018, no valor de € 1.230,00.

1.30. A Ré procedeu ao pagamento da referida fatura.

1.31. O “relatório” realizado pela P... apresenta as seguintes conclusões: “O resultado obtido demostra, portanto, que a estrutura apresenta péssimas condições, nos locais escolhidos para a execução das sondagens.

O estado lastimável em que se encontra a estrutura do edifício, terá sido fruto não só das infiltrações atuais, mas sobretudo de múltiplas situações idênticas no passado e em que não era corrente existir as preocupações atuais com a preservação e conservação dos edifícios.

Concluiu-se assim que, previamente (ou em simultâneo com a reparação das patologias da envolvente), o edifício carece de um reforço estrutural.

Esse reforço deverá ser constituído por uma estrutura também tridimensional em aço com reforços pontuais a definir”.

1.32. Quando a Autora tomou de arrendamento o locado, não conhecia – nem estava em condições de conhecer – o estado em que se encontrava o elemento estrutural de madeira do edifício.

1.33. O edifício situa-se numa zona muito propensa ao deslizamento de terras.

1.34. A Autora recebeu queixas de hóspedes relativamente a sinais de infiltrações.

1.35. Em 9 de outubro de 2018, a Autora enviou nova carta à Ré, que a recebeu, através da qual transmitiu o seguinte: “Como acordado previamente com a CPPCF..., a ZC solicitou à P..., S.A. (P...), uma empresa independente e especializada na prestação de serviços de arquitetura e engenharia civil, a realização de um estudo com vista à identificação da génese das patologias detetadas pela ZC no locado e oportunamente comunicadas à CPPCF... e a apresentação das melhores soluções para colmatar as referidas patologias, sobretudo as graves infiltrações de água, estudo este que se junta para V/ conhecimento.

Conforme previsto, resulta do referido estudo que a penetração e a gravidade das infiltrações se devem, em grande medida, às soluções construtivas adotadas à data e, portanto, de natureza estrutural, à antiguidade do edifício e à degradação daqui decorrente, circunstâncias totalmente alheias à ZC.

Com efeito, assinala-se, no referido estudo, “um grau de degradação no elemento estrutural de madeira”, visível no registo fotográfico, e que “o estado lastimável em que se encontra a estrutura do edifício, terá sido fruto não só das infiltrações atuais, mas sobretudo de múltiplas situações idênticas no passado e em que não era corrente existir as preocupações atuais com a preservação e conservação dos edifícios”. Verificou-se ainda que “a sala cujo teto está classificado pelo Património Arquitetónico encontra-se em bastante mau estado (…) devido às infiltrações”, cabendo a respetiva reparação, nos termos da lei, à CPPCF....

Por fim, concluiu-se que o edifício carece, não só de uma intervenção mais superficial nas patologias identificadas, como também de um reforço ao nível estrutural, devendo este reforço consistir, na opinião da P..., na criação de uma estrutura tridimensional em aço, com reforços pontuais a definir.

De sublinhar que as patologias em apreço prejudicam grandemente a exploração do L... Hostel e, portanto, o gozo do locado, designadamente por afetarem a imagem do mesmo junto dos hóspedes.

Face ao exposto, e atendendo a que a correção das referidas patologias é da responsabilidade da Senhoria, a CPPCF..., vimos solicitar que N/ confirmem se estão de acordo com a intervenção imediata e urgente no locado e com as soluções sugeridas no referido estudo e ainda que proponham os termos em que entendem que deve realizar-se tal intervenção, mantendo-se a ZC totalmente disponível para colaborar e dialogar sobre a melhor e mais célere forma de resolução do presente assunto. No caso afirmativo, a ZC disponibiliza-se, desde já, para solicitar a apresentação de um orçamento por parte da P... para o efeito.

Finalmente, tomamos a liberdade de anexar a fatura emitida pela P... FAC .../18 (…), no montante total de EUR 1.230,00, o qual, sendo a nosso ver um encargo diretamente decorrente deste assunto e portanto a nosso ver imputável à CPPCF..., e tendo já a Zona Cómoda, Lda procedido ao seu pagamento, muito agradecemos o ressarcimento deste valor por parte da CPPCF..., ou, se entenderem mais oportuno, a dedução do mesmo ao pagamento da próxima renda”.

1.36. Por carta, remetida pela CPPCF..., em 5 de fevereiro de 2019, foi dado conhecimento à Autora que era pretensão da Caixa proceder à venda do imóvel, na sua globalidade, pelo valor de € 10.500.000,00.

1.37. Em 14 de fevereiro de 2019, a Autora remeteu uma carta à Ré, que a recebeu, tendo transmitido, designadamente, o seguinte: “Apesar de agradecermos a informação acerca da V. intenção de venda, esclarecemos que os termos em que a mesma nos foi veiculada não se afiguram suficientes para que seja tomada qualquer posição da nossa parte, na medida em que existem variáveis de relevo a ter em consideração relativamente ao Imóvel.

Com efeito, em virtude do vosso conhecimento direto das condições atuais daquele [Locado] e da urgência com que determinados trabalhos de recuperação devem ser conduzidos, somos de opinião de que se impõe, antes de qualquer outra iniciativa, compreender as necessidades de intervenção exigidas face aos múltiplos defeitos e problemas estruturais de que o Imóvel padece. Tais necessidades resultam, aliás, de relatórios de engenharia solicitados pela própria Caixa de Previdência do Pessoal do Caminho de Ferro ..., de que viemos a ter conhecimento, e que se mantêm em parte atuais hoje em dia, conforme Informação anexa elaborada pela P...”.

1.38. Em 28 de fevereiro de 2019, a CPPCF... remeteu uma carta à Autora com o seguinte teor: “Damos em nosso poder o trabalho realizado para a Zona Cómoda, elaborado pela P..., cujo documento 1, e datado do dia 15.02.2019, anexamos para melhor identificação do assunto.

Notamos, contudo, que V. Exas. referem alguns relatórios requeridos por esta Caixa de Previdência e que vos foram enviados, para vosso conhecimento.

Porém, há um relatório datado do mês de Setembro de 2015 – requerida pela Zona Cómoda –, que não temos em nosso poder e que se refere a um levantamento termográfico.

De forma a ser possível uma análise mais objectiva, muito agradecemos o favor de nos remeterem uma cópia completa do levantamento acima referido, e não excertos do mesmo.

Ainda, e por forma a conseguirmos analisar as imagens referidas no relatório sobre referência, mais agradecemos que nos seja enviada uma cópia em papel e, se possível, em formato digital”.

1.39. A Autora, através de carta datada de 2 de maio de 2019 e devidamente recebida, interpelou a CPPCF... (com conhecimento da Ré) nos seguintes termos: “Na sequência das N/ comunicações datadas de 18 de Junho de 2018 e de 09 de Outubro de 2018 p.p. e das reuniões que se seguiram relativamente ao assunto acima identificado, a Zona Cómoda Hotels, Lda. (ZC) vem pela presente, na qualidade de Inquilina do prédio urbano sito na Rua ..., em ..., interpelar a Caixa de Previdência do Pessoal dos Caminhos de Ferro ... (CPPCF...) para a realização das obras, algumas de caráter urgente, no referido prédio, que abaixo se discriminam.

Como é do conhecimento de V. Exas., designadamente através das N/ comunicações acima mencionadas e do estudo elaborado pela P..., S.A., oportunamente enviado a V. Exas., verifica-se no locado “um grau de degradação no elemento estrutural de madeira”, sendo que “o estado lastimável em que se encontra a estrutura do edifício, terá sido fruto não só das infiltrações atuais, mas sobretudo de múltiplas situações idênticas no passado e em que não era corrente existir as preocupações atuais com a preservação e conservação dos edifícios”. Resultou ainda do referido relatório que a penetração e a gravidade das infiltrações se devem, sobretudo, às soluções construtivas adotadas à data, à antiguidade do edifício e à degradação daqui decorrente, circunstâncias totalmente alheias à ZC.

O prédio carece, assim, das seguintes obras da responsabilidade da Senhoria, a CPPCF...:

(i) Na Cobertura – Revisão geral da mesma com substituição ou correção de todos os elementos degradados;

(ii) Na Fachada – Correção geral dos paramentos verticais da envolvente exterior;

(iii) Substituição dos barrotes apodrecidos que foram detetados nas sondagens efetuadas, com a necessária averiguação da eventual existência de outros nas mesmas circunstâncias.

Estão, sobretudo, em causa obras de reforço da estrutura do imóvel, com vista à supressão das deficiências e do mau estado da estrutura que poderão vir a agravar-se, na ausência de qualquer intervenção, e, bem assim, a comprometer as condições de segurança e estabilidade do edifício, tratando-se manifestamente de obras excluídas da cláusula oitava do Contrato de Arredamento celebrado com V. Exas. e da responsabilidade da CPPCF....

Reitera-se que as patologias identificadas e comunicadas a V. Exas. prejudicam gravemente a exploração do L... Hostel, designadamente por afetarem a imagem do mesmo junto dos hóspedes e as condições de estadia a estes proporcionadas, não sendo, deste modo, a permanência das mesmas compatível com o funcionamento pleno do Hostel e, nessa medida, com o gozo do locado.

Assim, a ZC concede a V. Exas. um prazo de vinte dias úteis para darem início às obras acima referidas, solicitando-se, desde já, o acesso ao plano de trabalhos que for elaborado para o efeito, designadamente para assegurar a mínima perturbação no funcionamento do L... Hostel.

Findo o prazo ora concedido sem que sejam iniciados os trabalhos e/ou dada resposta à presente comunicação, a ZC irá, de imediato, proceder à realização das obras de cariz urgente a V/ expensas e instaurar a competente ação judicial de condenação na realização das demais obras necessárias no locado. (…)”.

1.40. As obras indicadas na carta da Autora de 2 de maio de 2019 encontram suporte no “Relatório de Sondagens” realizado pela P..., em 20 de maio de 2019.

