Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08A077
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: CARDOSO DE ALBUQUERQUE
Descritores: REGULAÇÃO DO PODER PATERNAL
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
UNIÃO DE FACTO
PRESUNÇÃO
Nº do Documento: SJ200803040776
Data do Acordão: 03/04/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA
Sumário :
I - É admissível o recurso de revista em acção de regulação do exercício do poder paternal em que a requerida alegue, além do mais, a violação pelo acórdão recorrido do disposto no art. 1911.º do CC que, em caso de filiação estabelecida quanto a ambos os progenitores não unidos por matrimónio, estabelece que o exercício o poder paternal cabe à mãe, enquanto presuntiva titular da sua guarda, presunção essa só ilidível judicialmente e que a recorrente considera não ter sido ilidida.
II - Tendo os progenitores convivido maritalmente, podem ser aplicáveis, no caso de ruptura da união de facto, as regras do exercício do poder paternal que vigoram para os filhos de progenitores divorciados ou separados judicialmente de pessoas e bens (arts. 1905.º a 1907.º ex vi art. 1912.º do CC), mas para isso é necessário que ambos os progenitores tenham, de acordo com o disposto no n.º 3 do art. 1911.º, declarado expressamente perante o funcionário do registo civil na constância da sua união para-conjugal que têm o exercício conjunto do poder paternal.
III - Não ficando provado que o tivessem feito, impõe-se seguir as regras imperativas dos n.ºs 1 e 2 do art. 1911.º do CC, das quais resulta que a titularidade do poder paternal em caso de pais não unidos pelo matrimónio não pertence a ambos, mas sim a quem tiver a guarda do filho, presumindo-se que é a mãe quem tem a guarda do filho.
IV - Não se pode considerar ilidida tal presunção se, embora o menor estivesse a residir, desde Setembro de 2005, com o pai, em Aveiro, aquando da instauração por este, da presente acção de regulação do poder paternal, tal situação se deveu ao facto de este ter rompido o acordo que fizera com a progenitora, ora recorrente, no sentido de o menor, nascido em 17-12-2002, passar a residir, no Porto, com a mãe, a qual já tinha arrendado casa perto do infantário onde o inscreveu.
V- Não é pelo facto de a mãe não ter usado os mecanismos legais para assegurar o cumprimento do que fora acordado, limitando-se a fazer participações policiais, que se pode considerar que a mãe, ora recorrente, se conformou com a actuação unilateral do pai, recorrido; antes se julga que o facto de o menor ter ficado com o pai desde Setembro de 1995 se deu contra a vontade daquela.
VI - Tão pouco o facto de ter consentido, aquando da ruptura da relação para-conjugal, em Janeiro de 2005, que o menor continuasse em Aveiro, durante 6 meses, significa que tenha renunciado à guarda do filho, já que o fez na condição de este voltar para o Porto em definitivo, logo que se iniciasse o ano escolar, tendo passado metade do mês de Julho e todo o mês de Agosto desse ano com ela.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:



