Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08B0984
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Descritores: CONTRATO DE AGÊNCIA
INDEMNIZAÇAO DE CLIENTELA
COMISSÃO
AGENTE
Nº do Documento: SJ200906040009847
Data do Acordão: 06/04/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Legislação Nacional: DL Nº 178/86 DE 3 DE JULHO
DL Nº 118/93, DE 13 DE ABRIL
CÓDIGO CIVIL, ARTIGOS, 341º, 342º
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, ARTIGOS 722º, 727º, 729º
Jurisprudência Nacional: SUPREMO TRIBUNAL DA JUSTIÇA, 13 DE SETEMBRO DE 2007 (07B1958); 3 DE MARÇO DE 2009 (09B0297); 15 DE NOVEMBRO DE 2007 (07B3933)
Sumário :
1. A actividade do agente é em abstracto apta a proporcionar ganhos ao principal, não só enquanto vigora o contrato de agência, mas também depois da sua cessação.

2. Esse ganho posterior à cessação do contrato tanto pode resultar de contratos preparados ou negociados pelo agente, mas concluídos depois, como de contratos negociados e celebrados depois da cessação, mas com clientela angariada ou desenvolvida pelo agente.

3. No primeiro caso, o agente tem direito ao pagamento de uma comissão; no segundo, à indemnização de clientela, posto que se verifiquem os requisitos cumulativamente exigidos pelo nº 1 do artigo 33º do Decreto-Lei nº 178/86, de 3 de Julho.

4. Para calcular o montante da indemnização de clientela, há que realizar uma projecção para o futuro dos resultados da actividade desenvolvida pelo agente na vigência do contrato, que consiga demonstrar a verosimilhança da ocorrência de benefícios, combinando essa projecção com os benefícios já conhecidos quando a indemnização é reclamada.

5. Para que se possa considerar que o benefício assim projectado é considerável, tem de ser significativo, não só do ponto de vista do principal, mas também dentro do contexto do contrato de agência em concreto.

6. A função da indemnização de clientela não é indemnizar o agente pelos lucros cessantes (perda das comissões), mas fazê-lo beneficiar dos ganhos que o principal vai provavelmente auferir, após o termo do contrato, por virtude da actividade do agente.
Decisão Texto Integral:
Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça:


