Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1411/20.0T8FAR-A.E1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: MARIA CLARA SOTTOMAYOR
Descritores: COMPETÊNCIA MATERIAL
AÇÃO DE HONORÁRIOS
TRIBUNAL ADMINISTRATIVO
TRIBUNAL COMUM
FORO ADMINISTRATIVO
FORO COMUM
MANDATO FORENSE
PESSOA COLETIVA DE DIREITO PÚBLICO
ADVOGADO
CONTRATO ADMINISTRATIVO
Data do Acordão: 02/02/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I - Um contrato de mandato forense celebrado entre um advogado e um ente público reveste a natureza de contrato administrativo, nos termos conjugados dos artigos 1.º, n.º 6, alíneas a) e d) (na redação do Decreto-Lei n.º 149/2012, de 12 de julho), e 450.º do Código da Contratação Pública, estando sujeito ao regime dos procedimentos da contratação pública nos termos do artigo 16.º, n.ºs 1 e 2, al. e), do mesmo diploma.

II - O conhecimento do litígio emergente de contrato de mandato forense, destinado à cobrança de honorários devidos pelo patrocínio de contraente público, é da competência material da jurisdição administrativa, ao abrigo da alínea e) do n.º 1 do art. 4.º do ETAF, na redação que lhe foi dada pelo DL n.º 214-G/2015 de 02-10.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



1. AA, BB e CC instauraram a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra Águas do Algarve, S.A., pedindo a condenação desta:

a) a pagar às AA. a quantia global de € 81.500,00 acrescida de IVA à taxa legal e acrescida de juros vincendos à taxa legal, desde a data da citação até integral pagamento bem como as custas e demais encargos;

b) a pagar às AA. uma indemnização, nos termos do disposto no artigo 1172º, alínea c) do Código Civil, em quantia a liquidar de acordo com o disposto no artigo 609º nº 2 do CPC.


Fundamentam a sua pretensão no facto do seu pai ter prestado serviços como advogado para a R., tendo os mandatos sido revogados e estando em dívida honorários, tendo o pai entretanto falecido.


A R., na sua contestação, invocou a incompetência do tribunal “a quo” em razão da matéria, em virtude de, perante o teor da petição inicial, da documentação junta aos autos, da relação contratual mantida entre as partes – vertida, de resto, em Ajustes Diretos tramitados ao abrigo de normas de Direito Público – e da natureza jurídica da R., serem competentes para dirimir o litígio os tribunais administrativos – cfr. art.4º nº 1, alínea e), do ETAF.


Invocaram ainda a exceção dilatória de Aceitação dos Atos Administrativos que denegaram as pretensões das AA. e a prescrição presuntiva dos honorários peticionados.


Mais impugnaram que sejam devidos os honorários peticionados, já tendo sido pagos todos os honorários devidos ao advogado em causa.


Na réplica as AA. pugnaram pela improcedência das exceções dilatórias invocadas pela R. na sua contestação.


Foi realizada audiência prévia, no decurso da qual o tribunal “a quo” proferiu despacho saneador onde veio a julgar improcedente a invocada exceção dilatória da incompetência material do tribunal “a quo”, tendo fixado, de seguida, o objeto do litígio e os temas de prova.


2. Inconformada com tal decisão – relativa à improcedência da exceção dilatória de incompetência material do tribunal – dela apelou a R, tendo o Tribunal da Relação confirmado a decisão do tribunal de 1.ª instância, com o seguinte dispositivo:

«Pelo exposto acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente o presente recurso de apelação interposto pela R., confirmando-se inteiramente a decisão proferida pela Julgadora “a quo”».


3. Novamente inconformada, veio a ré interpor recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 629.º, n.º 1, 637.º, n.º 2, 671.º, n.º 1 e 3 e 672.º, n.º 1 alíneas a), b) e c) do Código de Processo Civil (CPC), formulando as seguintes conclusões:

«A. O presente Recurso de Revista vem interposto do Acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação ..., em 13.05.2021, que decidiu confirmar o Despacho Saneador proferido em 24.11.2020.

B. A Recorrente tem legitimidade, está em tempo, e os requisitos estabelecidos na Lei Processual Civil para a interposição de recurso em geral (cf. artigos 629.º, n.º 1, do CPC), e de recurso de revista em especial (cf. artigos 671.º, n.º 1, e 673.º, do CPC), estão reunidos;

C. No presente caso encontram-se ainda verificados os pressupostos de que o n.º 1, alíneas a) a c) do artigo 672.º do CPC, faz depender a admissibilidade do Recurso de Revista, justificando, por isso, a intervenção desde Venerando SupremoTribunal de Justiça, pois que não só estamos perante uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, torna a presente revista de importância fundamental, como perante um quadro em que a revista é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, e, bem assim, perante uma “oposição de julgados”, entre o decidido no Acórdão sob revista e o decidido no Acórdão proferido por este Venerando Supremo Tribunal de Justiça, em 13.10.2020, no âmbito do Processo n.º 48776/18.0YIPRT-A.P1.S1.