AA veio intentar acção de regulação de poder paternal contra BB.
Alegando, em suma:
Requerente e requerida são pais do menor CC, nascido em 17/12/2002;
Encontram-se separados depois de viverem em união da facto e não se entendem quanto à regulação do poder paternal em relação ao seu filho.
Na conferência de pais, foi celebrado acordo provisório quanto á regulação do poder paternal, o qual foi homologado por sentença;
Ofereceram os pais as suas alegações escritas, nas quais concluem:
O requerente:
a) o poder paternal deve ser exercido conjuntamente;
b) o menor deve ficar com o requerente durante a semana e passar todos os fins-de-semana com a requerida, que deverá ir buscá-lo à sexta-feira ao infantário, indo o pai buscá-lo a casa da mesma, às 19H00 de domingo;
c) as despesas médico-medicamentosas não comparticipadas e não cobertas pelo seguro serão suportadas por ambos os pais, na proporção de metade para cada um deles;
d) a requerida deverá pagar, a título de alimentos, a quantia de € 100 mensais.
A requerida:
Deve ser a mesma a deter a guarda do CC.
Foi junto o relatório social com vista à regulação do poder paternal em causa.
Foi designada nova conferência de pais, na qual, na falta de acordo, foi aprazada data para a audiência de julgamento.
Realizado este, proferiu o senhor Juiz sentença, na qual foi regulado o poder paternal pela forma seguinte:
a) O menor fica confiado à guarda e cuidados da mãe, que dele cuidará e tratará, competindo-lhe o exercício do poder paternal;
b) O pai poderá visitá-lo e tê-lo consigo sempre que o pretenda, devendo para tanto avisar previamente a mãe com 24 H. de antecedência, sem prejuízo dos períodos de descanso, alimentação e estudo da criança;
c) Fixa-se a cargo do requerente a quantia de € 175, a título de prestação alimentícia a favor de seu filho menor, que deverá ser paga até ao dia 10 do mês a que disser respeito, por meio de dinheiro a entregar directamente à requerida, cheque ou vale postal a enviar para a residência da mesma, ou transferência bancária para a conta desta, como der mais jeito, com início no próximo mês de Outubro de 2006;
d) Tal quantia será automaticamente actualizada, anualmente, em função dos índices de inflação e dos preços do consumidor publicado pelo INE.
Inconformado, veio o requerente interpôr recurso de apelação, impugnando a decisão da matéria de facto e pedindo a substituição da decisão por outra por forma a ser-lhe atríbuída a guarda do filho, ainda que em exercício conjunto do poder paternal referindo que ilidira a presunção de ela ser detida pela mãe, nos termos do artº 1911º do CCivil
Por douto acórdão, posto que sem alteração da matéria de facto, foi o recurso julgado procedente, confiando-se o menor aos cuidados do pai nos termos e em função do disposto no artº 1911º atribuindo-se ao mesmo o exercício do poder paternal.
Foi então a vez da recorrida interpor recurso de revista para este tribunal, tendo nas respectivas alegações concluído assim:
1 – A decisão recorrida encontra-se em contradição v com a matéria de facti o dada por provada – artº 669~aln b) e nº3 , ex vi do artº 716º do CPC.
2 – A requerida nunca renunciou à guarda do menor.
3 - Não constando dos factos provados , designadamente dos pontos 2.2.5, 2.27 a 2.2.9 e 2.2.11 que o “ menor esteve ou está à guarda do pai desde que ambos se separaram definitivamente “ que quando o menor frequentou o infantário no Porto estava a viver com o pai em Aveiro”
4 – Antes se demonstrando que, tal como se refere na motivação da decisão da 1ª instância, o pai apenas teve a guarda de facto do filho contra a vontade expressa da mãe desde o dia 9/09/2005
5 –Atento o facto dos progenitores não terem contraído casamento, a guarda presume-se da mãe
6 – E o requerido não ter logrado ilidir judicialmente essa presunção como exige o disposto no nº2 “ in fine” do artº 1911º.
7 – Tem de reconhecer-se que a guarda do CC tem de ser atribuído à mãe que consequentemente, deverá exercer o poder paternal, atenta a vinculação automática entre guarda e poder paternal consagrada na reforma do CCivil
8 – Na sequência da decisão proferida pelo tribunal de 1ª instância, o menor encontra-se há um ano a viver com a mãe, o marido desta e um meio irmão de 4 meses de idade.
9 – A mãe como sempre fez, incentiva os contactos do menor com o pai, não se regendo apenas com regras fixas, antes demonstrando grande abertura e flexibilidade.
10 – O CC frequenta desde Outubro de 2006 o infantário no Centro Infantil ...., situado junto à sua residência , onde a “ sua reintegração não foi imediata “ tal como consta do relatório de fls
11 – Ainda de acordo com o mesmo relatório, é convicção da educadora que uma qualquer alteração nos hábitos já estabelecidos pode contribuir o para um défice do crescimento sócio-afectivo
12 .Atenta a sua tenra idade, toda a legislação internacional estabelece que só em casos excepcionais possa ser separado da mãe.
13 – O facto de grande parte das mulheres terem actualmente actividade profissional a acrescer a responsabilidade domésticas não significa que a figura simbólica da mãe não continua a existir e a funcionar
14 - O valor da estabilidade é fundamental para qualquer criança, não sendo possível o seu desenvolvimento harmonioso se viera a ser transplantado para outra cidade, outra escola, outros amigos e outras rotinas
Não houve contra alegação.

