Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 5.ª SECÇÃOJSTJ000 | ||
Relator: | CID GERALDO | ||
Descritores: | RECURSO PENAL CASO JULGADO PENAL RECURSO PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO NULIDADE EXCESSO DE PRONÚNCIA | ||
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Data do Acordão: | 07/07/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | JULGAMENTO ANULADO. | ||
Indicações Eventuais: | TRANSITADO EM JULGADO. | ||
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Sumário : | I - Ficando a vertente penal definitivamente decidida por força da não interposição de recurso por parte do MP, não pode, em recurso, o Tribunal da Relação alterar os factos definitivamente fixados para a parte criminal, dando como provados factos diferentes para a parte cível, que suportassem uma condenação penal, para permitir a procedência da pretensão civilística. II - O recurso restrito ao pedido cível não pode, em nenhuma circunstância, ferir o caso julgado que se formou em relação á responsabilidade criminal. Na verdade, o recurso relativo à matéria cível apenas pode abarcar a impugnação da decisão proferida no que toca especificamente ao conhecimento e decisão próprios e específicos do pedido cível, ou seja, ao prejuízo reparável. III - A partir do momento em que a vertente penal ficou definitivamente decidida por força da não interposição de recurso por parte do MP, apenas os aspectos estritamente relacionados com a acção civil, como sejam os prejuízos decorrentes do facto ilícito e o quantum indemnizatório podem ser discutidos. IV. A vertente penal da sentença não pode ser chamada novamente à colação ainda que apenas para fazer valer pretensões de natureza civil, sob pena de ocorrer uma contradição insanável, como seria a de haver factos definitivamente fixados para a parte criminal e que não poderiam ser alterados (sob pena de violação do caso julgado penal) e factos diferentes para a parte cível, que suportassem uma condenação penal, apenas para permitirem a procedência da pretensão civilística. V - Estando a configuração factual – no plano criminal – definitiva, ou seja, resolvida por via do caso julgado, a decisão recorrida, ao alterar essa decisão de facto, ultrapassou os limites de cognição que lhe são impostos, sendo, por isso nula, por excesso de pronúncia, de acordo com o disposto no art. 379.°, n.° 1, al. c) CP. | ||
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Decisão Texto Integral: | Processo nº 1633/14.3PBLSB.E1.S1.
Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça
I. RELATÓRIO
1. Nos autos de processo comum, perante tribunal singular, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca ... Juízo Local Criminal ... - Juiz ..., foram acusados: AA, BB, CC, DD, EE, a quem foram imputados: - EE, a prática como autor material e na forma consumada de um crime de ameaça agravada, p. e p. pelo artigo 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1 alínea a) do Código Penal, - AA, como autor, na forma consumada a prática de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143.º, n.º 1 do Código Penal e de um crime de ameaça agravada, p. e p. pelo artigo 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1 alínea a) do Código Penal, - BB, como autora material e na forma consumada da prática de um crime de dano, p. e p. pelo artigo 212.º, n.º 1 do Código Penal; - os arguidos, AA, BB, DD, CC e EE, pela prática, em co-autoria material e na forma consumada de um crime de violação de domicílio, p. e p. pelos artigos 26.º e 196.