D. Neste sentido, e a propósito do pressuposto de existência de “relevância jurídica ou social que torna a revista de importância fundamental”, demonstrou-se que no presente caso estamos perante uma situação de incorreta interpretação e aplicação do regime da jurisdição competente para dirimir litígios resultantes da relação contratual entre concessionária de serviços públicos e advogado, designadamente, cobrança de honorários a título de patrocínio forense, que não só suscita dúvidas na Jurisprudência (v.g. Acórdãos invocados em sede de Recurso que se mostram contraditórios com as decisões proferidas no processo pela 1.ª e 2.ª instâncias),

E. Como apresenta contornos indiciadores de que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto e das partes envolvidas no litígio, podendo representar, assim, uma orientação para a resolução desses prováveis futuros casos (já que se mostra de enorme suscetibilidade a ocorrência de Ações para a condenação no pagamento de despesas e honorários com os Mandatários Judicias em que a Parte Demandada se trata de uma Entidade de Direito Público, designadamente, concessionária).

F. A propósito do pressuposto de existência de “Necessidade de Melhor Aplicação do Direito”, demonstrou-se que no presente caso estamos perante um erro “manifesto e grave” de interpretação, pois que tem vindo a ser jurisprudencialmente aceite pelos nossos Tribunais Superiores que o contrato de prestação de serviços de apoio jurídico, tendo sido celebrado por uma Entidade Adjudicante, é, ao abrigo do disposto no artigo 1.º, n.º 2, do CCP, um contrato público (v.g., Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, de 27.06.2019, no Processo n.º 46229/18.6YIPRT.G1, e Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, de 25.06.2015, no Processo n.º 3443/11.0TDLSB.L1-9).

G. Ao contrário do preconizado em “manifesto e grave” erro de julgamento pelo Venerando Tribunal a quo, o contrato de prestação de serviços em causa não se encontra excluído do âmbito de aplicação do CCP, nem integra o elenco de contratação excluída previsto por este (cfr. artigos 4.º e 5.º do CCP), integrando-se no âmbito de aplicação do disposto no artigo 4.º, n.º 1, alínea e), do ETAF (v.g., Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, de 22.01.2019, no Processo n.º 8461/17.2T8LSB.L1-1).

H. Nestes termos, e no que concerne à “oposição de julgados”, demonstrou-se que o Acórdão sob revista encontra-se em oposição com o decidido no Acórdão proferido pelo Venerando Supremo Tribunal de Justiça, em 13.10.2020, no âmbito do Processo n.º 48776/18.0YIPRT-A.P1.S1,  

I.     Atendendo a que, com base na interpretação e aplicação da mesma disposição legal (o artigo 4.º, n.º 1, alínea e) do ETAF), o caso em concreto (jurisdição competente para dirimir litígios resultantes da relação contratual entre concessionária e sociedade de advogados, designadamente, a cobrança de honorários devidos pelo patrocínio forense) constituído por umnúcleofactual similar (litígio emergente de relação contratual entre advogados e concessionário de serviços públicos, destinado à cobrança de honorários devidos pelo patrocínio forense), foi decidido num sentido no Acórdão Fundamento (a jurisdição administrativa é a jurisdição competente para dirimir litígios resultantes da relação contratual entre concessionária e sociedade de advogados, designadamente, a cobrança de honorários devidos pelo patrocínio forense), e em sentido contrário no Acórdão sob revista (é a jurisdição cível, e não a administrativa, a competente para dirimir litígios resultantes da relação contratual entre concessionária e sociedade de advogados, designadamente, a cobrança de cobrança de honorários devidos pelo patrocínio forense),

J. Sem, contudo, se relevar no Acórdão sob revista que a Recorrente é, ao abrigo do dispostonoartigo2.º, n.º2, alínea a), subalínea ii), do CCP, um organismo de direito público e, por isso, uma entidade adjudicante para efeito de aplicação do Código de Contratos Públicos;

K. Ou que, o argumento da natureza privada do mandato forense não tem qualquer sustentabilidade para determinar a competência jurisdicional entre os tribunais administrativos e judiciais, como acaba por não ter qualquer utilidade para solucionar a controvérsia, conforme reconhecido, no Acórdão Fundamento proferido por este Supremo Tribunal de Justiça.