1. AA instaurou contra F... P... – C... e I..., SA, uma acção na qual pediu a sua condenação no pagamento de € 49.161,11, com juros de mora desde a citação até efectivo pagamento, a título de indemnização de clientela, por ter sido denunciado pela ré o contrato de agência entre ambos celebrado e se verificarem os requisitos definidos pelo artigo 33º do Decreto-Lei nº 178/86, de 3 de Julho.
A ré contestou, concluindo nada mais dever ao autor. Houve réplica.
Pela sentença de fls. 488, a acção foi julgada totalmente improcedente, por não se encontrarem preenchidos todos os pressupostos definidos pelo artigo 33º do Decreto-Lei nº 178/86, de 3 de Julho.
A Relação de Lisboa, todavia, julgou parcialmente procedente a apelação do autor e condenou a ré a pagar-lhe € 25.000 de indemnização de clientela, montante fixado segundo critérios de equidade.
A ré recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça. Nas alegações de recurso, formulou as seguintes conclusões:
“1. Existe um claro erro na apreciação da prova, e na interpretação da norma prevista na al. b) do Nº 1 do Artº 33º do DL 177/86, e a violação de tal norma substantiva em conjugação com o preceituado no Artº 341º do Cód. Civil.
2. A douta sentença de 1ª instância deu como provado que 10 sapatarias (…) adquiriram mercadorias à F... P... em 2004 e 2005.
3. O douto Tribunal da Relação entendeu, a este propósito, que «seja imperioso provar que a outra parte venha a beneficiar consideravelmente, após a cessação do contrato, da actividade desenvolvida pelo agente». E que, dito por outras palavras, o agente terá de provar que a outra parte continua a efectuar negócios, em escala significativa, com os clientes que ele angariou, ou, pelo menos, com alguns deles».
4. Admitindo que as 10 sapatarias continuaram a adquirir sapatos à Recorrente em 2004 e 2005, e que a lei não exige a efectiva verificação dos benefícios no património do principal, bastando-se com um juízo de prognose sobre a verosimilhança da respectiva ocorrência, a verdade é que a lei não se basta com a formulação desse juízo de obtenção de benefícios a partir da prova da angariação de novos clientes ou do aumento do volume de negócios.
5. Noutros termos, para o preenchimento do requisito previsto na al. b) do nº 1 do artº 33º do DL nº 177/86 necessário seria a demonstração de facto que apontassem para a referida prognose quanto à existência futura e manutenção dos benefícios.
6. Assim como o carácter considerável desses benefícios.
7. Tal demonstração não foi feita, nem em 1ª Instância nem em sede de recurso de Apelação, ónus que cabia ao Recorrido, enquanto matéria constitutiva do direito que se arroga e a quem aproveita (art. 342º-1 C. Civil).
(…)
12. A «indemnização equitativa» determinada pelo douto acórdão ora recorrido traduz igualmente um erro na apreciação da prova, por se impor o mínimo de elementos que pudessem permitir uma avaliação justa e equitativa das vantagens que a Recorrente teria com os clientes angariados pelo Recorrido.
(…)
16. As encomendas efectuadas pelas ditas 10 sapatarias angariadas pelo A. desde 30.06.2004 e até 31.12.2005 cifram-se em apenas Eur. 89.171,95, o que significa que, em cerca de 1 ano e meio, o Recorrido auferiria apenas em comissões a importância de Eur. 6.684,90.
17. Sendo esse o volume de negócios apurado, a importância de 25.000,00 fixada pelo Venerando tribunal «a quo» é manifestamente excessiva. Pois se o contrato estivesse em vigor, a importância que lhe estava destinada era de apenas Eur. 6.684,90 em comissões e nada mais.
18. Existe ainda um manifesto erro na interpretação da norma prevista na al. c) do Nº 1 do Artº 33º do DL 177/86, atento o facto de ter ficado provado que «desde a data da denúncia do contrato, todos os meses a ré vem pagando ao autor as comissões pelos contratos por si negociados na vigência do contrato (Colecção Primavera/verão 2004 e Colecção Outono/Inverno 2004), à medida que vão sendo efectivamente concluídos».
(…)
23. Atribuir novamente ao Recorrido contrapartidas financeiras para o compensar do montante da perda que a cessação do contrato representou para si, além das já recebidas comissões, seria premiar o agente com uma duplicação de valores pelos mesmos contratos.
24. Não podemos concordar que, em oposição à letra da lei, se interprete a norma com o sentido de, se tais contratos apenas vierem a ser concluídos após a cessação do contrato de agência, o agente tenha direito a receber a comissão e ainda uma indemnização numa altura em que o contrato não foi concluído por si, mas pela Principal e pelo Cliente. (…)
25. Bem ou mal, o legislador impôs que os contratos se concluem com o pagamento do preço e é esse o momento que o legislador refere na al. c) do nº 1 do Artº 33 do DL 178/86, referindo expressamente que pelos contratos negociados (obviamente, já pela Principal) ou concluídos após a cessação, o agente não possa ter auferido qualquer remuneração, para beneficiar da indemnização da clientela.
(…)
29. Nenhum dos contratos cuja comissão foi recebida pelo agente foi celebrado ou concluído na vigência do contrato, mas após a cessação do mesmo, daí que não se entenda a interpretação dada pelo Venerando tribunal da Relação de Lisboa ao equiparar a cláusula e remuneração pela não concorrência à indemnização de clientela, cujo escopo é substancialmente diferente”.

Não houve contra-alegações.