º do Código Penal. * 2. Pelo Demandante FF foi deduzido pedido de indemnização civil contra os arguidos/demandados AA e DD. Peticionou a condenação dos demandados/arguidos no pagamento da quantia de € 683,50 a título de danos patrimoniais e de € 1250,00 a título de danos não patrimoniais, no montante global de € 1.993,50 acrescido de juros legais até efectivo e integral pagamento. * 3. Pelos Demandantes GG e HH foi deduzido pedido de indemnização civil, peticionando a condenação dos arguidos/demandados no pagamento da quantia de € 396.000,00 a título de indemnização por danos patrimoniais e de € 20.000,00 a título de danos não patrimoniais, no montante global de € 416.000,00. * 4. Por sentença de 11-02-2021, decidiu o Tribunal Judicial da Comarca ... Juízo Local Criminal ... - Juiz ...: A - Quanto à parte crime: Julgar improcedente a pronúncia deduzida e, em consequência: a) Absolver o arguido EE, da prática em material e na forma consumada de um crime de ameaça agravada, p. e p. pelo artigo 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1 alínea a) do Código Penal; b) Absolver o arguido AA, da prática em autoria material e na forma consumada, da prática de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143.º, n.º 1 do Código Penal; c) Absolver o arguido AA da prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de ameaça agravada, p. e p. pelo artigo 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1 alínea a) do Código Penal; d) Absolver a arguida BB, da prática em autoria material e na forma consumada da prática de um crime de dano, p. e p. pelo artigo 212.º, n.º 1 do Código Penal; e) Absolver os arguidos, AA, BB, DD, CC e EE, pela prática, em co-autoria material e na forma consumada de um crime de violação de domicílio, p. e p. pelos artigos 26.º e 196.º do Código Penal. B – Quanto à parte civil: 1. Julgar o pedido de indemnização civil formulado pelo demandante FF totalmente improcedente e, em consequência, absolver os demandados AA e DD de tal pedido. 2. Julgar o pedido de indemnização civil formulado pelos demandantes GG e HH totalmente improcedente e, em consequência, absolver-se os demandados AA, BB, CC, DD e EE de tal pedido. * 5. Inconformados, recorreram os peticionantes cíveis GG e HH (FF não recorreu), para o Tribunal da Relação ..., pretendendo, em síntese, que a decisão recorrida fez errada interpretação da matéria de facto que deu como provada, não dando como provados factos que deveria ter dado conforme como provados, factos notórios que não carecem de ser alegados pelas partes, omitindo factos que eram importantes para uma boa decisão da causa, pelo que, contrariamente ao decidido relativamente ao pedido cível deveria ter-se considerado que os factos 14) a 20) da matéria de facto a este respeito foram provocados pela conduta dos arguidos descrita em 1) a 8). E deste modo, ter condenado os arguidos a pagar aos demandantes a quantia de € 20.000,00 a título de danos de natureza não patrimonial acrescidos de juros de mora vencidos desde a data da citação, bem como vincendos e até efetivo e integral pagamento; pagar aos demandantes a quantia de € 50.000,00 com o reforço necessário com a vigilância e para reforço com a sua segurança acrescida de juros de mora a contar da data da realização da escritura em 4 de abril de 2014, até efetivo e integral pagamento; pagar aos demandantes a quantia de € 380.000,00 relativa a juros do empréstimo que contraíram em Abril de 2014 e tiveram de suportar além do previsto e por não terem vendido o anterior imóvel anterior (Lote ...47) o que apenas sucedeu em janeiro de 2017 por conta da conduta ilícita dos arguidos e como consequência direta e necessária do comportamento dos arguidos. * 6. O Tribunal da Relação ..., por acórdão proferido em 16-12-2021, julgou parcialmente procedente o recurso interposto e, em consequência: A - Os factos não provados 5) e 6) passarão a ter a seguinte redacção como factos provados 4) e 4.a: 4) – De seguida arguida BB, sabendo que um dos ferros que compõem a vedação se encontrava apodrecido, partiu-o, destruindo parte desta e tornando-a inutilizável, introduzindo-se por essa via no imóvel dos ofendidos GG e HH, sabendo a arguida que a vedação não lhe pertencia e que agia contra a vontade e sem o conhecimento dos ofendidos; 4.b) - Agiu a arguida de forma livre deliberada e consciente, bem sabendo ser a sua conduta proibida e punida por lei penal, à qual foi indiferente; * B - Os factos 6), 7) e 8) passarão