II -Neste tribunal, apesar do parecer contrário do Exmo Procurador Geral Adjunto foi decidido admitir o recurso tendo em conta que a requerida alegara, além do mais e violação pelo acórdão do disposto no arº 1911º do Civil que em caso de filiação estabelecida quanto a ambos os progenitores, não unidos por matrimónio estabelece que o exercício do poder paternal cabe à mãe, enquanto presuntiva titular da sua guarda, presunção essa só ilidível judicialmente e com base na qual foi decidido, sem uso de outros critérios, atribuir ao recorrido esse direito.
Foram, de seguida, colhidos os vistos legais.

III – Vejamos antes de mais os factos dados por provados pelas instâncias:

O menor CC nasceu em 17/12/2002 e é filho do requerente e requerida, que não são casados entre si (2.2.1);

Foi um bébé muito desejado, tendo a requerida tido necessidade de fazer uma intervenção cirúrgica ao diafragma para que pudesse efectuar uma gravidez normal (2.2.2);

Desde o nascimento e até Julho de 2003 o menor viveu com seus pais, altura em que se separaram, ficando então o mesmo a viver com sua mãe até Junho de 2004, altura em que, por razões profissionais, a requerida teve necessidade de efectuar um estágio de três meses em Lisboa (2.2.3);

Na necessidade de se fazer acompanhar de seu filho, este permaneceu entregue aos cuidados do pai, até Setembro de 2004, o que foi feito por acordo entre ambos os progenitores (2.2.4);

No final de 2004, requerente e requerida reataram a sua relação amorosa e passaram novamente a viver juntos com o menor até final de Janeiro de 2005, altura em que se separaram definitivamente, ficando ele e residir em Aveiro e ela no Porto (2.2.5);

Por essa altura, o requerente pediu à requerida que permitisse que o menor continuasse com ele mais algum tempo, em Aveiro, até Junho de 2004, altura em que regressaria à casa da mãe, no Porto, o que a requerida anuiu, sendo que todos os fins-de-semana, entre Fevereiro a Junho daquele ano, a requerida teve sempre consigo o menor (2.2.6);

Na sequência do que havia acordado com o requerente, a requerida começou a organizar toda a sua vida em função do regresso do CC, para o que adquiriu um apartamento a cerca de 5 m. a pé, do infantário onde em Abril de 2005 inscreveu o menor (2.2.7);

Esta inscrição no infantário foi combinada e expressamente acordada com o requerente, tal como foi acordado que este poderia visitar livremente o menor e tê-lo consigo durante os fins-de-semana em que não trabalhasse, tendo o menor passado com a requerida metade do mês de Julho e todo o mês de Agosto de 2005 (2.2.8);

No dia 5/9/2005 o requerente deslocou-se ao Porto para, juntamente com a requerida, acompanhar o CC ao Infantário para o seu “primeiro dia de escola” (2.2.9);

Nos dias 6, 7 e 8 do mesmo mês foi a requerida a ir levar e buscar o CC ao Infantário (2.2.10);

A partir dessa data, o requerente comunicou à requerida que iria casar no próximo dia 24, e que o CC não viria mais ao Porto, e que se o quisesse visitar teria de o fazer na sua presença, em Aveiro (2.2.11);

Desde o dia 9/9/2005 até ao dia 18/11/2005 (data da realização da conferência de pais) a requerida, para ver o seu filho, teve de o fazer na presença “vigilante” do requerente, em Aveiro, o que motivou participações policiais por parte da requerida contra o requerente (2.2.12);

A partir desse data, o exercício do poder paternal ficou provisoriamente regulado nos seguintes termos, ao que ora interessa:
“O poder paternal será exercido por ambos os pais. No entanto, o menor continua a viver aos cuidados do pai durante a semana.
O menor passará com a mãe todos os fins-de-semana, vindo esta buscá-lo, por regra, sexta-feira, à saída do Infantário e por sua vez o pai irá buscá-lo a casa da mãe, ao domingo, pelas 19H00” (2.2.13);

Aos domingos, quando o menor regressa da casa da mãe, vem “baralhado” e chama pela mãe, dizendo não querer vir para Aveiro (2.2.14);

O mesmo tem fortes vínculos, quer com a mãe, quer com o pai (2.2.15);

O requerente é casado, tem um filho da sua actual mulher, recém-nascido, explora por conta própria uma escola de mergulho denominada “Aveirosub-Formação e Serviços em Actividades de Turismo e Lazer, Lda”, a sua actual mulher é professora de Inglês e Português, auferindo o casal cerca de € 2.000 mensais, tendo como despesas cerca de € 563 mensais (2.2.16);

A requerida é solteira, é Delegada de Informação Médica, colaborando para a empresa “Pfizer”, com vínculo laboral efectivo, vive com um companheiro, igualmente Delegado de Informação Médica, auferindo este agregado, mensalmente, cerca de € 2.244, acrescido de prémios de produtividade na ordem dos € 500 por trimestre, apresentando despesas mensais na ordem dos € 602 (2.2.17);

Quer o requerente, quer a requerida revelam capacidades para exercer adequadamente as funções parentais, reconhecendo-se mutuamente com iguais competências (2.2.18).