L. Este é o entendimento que tem vindo a ser acolhido de forma maioritária pela nossa Jurisprudência e Doutrina mais autorizadas na matéria, sendo sintomático disso mesmo não só o Acórdão que serve de fundamento à presente Revista, como o Acórdão proferido por este Supremo Tribunal de Justiça, em 02.06.2020, no âmbito do Processo n.º 45639/18.3YIPRT.G1.S1, e, bem assim, nos Acórdãos proferidos pelo Tribunal da Relação de Guimarães, em 10.09.2020, no âmbito do Processo n.º 43622/19.0YIPRT.G1; em 30.01.2020,  no âmbito do Processo n.º 43621/19.2YIPRT.G1; e em 27.06.2019, no âmbito do Processo n.º 46229/18.6YIPRT.G1;

M. Onde, em idênticas circunstâncias de facto, se decidiu ser a jurisdição administrativa a jurisdição competente para dirimir litígios resultantes da relação contratual entre uma concessionária de serviços públicos e sociedade de advogados, designadamente, quando esteja em causa a cobrança de honorários devidos pelo patrocínio forense.

N. Nestes termos, demonstrou-se que a forma díspar com que a (mesma) questão de facto e de direito foi tratada nos dois Acórdãos (e entre outros), foi essencial/fundamental para os também então díspares resultados alcançados naqueles mesmos.

O. Resulta assim evidente a necessidade da presente revista como condição para garantir a uniformização da presente matéria, que não só se encontra decidida de forma pouco consistente, como contraditória, e ainda manifestamente errada, em 1.ª e 2.ª instâncias.

P. O presente Recurso de Revista deve assim ser admitido, por provado, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 629.º, n.º 1, 671.º, n.º 1 e 3 e 672.º, n.º 1 alíneas a), b) e c) do CPC, cumprida que também está a formalidade de junção de cópia, ainda que não certificada, do Acórdão Fundamento, nos termos do n.º 2, do artigo 637.º, do CPC.

Q. Utilizando a sistematização vertida no Acórdão sob revista, a Recorrente veio evidenciar, por relação à “Nulidade do Despacho Saneador”, que o mesmo assenta em erro nos pressupostos de facto e de direito no que concerne à oposição entre o fundamento da decisão de improcedência da exceção de incompetência material dos tribunais civis e a decisão sobre a exceção de aceitação de atos administrativos, uma vez que a primeira (baseada no entendimento de a relação entre as Partes ser uma relação de direto privado), se revela incompatível com o posterior conhecimento da segunda exceção, porquanto esta exige que esteja em causa uma relação jurídica administrativa, cuja apreciação, é da competência dos tribunais administrativos e fiscais.

R. Com efeito, a Recorrente evidenciou que o Tribunal a quo se assumiu como competente para o posterior conhecimento de uma Exceção Dilatória como a “Inimpugnabilidade do ato impugnado” (cfr. artigo 89.º, n.º 1, n.º 2 e n.º 4, alínea i), do CPTA) cuja vastidão, complexidade e especificidade apenas poderá ser devidamente apreciada no âmbito da jurisdição administrativa.

S. Desta forma, demonstrou-se, incontestavelmente, que em Processo Civil não existe Exceção de idêntica natureza, de índole puramente administrativa, porquanto está em causa uma relação jurídico-administrativa tutelada por normas de Direito Público, razão pela qual ganha, ainda, maior acuidade a enunciada Exceção Dilatória de Incompetência Absoluta do Tribunal;

T. Pelo que, a oposição entre o fundamento da decisão de improcedência da exceção de incompetência material dos tribunais civis e a decisão sobre a exceção de aceitação de atos administrativos implica a nulidade da decisão, como determina o artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do CPC.

U. Sem conceder, e a propósito do “Manifesto Erro de Julgamento Quanto à Improcedência da Exceção de Incompetência Absoluta”, demonstrou-se que o Venerando Tribunal a quo padece de manifesto Erro de Julgamento de Direito que afeta e vicia o Acórdão por este proferido, ao não ter tomado em consideração, na sua ponderação, quer a natureza jurídica da Recorrente, quer o vínculo contratual que se estabeleceu entre as partes, realizando uma errada leitura daquele que é o direito aplicável, assim como parece ignorar toda a jurisprudência que se sedimentou quanto a esta matéria.

V. Com efeito, revela-se sintomático da natureza administrativa dos contratos de mandato forense em causa e a sua sujeição aos tribunais administrativos, o facto de não existir dúvidas que a Recorrente se trata de uma Sociedade Anónima constituída por capitais exclusivamente públicos – decorrente do próprio Decreto-Lei n.º 93/2019, de 15 de Julho que a constituiu –, atuando no uso do seu poder administrativo, que lhe advém da circunstância de ser uma Pessoa Coletiva de Direito Público pertencente à Administração do Estado, criada para prosseguir um Fim Público de concessão da exploração e gestão do sistema multimunicipal de abastecimento de água e de saneamento da Região do Algarve.