a ter a seguinte redacção: 6. Agiram os arguidos AA, BB, DD e CC de forma livre, deliberada e consciente, de acordo com plano previamente delineado entre todos e com o qual concordaram, apesar de saberem que não tinham consentimento dos legítimos proprietários para entrar no referido imóvel, bem sabendo serem proibidas e punidas por lei penal as suas condutas, 7. Agiram os arguidos AA, BB, DD e CC em conjugação de esforços com o propósito concretizado de se introduzirem no quintal do imóvel dos ofendidos GG e HH. 8. Agiram os arguidos AA, BB, DD e CC livre deliberada e conscientemente, bem sabendo serem proibidas e punidas por leis penais as suas condutas, às quais foram indiferentes. * C – Consequentemente desaparecem do acervo de factos os dados como não provados em 5), 6), 8) e 9); * D - São acrescentados os factos 8.A e 8.B: 8. A - «A escritura de compra e venda do imóvel em questão nos presentes autos, o denominado lote ...57, prédio descrito sob o número ...56 da freguesia ..., da Conservatória do Registo Predial ..., teve lugar em 31 de março de 2014, pelo valor de 5.450.000 5 (cinco milhões quatrocentos e cinquenta mil euros).» 8. B - Os celebrantes da escritura de compra e venda do imóvel, o denominado lote ...57, prédio descrito sob o número ...56 da freguesia ..., da Conservatória do Registo Predial ... e que teve lugar em 31 de março de 2014, acordaram que os celebrantes ora arguidos retirariam os móveis que constituíam o recheio da casa no prazo de 30 dias após a celebração da escritura de compra e venda do imóvel. * E - O facto não provado sob 27) passa a ter a seguinte redacção: 27. Que os factos n.ºs 16) a 19) da matéria de facto provada tenham sido provocados pela conduta dos arguidos descrita em 1) a 8) da matéria de facto provada; * F – Condenam-se os arguidos AA, BB, DD e CC a pagar, solidariamente, a GG e HH a quantia global de 60.000 € (sessenta mil euros), a título de danos patrimoniais (30.000 €) e não patrimoniais (30.000 €), acrescidos de juros de mora vencidos e vincendos desde a data da notificação do pedido cível e até integral pagamento. * 7. AA, CC, DD, BB, não se conformando com o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação ..., interpuseram recurso de revista, relativo à sua condenação no pedido de indemnização civil, para este Supremo Tribunal de Justiça. Da motivação dos recursos, retiram os recorrentes as seguintes conclusões:
A) O documento constituído pelos fotogramas que serviram de fundamento à alteração da matéria de facto é nulo, nulidade que se invoca para todos os efeitos legais, conforme se demonstrou supra e aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais e que resumidamente se elencam por os comentários não corresponderem à realidade sendo manifestamente tendenciosos, e por o mandatário dos arguidos não ter sido notificado para, designadamente, identificar os intervenientes e não permitir comentários tendenciosos. B) Outro erro em que a decisão incorre sobre a alteração da matéria de facto advém do manifesto erro sobre o facto em si. É que não se travava de uma mudança de casa como a motivação da decisão parece fazer querer. Tratava-se de uma remoção de móveis que eram e são da propriedade dos arguidos. Ou seja, a decisão recorrida foi tomada com base num erro de um pressuposto que não corresponde à verdade, sendo por isso inexistente, o que se invoca para todos os efeitos legais. C) Por causa deste facto e pelo facto dos arguidos terem chegado ao local e serem confrontados por seguranças desde logo criou um clima de hostilidade, levando os arguidos a “perder a cabeça” ficando debilitados para raciocinar e se controlarem, situação esta que foi inevitavelmente criada pelos recorridos. D) A opção dos arguidos era a de não zelaram pelos bens que são da sua propriedade ou agirem em defesa da sua propriedade, pressionados por agentes que tem por ofício imporem-se pela violência. E) E aqui reside a grande diferença entre uma decisão que não merce qualquer censura, a da 1ª