2. A matéria de facto que vem definitivamente provada é a seguinte:

A) O A dedica-se à comercialização de artigos de sapataria.
B) A Ré dedica-se também, entre outras actividades, à comercialização de artigos de sapataria, sendo a representante em Portugal de sapatos para criança da marca "C...".
C) Em 25/1/99, A e Ré celebraram o acordo escrito constante de fls. 29 a 32, denominado de "contrato de agência".
D) O A, no exercício da sua actividade contratual, quando angariava clientes preenchia uma ficha de cliente que enviava para a Ré, que eram aceites por esta, passando a possuir um número de cliente.
E) O A angariou como clientes BB, CC e Sapataria N... .
F) Nas vendas que a Ré faz aos clientes referidos em E), X) e Z), a Ré não pagou ao A. qualquer comissão.
G) A Ré, mediante carta enviada ao A em 30/6/2004, comunicou-lhe a denúncia do contrato com efeitos nessa data.
H) O A enviou à Ré uma carta, em 16/7/2004, junta a fls. 59, na qual declara não concordar com a preclusão do direito à indemnização de clientela.
I) A Ré pagou ao A a compensação correspondente ao período de pré-aviso em falta, no valor de € 11.257,52.
J) Desde a data de cessação do contrato que a Ré vem pagando todos os meses ao A. as comissões pelos contratos por si negociados na vigência do contrato, à medida que vão sendo efectivamente concluídos.
K) O A. angariou os clientes referidos no art° 16º da petição inicial, os quais foram aceites pela Ré e que passaram a adquirir sapatos para criança da marca "C...".
L) O A. recebeu as seguintes remunerações: 1999, € 31.035,47; 2000, € 46.180,20; 2001, € 70.422,83; 2002, € 53.096,94; 2003, € 45.070,12.
M) O A., desde 1989 exercia a sua actividade comercial ligado à empresa F... L... e F... Lda., de que era um dos sócios-gerentes.
N) A partir de 1989 esta empresa e a Ré acordaram que a mesma sociedade procederia à angariação de clientes e venda de sapatos da marca "C..." em toda a área de Portugal continental, excepto a Beira Alta e Trás-os-Montes.
O) O A., enquanto vendedor da F... L... e F... Lda. era remunerado à comissão, sendo os pagamentos processados através desta empresa.
P) Aquando do início da relação contratual entre F... L... e F... Lda. e a Ré, esta apenas comercializava sapatos para criança da marca "C..." em algumas, poucas, farmácias de Portugal.
Q) Não fazendo qualquer venda em sapatarias.
R) A F... L... e F... Lda. promoveu para a Ré, em Portugal, o lançamento da primeira colecção de sapatos para crianças da marca "C..." para sapatarias.
S) O A., na qualidade de vendedor da F... L... e F... Lda. angariou novos clientes para a Ré, aumentando substancialmente o volume de negócios da mesma.
T) Tendo-lhe a Ré proposto ser o único agente em Portugal para angariação de clientes e venda dos referidos sapatos "C...".
U) O que o A. aceitou.
V) O acordo mencionado em C) vigorava desde Agosto de 1998.
X) A sapataria D.... – C... de C... e A.... Lda. efectuou compras à Ré até 2001; a sapataria D... C... C... O... efectuou compras à Ré até 2002; as sapatarias B..., C... F.... C..., P.... a P...., até 2003; a sapataria G.... efectuou uma encomenda em 2003 e outra em 2004; as sapatarias L.... & L... Lda., P.... L..., J... J.... S...., Ú..., M... P..., N..., S..., M.... C...., C... J..., C... adquiriram mercadorias à Ré em 2004 e 2005; a sapataria A... efectuou uma única encomenda à Ré em 2003, encontrando-se encerrada; a sapataria M... efectuou uma única encomenda à Ré em 2003; as sapatarias A... G... de O..., D... C..., S... V... B..., C..., M... & M... Lda. só fizeram uma encomenda à Ré.
Y) A F... L... e F... angariou como clientes as sapatarias I..., L... A... B..., J... C... & M..., S... & C..., FMI – C... de C...., M... G... da S... M..., M... & S..., A... & C..., J... G... de S..., F..., J..., P..., J... J... P... G..., S..., A... S... & R..., S... & F..., S... & V..., L..., M.... & V..., P..., C...., A... B... S..., L..., N..., T..., B..., X..., V..., G...., P....-L..., F..., M..., A... M... C... O..., A..., P...., P.... & R..., P..., P.... .
Z) Estes clientes passaram a adquirir sapatos para criança de marca "C..." à Ré.
AA) Dos clientes referidos em E) e Y) continuaram a adquirir os referidos sapatos à Ré, mesmo depois da cessação do contrato com o A, as sapatarias I..., L..., S... & C...., M.... & S..., F..., S..., S..., L..., B... e M... .
BB) Na data referida em G) estava a iniciar-se a promoção e venda da colecção Primavera/Verão 2005.
CC) A Ré passou a utilizar vendedores seus, de outras áreas comerciais, para a venda de sapatos, os quais utilizaram a lista dos clientes angariados pelo A.
DD) Uma parte dos resultados obtidas pela Ré com as vendas da colecção Primavera/Verão de 2005, é proveniente da lista de clientes angariada pelo A.