W. Nestes termos, e atenta a classificação como entidade adjudicante estabelecida pela alínea a), n.º 2 do artigo 2.º do CCP, resulta claro que a celebração pela Recorrente de contratos de aquisição de serviços, enquanto concessionária de serviço público, está sujeita ao regime de contratação pública, passando o crivo de todos os indícios de administratividade e critérios de apuramento de contratos administrativos,

X. Pelo que, são considerados contratos públicos todos os que forem celebrados pela Recorrente e que não se mostrem expressamente excluídos nos termos artigos 4.º e 5. ° do CCP, de entre os quais não consta o contrato de aquisição de serviços, designadamente de serviços prestados em termos concorrenciais por agentes particulares.

Y. Com efeito, resulta da causa de pedir que sustenta os pedidos deduzidos pelas Recorridas, que o contrato de prestação de serviços de apoio jurídico em causa nos autos se trata de um contrato público, bem como decorre dos efetivos pedidos deduzidos pelas Recorridas que estes configuram questões de execução do contrato, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 4.º, n.º 4, alínea e), do ETAF, é competente a jurisdição administrativa.

Z. Resulta, assim, claro que um contrato celebrado pela concessionária Recorrente cujo objeto incida na aquisição de um serviço prestado por agentes particulares em regime concorrencial, designadamente, a prestação de serviços a título de patrocínio judiciário, está sujeito ao regime da contratação pública,

AA. Pelo que perante qualquer contrato de mandato forense outorgado entre a Recorrente e o progenitor entretanto falecido das Recorridas, sempre se estaria perante uma relação jurídica administrativa, quer devido à natureza publicista da Recorrente, quer devido à natureza iminentemente administrativa do contrato de prestação de serviços (mandato forense) quando outorgado por uma entidade sujeita ao regime jurídico do Código dos Contratos Públicos (cf. artigos n.ºs 64.º, 99.º, n.º 1, 576.º, n.º 2 e 577.º, alínea a) do CPC; os artigos 1.º e 4.º do ETAF; o artigo 37.º, n.º 1 do CPTA e, consequentemente, o disposto nos artigos 2.º, n.º 2, alínea a), 4.º, 5.º, 280.º e 450.º do CCP).

BB. De facto, tal contrato só estaria excluído de um regime pré-contratual de direito público se as prestações objeto do mandato forense não estivessem ou não fossem suscetíveis de serem submetidas à concorrência de mercado, designadamente em razão da sua natureza ou das suas características, bem como da posição relativa das partes no contrato ou do contexto da sua formação (cfr. artigo 5.º, n.º 1 do CCP), o que não se verifica.

CC. O Tribunal de Contas tem esclarecido que a relação de confiança que se estabelece com os prestadores de serviços jurídicos terá de ser aferida por critérios objetivos, designadamente por parâmetros curriculares, referenciados a matérias trabalhadas, respetiva extensão e resultados, pelo que não deve sequer eleger-se a relação de confiança subjetiva entre o prestador e o beneficiário dos serviços como fundamento material de adoção do procedimento de ajuste direto.

DD. Em face do exposto, e considerando que em função dos factos alegados nos presentes autos, como em função dos pedidos formulados, resulta que os tribunais competentes para dirimir o litígio em causa são os tribunais administrativos nos termos do disposto no artigo 4.º, n.º 1, alínea e), do ETAF,

EE. Pelo que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de direito ao julgar “improcedente a invocada exceção dilatória da incompetência material”.

FF. Motivo pelo qual, ganha, ainda, maior acuidade a invocada Nulidade do Despacho Saneador, datado de 24.11.2020, porquanto o fundamento em que se baseia a decisão de improcedência da exceção de incompetência material revela-se incompatível com a decisão de conhecimento posterior da exceção de aceitação dos atos administrativos,

GG. Resultando, ainda, numa evidente violação do Princípio e Direito Fundamental de Tutela Jurisdicional Efetiva da Recorrente (cfr. artigo 20.º, da Constituição República Portuguesa; artigo 2.º, do CPC e artigo 2.º, do CPTA), na medida em que implica que a Recorrente fique impossibilitada de se defender segundo as regras e princípios do direito público e/ou de procedimento e processo administrativo, que suscitaria caso a ação tivesse sido instaurada no competente Tribunal Administrativo.

HH. Nestes termos, não se pode senão concluir pela improcedência da decisão vertida no Acórdão sob revista, impondo-se, por conseguinte, a sua revogação e substituição por outro Acórdão que decida no mesmo sentido que no Acórdão Fundamento (i.e., no sentido de que “o conhecimento do litígio emergente de contrato de mandato forense, destinado à cobrança de honorários devidos pelo patrocínio de contraente público, é da competência material da jurisdição administrativa, ao abrigo da alínea e) do nº 1 do artigo 4.º do ETAF”), com a consequente absolvição da Recorrente da instância.