1.41. Tal relatório foi dado a conhecer à Ré e à CPPCF... através de carta datada de 24 de maio de 2019, com o seguinte teor: “Na sequência das N/ comunicações datadas de 18 de Junho de 2018, 09 de Outubro de 2018 e de 02 de Maio p.p., que juntamos como anexo e aqui damos por reproduzidas, e das reuniões havidas relativamente ao assunto acima identificado, a Zona Cómoda Hotels, Lda. (ZC) vem pela presente, na qualidade de Inquilina do prédio urbano sito na Rua ..., em ..., informar que continua a aguardar resposta da Caixa de Previdência do Pessoal dos Caminhos de Ferro ... (CPPCF...) à nossa última correspondência de 02 de Maio p.p., em que, concretamente, a ZC interpelou a Caixa de Previdência do Pessoal dos Caminhos de Ferro ... (CPPCF...) para, no prazo de vinte dias úteis, darem início às obras já identificadas, algumas de caráter urgente, no referido prédio.

Neste sentido, e como solicitado entretanto pela Caixa de Previdência do Pessoal dos Caminho de Ferro ... (CPPCF...), a ZC vem pela presente enviar novo Relatório de “Sondagens efectuadas no edifício situado na Rua ... (parte ocupada pela ZC)”, o qual nos parece novamente inequívoco quanto à necessidade e urgência da realização da intervenção no edifício por parte da proprietária (CPPCF...), e igualmente na linha das conclusões dos relatórios solicitados pela própria CPPCF... datados dos anos de 2013 e 2015.

Como já anteriormente referido, em resumo, o prédio carece, assim, das seguintes obras da responsabilidade da Senhoria, a CPPCF...:

i) Na Cobertura – Revisão geral da mesma com substituição oi correção de todos os elementos degradados;

ii) Na Fachada – Correção geral dos parâmetros verticais da envolvente exterior;

iii) Substituição dos barrotes apodrecidos que foram detetados nas sondagens efetuadas, com a necessária averiguação da eventual existência de outros nas mesmas circunstâncias.

iv) Outras obras conexas que venham a ser identificadas como necessárias, decorrentes dos mesmos efeitos causadores.

Estão, como já oportunamente referido, em causa obras de reforço da estrutura do imóvel, com vista à supressão das deficiências e do mau estado da estrutura que poderão vir a agravar-se, na ausência de qualquer intervenção, e, bem assim, a comprometer as condições de segurança e estabilidade do edifício, tratando-se manifestamente de obras excluídas da cláusula oitava do Contrato de Arrendamento celebrado com V. Exas. E da responsabilidade da CPPCF....

Reitera-se que findo o prazo concedido na nossa correspondência de 02 de Maio p.p. sem que sejam iniciados os trabalhos e/ou dada resposta à presente comunicação, a ZC irá, de imediato, proceder à realização das obras de cariz urgente a V/ expensas e instaurar a competente ação judicial de condenação na realização das demais obras necessárias no locado.

Não obstante, assinalamos, mais uma vez, ser a intenção da ZC encontrar uma solução que vá ao encontro dos interesses de ambas as partes, que cremos ser, neste caso, coincidentes, sempre num espírito de colaboração e transparência. (…)”.

1.42. Em 30 de maio de 2019, a Ré veio responder às interpelações efetuadas pela Autora, informando o seguinte: “Acusamos a receção das cartas datadas de 2 e 24 de Maio de 2019, interpelando-nos para realizar obras no locado.

Iremos confirmar em breve, nas vossas instalações a necessidade da realização das obras

E a sua natureza, para decidir a quem cabe a responsabilidade pela sua execução.

A avaliar pelo teor da vossa informação, as obras a realizar não são urgentes até porque nos encontramos no Verão, com pouca ou nenhuma pluviosidade.”

1.43. A Ré nada comunicou à Autora quanto à averiguação que ia levar a cabo com vista a confirmar a necessidade e a natureza das obras reclamadas.

1.44. A Autora, pretendendo avançar com as obras indicadas nas cartas de interpelação, solicitou orçamentos à C..., Lda. (C...”), empresa de construção civil.

1.45. A C...” apresentou à Autora orçamentos relativos a obras a realizar no locado, designadamente o orçamento com a referência AJB/41/2019, datado de 5 de outubro de 2019, no valor total de € 109.836,02, e o orçamento datado de novembro de 2019, no valor de € 32.050,00.

1.46. Nos termos do orçamento com a referência AJB/41/2019, datado de 5 de outubro de 2019, a C...” propôs a realização dos seguintes trabalhos:

(a) Preparação e Reparação da Superfície:

(i) Limpeza e desinfeção de toda a superfície com máquina de alta pressão e aplicação de uma solução de hipoclorito de sódio (1:20) nas fachadas principal, tardoz, lateral direita, lateral esquerda e mansardas. Remoção de todo o produto com água em abundância;

(ii) Apicoamento da superfície da fachada para remoção de reboco danificado, a realizar nas fachadas principal, tardoz, lateral direita e lateral esquerda;

(iii) Reparação das fissuras presentes na superfície da fachada através da picagem e realização de um corte no revestimento em todo o seu comprimento, aprofundamento em cunha e posterior selagem com mástique de poliuretano SIFAFLEX 11FC, nas fachadas principal, tardoz, lateral direita, lateral esquerda e mansardas;

(iv) Fornecimento e aplicação de argamassa de enchimento à base de cal NHL3.5 – MORCEM CAL BASE e MORCEM CAL ACABADO by Grupo Puma, nas fachadas principal, tardoz, lateral direita e lateral esquerda;

(v) Fornecimento e aplicação de argamassa de enchimento à base de cal NHL3.5 - branca, cal aérea, pozolana, cargas minerais e outros aditivos Morcem Cal Acabado Extra Fino - by Grupo Puma, nas fachadas principal, tardoz, lateral direita e lateral esquerda.

(b) Pintura:

(i) Aplicação de Desinfetante Artibiosa da CIN e primário CINOXANO da CIN nas fachadas principal, tardoz, lateral direita e lateral esquerda;

(ii) Pintura de fachada com acabamento de tinta CINOXANO Mineral da CIN com duas demãos, nas fachadas principal, tardoz, lateral direita e lateral esquerda (incluindo aplicação de revestimento de espesso de textura areada média de forma a disfarçar irregularidades);

(iii) Tratamento e Pintura de guardas de ferro com duas demãos de primário epóxi C-POXST 170 diluído a 5% e posterior aplicação de duas demãos de acabamento com C-Thane S250 da CIN, nas fachadas principal (Guarda, piso 0 e piso 1) e tardoz (pisos 1, 2 e 3).

(c) Impermeabilização:

(i) Revisão e impermeabilização das cantarias das janelas com hidrofugante aquoso Hidro WB Fachadas da CIN, baseado numa emulsão de silano/siloxano. Aplicação, onde necessário, de mástique de poliuretano Sikaflex 11FC da SIKA, para impedimento de infiltrações, nas fachadas principal, tardoz, lateral direita, lateral esquerda e mansardas;

(ii) Limpeza mecânica de revestimento de pedra natural presente na fachada através de projeção controlada de jato abrasivo seco - vulgarmente conhecido por jato de areia. Incluindo preenchimento de juntas com betume colorigado com todos os trabalhos necessários, nas fachadas principal, tardoz, lateral direita e lateral esquerda;

(iii) Impermeabilização de revestimento de pedra natural presente na fachada com hidrofugante aquoso HIDRO WB Fachadas da CIN, nas fachadas principal, tardoz, lateral direita e lateral esquerda.

(d) Cobertura:

(i) Aplicação, nas juntas de fixação da claraboia da cobertura principal, de mástique de poliuretano Sikaflex 11FC da SIKA, para impedimento de infiltrações;

(ii) Revisão e substituição de telhas partidas, em modelo idêntico ao existente; e

(iii) Impermeabilização de revestimento de pedra natural presente na fachada com hidrofugante aquoso HIDRO WB Fachadas da CIN.

1.47. A proposta previa uma entrada inicial de 20% do valor global, sendo o remanescente pago em períodos mensais, com base na medição dos trabalhos realizados.

1.48. De acordo com o orçamento apresentado em novembro de 2019, a C...” propôs a realização dos seguintes trabalhos ao nível do reforço estrutural:

- Trabalhos de corte e remoção do pavimento em madeira existente, para verificação do estado dos barrotes de madeira estruturais;

- Fornecimento e colocação de barrotes, em madeira de casquinha tratada com imunizador para fungos e insetos (tipo Cuprinol) com 140 x 80 mm para fixação de pavimento, espaçados 40 cm entre si, substituindo barrotes deteriorados, incluindo fixações, empalmes e pregagens ocultas;

- Aplicação de tratamento preventivo sobre barrotes de madeira não substituídos. O tratamento é realizado através de broxa/pincel em duas demãos, com aplicação de líquido do tipo "XYLOFENE SO4 40 PROFESSIONAL" (este imunizador terá função de prevenção contra fungos, podridão do tipo húmida e seca, ataque de insetos, entre outras);

- Trabalhos de reaplicação do pavimento em madeira existente, retirado nos termos indicados na alínea a) supra, incluindo todos os trabalhos de afagamento e envernizamento, de forma a obter um pavimento o mais homogéneo possível.

1.49. Em 18 de novembro de 2019, a Autora remeteu à CPPCF..., que a recebeu, nova carta, através da qual deu conhecimento dos orçamentos apresentados pela C... e comunicou o seguinte: “Na sequência das N/ comunicações datadas de 18 de Junho de 2918, 09 de Outubro de 2018, de 02 de Maio p.p. e da comunicação de V. Exas. datada de 30 de maio p.p. (que juntamos como anexo e aqui damos por reproduzidas), sem que, até à data, tenha havido da parte da Caixa de Previdência do Pessoal dos Caminhos de Ferro ... (CPPCF...) qualquer desenvolvimento quanto à confirmação da necessidade de realização das obras oportunamente identificadas e reclamadas nas referidas comunicações ou qualquer iniciativa no sentido da realização das mesmas, a Zona Cómoda Hotels, Lda. (ZC) vem pela presente, na qualidade de Inquilina do prédio urbano sito na Rua ..., em ..., interpelar V. Exas. para, no prazo de (10) dez dias úteis, virem informar do resultado das diligências realizadas por V. Exas. e procederem à realização das referidas obras.