Instância que se baseou no visionamento do vídeo (para além de 10 longas sessões sempre atenta a todas a vicissitudes), e uma decisão que merece censura, a da 2ª Instância, que privilegiou um documento com meros fotogramas e comentários não verdadeiros, e que é nulo, e em factos inexistentes. F) A decisão recorrida incorre pois em erros por demais notórios e evidentes, e por isso não se pode dizer que se está a impugnar a decisão que apreciou e alterou a matéria de facto, pois o que se pretende é que seja declarada nula uma decisão sobre a matéria de facto que se fundamentou numa documentação nula e sobre pressupostos inexistentes, que inexoravelmente acarreta a nulidade de todos os atos e decisões tomadas à sua pala dessa documentação e factos inexistentes. G) Ora, este confronto de interesses (os recorrentes/arguidos “correrem atrás do que é seu, e dos recorridos que quer proteger a sua propriedade) subsume-se ao disposto nos artº 17º e 32º do Código Penal, pelo que merecem ser vistos e analisados à luz destas disposições. H) A subsunção da conduta assim definida só seria possível através do visionamento do vídeo que foi apresentado pelos requerentes apenas após 8 sessões de julgamento, visionamento esse que foi levado a efeito pela Meritíssima Juiz da 1ª Instância e pelo Ministério Público autor da acusação e só esse visionamento permitiu decidir como se decidiu, pecando a decisão recorrida por omissão, sendo por isso judicialmente censurável por violação do princípio da prossecução da aplicação da boa justiça. I) A responsabilidade civil está condicionada à verificação dos requisitos do artº 483º do Código Civil, e no caso em apreço a 1ª Instância decidiu, e bem, que não estavam reunido as condições para aplicar o artº 483 do C.C por manifesta falta de prova. J) Ou seja, ainda que o facto ilícito tenha ocorrido, o mesmo acorreu em circunstâncias de conflito de interesses, e em circunstâncias de agressividade criadas pelos próprios requerentes, atenuando desse modo a ilicitude e afastando a culpa dos arguidos, que, repete-se, estava condicionada pela emoção e conflito de interesses. K) Ainda que assim não se entenda, os requerentes nunca provaram a ocorrência de danos patrimoniais referentes a contrato de aquisição de equipamento de segurança e contratação de seguranças, pois essa prova só é admissível através de prova documental, ou seja faturas ou recibos, pelo que fica fora do âmbito da aplicação do artº 566º nº 3 do CC. L) Acresce que a aquisição do dito equipamento e/ou contratação de seguranças, a ter ocorrido, foi por vontade exclusiva dos requerentes, pois que a quando da venda do imóvel, este estava provido de equipamento de segurança e o condomínio da Quinta ... ter segurança pessoal própria. M) Nessa conformidade, tudo o que for para além disso é uma opção do comprador do imóvel, não podendo ser imputável aos recorrentes/arguidos, sendo manifesta a ausência de nexo de causalidade entre esse custo suportado pelos recorridos e os factos dos autos. N) O artº 496ºdo CC consagra a responsabilidade dos danos não patrimoniais, limitando-a aos danos, que pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. A gravidade deve ser apreciada em função da tutela do direito, ou seja, o dano deve ser tão grave que justifique a concessão de uma satisfação pecuniária ao lesado. O) No caso dos autos, os requerentes nunca estiveram presentes nos acontecimentos. Os seus medos e sobressalto verificaram-se sempre a posteriori vindo a tomar conhecimento sempre “PELA BOCA DE TERCEIROS”. P) Por outro lado, a fixação da indemnização deve obedecer a juízos de equidade, tendo em conta as circunstâncias do caso e levar em conta a situação económica dos agente e do lesado, constituindo assim a indemnização mais uma satisfação do que uma indemnização, podendo ser também interpretada como uma sanção. Q) No caso em concreto nem os arguidos agiram com culpa grave, atendendo à sua debilidade espiritual movida pela emoção, nem os requerentes sofreram, directamente, de