Termos em que,

Deve o presente Recurso de Revista ser admitido e julgado procedente, por provado, anulando-se, e, em consequência,

Ser declarado nulo o Acórdão proferido pelo Venerando Tribunal a quo, nos termos e com os fundamentos supra expostos;

Ou caso assim não se entenda,

Deve o Acórdão sob revista ser revogado e substituído por outro que julgue procedente a Exceção Incompetência Absoluta invocada, e absolva a Recorrente da instância, nos termos e com os fundamentos supra expostos.

Mais devendo as oras Recorridas ser condenadas no pagamento integral das despesas em que a Recorrente incorreu a título de honorários com os seus mandatários,

Assim se fazendo a acostumada JUSTIÇA!»

4. As recorridas não apresentaram contra-alegações.

5. Sabido que, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, é pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso, são as seguintes as questões a decidir:

I – Nulidade do acórdão recorrido por contradição entre os fundamentos e a decisão, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. c), do CPC;

II – Violação do artigo 20.º (Tutela jurisdicional efetiva) da Constituição;

II – Tribunal competente para conhecer o pedido formulado pelas autoras.

 

Cumpre apreciar e decidir.

II – Fundamentação

1. A recorrente interpõe um recurso de revista excecional ao abrigo do artigo 672, n.º 1, do CPC.

Todavia, como a questão objeto do recurso é uma questão de competência do tribunal em razão da matéria, a dupla conformidade não obsta à admissibilidade do recurso de revista geral, nos termos do artigo 629.º, n.º 2, al. a), do CPC, que dispõe, para o que aqui releva, que, «2 - Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso: a) Com fundamento na violação (…) das regras de competência em razão da matéria (…).

Assim, admite-se o recurso de revista geral e não se remete o processo à Formação prevista no artigo 672.º, n.º 3, do CPC.

2. O tribunal recorrido decidiu pertencer ao tribunal judicial da comarca ... a competência para conhecer da presente causa, com o seguinte fundamento:

«Sabendo que a competência material não se define apenas pela qualidade dos intervenientes na causa mas que depende do thema decidendum concatenado com a causa de pedir (cfr. BMJ 459, pág.449) afigura-se que, no caso em apreço, é aos tribunais comuns que compete apreciar a questão suscitada nestes autos pelas AA., uma vez que a hipótese dos autos não se enquadra, de todo em todo, na previsão ou no âmbito de uma relação jurídica administrativa.

Com efeito, analisando a petição inicial constata-se que as AA. alegaram que entre o seu falecido marido e pai, como advogado, e a R. foram celebrados diversos contratos de mandato judicial, para cada um dos quais foram outorgadas as procurações respectivas e, por outro lado, a R., na contestação apresentada, aceitou estes factos, muito embora referindo também que todos os montantes reclamados pelas AA. foram já devidamente liquidados.

Deste modo, torna-se pacífico que, “in casu”, estamos em presença de mandato judicial, pretendendo as AA. receber, como herdeiras, as quantias a que o seu falecido marido e pai tinha direito por virtude desse exercício de mandato judicial ou forense, sendo certo que o contrato de mandato judicial – modalidade do contrato de prestação de serviços pelo qual o mandatário se obriga a executar, por ordem do mandante, um ou mais actos jurídicos (cfr. art.1157º do Cód. Civil) – é um contrato de direito privado sujeito ao regime substantivo de direito privado.»

(…)

Na verdade, analisando o requerimento inicial verifica-se que a apelada alegou que “entre apelante e apelada foram celebrados quatro contratos de mandato judicial”, para cada um dos quais foram outorgadas as procurações respectivas nas datas referidas nas alíneas a) a d) do requerimento inicial de injunção, sendo certo que na oposição deduzida, a requerida, aqui apelante, aceitou esse facto, limitando-se a invocar a excepção do erro na forma de processo, a prescrição das dívidas peticionadas, alegando também que todos os montantes reclamados foram devidamente pagos “com a pontualidade que lhe é característica”.

Temos assim por assente que se trata aqui de mandato judicial, pretendendo a aqui apelada receber as quantias a que tem direito por virtude desse exercício de mandato judicial ou forense.

O contrato de mandato judicial é um contrato de direito privado sujeito ao regime substantivo de direito privado.

Efectivamente, sendo o contrato de prestação de serviços (artigo 1154º do Código Civil) aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição, o mandato, enquanto variante do contrato de prestação de serviços (artigo 1156 C. Civil), é o contrato pelo qual uma das partes de obriga a praticar um ou mais actos jurídicos por conta da outra, consubstanciado, in casu, pelos quatro contratos de mandato judicial referidos no requerimento inicial de injunção.