IV -É sabido que a delimitação do objecto do recurso é feita pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo razões de direito, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – arts 664º, 684º, nº 3 e 690º, nºs 1 e 3 do CPC.
Outrossim , não pode o recurso abarcar questões que não hajam sido colocadas ao tribunal “a quo” e designadamente conhecer circunstâncias supervenientes aos factos objecto de discussão, sendo que no âmbito do processo de regulação do poder paternal, sempre tais circunstâncias poderão ser objecto de pedido de alteração do regime fixado para o poder paternal do menor
Por último o objecto deste recurso de revista face aos condicionamentos impostos pelo artº 1411º do CPC acha-se circunscrito necessariamente à apreciação da decisão proferida no que toca à apontada violação pelo mesmo na base da atribuição do poder paternal do menor, do normativo do artº 1911º do CCivil que o conferiu â mãe, não unida por casamento ao pai, de modo exclusivo, com fundamento em presunção não ilidida da titularidade da sua guarda, sem prejuízo da apreciação da arguida nulidade da contradição entre os fundamentos de facto e a decisão

Vejamos, então.
Determina o art. 1911º, a propósito da filiação estabelecida quanto a ambos os progenitores não unidos pelo matrimónio, que:
“1. Quando a filiação se encontre estabelecida relativamente a ambos os pais e estes não tenham contraído o matrimónio após o nascimento do menor, o exercício do poder paternal pertence ao progenitor que tiver a guarda do filho.
2. Para os efeitos do número anterior presume-se que a mãe tem a guarda do filho; esta presunção só é ilidível judicialmente.
3. Se os progenitores conviverem maritalmente, o exercício do poder paternal pertence a ambos quando declarem perante o funcionário do registo civil ser essa a sua vontade; é aplicável, neste caso, com as necessárias adaptações, o disposto nos arts 1901º a 1904º.”

Sendo aqui aplicável – no caso de filho de progenitores não unidos pelo casamento – o princípio de que o exercício do poder paternal pertence ao progenitor que tiver a sua guarda.
Presumindo-se, até prova em contrário, que tal função está a ser desempenhada pela mãe.

No acórdão em apreço considerou-se que tendo os progenitores convivido maritalmente, poderiam ambos exercer o poder paternal nos termos a que alude o citado art. 1911º, nº 3, aplicando-se-lhes então as regras do exercício do poder paternal na constância do matrimónio.

E, como nele se disse, se a união de facto se viesse a romper, tudo se passaria, nesse particular, como se os progenitores se houvessem divorciado ou separado judicialmente de pessoas e bens – arts 1905º a 1907º ex vi do art. 1912º (que manda aplicar ao caso previsto no artigo anterior, com as necessárias adaptações, o disposto nos arts 1904º a 1907º) citando-se a esse propósito Eduardo dos Santos, Direito da Família, p. 580 e Rodrigues Bastos, Notas ao CC, Vol. VII, p. 134 e 135.
E daí concluir o acórdão nada obstar a aplicabilidade das ditas normas, no que respeita à viabilidade do exercício conjunto do poder paternal, o que de todo o modo se rejeitou, por este pressupor um acordo dos pais que se não verificava existir, face à posição assumida pela recorrente do seu direito à titularidade do poder paternal, enquanto guardiã do menor seu filho.
Cremos , porém que esse entendimento não teve em devida conta, o disposto no nº3 do artº 1911º.
Com efeito, não basta para o exercício conjunto do poder paternal que os pais do menor vivam em união de facto.
É necessário ainda que ambos o declarem expressamente perante o funcionário do registo civil, como resulta do disposto no nº3 citado e que no caso não ficou provado que o tivessem feito na constância da sua união para conjugal
Deste modo e no caso em apreço haveria sempre que se seguir as regras imperativas dos primeiros números do artº 1911º.
E este é claro: a titularidade do poder paternal em caso de pais não unidos pelo matrimónio não pertence a ambos, pertence, sim, a quem tiver a guarda do filho.
Como explica A Varela em anotação ao preceito em referência, no seu Anotado, Vol V, 413:
“ Atendendo à ligação psicológica-afectiva mais forte do que na generalidade dos casos de filiação, une a mãe ao filho menor, por virtude dos fenómenos normais da gestação (…) e do momento culminante do parto, o nº2 do artº 1911º afastando-se dos cânones da igualdade jurídica dos progenitores, estabelece a presunção de que é a mãe que tem a guarda do filho, para a ela e só a ela – atribuir o exercício do poder paternal.
E de seguida, adianta o mesmo autor :
“ E reforça a presunção com o apêndice vinculativo de só poder ser ilidida por via judicial”

