Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
035906
Nº Convencional: JSTJ00002846
Relator: ARELO MANSO
Descritores: PROVOCAÇÃO
ADULTERIO
EMOÇÃO VIOLENTA
Nº do Documento: SJ198006040359063
Data do Acordão: 06/04/1980
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: BMJ N298 ANO1980 PAG126
Texto Integral: N
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Área Temática: DIR CRIM - CRIM C/PESSOAS.
Legislação Nacional:
Sumário : I - E de rejeitar a interpretação segundo a qual o Decreto-Lei n. 262/75, de 27 de Maio, ao revogar o artigo 372 do Codigo Penal, tenha querido privar o homem casado do beneficio da atenuante modificativa da provocação prevista na parte especial do Codigo Penal, se achar a sua mulher em adulterio.
II - Independentemente do valor que se deva atribuir ao relatorio que precede o citado Decreto-Lei, nele pretendeu-se justificar a revogação do artigo 372 do Codigo Penal, e so isso.
III - Alias, nesse relatorio não se pretendeu, nem razoavelmente o deveria fazer, justificar a impossibilidade de as pessoas referidas no artigo 372 beneficiarem da atenuante especial do artigo 370 do Codigo Penal.
IV - Pretendeu-se, sim, que o adulterio da mulher e do marido, bem como a corrupção de menores não tivesse, nos termos do artigo 372, uma função alargadora do conceito de provocação, formalmente limitado pelo artigo 370.
V - As palavras daquele relatorio são esclarecedoras. Nele se diz... "porque o artigo 372 abstrai inteiramente da verificação da emoção violenta que aos agentes podem eventualmente produzir tais factos, confere um autentico "direito de matar". Ha que por termo a semelhante aberração, certo como e que, se por parte dos que pratiquem tais factos existir um choque emocional que os leve a violencia, eles tem o seu enquadramento na parte geral daquele diploma (Codigo Penal).
VI - O que se pretendeu foi evitar que, "sem emoção violenta" "que o leve a violencia" e com serenidade o reu beneficiasse da provocação constituida por adulterio ou corrupção de filha menor e da punição simbolica - desterro para fora da comarca por seis meses - prevista no artigo 372, o que conferia, como expressamente se le no relatorio do aludido decreto-lei, um autentico "direito de matar".
VII - Quer dizer, com a revogação do artigo 372 desapareceu a referida função alargadora do conceito de provocação formalmente limitado pelo artigo 370, pelo que os reus, nos casos previstos naquela disposição, so beneficiam da atenuante modificativa da provocação se se verificarem os elementos dela, como em qualquer outro crime doloso de homicidio ou de ofensas corporais. Ficam, pois, sujeitos ao regime geral, não gozando do regime especial ou especialissimo estabelecido no artigo 372.
VIII - A tal conclusão era de chegar, mesmo que o artigo 39, n. 4 , ao considerar a provocação como atenuante, não referisse o artigo 370, quando diz que pode a provocação, consistente em ofensa directa a honra da pessoa, ser considerada como violencia grave para efeitos deste artigo. E isto sob pena de se passar de uma solução obsoleta e injusta como era a consagrada no artigo 372 para outra tambem injusta, como o seria a da impossibilidade legal de aplicar o artigo 370, quando a ofensa grave produtora da emoção violenta que afectasse as faculdades mentais, fosse o adulterio.
IX - O Estado reconhece a constituição da familia e assegura a sua protecção - artigo 67 - e a todos e reconhecido o direito ao bom nome - artigo 33, ambos da Constituição da Republica.
X - Os conjuges estão reciprocamente vinculados pelos deveres, alem de outros, de respeito e fidelidade - artigo 1672 do Codigo Civil. A violação desses deveres pode constituir fundamento de divorcio - artigos 1773 e 1779 do mesmo diploma, atingindo ou podendo atingir gravemente a familia.
XI - Quando um conjuge tem relações sexuais com outra pessoa que não seja o seu conjuge, não e fiel e, violando esse dever, comete o adulterio, que constitui a mais grave das formas de violação do dever reciproco de fidelidade que vincula os conjuges.
XII - O adulterio e considerado ainda em certas condições, em face da nossa lei, um facto ilicito criminal, punido nos termos dos artigos 401 e 404 do Codigo Penal, com as modificações introduzidas pelo artigo 61 da Lei do Divorcio.
XIII - Não se ignora que o adulterio tem perdido a sua dignidade criminal, deixando de ser considerado infracção criminal e, como tal, sancionado. E isso aconteceria entre nos se o projecto do Codigo Penal passasse a ser lei, sem alterações. Por enquanto, o adulterio ainda e, em certas condições, ilicito penal da nossa lei.
XIV - Quando da revogação do artigo 372 podiam ter tido a mesma sorte os artigos 401 e 404 e 61 citados, e estes não foram revogados.