Ora, estabelece o n.º 2 do art. 67 do Estatuto da Ordem dos Advogados (Lei n.º 145/2015 de 9/09) que “O mandato forense não pode ser objecto, por qualquer forma, de medida ou acordo que impeça ou limite a escolha pessoal e livre do mandatário pelo mandante”, sendo certo que “O advogado exercita a defesa dos direitos e interesses que lhe sejam confiados sempre com plena autonomia técnica e de forma isenta, independente e responsável”, sendo ainda certo que “São nulas as estipulações contratuais, bem como quaisquer orientações ou instruções da entidade contratante, que restrinjam a isenção e a independência do advogado ou que, de algum modo, violem os princípios deontológicos da profissão” (n.ºs 1 e 4 do Estatuto da Ordem dos Advogados).

Ora, como bem diz a apelada, “no contrato de mandato judicial, não se verifica, por exemplo, a existência dos poderes próprios das entidades adjudicantes no âmbito dos contratos administrativos, previstos no artigo 302.º, do CCP. No mandato judicial, o mandante não tem o poder de beliscar a independência do mandatário, estando impedido de “dirigir o modo de execução das obrigações do mandatário”, de “fiscalizar o modo de execução das prestações”, de “modificar unilateralmente as cláusulas respeitantes ao conteúdo e ao modo de execução das prestações previstas no contrato por razões de interesse público”, de aplicar ao advogado sanções. Só pode, como qualquer cliente privado, revogar o mandato ou, quando muito, em vez disso, solicitar ao advogado que substabeleça os poderes forenses noutro colega.

O mandato judicial ou forense não estabelece entre as partes uma relação jurídica administrativa. Nem a mandante, aqui recorrente, actua ou actuou, no contrato que constitui a causa de pedir deste processo, revestida de um poder público, sendo, outrossim, evidente que nestes e nos diversos contratos de mandato forense, celebrados entre recorrente e recorrida, as partes não submeteram expressamente a sua execução a um regime de direito público».


A recorrente alega, em sentido diverso, que tem o estatuto de Sociedade Anónima constituída por capitais exclusivamente públicos (Decreto-Lei n.º 93/2019, de 15 de julho), que atuou no uso do seu poder administrativo, que lhe advém da circunstância de ser uma Pessoa Coletiva de Direito Público pertencente à Administração do Estado, criada para prosseguir um Fim Público de concessão da exploração e gestão do sistema multimunicipal de abastecimento de água e de saneamento da Região do Algarve. Entende, em consequência, que o contrato de prestação de serviço de apoio jurídico, tendo sido celebrado por uma Entidade Adjudicante, para o efeito do artigo 2.º, n.º 2, al. a), ii), do Código da Contratação Pública, é, nos termos do artigo 4.º n.º 1, al. e), do ETAF, um contrato de direito público, sujeito às regras de direito administrativo e que, por isso, devem os litígios entre as partes ser conhecidos pelos tribunais administrativos.

Invoca, como fundamento jurisprudencial, o acórdão deste Supremo Tribunal, de 02-06-2020 (processo n.º 45639/18.3YIPRT.G1.S1), que fixou o seguinte no seu sumário:

«II - Os contratos de mandato forense celebrados entre a ré, contraente público, e a autora, sociedade de advogados, revestem a natureza de contratos administrativos, nos termos conjugados dos arts. 1.º, n.º 6, als. a) e d), e 450.º do CCP, estando sujeitos ao regime dos procedimentos da contratação pública nos termos dos arts. 6.º, n.º 1, al. e), e 16.º, n.ºs 1 e 2, al. e), do mesmo CCP (quer na versão do DL n.º 18/2008, de 29-01, quer na do DL n.º 149/2012, de 12-07).

III - O conhecimento do litígio emergente desses contratos de mandato forense, destinado à cobrança de honorários devidos pelo patrocínio da ré, contraente público, em acções que correram termos no tribunal administrativo, é da competência material da jurisdição administrativa, ao abrigo da al. e) do n.º 1 do art. 4.º do ETAF, na redacção que lhe foi dada pelo DL n.º 214-G/2015 de 02-10».


Quid iuris?


2. O artigo 38.º da Lei n.º 62/2013, de 26-08 – Lei da Organização do Sistema Judiciário (LOSJ) – prescreve que:

1 - A competência fixa-se no momento em que a ação se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente, a não ser nos casos especialmente previstos na lei.

2 – São igualmente irrelevantes as modificações de direito, exceto se for suprimido o órgão a que a causa estava afeta ou lhe foi atribuída competência de que inicialmente carecia para o conhecimento da causa. 

A determinação da competência deve ser feita à luz da lei em vigor à data da propositura da ação, ou seja, primacialmente, à luz do ETAF, na redação do DL nº 214-G/2015, de 2 de outubro, considerada a competência residual dos tribunais comuns, uma vez que a LOSJ estipula no seu artigo 40.º, n.º 1 que “Os tribunais judiciais têm competência para as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional”.