Aqui chegados, tudo pois se resume em saber se no caso concreto, o recorrido ilidiu essa presunção, já que efectivamente o acórdão ainda que partindo do pressuposto menos exacto, a nosso ver e ressalvado o merecido respeito que o exercício do poder paternal caberia a ambos os progenitores do menor, e como tal se deveria subordinar aos ditames da regulação prescritos no artº 1905º reconheceu, desde logo por não se verificar acordo nesse sentido, dever a atribuição de tal direito obedecer ao estatuído naquele artº 1911º
Para o efeito, entendeu resultar da matéria provada que quem tinha tido a guarda do menor, pelo menos desde a data em que ambos os progenitores romperam de novo e definitivamente a sua relação de convivência como se casados fossem, em Janeiro de 2005, era o pai.
E isto porque, ficando o CC na sua companhia em Aveiro com anuência da mãe, que passou a residir no Porto embora combinando ambos que tal sucederia até Junho de 2005, altura em que o menor passaria a residir com a mãe, na companhia da qual passou metade do mês de Julho e todo o mês de Agosto (ponto 22.8)
Mas não tendo o apelante cumprido o acordo que entre eles gizaram, de o menor ficar a viver com a mãe, no Porto, depois daquela data, para o que chegou a frequentar o infantário onde a mesma o havia inscrito, durante três dias, comunicou, em seguida, à requerida que não mais viria ao Porto – e que se quisesse ver o filho o teria de fazer, na sua presença (?) em Aveiro.
O que ela passou a fazer, sem reacção aparente, apenas desencadeando participações policiais, sendo certo que foi o recorrido que depois veio a suscitar a regulação do poder paternal por via do desentendimento surgido, invocando justamente deter a guarda do filho
Pronunciando–se sobre esta situação de facto, o tribunal da 1ª instância foi do entender que não fora ilidida a presunção da mãe ter a guarda do filho, visto sendo verdade que o pai o tinha consigo desde Setembro de 2005, ( já vimos que não é assim, por o menor ter ficado com o pai desde pelo menos Janeiro) fê-lo contra a vontade daquela que a tal guarda nunca renunciara.
Mas perspectiva diferente teve o douto acórdão, afirmando que a ora recorrente, até atendendo à sua qualidade profissional e estatuto social poderia e deveria reagir de forma mais vincada à situação, indicando, assim, os autos que ela se conformara com a actuação unilateral do recorrido.
Cremos porém e sem quebra do devido respeito que a razão está do lado da interpretação feita pela 1ª instância.
Com efeito e sendo verdade que materialmente a guarda do menor tem estado a ser detida pelo pai, desde o rompimento da união de facto dele com a mãe, tal apenas foi possível, em primeiro lugar por esta aceder a que temporariamente o filho ficasse a residir em Aveiro, em rigor desde Janeiro a Junho de 2005 mas na condição de voltar à sua companhia e confiado aos seus cuidados no Porto em princípios do ano escolar, para de comum acordo ser, como foi, inscrito num infantário naquela cidade e em segundo lugar pelo “acto de força” do requerido desencadeado exactamente na altura em que depois de acompanhar o filho durante três dias no infantário em Setembro comunicou à mãe e sem qualquer explicação que o menor ali não voltaria mais, ficando com ele a viver em Aveiro, já que ia casar, com forte limitação das visitas dado estas deverem de futuro ser por ele vigiadas
Ora este situação nunca foi aceite, antes rejeitada pela mãe que ao longo do processo e sem prejuízo de aceder na primeira conferência em termos de regulação provisória, ao exercício em comum do poder paternal, sempre defendeu que o menor só não estava à sua guarda efectiva por se convencer de que recorrido cumpriria o acordo que ambos haviam feito e aliás por ele frontalmente violado quando recusou a sua entrega como aprazado em princípios de Setembro de 2005.