(…)

Nestes termos, a ausência de resposta ou inação por parte da CPPCF... face à presente comunicação, no prazo acima referido, serão interpretadas e consideradas pela ZC como manifestação da vontade em não cumprir a obrigação de realização das mencionadas obras, cuja responsabilidade cabe à CPPCF..., e a ZC não terá alternativa senão dar início aos trabalhos, a expensas da CPPCF..., de acordo com os orçamentos que desde já se juntam para V/ conhecimento.

(…)”.

1.50. A Ré respondeu à Autora, em 3 de dezembro de 2019, por carta, declinando a responsabilidade pela realização das obras identificadas pela Autora, invocando as cláusulas 7ª e 8ª do Contrato.

1.51. A Autora avançou com a realização de, pelo menos, algumas das obras indicadas no orçamento apresentado pela C...” (reparação/recuperação e pintura de fachadas; substituição de um número reduzido de telhas e aplicação da mástique nas juntas de fixação da claraboia da cobertura principal; tratamento de cantarias).

1.52. Enquanto não fossem realizadas as obras na envolvente do locado, o elemento estrutural de madeira continuaria a estar sujeito a constantes infiltrações e humidade, com a sua progressiva degradação.

1.53. Nessa medida, seria aconselhável que a primeira intervenção a realizar no locado ocorresse ao nível da cobertura, fachadas e mansardas, por forma a, por um lado, conter os danos e evitar a degradação acelerada e progressiva da estrutura do locado e, por outro lado, criar as melhores condições à realização das obras na estrutura de madeira.

1.54. A C...” emitiu à Autora as seguintes faturas, no valor total de € 143.204,99 (cento e quarenta e três mil duzentos e quatro euros e noventa e nove cêntimos):

- Fatura n.º ...11, com data de emissão e de vencimento de 31 de dezembro de 2019, no valor de € 22.017,43;

- Fatura n.º ...95, com data de emissão e de vencimento de 31 de janeiro de 2020, no valor de € 54.745,22;

- Fatura n.º ...10, com data de emissão e de vencimento de 28 de fevereiro de 2020, no valor de € 24.710,39; e

- Fatura n.º ...60, com data de emissão e de vencimento de 30 de junho de 2020, no valor de € 41.731,95.

1.55. As referidas faturas foram pagas nos seguintes termos:

- A Fatura n.º ...11 foi paga, sendo emitido em 15 de janeiro de 2020, o respetivo recibo n.º ...06/2020;

- A Fatura n.º ...95 foi paga, sendo emitidos, em 18 de fevereiro de 2020, os respetivos recibos n.ºs ...26/2020 e ...27/2020; e

- A Fatura n.º ...10 foi paga, sendo emitidos, em 16 e 17 de março de 2020, os respetivos recibos n.ºs ...48/2020 e ...47.

1.56. A Fatura n.º ...60, apesar de vencida, ainda se encontra por pagar.

1.57. Em 9 de janeiro de 2020, a Ré veio remeter nova carta à Autora, reiterando o entendimento de que os custos com as obras de conservação ordinária e extraordinária não lhe poderão ser imputados.

1.58. Em 7 de fevereiro de 2020, a Ré voltou a remeter uma carta à Autora informando que iria efetuar uma inspeção ao locado por forma a verificar que obras estão a ser realizadas, solicitando uma cópia do projeto e plano de obras, chamando a atenção para o facto de que a realização de obras sem autorização da Senhoria ser fundamento de resolução do Contrato.

1.59. Por carta datada de 18 de fevereiro de 2020, recebida pela Ré, a Autora respondeu à carta de 7 de fevereiro de 2020, transmitindo, designadamente, o seguinte: “(…) Conforme alertado e relatado pela ZCH, várias zonas do L... Hostel encontravam-se seriamente danificadas e inutilizadas pela infiltração de águas através da fachada, cobertura e da própria estrutura e o elemento estrutural de madeira mostrava-se, em vários pontos do Edifício, gravemente deteriorado, existindo a forte suspeita de que essa situação se repetia em vários outros locais do L... Hostel.

Tais obras foram largamente ponderadas e discutidas com a CPPCF..., designadamente em visitas ao local realizadas pela CPPCF..., tendo inclusivamente sofrido um longo impasse em face da ausência de resposta da CPPCF... quanto à responsabilidade pelas mesmas, pese embora a relevância e urgência quanto a algumas delas, o que é demonstrativo da posição abusiva que a CPPCF... vem agora adotar. Aliás, foi esse impasse e, posteriormente, a comunicação da CPPCF... a declinar realizar as obras que eram da sua competência, que obrigaram a ZCH a avançar para a realização das obras que se tornaram prementes”.

1.60. Por carta datada de 27 de fevereiro de 2020, a Ré veio responder à carta da Autora de 18 de fevereiro de 2020, reiterando a intenção de realizar uma “vistoria” ao locado e referindo, além do mais, “as inúmeras cedências que a Senhoria se prestou a efetuar à ZCH no decurso da relação contratual, mostrando-se sensível aos diversos problemas que foram sendo colocados, começando pelas várias queixas judiciais (…) em virtude dos distúrbios causados pela atividade da ZCH (…) atingindo o seu expoente máximo na colossal redução do valor de renda (…). Tratam-se de atos (…) reveladores de um comportamento por parte das pessoas envolvidas e que foram altamente lesivos para a Senhoria, levando à existência de um contrato profundamente desequilibrado e totalmente leonino para a ZCH, com uma profunda lesão dos interesses da Senhoria”.

1.61. As partes estiveram em negociações entre 4 de março e 25 de julho de 2020.

1.62. A C...”, em 3 de março de 2020, apresentou novo orçamento à Autora, no valor total de € 65.461,11, com a identificação dos seguintes trabalhos a executar:

(a) Estaleiro:

(i) Fornecimento, montagem e desmontagem de andaimes adequados a todos os trabalhos mencionados (inclui vedações, proteções e serventias, assim como limpezas finais);

(b) Trabalhos Preparatórios:

(i) Remoção de todo o revestimento em telha cerâmica da cobertura (inclui transporte para local autorizado à gestão de resíduos sólidos);

(ii) Desmontagem e remoção de barrotes e ripados de madeira que se encontram num estado de degradação avançado (inclui transporte para local autorizado);

(iii) Aplicação de tratamento inseticida na estrutura de madeira existente com CUPRINOL;

(c) Cobertura:

(i) Execução de nova estrutura de madeira com barrotes de dimensões variáveis de acordo com as dimensões da cobertura (inclui o fornecimento de barrotes com tratamento autoclave, bem como todos os acessórios de fixação e transporte necessário de armazém para obra);

(ii) Fornecimento e aplicação de painéis OSB, com uma espessura de 18 mm;

(iii) Fornecimento Subtelha ST200 - ONDULINE com 2,0 x 1,05 m (inclui aplicação de todos os acessórios de fixação necessários);

(iv) Fornecimento e aplicação de ripado metálico (inclui fornecimento dos acessórios de fixação e de todos os trabalhos necessários);

(v) Fornecimento e aplicação de telha de marselha cerâmica D3 - Coelha da Silva (inclui aplicação de telhas passadeiras e todos os remates necessários);

(vi) Execução de cumeeira com telhões universais (inclui o fornecimento de todos os materiais e trabalhos necessários); e

(vii) Fornecimento e aplicação de primário de aderência de resina de poliuretano PRIMER KRYPTON CHEMICAL (este primário é concebido especialmente para aplicação sobre suportes ferrosos, a fim de conferir adequada aderência); e

(viii) Fornecimento e aplicação de membrana de poliuretano líquida monocomponente de secagem rápida IMPERMAX QC da KRYPTON CHEMICAL.

1.63. O locado carece de reforço estrutural no que respeita a barrotes de madeira deteriorados (alguns barrotes dos quartos que confinam com a parede da fachada posterior (a Sul) apresentam-se com as respetivas extremidades, onde ocorre o seu apoio na parede, apodreciadas e/ou fendilhadas) e estrutura de suporte do telhado.

1.64. A ocorrer replicação dos danos por mais barrotes, em especial se adjacentes, sobretudo perante concentração de fortes sobrecargas, a não intervenção no sentido do reforço estrutural pode colocar em risco a estabilidade e segurança do edifício.

1.65. Em dezembro de 2008, a Ré foi abordada pelos sócios em nome individual daquilo que viria a ser a Autora – à data, os Senhores CC e DD e Arquiteto EE, posteriormente L... Hostel – que manifestou a sua pretensão em arrendar o Imóvel para aí instalar um hotel ou estabelecimento de natureza similar.

1.66. Seguiram-se negociações, durante as quais a Autora teve oportunidade de visitar o imóvel, atestando as condições em que o mesmo se encontrava, incluindo a nível da técnica da sua construção (“traça pombalina”).

1.67. As quais culminaram com uma proposta para arrendamento de parte do imóvel, que já contemplava a necessidade de realização de obras no locado, que os sócios da Autora valoraram em € 500.000 (quinhentos mil euros).

1.68. Tais condições vieram a ser aceites pela Ré e em 30 de janeiro de 2009 foi celebrado o Contrato de arrendamento, acompanhado de um registo fotográfico do estado do imóvel.

1.69. O Contrato de arrendamento foi celebrado pelo prazo de 30 (trinta) anos.

1.70. Nos termos da Cláusula Sétima do Contrato, sob a epígrafe “Manutenção do Local Arrendado”, “É da responsabilidade da Inquilina a realização de obras que reponham o prédio em bom estado de conservação, que se obriga a manter custeando ainda as instalações e canalizações da água, electricidade e esgotos e demais equipamento do local arrendado, pagando á sua custa todas as reparações por danos decorrentes de culpa sua ou negligência, bem como a manter em bom estado os respectivos pavimentos, tectos e paredes, portas e janelas, ressalvando o desgaste proveniente da sua normal utilização”.

1.71. As obras realizadas pela Autora, de adaptação do locado à sua atividade, incluíram a construção de cozinha, instalações sanitárias, alterações a paredes, com concomitante alteração das redes de águas, esgotos e eletricidade.