3. São aplicáveis ao presente litígio as alterações introduzidas no Decreto-Lei nº 178/86, de 3 de Julho, diploma que regula o contrato de agência, pelo Decreto-Lei nº 118/93, de 13 de Abril, em cumprimento da Directiva 86/653/CEE do Conselho, de 18 de Dezembro de 1986 (sê-lo-iam, nos termos do disposto no artigo 2º do Decreto-Lei nº 118/93, ainda que tivesse ficado provado que o contrato tinha sido celebrado antes da sua entrada em vigor, o que não sucedeu).
Está em causa neste recurso saber se devem considerar-se preenchidos os requisitos exigidos pelas alíneas b) e c) do nº 1 do artigo 33º do Decreto-Lei nº 178/86, para que a recorrente seja condenada a pagar ao recorrido uma indemnização de clientela, devida pela cessação, por denúncia da recorrente, do contrato de agência entre ambos celebrado.
Ambas as instâncias deram como provado o requisito previsto na al. a) do nº 1 do artigo 33º do Decreto-Lei nº 178/86, de 3 de Julho; e a recorrente não o questiona, pondo apenas em causa o preenchimento dos pressupostos constantes das als. b) e c) do mesmo nº 1. E nenhuma dúvida se coloca, nem quanto ao tipo de contrato celebrado entre as partes, nem quanto à sua cessação por denúncia, nem, tão pouco, quanto à indemnização por falta de pré-aviso com a antecedência legalmente imposta, que já foi paga.