3. O mandato é um dos contratos especialmente previstos no Código Civil, como uma das modalidades do contrato de prestação de serviço.

Nos termos do artigo 1155.º do Código Civil, “O mandato, o depósito e a empreitada, regulados nos capítulos subsequentes, são modalidades do contrato de prestação de serviço”.

O artigo 1157.º define o mandato como um contrato de prestação de serviço pelo qual o mandatário se obriga a executar, por ordem do mandante, um ou mais atos jurídicos.

Todavia, apesar de o contrato de mandato forense, com base no qual as autoras peticionam a uma entidade pública – o pagamento de honorários por serviços de advocacia prestados pelo seu pai – ser um contrato de direito privado, tal não significa que os tribunais competentes sejam os tribunais comuns.

No caso vertente, há que considerar que a recorrente demandada na ação, Águas Algarve, SA, é uma pessoa coletiva de direito público e que a lei considera, no Código dos Contratos Públicos, o contrato de mandato forense celebrado com entidade pública um contrato sujeito a um regime pré-contatual de direito público

Invocam as recorridas na petição inicial que não é aplicável ao caso dos autos o Código dos Contratos Públicos, pois que não houve entre a ré e o advogado, pai das autoras, a celebração de qualquer contrato administrativo ao abrigo de regras de direito público, mas apenas procurações forenses.

Contudo, o aspeto relevante para apreciar a questão do tribunal competente não é saber se foi observado, de facto, um procedimento pré-contratual de direito público, mas apenas que, potencialmente, se verificava, nos termos da lei, a possibilidade de recurso a esse procedimento.

A data de propositura dos processos em que o pai das autoras prestou serviços de advocacia é posterior a 2008, já estando, pois, em vigor o Código dos Contratos Públicos (Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de janeiro).

Como se afirmava no artigo 1.º, n.º 6, alínea a) e d), do Código dos Contratos Públicos, na redação do Decreto-Lei n.º 149/2012, de 12 de julho:

«6 - Sem prejuízo do disposto em lei especial, reveste a natureza de contrato administrativo o acordo de vontades, independentemente da sua forma ou designação, celebrado entre contraentes públicos e co-contratantes ou somente entre contraentes públicos, que se integre em qualquer uma das seguintes categorias:

 a) Contratos que, por força do presente Código, da lei ou da vontade das partes, sejam qualificados como contratos administrativos ou submetidos a um regime substantivo de direito público;

(…)

d) Contratos que a lei submeta, ou que admita que sejam submetidos, a um procedimento de formação regulado por normas de direito público e em que a prestação do co-contratante possa condicionar ou substituir, de forma relevante, a realização das atribuições do contraente público».

  

No artigo 450.º do Código dos Contratos Públicos (integrado no Título II, respeitante aos Contratos Administrativo em Especial), a lei define “A aquisição de Serviços” como “o contrato pelo qual um contraente público adquire a prestação de um ou vários tipos de serviços mediante o pagamento de um preço”, daqui decorrendo que o contrato de mandato constitui um contrato administrativo de aquisição de serviço.


O artigo 16º, nº 1, al. a) e n.º 2, al. e), do Código dos Contratos Públicos dispõe o seguinte: «1. Para a formação de contratos cujo objeto abranja prestações que estão ou sejam suscetíveis de estar submetidas à concorrência de mercado, as entidades adjudicantes devem adotar um dos seguintes tipos de procedimentos:

a) Ajuste direto;

 (…)

2 - Para os efeitos do disposto no número anterior, consideram-se submetidas à concorrência de mercado, designadamente, as prestações típicas abrangidas pelo objeto dos seguintes contratos, independentemente da sua designação ou natureza:

(…)

e) Aquisição de serviços.”

           

Solução semelhante constava já do artigo 6.º, n.º 1, al. e), do Código dos Contratos Públicos, na sua versão originária, que estipulava que:   

«1 - À formação de contratos a celebrar entre quaisquer entidades adjudicantes referidas no n.º 1 do artigo 2.º, a parte II do presente Código só é aplicável quando o objecto de tais contratos abranja prestações típicas dos seguintes contratos:

(…)

e) Aquisição de serviços».


4. Em consequência, os litígios emergentes de um contrato de mandato forense celebrado com uma organização pública estão sujeitos à jurisdição administrativa, nos termos do artigo 4º, 1, al. e), do ETAF, segundo o qual a jurisdição administrativa é competente para julgar as questões relativas à validade e execução de contratos “a respeito dos quais haja lei específica que os submeta, ou que admita que sejam submetidos a um procedimento pré-contratual regulado por normas de direito público”.