O processo tutelar de regulação do poder paternal ( previsto e regulado nos arts 174º e ss da OTM ) que igualmente se aplica e com as adaptações necessárias aos casos de filhos de progenitores não unidos pelo matrimónio ( artº 183º da mesma OTM) contem de facto mecanismos para assegurar o cumprimento do que pelos pais for acordado ou decidido.
Mas daqui não pode inferir-se que pelo não uso de tais mecanismos, a recorrente se tivesse conformado com o impedimento do menor ficar em sua companhia, sendo certo haver claramente sido iludida na sua boa fé quando a pedido do pai e quando romperam a relação para conjugal que mantinha permitiu que o filho permanecesse em Aveiro, durante apenas seis meses, mas na condição do mesmo voltar para a sua companhia no Porto após com ele gozar as férias, logo que se iniciasse o ano escolar.
Acordo que como vimos não foi cumprido, recusando o recorrido deixar que o filho iniciasse depois das férias o seu percurso educativo no infantário no Porto onde a recorrente o inscrevera e até, em data anterior – Julho de 2005- tivesse já requerida a presente regulação indicando estar o menos à sua guarda, posto que passando os fins de semana com a mãe.
Com o devido respeito tendo em conta estas particulares circunstâncias de forma alguma nos parece ter sido ilidida aquela presunção.
Com efeito em momento algum, desde que os progenitores dos menores se separaram, a mãe da criança manifestou disposição em se demitir da guarda efectiva dela, ao invés, só consentiu a deixar que a mesma continuasse com o pai durante algum tempo mediante acordo em ela ser restituída à sua companhia a partir de Setembro e de resto com ela tendo passado, metade do mês de Julho e todo o mês de Agosto, além de alugar casa que lhe permitisse fácil acesso ao in fantário em que o inscreveu
Ora se foi na base da confiança depositada pela recorrente e por um período de tempo limitado e circunscrito que a guarda da menor nos meses que antecederam a propositura da acção vinha sendo exercida pelo pai, até aquela poder reassumir essa guarda a partir do Verão de 2005, recusando depois este cumprir o acordado e deixar o filho no Porto, não pode ter-se por ilidida a referida presunção, sendo que o recorrido sabia perfeitamente os condicionamentos colocadas pela mãe para ter consentido que o menor usufruísse da sua companhia durante o período transcorrido entre a separação definitiva de ambos e a data em que foi instaurado o processo e que o prolongar dessa situação se fez ao inteiro arrepio do antecedentemente acordado e manifestamente contra a sua expectativa, vontade e querer.
A guarda invocada pelo pai por justamente se haver iniciado numa base transitória, precária e depois mantida de forma unilateral não pode portanto ser acolhida como motivo fundado para afastar a que a mãe detinha e deixou compulsivamente de exercer, significando isto que a douta decisão ao atribuir a titularidade do poder paternal ao pai como se este a exercesse de forma consensual e pacífica, não fez, em nossa opinião, adequada interpretação e aplicação de tal normativo legal.
Procedem, assim e fora aspectos de pormenor, as conclusões pertinentes dos nºs 2 a 7

A recorrente arguiu ainda o que qualificou de nulidade do acórdão por existir uma contradição dos fundamentos de facto e a decisão.
Ora não existe contradição alguma, do ponto de vista lógico face à posição assumida no acórdão que entendendo ter sido ilidida a presunção da guarda da mãe, decidiu em sentido conforme, tudo se resumindo a uma questão de mérito e atinente a uma menos correcta subsunção dos factos na previsão da norma aplicável.


V -Em conformidade com o que se vem de expor, concede-se a revista revogando-se o douto acórdão que atribuiu ao pai a titularidade do poder paternal, ficando a subsistir a decisão da 1ª instância e com custas a cargo do recorrido


Lisboa, 04 de Março de 2008

Cardoso de Albuquerque (Relator)
Azevedo Ramos
Silva Salazar