4. A primeira obrigação do agente (artigo 6º e segs.), e que caracteriza o contrato de agência, por esta via o distinguindo de outros contratos também relativos à distribuição comercial, é a de “promover por conta de outrem [o principal] a celebração de contratos” (nº 1 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 178/86), mediante retribuição. Essa promoção desenvolve-se no quadro de uma relação (mais ou menos) duradoura, estável (mesmo artigo 1º), na qual o agente goza de autonomia em relação ao principal (embora, naturalmente, limitada em função da finalidade do concreto contrato de agência que celebrou, como se pode verificar das obrigações impostas pelo artigo 7º).
Sem prejuízo de poder ser convencionado qualquer outro meio adicional de pagamento dos serviços prestados pelo agente (fixo ou variável), a retribuição concretiza-se normalmente através do pagamento de uma comissão, regulada nos artigos 16º a 18º e habitualmente calculada em função dos contratos promovidos, negociados ou concluídos pelo agente. Na falta de convenção das partes, será calculada de acordo com os usos ou, na falta destes, com a equidade (artigo 15º).
Nos termos previstos nos nºs 1 e 3 do artigo 16º, “o agente tem direito a uma comissão pelos contratos que promoveu e, bem assim, pelos contratos concluídos com clientes por si angariados, desde que concluídos antes do termo da relação de agência” (nº 1); relativamente aos “contratos celebrados após o termo da relação de agência”, só terá direito a comissão “provando ter sido ele a negociá-los ou, tendo-os preparado, ficar a sua conclusão a dever-se, principalmente, à actividade por si desenvolvida, contanto que em ambos os casos sejam celebrados num prazo razoável subsequente ao termo da agência”.
Segundo o nº 1 do artigo 18º, ressalvados acordos em sentido diverso, como se prevê nos demais nºs, o direito à comissão adquire-se “logo e na medida em que se verifique uma das seguintes circunstâncias: a) o principal haja cumprido o contrato ou devesse tê-lo cumprido por força do acordo concluído com o terceiro; b) o terceiro haja cumprido o acordo”.
É manifesto que a actividade própria do agente é em abstracto apta a proporcionar ganhos ao principal, não só enquanto vigorar o contrato que os liga, mas também depois da sua cessação; e que esse ganho, terminada a relação de agência, pode resultar, por um lado, de contratos preparados ou negociados pelo agente, mas concluídos depois, ou, por outro, de contratos negociados e celebrados depois da cessação do contrato de agência, mas com clientela angariada ou desenvolvida pelo agente.
No primeiro caso, o agente tem direito ao pagamento de uma comissão, nos termos já referidos do nº 3 do artigo 16º; no segundo, à indemnização da clientela – destinada, como se escreve no preâmbulo do próprio Decreto-Lei nº 178/86, a “compensar o agente dos proveitos de que, após a cessação do contrato, poderá continuar a usufruir a outra parte, como decorrência da actividade desenvolvida por aquele” –, posto que se verifiquem os requisitos cumulativamente exigidos pelo nº 1 do artigo 33º. É, pois, necessário que:
“a) O agente tenha angariado novos clientes para a outra parte ou aumentado substancialmente o volume de negócios com a clientela já existente;
b) A outra parte venha a beneficiar consideravelmente, após a cessação do contrato, da actividade desenvolvida pelo agente;
c) O agente deixe de receber qualquer retribuição por contratos negociados ou concluídos, após a cessação do contrato, com os clientes referidos na alínea a).”
A indemnização é então calculada, nos termos do artigo 34º, segundo critérios de equidade, não podendo todavia “exceder um valor equivalente a uma indemnização anual, calculada a partir da média anual das remunerações recebidas pelo agente durante os últimos cinco anos; tendo o contrato durado menos tempo, atender-se-á à média do período em que esteve em vigor”.
E, finalmente, deve ser reclamada ao principal no prazo de um ano a contar da cessação do contrato de agência, devendo a correspondente acção ser instaurada, ser for caso disso, no ano subsequente a essa comunicação (nº 4 do artigo 33º).
Não há portanto confusão entre a retribuição devida enquanto contrapartida da actividade desenvolvida pelo agente no âmbito do correspondente contrato (da qual fazem parte as comissões que tenham sido acordadas) e a indemnização de clientela, destinada, como se viu, a compensar o agente pelo proveito resultante dessa mesma actividade, mas de que o principal passa a beneficiar em exclusivo após a cessação do contrato de agência.

5. Tendo em conta a prova produzida, não há realmente qualquer dúvida quanto ao preenchimento da al. a) do nº 1 do artigo 33º: está provado, desde logo, que o autor angariou “novos clientes para a outra parte” .
Há portanto que saber, em primeiro lugar, se está também provado que, “após a cessação do contrato”, a recorrente beneficiou “consideravelmente (…) da actividade desenvolvida pelo agente”.
“Trata-se”, escreve Luís Menezes Leitão (A Indemnização de Clientela no Contrato de Agência, Almedina, 2006, pág. 52), “de um pressuposto essencial, já que o fundamento da indemnização de clientela é o facto de a actividade do agente, embora enquadrada numa relação contratual duradoura, poder ter efeitos benéficos para a outra parte”.
Não é todavia muitas vezes possível saber, quando se constitui na esfera jurídica do agente o direito à indemnização da clientela – no momento da cessação do contrato – e quando o agente o pretende exercer, nomeadamente através da propositura de uma acção, como é o caso, quais foram os benefícios efectivamente alcançados pelo principal “após a cessação do contrato”.
Entende-se assim, com Pinto Monteiro (Contrato de Agência, anotação – 6ª ed. actualizada, Coimbra, 2997, pág. 139), que, “quanto aos benefícios a auferir pelo principal (alínea b)), não se mostra necessário que eles tenham já decorrido, bastando que, de acordo com um juízo de prognose, seja bastante provável que eles se venham a verificar, isto é, que a clientela angariada pelo agente constitua, em si mesma, uma ‘chance’ para o principal”. Neste mesmo sentido, acórdão deste Tribunal de 13 de Setembro de 2007, www.dgsi.pt, proc. nº 07B1958.
No fundo, há que realizar uma projecção para o futuro dos resultados da actividade desenvolvida pelo agente na vigência do contrato de agência, “que logre demonstrar a verosimilhança” da ocorrência dos benefícios, nas palavras de Carolina Cunha (A indemnização da clientela do agente comercial, Coimbra, 2003, pág. 158); projecção que naturalmente deve ser combinada com os benefícios já conhecidos quando a indemnização é reclamada.
Mas a lei exige, ainda, que o benefício assim projectado seja considerável; e é exactamente essa relevância que a recorrente contesta. Tem pois de ser significativo, do ponto de vista do principal, seguramente, mas atendendo também ao volume de negócios que o contrato de agência lhe proporcionou, ou seja, dentro do contexto desse mesmo contrato. Pode por exemplo acontecer que o principal seja uma empresa de grande dimensão, que tenha contratado um agente para uma área delimitada de actuação; para avaliar o preenchimento do requisito de que nos ocupamos é imprescindível ter em conta as circunstâncias do caso.