1.72. Através de carta remetida pela Autora à Ré, a 7 de abril de 2010, a Autora veio pedir à Ré o prolongamento do pagamento do valor de € 5.000,00 de renda, por mais 24 meses “tendo em atenção o surgimento de diversos imprevistos no decurso das obras realizadas”, fazendo referência a um “embargo nas obras de construção por um período de nove meses, originando um valor acrescido ao valor inicialmente previsto da obra. No decorrer da obra foi verificado a ocorrência de patologias graves que vieram a aumentar o valor previsto para a conservação do Imóvel. Deste modo sendo impossível de suportar todos estes encargos referentes ao Imóvel, a Zona Cómoda Hotels, lda vem propor a Vossas Excelências a compensação acima descrita”.

1.73. No Contrato foi estipulada a renda mensal inicial de € 11.000,00 (onze mil euros), mas ficou logo acordado que nos primeiros 20 (vinte) meses de vigência do Contrato a renda mensal ficaria reduzida a € 5.000,00 (cinco mil euros), situação que se manteve até outubro de 2010.

1.74. Em julho de 2010, as partes acordaram na prorrogação do prazo de vigência de uma renda reduzida, passando a renda mensal a ser de € 6.000,00 (seis mil euros) por mais 30 (trinta) meses.

1.75. Entre julho e agosto de 2012, a Autora propôs e a Ré aceitou que o pagamento da renda mensal, no valor de € 4.000,00 (quatro mil euros) fosse prorrogado por 70 (setenta) meses (i.e., até julho de 2018), ficando também estabelecido que, findo esse período, a renda se fixaria no valor de € 6.000,00 (seis mil euros), sendo atualizada, a partir daí, de acordo com os coeficientes legais em vigor.

1.76. Atualmente, a Autora paga o valor de renda mensal de € 6.069,00 (seis mil e sessenta e nove euros).

1.77. Em agosto de 2012, estando em dívida à CM... o valor de € 39.131,45 (trinta e nove mil, cento e trinta e um euros e quarenta e cinco cêntimos), a Autora abordou a Ré no sentido de efetuar imediatamente a totalidade desse pagamento à CM... e, em contrapartida, a renda que estava fixada no valor mensal de € 6.000,00 (seis mil euros) seria reduzida para € 4.000,00 (quatro mil euros) durante um período de 70 meses.

1.78. A Ré aceitou a proposta da Autora e, em setembro de 2012, mostrando-se integralmente liquidada a dívida à CM..., a Ré informou a Autora que deveria retomar os pagamentos diretamente à Ré, o que se verificou.

1.79. Nos termos da Cláusula Nona do Contrato, a fórmula de cálculo da indemnização que a Autora teria direito a receber em caso de denúncia do contrato de arrendamento pela Ré, sem justa causa e antes do seu termo, tem por base o valor da obra (acordada por ambas as Partes ou fixada pelo Tribunal ou por peritos) subtraído o coeficiente de desvalorização vezes o número de anos de vigência do Contrato.

1.80. Em 7 de abril de 2010 foi celebrado um Aditamento ao Contrato de arrendamento, com vista à alteração dos termos indemnizatórios previstos na Cláusula Nona.

1.81. No Aditamento, as partes alteraram a forma de cálculo da indemnização e consagraram o conceito de determinação da mesma assente em “todas as obras licitamente feitas no locado, nos termos aplicáveis às benfeitorias realizadas por possuidores de boa-fé”.

1.82. É altamente provável que os danos verificados no elemento estrutural de madeira já existissem em data anterior a 2009, ainda que em precedente estádio evolutivo.

2. E o Tribunal de 1.ª instância deu como não provados os seguintes factos:

a) quando a Autora tomou de arrendamento o locado, não estava em condições de conhecer (todas) as patologias verificadas na envolvente do edifício;

b) as infiltrações e demais patologias causadas pela deterioração do elemento estrutural do locado impediam a utilização dos quartos do piso superior, das casas de banho, das divisões do 1.º e 2.º pisos e da casa de arrumos, na medida em que não reuniam as condições necessárias para acolher os hóspedes, nem permitiam cumprir a funcionalidade que lhes estava destinada;

c) a inutilização dos quartos levou a que a Autora não pudesse comercializá-los;

d) a Autora disponibilizou à Ré o Estudo elaborado pela P... com a carta de 9 de outubro de 2018;

e) face às dificuldades financeiras da Ré e, em concreto, à dificuldade em aprovar verbas para a realização de obras no locado, a Autora suportou o pagamento de obras que eram “inequivocamente” da responsabilidade da Ré;

f) as obras realizadas pela Autora, de adaptação do locado à atividade da Autora, incluíram desmontagem de pavimentos e arranjos de tetos;

g) a manutenção realizada pela Autora era deficitária face ao que o imóvel carecia e carece para se manter em boas condições de conservação;

h) já em fevereiro de 2009 eram visíveis sinais de humidade no locado.

3. A questão objeto do recurso é assim uma: saber se as cláusulas 7.ª e 8.ª do contrato foram bem interpretadas pelo Tribunal recorrido.

Decorre da sentença que o tribunal considerou ser a solução seguinte a devida:

- “no caso do arrendamento para fins não habitacionais, senhorio e inquilino podem convencionar a quem cumpre assegurar a realização e suportar os custos de quaisquer tipos de obras no locado”;

- A resposta à questão essencial a decidir - se assiste à Autora direito a ser reembolsada pelo valor peticionado e se sobre a Ré impende a obrigação desse pagamento e a realização de mais obras - passa, em primeira linha, pelos próprios termos do Contrato de arrendamento subscrito. Nos termos da Cláusula Sétima do Contrato de arrendamento em vigor entre as partes, “É da responsabilidade da Inquilina a realização de obras que reponham o prédio em bom estado de conservação, que se obriga a manter custeando ainda as instalações e canalizações de água, eletricidade e esgotos e demais equipamento do local arrendado, pagando à sua custa todas as reparações por danos decorrentes de culpa sua ou negligência, bem como a manter em bom estado os respetivos pavimentos, tectos e paredes, portas e janelas, ressalvando o desgaste proveniente da sua normal utilização”.

E no ponto 1 da Cláusula Oitava do Contrato ficou estabelecido que “Ficam a cargo da Inquilina as obras de adaptação inicial do locado à sua actividade (…) na condição das mesmas não porem em causa com as paredes estruturais/mestras e o equilíbrio arquitetónico do edifício ou a sua segurança, podendo alterar a disposição interna das divisões, bem como todas as obras de reparação, conservação necessárias e adequadas à manutenção do local arrendado, requeridas pela actividade da Inquilina, por lei ou pelo fim do contrato”.

Diz a Autora que as partes nada convencionaram quanto às obras de natureza extraordinária – como é o caso das obras relacionadas com a estrutura do locado – pelo que, nos termos do disposto no n.º 2 do art. 1111.º do Cód. Civil, a responsabilidade pela sua realização recai sobre a Ré.

Alega que resulta evidente que a menção às obras requeridas “por lei” diz respeito a normas legais associadas à sua atividade e não à lei “em geral”, até porque tal referência é feita em conjunto com a “actividade da Inquilina” e o “fim do contrato” e que, se assim não fosse, todas as situações cairiam naquela previsão, dizendo que tal não correspondeu à vontade das partes nem faria qualquer sentido.

(…)

- Inversamente, defende a Ré que foi intenção das partes transferir para a arrendatária a integralidade da responsabilidade e do custo de quaisquer obras de conservação, reparação e beneficiação que fosse necessário efetuar no locado, o que levou sempre à justificação para baixar o valor da renda, só assim se assegurando o equilíbrio contratual.

Importa, pois, aferir do sentido “normativo” da declaração da vontade negocial das partes, inserta nas Cláusulas contratuais em referência.”;

- Nos termos do artigo 236.º, n.º 1, do Código Civil, a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição de real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.

- Nos negócios formais, acentua-se esse objetivismo: não pode a declaração valer com um sentido que não tenha o mínimo de correspondência no texto do respetivo documento, ainda que imperfeitamente expresso – artigo 238.º, n.º 1, do Código Civil.

Na falta de disposição especial, a declaração negocial deve ser integrada de harmonia com a vontade que as partes teriam tido se houvessem previsto o ponto omisso, ou de acordo com os ditames da boa fé, quando outra seja a solução por eles imposta – artigo 239.º do Código Civil.

Mas, “A integração negocial tem limites. Deve atender-se à regulamentação concretamente estipulada e situarmo-nos no círculo por ela delimitado, isto é, considerar o que um contraente honesto e razoável há-de admitir como exigido pelo contrato. Não pode proceder-se na integração como se se estivesse a aplicar uma norma estranha ao contrato” – Mota Pinto, ob. cit., p. 461.

Por sua vez, estando em causa a referência a determinado “tipo” de obras (cfr. art. 1074º do Cód. Civil), antes da questão da sua (não) urgência, importa também ter presente a noção dada quanto às obras de conservação ordinária, de conservação extraordinária e de beneficiação.

Por isso o Tribunal passa a analisar o tipo de obras conforme se encontrava definido no artigo 11º do RAU - obras de conservação ordinária, de conservação extraordinária e de beneficiação – análise que complementa com os termos do artigo 2.º do Decreto - Lei n.º 555/99, de 16/12 - Regime Jurídico da Urbanização e Edificação – que alude a “Obras de alteração” e a “Obras de conservação”, as obras destinadas a manter uma edificação nas condições existentes à data da sua construção, reconstrução, ampliação ou alteração, designadamente as obras de restauro, reparação ou limpeza.

De seguida, apreciou o caso concreto:

No caso em apreço, a Autora/inquilina começou por fazer obras de “adaptação” do locado à sua atividade que, além de caberem na definição de obras de conservação, implicaram mesmo uma “alteração”, nos termos expressamente previstos na Cláusula Oitava.

Ainda na Cláusula Oitava, ficou expressamente previsto “bem como” ficava a cargo da inquilina as obras de reparação, conservação, necessárias e adequadas à manutenção do locado “requeridas pela actividade da Inquilina, por lei ou pelo fim do contrato”.