medo e sobressalto no momento da ocorrência dos factos, apenas vindo a tomar conhecimento dos factos em momento posterior e por terceiros, não se podendo olvidar que foram os requerentes que contrataram os seguranças para enfrentarem os arguidos tomando desde logo uma atitude de agressividade. R) Por último, é abusivo concluir-se, como se conclui na decisão recorrida que os arguidos têm “uma situação económica desafogada, provada pela venda do imóvel dos autos por mais de cinco milhões de euros” porquanto, o que se prova por documento junto aos autos (escritura de compra e venda) os cheques correspondentes ao preço foram entregues pelo mandatário (o citado espião) dos requerentes a um terceiro que outorgou em nome e representação da sociedade vendedora. S) Por outro lado os recorridos invocam à exaustão serem proprietários de duas moradias na Quinta ..., daí sim, pode-se extrair que se trata de pessoas desafogadas cujas vidas não dependem de indemnizações atribuídas pelos tribunais por sentirem medo e sobressaltos. Pelo exposto, torna-se evidente que o Tribunal “a quo” deixou de se pronunciar sobre questões que deveria ter apreciado e conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento, violando o princípio da boa aplicação da justiça, os artºs 17º e 32º do CP, dos artºs 483º, 496º 566º do CC, sendo a decisão recorrida nula. Pelo que, em consequência, se requer, seja declarado nulo o documento consubstanciado pelas fotogramas e seus comentários, e em consequência, seja declarada nula a decisão que alterou a matéria de facto dada por provada e não provada, fundamentada nesse documento e ainda em factos inexistentes. Mais se requer que seja revogada a decisão recorrida na parte que condenou os recorrentes/arguidos a pagar aos recorridos a quantia global de € 60.000,00, sendo € 30.000, a título de danos patrimoniais e € 30.000,00 a título de danos não patrimoniais, quer por não se verificar as condições da aplicabilidade do disposto no artº 483º do Código Civil, quer por se revelarem manifestamente excessivo dadas as circunstâncias em que ocorreram os factos, e, em sua substituição seja proferida decisão que absolva os recorrentes/arguidos do pedido cível formulado pelos recorridos. Dá-se merecimentos à documentação junta aos autos, designadamente a escritura de compra e venda do imóvel em crise nos autos, a certidão judicial contendo a acção judicial movida contra os recorridos de reivindicação dos bens que foram removidos pelos recorridos. * 8. O Ministério Público emitiu parecer alegando: «Não cumpre ao Ministério Público tomar posição quanto à questão de natureza cível em debate, uma vez que, neste âmbito inexiste decisão que tenha interesse em contradizer ou impugnar, carecendo, por isso, de interesse em agir». * 9. GG e HH, na qualidade e demandantes cíveis, apresentaram resposta ao recurso interposto, com os seguintes fundamentos:
A) De acordo com o disposto no art.º 410º do C.P.P, o presente recurso deve versar apenas sobre matéria de direito, podendo ainda ter por fundamentos, desde que o vicio resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugado com as regras de experiência comum: a insuficiência para a matéria de facto provada; a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão e o erro notório na apreciação da prova.” E pode ainda ter por fundamento a inobservância do requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada. B) Como muito bem sustenta a Digníssima Sr.ª Procuradora em resposta ao recurso “o objeto do recurso é definido pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação do seu recurso sem prejuízo das questões do conhecimento oficioso (art.º 403º e 412º, nº1 do C.P.P)”; sendo a consequência da falta de correspondência entre a motivação e as conclusões a de que essa matéria das conclusões é como se não existisse porquanto não existe motivação a este respeito (cfr. Acórdão do S.T.J. de 14-05-92 no processo nº 330/98). C) Assim, na esteira do defendido pela Sr.