6. A sentença entendeu que este requisito não está preenchido, por duas razões: por o interpretar como referido, apenas, a “clientela angariada pelo autor” (o que não é correcto, como se depreende da leitura conjunta com a al. a), que admite que o agente apenas tenha “aumentado substancialmente o volume de negócios com a clientela já existente”), e por considerar que os clientes que continuaram a contratar com a recorrente não tinham sido angariados pelo autor.
A Relação, todavia, decidiu em sentido contrário, por estar provado que, após a cessação do contrato entre as partes, a ré continuou a “efectuar negócios, em escala significativa”, com 10 clientes angariados pelo autor, nestes termos:
“Há que deduzir que os negócios da Ré, relativamente a esse produto, se fizeram, primeiro através da actividade da firma F... L... & F..., depois através da actividade do A.
Foi este que angariou grande parte da clientela da Ré, uma percentagem da qual continuou a fazer encomendas à Ré após a cessação do contrato, sendo que os próprios vendedores da Ré, que passaram a ficar afectos à venda do produto em causa, usavam para tal propósito a lista de clientes angariados pelo A.
Entendemos que esta factualidade, embora desprovida de quantificação, nomeadamente financeira, preenche adequadamente o requisito previsto no artº 33 nº 1 b) do citado DL nº 178/86”.
A recorrente considera que o autor não conseguiu provar que tenha beneficiado, consideravelmente, após a cessação do contrato de agência, da actividade por ele desenvolvida. Afirma que “tal prova seria possível com recurso a elementos como por exemplo, o volume de negócios da Recorrente relativamente ao produto comercializado (sapatos), de preferência com recurso a elementos como as contas correntes das 10 sapatarias que adquiriram sapatos da marca C... o em 2004 e 2005, por forma a formular o (…) juízo de prognose sobre a previsibilidade dos benefícios e ganhos da Recorrente e atribuíveis à actuação do agente. Sendo que o ónus da prova competia ao Recorrido, ainda que à custa de junção de tais elementos pela ora Recorrente, a verdade é que o Tribunal ‘a quo’ não podia, com a apreciação da matéria provada em 1ª Instância que fez, avaliar desse prejuízo de prognose de ganhos ou benefícios pelo simples facto de 10 sapatarias terem adquirido mercadorias à Recorrente em 2004 e 2005 (…). Em suma, existe um claro erro na apreciação da prova, e na interpretação da norma prevista na al. b) do nº 1 do artº 33º do DL 178/86, invocando-se igualmente a violação de tal norma substantiva em conjugação com o preceituado no Artº 341º do Cód. Civil”.
Não cabe no âmbito possível do recurso de revista a alteração da apreciação da matéria de facto que a Relação fez, salvo nos termos (aqui não verificados) do previsto no nº 2 do artigo 729º do Código Civil (versão anterior ao Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto). Não é o apelo ao artigo 341º do Código Civil, segundo o qual “as provas têm por função demonstrar a realidade dos factos”, que permitirá ao Supremo Tribunal da Justiça pôr de lado a dedução realizada pela Relação, com base nos factos provados, de que o principal continuou a “efectuar negócios, em escala significativa”, com clientes angariados pelo agente, depois de terminado o contrato de agência (assim, embora referindo-se ao preenchimento do requisito exigido pela al. c) do nº 1 do artigo 33º do DL nº 178/86, acórdão de 3 de Março de 2009 deste Supremo Tribunal, disponível em www.dgsi.pt como proc. nº 09B0297)
Isto não significa, todavia, que o Supremo Tribunal de Justiça esteja impedido de verificar se a matéria de facto provada é ou não suficiente para se haver por preenchida a al. b) do nº 1 do artigo 33º do Decreto-Lei nº 178/86.
Antes de mais, no entanto, há que assentar que, seja qual for o significado a atribuir à referida al. b), não faz sentido encontrar nela previsto um requisito para cuja demonstração o agente esteja dependente de meios de prova que, por definição, se encontram na posse do principal, como parece sustentar a recorrente; nem esses elementos – que naturalmente podem ser ponderados, posto que oportunamente juntos ao processo – serão decisivos, já que respeitantes a actividade desenvolvida sem a intervenção imediata do (ex-)agente. Ora a indemnização da clientela destina-se a premiar o potencial benefício que o principal retira da actividade realizada pelo agente enquanto se manteve a relação de agência; o (ex) agente não pode ser penalizado por uma menos boa concretização desse potencial, que lhe não é imputável.
Nesta perspectiva, não merece censura o resultado a que a Relação chegou. Com efeito, está provado que, dedicando-se a ré à comercialização de artigos de sapataria, e sendo a representante em Portugal da marca C..., o autor aceitou a proposta de ser o seu único agente em Portugal para angariação de clientes e venda de sapatos dessa marca; que essa proposta, aliás, foi feita na sequência de actividade desenvolvida pelo autor enquanto vendedor da sociedade F... L... e F..., Lda.; que, no âmbito do contrato que vigorou entre 1998 e 2004, o autor angariou os clientes referidos na lista da matéria de facto provada e manteve clientela anterior, em número significativo, recebendo as remunerações constantes do ponto L, resultantes da facturação então conseguida; que alguns deles continuaram a realizar compras à recorrente; e que a ré continuou a usar clientes angariados pelo autor, mesmo depois de cessado o contrato de agência, realizando com eles negócios “em escala significativa”.