A expressão “requeridas por lei ou pelo fim do contrato” corresponde aos termos exatos usados no art. 1111º do Cód. Civil.

Considerando que a previsão feita corresponde a um “mais” (“bem como”) relativamente ao que já se refere às obras relacionadas com a necessidade de adaptação associada à atividade que a Autora se propôs desenvolver, contrariamente ao invocado, não se vê que se possa entender nesta previsão uma referência não à lei “em geral” mas apenas “a normas legais associadas à sua atividade”, precisamente porque feita em conjunto com a “actividade da Inquilina” e o “fim do contrato”. Se tudo se reconduzisse às necessidades impostas pela atividade a desenvolver, aí sim, não se justificaria um “bem como” com expressa menção, além da “actividade da Inquilina”, da expressão “geral” utilizada no Código Civil. De resto, o “fim do contrato” não se confunde com a atividade concretamente exercida, na medida em que um contrato para fins não habitacionais pode envolver uma diversidade de atividades, com necessidades de adaptação específicas e, por outro lado, haverá obras que não se mostrando necessárias especificamente por força da atividade prosseguida sempre seriam exigidas pelo fim do contrato, na medida em que contendessem com a possibilidade da sua utilização (mormente em condições de estabilidade e segurança).

Nesta conformidade, e como acaba por reconhecer a Autora, os termos desta Cláusula, assim vista, parecem querer abranger “todas as situações”. E não se diga, sem mais, que tal entendimento “não faz sentido”.”

E para justificar a posição confronta a decisão com os argumentos da Autora.

Da mesma forma que teria sido mais fácil dizer que todas e quaisquer obras, independentemente da sua natureza e da razão que as determina, ficavam a cargo da Autora, também teria sido muito fácil fazer a distinção expressa entre obras de conservação de natureza ordinária e extraordinária, o que também não foi feito.

Por sua vez, também o elemento literal da Cláusula Sétima permite o entendimento de que se quis responsabilizar a Inquilina pela realização de todas as obras, na medida em que prevê as obras de conservação decorrentes de condições “pré-existentes” (para reposição do prédio em bom estado) e “para futuro” (com a obrigação de assim o manter).

Mais uma vez, a referência ao comportamento “culposo” e a especificação - no que respeita a instalações e canalizações de água, eletricidade e esgotos e demais equipamento do local arrendado, pavimentos, tetos e paredes, portas e janelas – é feita como um “ainda”, um “bem como”, ou seja, um “mais”.

Acresce que, para aferir do equilíbrio das prestações, não basta atentar na natureza e dimensão das obras em causa. É preciso avaliar toda a relação estabelecida entre as partes, com as contrapartidas económicas que não deixam de ser sinalagmáticas.

Ora, tendo em conta todo o teor do Contrato, incluindo o seu “Aditamento”, e a forma como foi sendo executado ao longo de mais de 10 anos, a interpretação que conduzisse à pretensão da Autora conduziria a uma beneficiação sua no confronto com a posição da Ré.

Na verdade, tendo o arrendamento sido feito pelo prazo de 30 anos, com a sistemática e substancial redução da renda, precisamente como “compensação” pelos valores implicados na realização de obras mandadas fazer pela Autora/Inquilina - que, mal ou bem, a Ré aceitou, porventura por reconhecer que eram muitas e necessárias -, e com a alteração da fórmula de cálculo para apurar o valor da indemnização devida em caso de denúncia pela Senhoria, por referência, mais uma vez, a todas as obras (licitamente) feitas pela Inquilina, só se compreende numa lógica de contrapartida pela assunção pela Autora do custo de todas as obras de conservação do locado.

Refira-se que a questão da realização coerciva das obras referentes ao muro da propriedade, com o aluimento de terras, surge em momento temporal anterior à celebração do Contrato entre as partes, pelo que, não pode entrar na análise da sua execução senão nos termos em que resultam demonstrados os acordos de pagamento e redução de renda.

Da mesma forma, o teor da correspondência trocada entre as partes não permite senão perceber que a cordialidade de uma relação que se foi estendendo no tempo, com a alteração dos interlocutores (pessoas físicas, individuais), levou a questionar a habitual “concessão” à vontade da Inquilina em ver compensadas as suas despesas com obras na sistemática redução da renda.

Refira-se ainda que, independentemente (da falta) do conhecimento efetivo do estado da estrutura de madeira do imóvel ou da sua cobertura e da sua (falta de) ponderação, a verdade é que não foi feita qualquer ressalva no Contrato, não resultando de forma alguma “manifesto” que as partes não pretenderam transferir para a Autora a responsabilidade pela realização de obras decorrentes de “vícios” já existentes à data da celebração do Contrato (que, de resto, era para “repor” em bom estado, já que, reconhecidamente, não o tinha à data), estando apenas obrigada a proceder às obras de conservação ordinária.

Nesta conformidade, sendo certo que a questão não está na legitimação da Autora (inquilina) para a realização das obras mas no seu invocado direito ao seu reembolso e na responsabilização da Ré pela realização e custo de outras, independentemente da urgência das mesmas resultar, no essencial, demonstrada, sem prejuízo de alguns trabalhos menos urgentes - dos já executados e a executar - mas que sempre se mostra(va)m aconselháveis realizar, não é possível dar-se como equitativa a interpretação da Autora que levasse à responsabilidade da Ré/Senhoria por referência à natureza “estrutural” da obra que, por definição, pressupõe a distinção entre conservação “ordinária” e “extraordinária”, a qual, conforme supra exposto, não foi feita.

Tão pouco se verifica qualquer “enriquecimento sem causa”. Basta pensar que a Autora explora o seu Hostel há mais de 10 anos com uma redução considerável do valor de renda acordado, que chegou a ser de menos de metade, assim continuando, com fundamento, precisamente, na compensação pelas obras realizadas. Justificação que é expressamente invocada, pela própria Autora/Inquilina, na carta de 07 de abril de 2010.

Noutra ordem de considerações, natural seria, na lógica da Autora/Inquilina, assacando responsabilidade à Ré/Senhoria, perante a necessidade e urgência de realização de obras de conservação “extraordinária”, interpelar à sua realização mas, ao mesmo tempo, proceder ao pagamento do valor integral da renda, tal como inicialmente previsto e nunca efetuado.”

4. Apreciando.

Na situação do presente recurso está em causa a interpretação da Cláusula Oitava do Contrato de arrendamento, sob a epígrafe “Obras a Cargo da Inquilina”:

“1. Ficam a cargo da Inquilina as obras de adaptação inicial do locado à sua actividade (…) na condição das mesmas não porem em causa com as paredes estruturais/mestras e o equilíbrio arquitectónico do edifício ou a sua segurança, podendo alterar a disposição interna das divisões, bem como todas as obras de reparação, conservação necessárias e adequadas à manutenção do local arrendado, requeridas pela actividade da Inquilina, por lei ou pelo fim do contrato.

(…)

Questiona-se se a interpretação da referida cláusula implica considerar que cabe à inquilina a realização de toda e qualquer obra que o locado venha a necessitar, ou se a inquilina apenas se comprometeu a assumir (e suportar o seu custo) as obras – de qualquer tipo – que sejam necessárias para que o locado possa ser usado na atividade para o qual se destinava – alojamento local.

A senhoria entende que a parte final do n.º1 da cláusula 8.ª, ao se reportar a obras requeridas por lei, determina que quaisquer obras devam ser suportadas pela inquilina, mesmo que essas obras se reportem a fundações ou elementos estruturantes do prédio, quer de sustentação, quer de outro tipo, e nas quais inclui o telhado.

Na sentença o Tribunal de 1.ª instância considerou que esta é a interpretação mais correta da cláusula acordada.

Não porque se tivesse apurado ter sido essa a vontade das partes aquando da celebração do contrato, mas porque esse resultado seria o devido pela aplicação do regime de interpretação das cláusulas acordadas pelas partes, nos termos do artigo 236.º e ss do Código Civil.

No presente recurso também se questiona o sentido da cláusula sétima do contrato.

Nos termos da Cláusula Sétima do Contrato, sob a epígrafe “Manutenção do Local Arrendado”, “É da responsabilidade da Inquilina a realização de obras que reponham o prédio em bom estado de conservação, que se obriga a manter custeando ainda as instalações e canalizações da água, electricidade e esgotos e demais equipamento do local arrendado, pagando á sua custa todas as reparações por danos decorrentes de culpa sua ou negligência, bem como a manter em bom estado os respectivos pavimentos, tectos e paredes, portas e janelas, ressalvando o desgaste proveniente da sua normal utilização”.

Ao nível dos factos provados, com relevo para a situação dos autos, porque permitem compreender melhor o enquadramento e o relacionamento das partes e – com isso – um certo sentido interpretativo do que seria a sua vontade na data da celebração do contrato – reputamos relevante os pontos de facto provados:

1.4. Em 30 de janeiro de 2009, a Autora, na qualidade de arrendatária, e a CPPCF..., na qualidade de senhoria, celebraram um contrato de arrendamento para fins não habitacionais, tendo por objeto a cave, rés-do-chão, primeiro andar e terraço contíguo, segundo andar e mansarda, bem como o espaço designado como “jardim”, do imóvel identificado supra.

1.15. Na sequência do aluimento parcial do muro de suporte dos logradouros pertencentes ao imóvel onde se insere o locado, a Câmara Municipal de ..., em 25 de fevereiro de 2008, realizou uma vistoria ao local, tendo constatado a derrocada parcial do referido muro e o colapso do sistema de drenagem de águas residuais que servia aqueles edifícios.

1.16. Em 21 de abril de 2008, a Câmara Municipal de ... realizou nova vistoria ao local, tendo constatado um agravamento da situação, com alargamento da área invadida no Beco..., por terras e águas provenientes da derrocada e, ao nível do logradouro do Imóvel onde se insere o locado, o acentuar da depressão sobre a zona aluída.

