Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
05S3639
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SOUSA PEIXOTO
Descritores: DESPEDIMENTO SEM JUSTA CAUSA
INDEMNIZAÇÃO DE ANTIGUIDADE
REINTEGRAÇÃO DE TRABALHADOR
Nº do Documento: SJ200602210036394
Data do Acordão: 02/21/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 73767/04
Data: 04/13/2005
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA.
Sumário : 1. O trabalhador ilicitamente despedido não tem direito à indemnização por antiguidade, por que optara na petição inicial, se, à data da sentença, o seu contrato de trabalho já tiver cessado por caducidade, em virtude de entretanto ter passado à situação de reforma.
2. Nessa situação, o trabalhador apenas terá direito às retribuições que teria auferido desde a data do despedimento até à data da decisão final, com as deduções referidas no n.º 2 do art.º 13.º da LCCT.
3. A indemnização por antiguidade é um sucedâneo do direito à reintegração e a extinção deste direito implica naturalmente a extinção do direito à indemnização.
4. A obrigação de reintegração não é uma obrigação alternativa, mas uma obrigação com faculdade alternativa (a parte creditoris)
Decisão Texto Integral: Acordam na secção social do Supremo Tribunal de Justiça:

1. "AA" propôs a presente acção no Tribunal do Trabalho de Sintra contra BB, pedindo, além do mais que ao recurso de revista não interessa, que o seu despedimento fosse declarado ilícito e que a ré fosse condenada a pagar-lhe a indemnização de antiguidade.

A 1.ª instância declarou ilícito o despedimento, por inexistência de justa causa e condenou a ré a pagar ao autor a importância de 65.897,03 euros, acrescida de juros de mora, sendo 16.759,68 euros a título de indemnização por antiguidade e o restante a título de retribuições vencidas até à data da sentença (19.12.2003).

No recurso de apelação, a ré arguiu a nulidade da sentença, alegando que o autor não tinha pedido a sua condenação nos juros de mora, e sustentou que as retribuições intercalares e a indemnização por antiguidade não eram devidas, uma vez que o autor passou à situação de reforma em Maio de 2002 (antes da data da sentença) e esteve de baixa por doença desde o despedimento até à data da passagem à reforma.

O Tribunal da Relação de Lisboa julgou procedente o recurso, excepto no que diz respeito à indemnização por antiguidade que fixou em 16.759,10 euros.

Mantendo o seu inconformismo, a ré interpôs o presente recurso de revista, sintetizando a sua alegação nas seguintes conclusões:
1. O A. foi reformado em Maio de 2002.
2. A reforma determina a cessação, ope legis, do contrato de trabalho.
Consequentemente,
3. No momento da prolacção da sentença, estão irremediavelmente precludidos os efeitos que esta pretendeu extrair da revigoração contratual que pretensamente resultaria da declaração de ilicitude do despedimento.
Com efeito,
4. Extinto o contrato de trabalho, por via da reforma do A., jamais este poderia vir a ser reintegrado.
5. E não podendo ser reintegrado, não pode, logicamente, optar pela indemnização.
6. A opção legal contida no n° 3 do art. 13.º do DL. n° 64-A/89, de 27/2, só é praticável se a reintegração for possível.
7. A reintegração e a indemnização são consequências indissociáveis da declaração de ilicitude do despedimento, apenas exigíveis se nada obstar a que o contrato de trabalho possa ser considerado como se se tivesse mantido em vigor.
8. A cessação do contrato de trabalho trabalhador, é um tal obstáculo.
9. A opção pela indemnização, ainda que exercida na p.i., só produz efeitos no momento em que é declarada a ilicitude do despedimento, dado que é apenas nesse momento que se sabe e fica definido que o trabalhador tem direito a ser reintegrado ou a receber uma indemnização e a receber salários vincendos.
Aliás,
10. Esse é o motivo, como vem sendo pacificamente entendido pela jurisprudência, pelo qual os juros de mora só são devidos após o trânsito em julgado da sentença de 1.ª instância que decrete a ilicitude do despedimento.
11. Decidindo como decidiu, o acórdão recorrido violou, entre outras, as disposições dos art.ºs 3.º, n.º 2, al. a) e 4.º, al. c) do D.L. n.º 64-A/89, de 27/2.