7. Decidiu-se igualmente na sentença não estar ainda verificada a condição exigida pela al. c) nº 1 do artigo 33º do DL nº 178/86, por ter ficado provado que “o autor recebeu, após a cessação do contrato, retribuição por contratos negociados antes dessa data, já que se reportam às colecções de 2004, negociadas antes de cessar a sua relação contratual com a Ré”.
E mais uma vez a Relação discordou, decidindo em sentido inverso. Distinguindo entre as comissões a que o agente tem direito, relativamente a “negócios iniciados pelo agente e só concluídos após a cessação do contrato de agência” e a indemnização da clientela, na qual, segundo entendeu, “está em causa a angariação de novos clientes pelo agente, que continuam a celebrar negócios com o principal após a cessação do contrato de agência”, a Relação concluiu que a ré apenas pagou comissões depois de denunciado o contrato, estando pois verificado também o requisito da al. c).
Com efeito, e deixando agora de lado o pagamento da compensação por falta de pré-aviso, está provado que “desde a cessação do contrato a Ré vem pagando todos os meses ao A. as comissões pelos contratos por si negociados na vigência do contrato, à medida que vão sendo efectivamente concluídos” .
A recorrente sustenta que, tendo o recorrido recebido “mensalmente após a celebração do contrato, diversas quantias a título de comissões por contratos negociados antes da cessação do contrato, mas concluídos após o mesmo”, atribuir-lhe uma indemnização “seria premiar o agente com uma duplicação de valores pelos mesmos contratos”.
Não tem, porém, razão. Não há qualquer duplicação entre a indemnização prevista no artigo 33º do Decreto-Lei nº 178/86 e aqui pretendida pelo autor e os pagamentos que, segundo ficou provado, têm vindo a ser-lhe feitos, correspondentes a comissões respeitantes a contratos negociados pelo autor na vigência do contrato de agência, mas celebrados posteriormente; a al. c) do seu nº 1, como se viu já, apenas se refere a contratos “negociados ou concluídos” sem intervenção do agente.
Não se pode interpretar o termo “concluídos”, utilizado, por oposição a negociados, quer no nº 3 do artigo 16º (para determinar em relação a que contratos é que o agente tem direito a uma comissão, após ter cessado o contrato de agência), quer no artigo 33º, nº 1, c) (para determinar em relação a que contratos há-de não ter recebido qualquer retribuição o agente que pretenda ser indemnizado pela clientela que angariou ou desenvolveu para o principal, antes de cessado o contrato de agência) como pretendendo referir os contratos relativamente aos quais o preço foi pago pelo cliente; neste contexto, concluídos significa celebrados.
O momento do cumprimento releva antes para saber em que momento o agente adquire direito à comissão (artigo 18º).
Confirma-se, assim, o que quanto a este ponto foi decidido pela Relação; o que está provado é que “desde a data de cessação do contrato que a Ré vem pagando todos os meses ao A as comissões pelos contratos por si negociados na vigência do contrato, à medida que vão sendo efectivamente concluídos”.