1.17. Face ao acentuado agravamento da situação face à vistoria realizada em 25 de fevereiro de 2008 e à impossibilidade de cumprimento dos prazos legais previstos para uma intervenção municipal ao abrigo dos procedimentos previstos no Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, a Câmara Municipal de ... determinou a intervenção imediata ao abrigo do estado de necessidade, com vista à realização dos seguintes trabalhos:

- Remoção de entulhos e limpeza dos terrenos afetados, nomeadamente no Beco ... e via pública adjacente;

- Consolidação estrutural do muro de suporte e pavimentos dos logradouros (designadamente, do Imóvel onde se insere o Locado); e

- Reposição do sistema de drenagem de águas residuais.

1.18. A decisão da Câmara Municipal de ...foi tomada na sequência da intimação para realização de obras que foi devidamente notificada à Ré e que não foi por esta cumprida.

1.19. No seguimento daquela decisão, a Câmara Municipal de ..., por carta datada de 13 de julho de 2009, notificou a Autora nos seguintes termos: “Na sequência da referida intervenção administrativa e ao abrigo do disposto no artigo 18º do Decreto-Lei n.º 157/2006, de 8 de Agosto, fica V. Exa. notificada, na qualidade de arrendatária do local, de que deverá proceder ao pagamento da renda à ordem da Câmara Municipal de ..., mediante depósito na Conta da Caixa Geral de Depósitos, nº ...30 / NIB ...29 e até notificação em contrário, com vista ao ressarcimento do valor gasto com as obras executadas coercivamente”.

1.20. Uma vez recebida a referida notificação, a Autora deu início ao pagamento das rendas nos termos indicados pela Câmara Municipal de ..., tendo cessado os pagamentos a esta entidade em setembro de 2012.

Como decorre deste conjunto de factos, antes do presente litígio tinham ocorrido algumas vicissitudes na relação entre as partes que envolveram questões relativas a obras – e obras coercivas impostas ao abrigo do estado de necessidade realizadas pela CM de ..., que as imputou ao proprietário (a senhoria); obras estas que a senhoria não pagou diretamente, mas que veio a suportar por via do depósito das rendas da inquilino em favor da Câmara Municipal de ... – situação que se prolongou até setembro de 2012.

Bem se sabe que estas obras foram identificadas como necessárias e impostas por decisão da autarquia de ..., em processo que se iniciou antes da celebração do contrato de arrendamento, mas com efeitos produzidos já após a sua celebração.

E como cessou esta vicissitude?

A resposta está no ponto 1.21. dos factos provados:

1.21. Na sequência da cessação do pagamento da renda à Câmara Municipal de ..., a Ré, em setembro de 2012, remeteu uma carta à Autora, a informar o seguinte: “Serve a presente para confirmar a transferência efectuada por V. Exas., a favor da Câmara Municipal de ..., no montante de Euros 39 131, 45 (trinta e nove mil cento e trinta e um euros e quarenta e cinco cêntimos), crédito efectuado na conta daquela Câmara. Assim, e formalizado o nosso pedido, conforme a nossa carta n.º 98, datada do passado dia 16.08.2012, a partir do próximo dia 1 de Outubro, ser-nos-á creditado, de futuro, o valor da renda nela acordada, e na conta indicada. Confirmando o recebimento do respectivo recibo de quitação por parte daquela edilidade, aproveitamos a oportunidade para apresentar os nossos melhores cumprimentos, subscrevendo-nos".

Daqui se extrai a clara aceitação da Ré de que tais obras eram da sua responsabilidade.

E foram-no efetivamente, mas não pela via normal de serem pagas pela proprietária diretamente à Câmara Municipal, mas por via das rendas do locado.

Outra vicissitude veio a ocorrer em 2018, conforme factos apurados:

1.22. No início do ano de 2018, face à verificação do agravamento de diversas infiltrações e problemas daí decorrentes nalgumas áreas do locado, a Autora solicitou uma reunião com a Ré, com vista a identificar e discutir as patologias que afetavam, à data, o locado e, sobretudo, ponderar medidas para determinar a sua origem.

Nessa altura as partes tiverem reuniões e trocaram correspondência onde se aludia a problemas estruturais do edifico, a reparações e obras feitas no interior do locado para tentar resolver os problemas e chegou-se ao ponto de a Ré pedir à Autora que fizesse o levantamento das obras necessárias e do respetivo orçamento (cf. o facto 1.26. Por carta datada de 20 de junho de 2018, a Ré respondeu à Autora, transmitindo o seguinte:

“Acusamos a recepção da carta de V. Exas. datada do dia 18 de Junho corrente, que agradecemos, cujo conteúdo mereceu a nossa melhor atenção.

Dadas as razões aduzidas, quer verbalmente quer identificadas e evidenciadas pelas fotografias anexas à carta acima referenciada, vimos sugerir que solicitem a especialista designado por vós, no intuito de colmatar as anomalias que constatam.

Assim, deverão V. Exas. fazer o favor de mandar proceder à avaliação da intervenção necessária, remetendo-nos, posteriormente, o respectivo orçamento, descrevendo, tanto quanto possível, a obra a efectuar.”.)

Que sentido se pode extrair deste conjunto de factos e sobretudo do indicado no ponto 1.26, quando a Ré pede à Autora que faça um levantamento e lhe envie o orçamento? Seria isso para saber apenas quais as obras que a Autora iria fazer? Seria isso apenas para estar informada do modo como a Autora adaptava o locado às finalidades para os quais o mesmo se destinava?

Não se pode concluir desta forma.

Desde logo, no início desta vicissitude há uma informação dada pela Autora à Ré que pretende pô-la ao corrente da necessidade de realizar certas obras, mas obras estas que imputa serem da responsabilidade da Ré – e que esta não refutou; até pareceu recetiva à sua realização e ao seu costeio, ainda que antes de assim avançar tenha pedido que lhe indicassem quais eram e quanto custariam.

É, pois, esta uma atitude mais correspondente com a de quem sabe que há algumas obras que podem ter de ser por si assumidas, não obstante a cláusula 8º do contrato.

Os factos seguintes comprovam esta ideia:

1.27. A Autora, em junho de 2018, solicitou à sociedade P..., S.A. a “apresentação das melhores soluções para colmatar as patologias que se verificavam no imóvel de que é locatária e onde funciona o L... Hostel e as quais consistiam essencialmente em infiltrações de água que penetravam no edifício através da envolvente do imóvel em causa”.

1.28. Pelos “honorários relativos ao processo de consulta, com vista à realização de obras de conservação e irradicação das patologias existentes na envolvente do edifício”, a Autora pagou à P... a quantia de € 1.230,00 (mil duzentos e trinta euros).

1.29. No seguimento daquele pagamento, a Autora emitiu e dirigiu à Ré a fatura n.º ...18, com data de emissão e de vencimento de 07/11/2018, no valor de € 1.230,00.

1.30. A Ré procedeu ao pagamento da referida fatura.

Porque suportaria a Ré os custos desta avaliação se as obras fossem da responsabilidade da Autora?

Tenha-se presente ainda que a aceitação da Ré do pagamento dessa fatura foi realizado apesar de ter recebido uma carta da Autora onde claramente se indicava que as obras necessárias seriam da responsabilidade da Ré, conforme o facto provado 1.35.:

1.35. Em 9 de outubro de 2018, a Autora enviou nova carta à Ré, que a recebeu, através da qual transmitiu o seguinte: “Como acordado previamente com a CPPCF..., a ZC solicitou à P..., S.A. (P...), uma empresa independente e especializada na prestação de serviços de arquitetura e engenharia civil, a realização de um estudo com vista à identificação da génese das patologias detetadas pela ZC no locado e oportunamente comunicadas à CPPCF... e a apresentação das melhores soluções para colmatar as referidas patologias, sobretudo as graves infiltrações de água, estudo este que se junta para V/ conhecimento.

Conforme previsto, resulta do referido estudo que a penetração e a gravidade das infiltrações se devem, em grande medida, às soluções construtivas adotadas à data e, portanto, de natureza estrutural, à antiguidade do edifício e à degradação daqui decorrente, circunstâncias totalmente alheias à ZC.

Com efeito, assinala-se, no referido estudo, “um grau de degradação no elemento estrutural de madeira”, visível no registo fotográfico, e que “o estado lastimável em que se encontra a estrutura do edifício, terá sido fruto não só das infiltrações atuais, mas sobretudo de múltiplas situações idênticas no passado e em que não era corrente existir as preocupações atuais com a preservação e conservação dos edifícios”. Verificou-se ainda que “a sala cujo teto está classificado pelo Património Arquitetónico encontra-se em bastante mau estado (…) devido às infiltrações”, cabendo a respetiva reparação, nos termos da lei, à CPPCF....

Por fim, concluiu-se que o edifício carece, não só de uma intervenção mais superficial nas patologias identificadas, como também de um reforço ao nível estrutural, devendo este reforço consistir, na opinião da P..., na criação de uma estrutura tridimensional em aço, com reforços pontuais a definir.

De sublinhar que as patologias em apreço prejudicam grandemente a exploração do L... Hostel e, portanto, o gozo do locado, designadamente por afetarem a imagem do mesmo junto dos hóspedes.

Face ao exposto, e atendendo a que a correção das referidas patologias é da responsabilidade da Senhoria, a CPPCF..., vimos solicitar que N/ confirmem se estão de acordo com a intervenção imediata e urgente no locado e com as soluções sugeridas no referido estudo e ainda que proponham os termos em que entendem que deve realizar-se tal intervenção, mantendo-se a ZC totalmente disponível para colaborar e dialogar sobre a melhor e mais célere forma de resolução do presente assunto. No caso afirmativo, a ZC disponibiliza-se, desde já, para solicitar a apresentação de um orçamento por parte da P... para o efeito.

Finalmente, tomamos a liberdade de anexar a fatura emitida pela P... FAC .../18 (…), no montante total de EUR 1.230,00, o qual, sendo a nosso ver um encargo diretamente decorrente deste assunto e portanto a nosso ver imputável à CPPCF..., e tendo já a Zona Cómoda, Lda procedido ao seu pagamento, muito agradecemos o ressarcimento deste valor por parte da CPPCF..., ou, se entenderem mais oportuno, a dedução do mesmo ao pagamento da próxima renda”.