A recorrente termina as suas alegações, pedindo a revogação do acórdão na parte referente à indemnização de antiguidade que ela foi condenada a pagar ao autor.

Nas contra-alegações, o autor defende a confirmação do julgado e, neste tribunal, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no mesmo sentido.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

2. Os factos
Os factos dados como provados e que não foram objecto de qualquer impugnação são os seguintes:
1) O A. foi admitido ao serviço da R., para trabalhar por sua conta, sob a sua direcção, autoridade e fiscalização, em 1 de Janeiro de 1987.
2) O A. exercia as funções correspondentes à categoria profissional de Ajudante Técnico de farmácia.
3) Cumpria um horário de trabalho em regime de tempo completo, ou seja de 40 horas semanais.
4) O A. auferia o salário mensal de 210.000$00, acrescido de 900$00 a título de subsídio de refeição, por cada dia de prestação efectiva de trabalho.
5) A R. dedica-se ao comércio de medicamentos, e está filiada na Socionimo-A.
6) O A. esteve de baixa médica de 27.4.1999 a 13.12.1999.
7) Após elaboração de processo disciplinar, o qual se encontra junto aos autos, a R. por decisão de 29.3. 2000, despediu o A. com invocação de justa causa, pela prática dos factos constantes da decisão final.
8) O A. auferiu a quantia de 106.361$00, a título de horas extras.
9) O A. sempre manifestou a intenção de prestar trabalho fora do seu horário de trabalho.
10) O A. prestou até Abril de 1999 de forma periódica e regular, de acordo com uma escala determinada pela R., trabalho fora do seu horário de trabalho.
11) Após o regresso do A. da situação de baixa médica, foi prescrito pelo médico de trabalho que o horário de trabalho prolongado e trabalho nocturno devia ser evitado.
12) Pelo que a R. deixou de atribuir trabalho nocturno ao A..
13) O A. faltou ao serviço no dia 19.1.2000.
14) O A. faltou ao serviço no dia 20.1.2000.
15) O A. faltou ao serviço no dia 25.1.2000.
16) O A. faltou ao serviço no dia 26.1.2000.
17) O A. faltou ao serviço no dia 2.2.2000..
18) No dia 18.1.2000, o A. partiu um frasco de medicamento "ACTIFED" e limpou o chão.
19) O autor esteve de baixa médica de Fevereiro de 2000 a Maio de 2002, data em que entrou em situação de reforma.

3. O direito
O objecto do recurso restringe-se à questão de saber se o autor tem direito à indemnização por antiguidade, por que optou na petição inicial, apesar de ter passado à situação de reforma antes da prolação da sentença.

A ilicitude do despedimento não está em causa. Essa questão transitou logo em julgado na 1.ª instância. O que a recorrente discute é tão somente o direito à indemnização de antiguidade, pelo facto de o autor ter passado à reforma antes da sentença ter sido proferida.

Na sua opinião, tal direito só existe se o direito à reintegração também existir, o que no caso em apreço não acontecia, uma vez que, à data da sentença, o contrato de trabalho do autor já tinha cessado por caducidade, por, entretanto, ele ter passado à situação de reforma.