8. A recorrente questiona ainda o montante da indemnização atribuída (que não foi impugnado pelo recorrido), que considera excessivo e desprovido de suporte factual. Afirma que, reportando-se a indemnização “aos anos de 2004 e 2005, como o próprio acórdão refere, a verdade é que em 2006 (ano da audiência de julgamento), já era possível fazer um apuramento rigoroso acerca das vantagens da Recorrente nesse período, com a clientela que se provou ter sido angariada pelo agente ora Recorrido e que continuou a adquirir sapatos da marca C...”.
Propôs-se juntar documentos para o provar, como efectivamente veio a fazer a fls.628.
A verdade, todavia, é que não é admissível utilizar, no recurso de revista, factos não oportunamente provados; nem juntar documentos que, como a recorrente expressamente afirma, se referem a factos anteriores à audiência de julgamento (artigos 727º e 722º, nº 2 e 729º, nº 2, para os quais remete, na redacção anterior à que resultou do DL nº 303/2007).
Aliás, ainda que assim não fosse, tal prova não seria definitiva para a fixação do montante a pagar, já que a função da denominada indemnização da clientela não é a de indemnizar o agente pelos lucros cessantes (perda das comissões) mas, antes, fazê-lo beneficiar dos ganhos que o principal vai provavelmente auferir, após o termo do contrato de agência, por virtude da actividade do agente (assim, por exemplo, acórdão deste Supremo Tribunal de 15 de Novembro de 2007, www.dgsi.pt, como proc. nº 07B3933); e não tem por horizonte temporal, sequer, os benefícios que o principal obteria no ano subsequente ao da cessação da agência.
Para o alcançar, a Relação considerou o valor máximo previsto na lei (artigo 34º do Decreto-Lei nº 178/86), coincidente com o do pedido do autor, 49.161,11 – o “equivalente a uma retribuição anual, calculada a partir da média anual das remunerações recebidas pelo agente nos últimos cinco anos” –, o número de clientes que, tendo sido angariados pelo autor, continuaram a fazer compras à ré depois de terminado o contrato de agência, no contexto da clientela “gerida” pelo autor (ou seja, incluindo os que haviam sido angariados pela empresa F... L... & F... Lda.), a evolução do volume de negócios de 1999 a 2003 e o decréscimo de encomendas em 2004 e 2005.
Nenhuma censura merece o montante definido. Na verdade, da proporção entre clientes angariados pelo autor e clientes angariados por aquela empresa, mas com quem o autor negociou por conta da principal, conjugado em especial com o volume de negócios apontado e a sua evolução, permitem considerar justa, no caso concreto, uma indemnização de € 25.000.

9. Nestes termos, nega-se provimento ao recurso.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 4 de Junho de 2009

Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (Relatora)
Lázaro Faria
Salvador da Costa