Nas preditas circunstâncias a Autora interpelou a Ré para executar as obras constantes do relatório da P... - facto provado 1.39. A Autora, através de carta datada de 2 de maio de 2019 e devidamente recebida, interpelou a CPPCF...

Nessa altura já havia decorrido mais de 6 meses desde a carta indicada no facto 1.35.

E a resposta da Ré, só algum tempo depois da carta de maio de 2019, veio a suscitar a questão – ainda que sob a forma de dúvidas – sobre a quem incumbiria a responsabilidade pelas obras - ponto de facto 1.42

1.42. Em 30 de maio de 2019, a Ré veio responder às interpelações efetuadas pela Autora, informando o seguinte: “Acusamos a receção das cartas datadas de 2 e 24 de Maio de 2019, interpelando-nos para realizar obras no locado.

Iremos confirmar em breve, nas vossas instalações a necessidade da realização das obras

E a sua natureza, para decidir a quem cabe a responsabilidade pela sua execução.

A avaliar pelo teor da vossa informação, as obras a realizar não são urgentes até porque nos encontramos no Verão, com pouca ou nenhuma pluviosidade.”

Segue-se novo lapso de tempo (de maio a novembro), e nova interpelação da Autora e nova resposta da Ré, pela primeira vez declinando a responsabilidade pela realização das obras:

1.49. Em 18 de novembro de 2019, a Autora remeteu à CPPCF..., que a recebeu, nova carta, através da qual deu conhecimento dos orçamentos apresentados pela C... e comunicou o seguinte: “Na sequência das N/ comunicações datadas de 18 de Junho de 2918, 09 de Outubro de 2018, de 02 de Maio p.p. e da comunicação de V. Exas. datada de 30 de maio p.p. (que juntamos como anexo e aqui damos por reproduzidas), sem que, até à data, tenha havido da parte da Caixa de Previdência do Pessoal dos Caminhos de Ferro ... (CPPCF...) qualquer desenvolvimento quanto à confirmação da necessidade de realização das obras oportunamente identificadas e reclamadas nas referidas comunicações ou qualquer iniciativa no sentido da realização das mesmas, a Zona Cómoda Hotels, Lda. (ZC) vem pela presente, na qualidade de Inquilina do prédio urbano sito na Rua ..., em ..., interpelar V. Exas. para, no prazo de (10) dez dias úteis, virem informar do resultado das diligências realizadas por V. Exas. e procederem à realização das referidas obras.

(…)

Nestes termos, a ausência de resposta ou inação por parte da CPPCF... face à presente comunicação, no prazo acima referido, serão interpretadas e consideradas pela ZC como manifestação da vontade em não cumprir a obrigação de realização das mencionadas obras, cuja responsabilidade cabe à CPPCF..., e a ZC não terá alternativa senão dar início aos trabalhos, a expensas da CPPCF..., de acordo com os orçamentos que desde já se juntam para V/ conhecimento.

(…)”.

1.50. A Ré respondeu à Autora, em 3 de dezembro de 2019, por carta, declinando a responsabilidade pela realização das obras identificadas pela Autora, invocando as cláusulas 7ª e 8ª do Contrato.

Mais tarde ainda se apuraram ter acontecido os factos indicados nos pontos 1.57 e 1.58

1.57. Em 9 de janeiro de 2020, a Ré veio remeter nova carta à Autora, reiterando o entendimento de que os custos com as obras de conservação ordinária e extraordinária não lhe poderão ser imputados.

1.58. Em 7 de fevereiro de 2020, a Ré voltou a remeter uma carta à Autora informando que iria efetuar uma inspeção ao locado por forma a verificar que obras estão a ser realizadas, solicitando uma cópia do projeto e plano de obras, chamando a atenção para o facto de que a realização de obras sem autorização da Senhoria ser fundamento de resolução do Contrato.

Com estes factos vejamos agora as cláusulas e o sentido que o Tribunal recorrido nelas encontrou.

As cláusulas em questão são as seguintes:

Cláusula Sétima - “É da responsabilidade da Inquilina a realização de obras que reponham o prédio em bom estado de conservação, que se obriga a manter custeando ainda as instalações e canalizações de água, eletricidade e esgotos e demais equipamento do local arrendado, pagando à sua custa todas as reparações por danos decorrentes de culpa sua ou negligência, bem como a manter em bom estado os respetivos pavimentos, tectos e paredes, portas e janelas, ressalvando o desgaste proveniente da sua normal utilização”.

Cláusula Oitava “1. Ficam a cargo da Inquilina as obras de adaptação inicial do locado à sua actividade (…) na condição das mesmas não porem em causa com as paredes estruturais/mestras e o equilíbrio arquitetónico do edifício ou a sua segurança, podendo alterar a disposição interna das divisões, bem como todas as obras de reparação, conservação necessárias e adequadas à manutenção do local arrendado, requeridas pela actividade da Inquilina, por lei ou pelo fim do contrato”.

Afirma o Tribunal recorrido - “no caso do arrendamento para fins não habitacionais, senhorio e inquilino podem convencionar a quem cumpre assegurar a realização e suportar os custos de quaisquer tipos de obras no locado”.

Ainda que assim possa suceder, questiona-se se essa solução, na falta do apuramento da vontade clara e inequívoca das partes, é uma solução razoável à luz das concretas cláusulas e do concreto contrato celebrado.

Na situação concreta, em que a interpretação das cláusulas não deve obedecer apenas ao sentido do artigo 236.º do Código Civil, desgarrado dos factos apurados no processo – e das circunstâncias em que o contrato foi celebrado –, estamos em crer que a solução encontrada não é aceitável.

Em primeiro lugar, não é uma solução comum no sentido de deixar o risco da realização de quaisquer obras sob a responsabilidade do inquilino, apenas com base no facto de o texto da cláusula incluir uma expressão típica de uma permissão com definição de responsabilidade (Ficam a cargo da Inquilina as obras de adaptação inicial do locado à sua actividade (…) na condição das mesmas não porem em causa com as paredes estruturais/mestras e o equilíbrio arquitetónico do edifício ou a sua segurança, podendo alterar a disposição interna das divisões) - como a da clausula 8º - seguida de um suposto aditamento de responsabilidades “bem como todas”.

Ainda que se aceitasse que esse aditamento de responsabilidade estava inserido na cláusula, o mesmo pode entender-se como reportado a obras distintas da” adaptação inicial”, pois a primeira parte da cláusula só àquelas obras se referia (Ficam a cargo da Inquilina as obras de adaptação inicial do locado à sua actividade (…) na condição das mesmas não porem em causa com as paredes estruturais/mestras e o equilíbrio arquitetónico do edifício ou a sua segurança, podendo alterar a disposição interna das divisões).

Por outro lado, ainda que se aceitasse que esse aditamento de responsabilidade estava inserido na cláusula e que incluía obras para além das de adaptação inicial, o aditamento comporta uma limitação razoável – obras “necessárias e adequadas à manutenção do local arrendado, requeridas pela actividade da Inquilina”.

Com o que não se aceita é que a referência na parte final da cláusula a “por lei ou pelo fim do contrato” traduza, no contexto da cláusula, o alargamento a qualquer obra imposta por lei, independentemente de a mesma ser necessária para a atividade a que se destina o locado.

O sentido da referência “requeridas pela actividade da Inquilina” é o referencial comum às duas situações que em seguida são indicadas: “requeridas …. por lei ou pelo fim do contrato”

A interpretação da cláusula, de acordo com o sentido que dela retiramos é assim o seguinte:

- as obras que a inquilina entenda serem necessárias para o bom exercício da sua atividade são da sua responsabilidades;

- as obras que a inquilina tenha por lei de realizar para o exercício da sua atividade são da sua responsabilidade.

O exercício da sua atividade é aqui o exercício da atividade para o qual o locado se destinava – alojamento local.

Por outro lado, é ainda necessário conjugar a cláusula 8.ª com a 7.ª e, nesta há uma referência a obras não relacionadas com a atividade desenvolvida no locado, embora, na prática, muitas vezes não seja possível identificar com muita clareza as categorias em causa.

E do teor desta cláusula - É da responsabilidade da Inquilina a realização de obras que reponham o prédio em bom estado de conservação, que se obriga a manter custeando ainda as instalações e canalizações de água, eletricidade e esgotos e demais equipamento do local arrendado, pagando à sua custa todas as reparações por danos decorrentes de culpa sua ou negligência, bem como a manter em bom estado os respetivos pavimentos, tectos e paredes, portas e janelas, ressalvando o desgaste proveniente da sua normal utilização” – não resulta que quaisquer obras devam ser suportadas pelo inquilino.

Não se identificado assim um sentido nas cláusulas que possa corresponder à interpretação efetuada pelo Tribunal de 1.ª instância, justifica-se indicar o porquê da desrazoabilidade da atribuição de todas e quaisquer obras à responsabilidade do inquilino.

Uma dessas razões está associada ao tipo de imóvel em causa – uma construção do sec. XVIII – em estilo pombalino, à qual têm sido associadas várias debilidades próprias da sua antiguidade e que podem ter sido agravadas com o decurso do tempo sem a adequada manutenção – que é facto notório, podendo ser conhecido oficiosamente.

É também facto evidente que o edifício em causa se situa em zona frágil da cidade de ..., em termos de maior propensão a fenómenos da natureza.

A interpretar-se estas cláusulas com o sentido da decisão recorrida quaisquer obras que fossem necessárias neste tipo de construção – independentemente de a renda ser adequada ou não – seriam da responsabilidade do inquilino.

Na falta de elementos que permitam apurar a justeza do valor da retribuição, tal risco não se pode ter como assumido por qualquer empresário razoável, sendo certo que o critério de interpretação a que o artigo 236.º do Código Civil faz apelo ao “homem médio”, in casu, empresa dedicada a negócio com objetivo lucrativo sob a forma de sociedade por quotas.