E a tal conclusão não obsta, diz a recorrente, o facto de o autor ter optado pela indemnização de antiguidade logo na petição inicial, ou seja, antes da passagem à reforma. "É que (argumenta a recorrente), em primeiro lugar, a opção pela indemnização é logicamente impossível. De facto, para se poder optar é essencial que existam, pelo menos, duas alternativas. E não as há, no caso dos autos. Isto é, pressuposto da opção pela indemnização é a existência da possibilidade da reintegração. Ora, como já se viu, a reintegração do A. seria sempre impossível, dada a inexistência de contrato de trabalho. Em segundo lugar, o facto de o A. ter feito a sua opção na p. i. nada significa, dado que a mesma só haveria de produzir efeitos mais tarde, se e quando fosse declarada a ilicitude do despedimento. O momento da opção do trabalhador não é determinante para a resolução desta questão. O A. exerceu o direito de opção na p. i. Porque a lei lhe permite exercê-lo desde o início do processo até à audiência de julgamento. Sem embargo, a produção de efeitos de tal opção apenas se verifica com a prolação da sentença. Ora, nesse momento, esses efeitos não podiam já produzir-se pelo facto absolutamente incontornável de já não existir contrato de trabalho a que os aplicar. Nem faria sentido que esses mesmos efeitos, para o mesmo contrato, e em resultado da mesma sentença, não pudessem produzir-se se o direito de opção fosse exercido em plena audiência de julgamento - como, aliás, é usual - e, portanto, em momento posterior à extinção do contrato de trabalho, por reforma, e já o pudessem se tal direito tivesse sido exercido dias antes, em momento anterior ao da reforma."
Na decisão recorrida entendeu-se que o contrato de trabalho tinha cessado com a reforma do autor, mas entendeu-se também que esse facto não lhe retirava o direito à indemnização por antiguidade, uma vez que por ela tinha optado. Todavia, em sede argumentativa, a Relação limitou-se a dizer que não existia "qualquer fundamento legal, para que a mesma não fosse atribuída ao autor, uma vez que por ela tinha optado.

Vejamos de que lado está a razão.

Nos termos do n.º 1 do art. 13.º da LCCT (1), sendo o despedimento declarado ilícito, a entidade empregadora será condenada: a) no pagamento da importância correspondente ao valor das retribuições que o trabalhador deixou de auferir desde a data do despedimento até à data da sentença; b) na reintegração do trabalhador, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, salvo se até à sentença este tiver exercido o direito de opção previsto no n.º 3, por sua iniciativa ou a pedido do empregador.

Por sua vez, nos termos do n.º 3 do referido art.º 13.º, em substituição da reintegração pode o trabalhador optar por uma indemnização correspondente a um mês de remuneração de base por cada ano de antiguidade ou fracção, não podendo ser inferior a três meses, contando--se para o efeito todo o tempo decorrido até à data da sentença.

Por outro lado, nos termos do art. 4.º, alínea c) da LCCT, o contrato de trabalho caduca com a reforma do trabalhador, por velhice ou por invalidez.

No caso em apreço, está assente que o autor foi ilicitamente despedido em 29.3. 2000 e que passou à situação de reforma em Maio de 2002. Tal significa que o contrato de trabalho do autor já tinha cessado quando a sentença foi proferida em 19.12.2003, o que significa que à data da sentença o autor já não tinha o direito à reintegração. Mas será que tem direito à indemnização de antiguidade, uma vez que por ela já tinha optado na petição inicial?

Entendemos que não.
Conforme se disse no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 27.3.2000, que seguiremos de muito perto, proferido no processo n.º 176/2002, da 1.ª secção em que foi relator o mesmo deste e que o Supremo veio a confirmar por acórdão de 16.5.2001, proferido na revista n.º 3113/2000, da 4.ª Secção, de que foi relator o Ex.mo Conselheiro José Mesquita, a indemnização não tem autonomia face à reintegração, pois, como resulta da letra da lei, é um mero sucedâneo desta ["Em substituição da reintegração pode o trabalhador optar por uma indemnização..." (sublinhado nosso) ].