Como decorre do artigo 4º, n.º 1, al. e), do ETAF, o elemento determinante da competência não é a natureza jurídica da relação jurídica de onde emerge o litígio, mas sim a sujeição do mesmo ou a possibilidade da sua sujeição a um regime pré-contratual de direito público, o que quer dizer que a jurisdição administrativa é competente quer a relação jurídica subjacente seja, ou não, uma relação jurídico-administrativa.

Neste sentido se orientou o Acórdãos do Tribunal de Conflitos, de 11-01-2017 (Proc. n.º 020/16), onde se sumariou o seguinte:

«São competentes os tribunais da jurisdição administrativa para conhecer um litígio emergente da execução de um contrato de prestação de serviços (mandato) celebrado entre um Município e duas advogadas, dado que o mesmo está, por força do Dec. Lei 197/99, de 8 de Janeiro, sujeito a um regime pré-contatual de direito público - art. 4º, 1, al. e) do ETAF, na redacção anterior à introduzida pelo DL 214/G/2015, de 1/12».


  Assim, se tem orientado a jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça, nesta 1.ª Secção, nos Acórdãos de 02-06-2020 (processo n.º 45639/18.3YIPRT.G1.S1) e de 13-06-2020 (48776/18.0YIPRT-A.P1.S1), subscritos pela agora Relatora como Adjunta, e cuja fundamentação foi seguida de perto.


Nos termos do Acórdão de 02-06-2020, o que determina a competência do tribunal administrativo é o facto de a lei submeter o contrato ou admitir que seja submetido a um procedimento de formação regulado por normas de direito público e em que a prestação do co-contratante possa condicionar ou substituir, de forma relevante, a realização das atribuições do contraente público. Basta que tal suceda para que se deva discutir, na jurisdição administrativa, a execução do contrato de mandato e a realização coativa das respetivas prestações.


Idêntica posição se assumiu no Acórdão de 13-10-2020:

«I - Um contrato de mandato forense celebrado por uma sociedade de advogados e sendo a contraparte um ente público, reveste a natureza de contrato administrativo, nos termos conjugados dos arts. 1.º, n.º 6, als. a) e d), e art. 450.º do CPP, estando sujeito ao regime dos procedimentos da contratação pública nos termos dos arts. 6.º, n.º 1, al. e) e art. 16.º, n.os 1 e 2, al. e), do mesmo CPP.

II - O conhecimento do litígio emergente de contrato de mandato forense, destinado à cobrança de honorários devidos pelo patrocínio de contraente público, é da competência material da jurisdição administrativa, ao abrigo da al. e) do n.º 1 do art. 4.º do ETAF, na redação que lhe foi dada pelo DL n.º 214-G/2015 de 02-10».


5. Por último, deve notar-se que a natureza administrativa do contrato de mandato enquanto aquisição de um serviço por parte de uma entidade pública, bem como a circunstância de a sua celebração estar dependente de um procedimento de direito público não afetam a liberdade com que o mandato é exercido, nem a independência e autonomia funcional e técnica dos advogados, nem a concorrência do mercado.


6. Em síntese, os tribunais administrativos são os competentes para apreciar o litígio dos autos, ao abrigo do artigo 4º, nº 1, al. e), do ETAF; impondo-se, por isso, a absolvição da instância da ré, nos termos conjugados dos artigos 96º, al. a), 99º, nº 1, 576º, nº 2, 577º, al. a) e 578º, todos do CPC.


7. Anexa-se sumário elaborado de acordo com o artigo 663.º, n.º 7, do CPC:

«I - Um contrato de mandato forense celebrado entre um advogado e um ente público reveste a natureza de contrato administrativo, nos termos conjugados dos artigos 1.º, n.º 6, alíneas a) e d) (na redação do Decreto-Lei n.º 149/2012, de 12 de julho), e 450.º do Código da Contratação Pública, estando sujeito ao regime dos procedimentos da contratação pública nos termos do artigo 16.º, n.ºs 1 e 2, al. e), do mesmo diploma.

II - O conhecimento do litígio emergente de contrato de mandato forense, destinado à cobrança de honorários devidos pelo patrocínio de contraente público, é da competência material da jurisdição administrativa, ao abrigo da alínea e) do n.º 1 do art. 4.º do ETAF, na redação que lhe foi dada pelo DL n.º 214-G/2015 de 02-10».



III – Decisão

Pelo exposto, concede-se a revista e revoga-se o acórdão recorrido, declarando-se a competência dos tribunais administrativos para conhecer a causa, absolvendo-se da instância a ré, Águas do Algarve, S.A..


Custas pelas recorridas.


Lisboa, 2 de fevereiro de 2022


Maria Clara Sottomayor (Relatora)

Pedro de Lima Gonçalves (1.º Adjunto)

Fernando Samões (2.º Adjunto)