Na verdade, nas circunstâncias atendíveis para a interpretação da declaração negocial, dever-se-á considerar todos os elementos que um declaratário medianamente instruído, diligente e sagaz, na posição do declaratário efetivo, teria tomado em conta, conforme se realizou no parágrafo anterior, porquanto o sentido normal da declaração negocial tem de ser encontrado com recurso à aplicação da regra objetiva consagrada no artigo 236.º, n.º1, do Código Civil, que consagra a denominada “teoria da impressão do declaratário”, segundo a qual a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele – Ac. STJ de 16/11/2023 (processo n.º329/22.7T8LRA.C1.S1

No mesmo sentido, cf. ainda: Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de novembro de 2021 (processo n.º 19/20.5YLPRT.L1.S1), Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de abril de 2021 (processo n.º 453/14.0TBVRS.L1.S1 [“(…) IV - O nomem juris adotado pelos contratantes não vincula o Tribunal, uma vez que a qualificação jurídica de um contrato deve ser feita com recurso às regras de interpretação e integração da declaração negocial, nos termos dos arts. 236º e ss. do CC. V - A interpretação de declarações negociais só constitui matéria de direito quando o sentido da declaração deva ser determinado segundo o critério do nº1, do art. 236º, do CC, ou surja a questão de saber se foi respeitado o art. 238º, do mesmo Código, estando-lhe vedado o apuramento da vontade real das partes por constituir matéria de facto, da exclusiva competência das instâncias. VI - O nº1, do art. 236º, do CC consagra a denominada doutrina da impressão do destinatário, segundo a qual o sentido juridicamente relevante com que deve valer uma declaração negocial há de corresponder àquele que lhe seria dado por um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, que, conhecendo as circunstâncias que este concretamente conhecia, atribuiria à declaração, agindo com capacidade e diligência médias”.]. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de junho de 2020 (processo n.º 17583/15.3T8LSB.L1.S1): [“I - A interpretação do negócio jurídico com recurso aos critérios legalmente fixados nos arts. 236.º e ss. do CC, quando, como no presente caso, as instâncias não apuraram a vontade real dos contraentes, é matéria de direito, estando, por isso, sujeita ao controle do STJ. (…)”]; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de janeiro de 2016 (proc. n.º 146/13.5TCFUN-A.L1.S1): (“I - A interpretação do negócio jurídico de acordo com os critérios fixados nos arts. 236.º e 238.º, ambos do CC, constitui matéria de direito – e sujeita, por isso, ao controle do STJ – sempre que não tenha sido possível às instâncias apurar a vontade real dos contraentes. II - Se, da interpretação conjugada das cláusulas de um contrato de abertura de crédito em conta corrente resultar, segundo o critério do art. 236.º, n.º 1, do CC, que apenas a sociedade de que o recorrido foi sócio gerente assumiu as obrigações dela decorrentes, o banco fica impedido de o executar com base em tal contrato, ainda que aquele tenha avalizado uma livrança em branco e subscrito o respectivo pacto de preenchimento para assegurar o cumprimento das obrigações contratuais da sociedade creditada”); Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de maio de 2019 (proc. n.º 5015/15.1T8CBR.C1.S2): [“o art. 236.º, n.º 1, do CC, consagra aquilo que Manuel de Andrade designa como a “teoria da impressão do destinatário”, segundo a qual o sentido do negócio jurídico é o “sentido com que a declaração seria interpretada por um declaratário razoável, colocado na posição concreta do declaratário efectivo. A teoria da impressão do destinatário é o critério abraçado pela esmagadora maioria da doutrina portuguesa para a interpretação dos negócios jurídicos (Ferrer Correia, Manuel de Andrade, Carlos da Mota Pinto, só para nomear alguns). Explica António Menezes Cordeiro que o “horizonte do destinatário” é composto dos seguintes elementos: (1) a letra do negócio; (2) os textos circundantes; (3) os antecedentes e a prática negocial; (4) o contexto; (5) o objectivo em jogo; e (6) elementos jurídicos extra-negociais”.)]; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de abril de 2022 (processo n.º 2052/19.0T8BRG.G1.S1): (“I - O regime legal da interpretação dos negócios jurídicos está concentrado, quanto às suas regras gerais, nos arts. 236.º a 239.º do CC. II - Podendo afirmar-se, sem prejuízo de tais regras, que a primeira regra de interpretação até será a vontade real comum, o sentido subjetivo comum, ou seja, se há consenso das partes, do declarante e do declaratário, sobre o sentido da declaração, é de acordo com ele que a declaração deve ser interpretada. III - Estando a segunda regra contida no art. 236.º, n.º 2, do CC, segundo a qual, em caso de divergência entre o sentido subjetivo da declaração e o seu sentido objetivo, prevalece o sentido subjetivo desde que o declaratário o conheça (em conformidade com o ditame da velha máxima falsa demonstrativo non nocet). IV - E, em caso de divergência entre o sentido subjetivo da declaração e o seu sentido objetivo, desconhecendo o declaratário a vontade real do declarante, prevalece, segundo a terceira regra, contida no art. 236.º, n.º 1, do CC, o sentido objetivo da declaração, salvo se o declarante não puder contar com ele, isto é, desde que tal sentido não colida com a expetativa razoável do autor da declaração: é a chamada teoria da impressão do destinatário”) e Maria Raquel Aleixo Antunes Rei, Da interpretação da declaração negocial no Direito Civil Português, pp.135-137 – disponível para consulta in https://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/4424/1/ulsd61308_td_Maria_Rei.pdf.

Com efeito, de acordo com o que dispõe o artigo 236.º do Código Civil “a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele”.

O preceito acabado de citar consagra a “teoria da impressão do destinatário”, segundo a qual o sentido do negócio jurídico é o “sentido com que a declaração seria interpretada por um declaratário razoável, colocado na posição concreta do declaratário efectivo” (Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. II – Facto Jurídico, em especial Negócio Jurídico, Coimbra, Almedina, 1983, p. 309).

Mas há também que considerar que o sentido das proposições contratuais é determinado por interpretação do contrato, devendo transcender-se a mera fixação do sentido linguístico e maximizar-se o efeito útil e a coerência entre as estipulações – Acórdão do STJ de 28/1/2021 (processo n.º 3443/18.0T8CBR.C1.S1).

Não se acompanha ainda o argumento da sentença relativo ao equilíbrio do contrato, por não existirem elementos de facto que permitam saber qual a vantagem de cada uma das partes ao longo do contrato já cumprido, mesmo no pressuposto de que todas as obras deveriam ser custeadas pela Autora: “Tão pouco se verifica qualquer “enriquecimento sem causa”. Basta pensar que a Autora explora o seu Hostel há mais de 10 anos com uma redução considerável do valor de renda acordado, que chegou a ser de menos de metade, assim continuando, com fundamento, precisamente, na compensação pelas obras realizadas. Justificação que é expressamente invocada, pela própria Autora/Inquilina, na carta de 07 de abril de 2010.”

Contudo é certo que à data da outorga do contrato o locado precisava de obras de monta e a Autora assumiu a sua responsabilidade – facto provado 1.67. As quais culminaram com uma proposta para arrendamento de parte do imóvel, que já contemplava a necessidade de realização de obras no locado, que os sócios da Autora valoraram em € 500.000 (quinhentos mil euros) – obras essas que se cumulariam com o pagamento de uma renda.

Ao contrário da decisão recorrida, é para nós manifesto que a solução da sentença deve ser afastada, quando aí se disse: “Refira-se ainda que, independentemente (da falta) do conhecimento efetivo do estado da estrutura de madeira do imóvel ou da sua cobertura e da sua (falta de) ponderação, a verdade é que não foi feita qualquer ressalva no Contrato, não resultando de forma alguma “manifesto” que as partes não pretenderam transferir para a Autora a responsabilidade pela realização de obras decorrentes de “vícios” já existentes à data da celebração do Contrato (que, de resto, era para “repor” em bom estado, já que, reconhecidamente, não o tinha à data), estando apenas obrigada a proceder às obras de conservação ordinária.”

Pelos motivos indicados o recurso deve proceder, considerando-se que nas estipulações contratuais não estavam incluídas todas e quaisquer obras como devendo ser realizadas e suportadas pela inquilina, mas apenas aquelas que, de alguma forma, fossem tidas por convenientes ou necessárias para a realização do escopo do contrato, quer de natureza estética, quer de natureza funcional, no interior e no exterior do locado, mas sem que aí se devam considerar as obras extraordinárias relativas a fundações e elementos relativos à estrutura do imóvel, nomeadamente traves de suporte, fundações ou substituição/reforço do telhado.

Deste modo, o recurso tem de proceder, devendo os autos baixar ao Tribunal recorrido para apreciação do pedido/s formulado pela Autora.

IV. Decisão

Posto o que precede, acorda-se em conceder a revista, e, consequentemente, em revogar a sentença recorrida e determinando-se a baixa dos autos para análise do pedido/s formulado, com a prolação de nova decisão.

Custas do recurso pela Recorrida.

Lisboa, 12 de março de 2024

Pedro de Lima Gonçalves (Relator)

Jorge Arcanjo

Nelson Borges Carneiro

Sumário:

As cláusulas de um contrato de locação para exercício de atividade de alojamento local, à luz do regime do artigo 236.º e ss do Código Civil que referem:

Cláusula Sétima - “É da responsabilidade da Inquilina a realização de obras que reponham o prédio em bom estado de conservação, que se obriga a manter custeando ainda as instalações e canalizações de água, eletricidade e esgotos e demais equipamento do local arrendado, pagando à sua custa todas as reparações por danos decorrentes de culpa sua ou negligência, bem como a manter em bom estado os respetivos pavimentos, tectos e paredes, portas e janelas, ressalvando o desgaste proveniente da sua normal utilização”.

Cláusula Oitava “1. Ficam a cargo da Inquilina as obras de adaptação inicial do locado à sua actividade (…) na condição das mesmas não porem em causa com as paredes estruturais/mestras e o equilíbrio arquitetónico do edifício ou a sua segurança, podendo alterar a disposição interna das divisões, bem como todas as obras de reparação, conservação necessárias e adequadas à manutenção do local arrendado, requeridas pela actividade da Inquilina, por lei ou pelo fim do contrato”

devem ser interpretadas como não estabelecendo a obrigação da inquilina de realizar e suportar todas e quaisquer obras impostas por lei que o locado careça, mas tão só as que estejam relacionadas com o exercício da atividade a que se destina.