Reintegração e indemnização são duas prestações distintas e a entidade patronal fica desonerada se cumprir uma delas, mas a obrigação que lhes subjaz não é uma obrigação alternativa (art.º 543.º do CC), dado que a entidade patronal não está adstrita a uma delas. Nos termos da lei, a prestação a que entidade patronal está obrigada é a reintegração. É na reintegração que a entidade patronal será condenada, se o trabalhador não tiver optado pela indemnização ou se tiver formulado o pedido em alternativa. As coisas não seriam assim se a obrigação tivesse natureza alternativa (art.º 468º do CPC e Pires de Lima e A. Varela, Cód. Civil Anotado, 4.ª ed., anotação 4 ao art.º 543º).

Como a recorrente refere, estamos antes perante uma obrigação com faculdade alternativa (a parte creditoris), ou seja perante uma obrigação que tem por objecto uma só prestação (a reintegração), embora a lei conceda ao credor a faculdade de escolher uma outra (a indemnização de antiguidade). E, sendo assim, extinta a prestação (a reintegração), extinta fica a faculdade alternativa (vide A.. Varela, Das Obrigações, 1.ª ed., pag. 611).

E foi isso o que aconteceu no caso sub judice. O direito à reintegração extinguiu-se quando o contrato de trabalho cessou com a passagem do recorrido à situação de reforma e a faculdade alternativa de que dispunha extinguiu-se também. Não pode substituir-se o que já não existe. Acompanhamos, por isso, a orientação perfilhada nos acórdãos do STJ de 5.3.92 e de 11.10.94 (BMJ, 415º-380 e AD. N.º 398º-242, respectivamente) e não a que foi seguida nos acórdãos do mesmo tribunal de 20.2.87 e de 14.3.93 (BMJ, 364º-725 e CJ-2-262, respectivamente).

As coisas não se alteram pelo facto de recorrido ter optado pela indemnização logo na petição inicial, dado que o exercício da opção não faz cessar imediatamente o contrato de trabalho. Se assim fosse, o trabalhador não teria direito às retribuições vencidas até à data da sentença, mas apenas às devidas até à data em que faz a opção. Isso significa que a declaração da ilicitude do despedimento faz reviver o contrato até à data da sentença e que a opção pela indemnização só produz efeitos a partir da sentença. O direito à indemnização só, então, se consolida, ficando dependente, por isso, das vicissitudes que possam ocorrer até à sentença.

Deste modo, se o trabalhador se reformar antes da sentença, tal facto, apesar de superveniente, terá de ser levado em conta na decisão (art.º 663º do CPC). Ora, implicando a reforma do trabalhador a caducidade do contrato, a inexistência do direito à indemnização apresenta-se irrefutável. Por razões que facilmente se compreendem, o legislador deu ao trabalhador a possibilidade de trocar a manutenção do vínculo laboral por uma indemnização. Se a manutenção da relação laboral se tornou impossível pelo facto de o contrato ter cessado por reforma do trabalhador, é óbvio que a troca não pode ser feita. Nesse caso, o trabalhador apenas terá direito às retribuições que teria auferido até à data da reforma, com as deduções referidas no n.º 2 do art.º 13.º (2).

Como se disse no já citado acórdão de 16.5.2001, "[a] opção pela indemnização só produz efeitos a partir da sentença, já que a opção em momento anterior não tem a virtualidade de fazer cessar imediatamente o contrato. É uma faculdade que o trabalhador tem até à sentença e é nesta, com a declaração de ilicitude, que o direito à indemnização se consolida na esfera jurídica do trabalhador."

4 Decisão
Nos termos expostos, decide-se conceder a revista, ficando a ré absolvida do pedido referente à indemnização por antiguidade.
Custas pelo recorrido.

Lisboa, 21 de Fevereiro de 2006
Sousa Peixoto
Sousa Grandão
Pinto Hespanhol
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(1) - Regime jurídico da cessação do contrato individual de trabalho e da celebração e caducidade do contrato de trabalho a termo aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64.A/89, de 27/2, em vigor à data em que a autora foi despedida.
(2) - No caso em apreço, o autor nem sequer teve direito às retribuições intercalares, por ter estado de baixa por doença desde o despedimento até à data em que passou à reforma.