ª Procuradora, o Mais Alto Tribunal só terá de se pronunciar acerca das questões suscitadas nas conclusões da motivação do recurso, sem prejuízo do supra referido no disposto no artigo 410º nº 2 e 3 do C.P.P. D) As questões a apreciar pelo Supremo Tribunal de Justiça serão apenas as seguintes: 1) A de avaliar se o Tribunal “a quo” deixou de se pronunciar sobre questões que deveria ter apreciado e conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento, violando o princípio da boa aplicação da justiça (art.º 17º e 32º do C.P., dos art.º 483º, 496º e 556º do C.C.) sendo a decisão recorrida nula; 2) seja declarado nulo o documento consubstanciado pelos fotogramas e seus comentários e em consequência seja declarada nula a decisão que alterou a matéria de facto dada como provada e não provada fundamentada nesse documento e ainda em factos inexistentes e 3) seja revogada a decisão recorrida na parte que condenou os recorrentes arguidos na quantia global de €60.000,00, sendo €30.000,00 a título de danos patrimoniais e €30.000 a título de danos não patrimoniais, quer por não se verificar as condições de aplicabilidade do disposto no art.º 483º do C.C., quer por se revelarem manifestamente excessivos, dadas as circunstancias em que ocorreram os factos e em sua substituição seja proferida decisão que absolva os recorrentes arguidos do pedido cível formulado pelos aqui recorridos. E) Salvo melhor opinião, além destas questões, aparenta que os recorrentes pretenderam também alegar que existe erro notório na apreciação da prova por parte do Tribunal “a quo”. F) Os recorrentes iniciam a sua motivação sustentando, em suma, que a decisão do tribunal “a quo” neste segmento não se consubstanciou numa clara absolvição cível em consequência de uma absolvição penal, mas sim, que o tribunal decidiu a este respeito que o pedido também tinha de claudicar por não ter sido possível estabelecer o nexo de causalidade entre as condutas dos arguidos, que resultaram provados, e os danos sofridos pelos demandantes e cujo ressarcimento foi peticionado. G) Ora, resulta claro que o que no douto acórdão se referiu e os recorrentes não alcançaram, foi que o tribunal “a quo” apenas com os factos 2) a 8) que deu por provados, deveria ter considerado desde logo a existência de um ilícito cível e por consequência a existência de um nexo de causalidade entre os factos causados pelos arguidos e os danos causados aos demandantes cíveis, ou seja, havia matéria provada suficiente para condenar civilmente os arguidos, não obstante os ter, em nossa opinião erroneamente, absolvido na matéria criminal. H) Em abono da verdade, os factos 2) a 8), por si só, consubstanciam-se em condutas ilícitas dos arguidos que foram consequência direta necessária de prejuízos que causaram nos demandantes cíveis, como bem considerou o douto acórdão ora recorrido. I) E a este respeito, limitam-se os arguidos a afirmar que o tribunal recorrido para apreciar a ilicitude dos factos por si praticados se cingiu à análise dos fotogramas extraídos da gravação junta pelos demandados cíveis e que estes fotogramas estão feridos de nulidade. J) O que não corresponde minimamente à verdade, uma vez que o tribunal a quo já reputava que a conduta dos arguidos consubstanciava um ilícito cível, apenas com base nos factos dados como provados pelo tribunal de 1ª instância e que o tribunal a quo reforçou, ainda, a sua convicção, e por isso deu como provados factos que não haviam sido dados como provados na 1ª instancia, alterou a redação de factos e bem como adita outros, não só com base nos referidos fotogramas, mas primordialmente através da análise de depoimento prestados por testemunhas e arguidos, o que aliás explicitamente refere. K) Os recorrentes alegam, ainda, que se opuseram à junção dos fotogramas, mas na verdade transcrevem um requerimento em que se opõem à junção do filme, considerando que este constitui um meio de prova obtido ilicitamente e, portanto, ferido de nulidade. L) Os requerentes não pronunciaram acerca dos fotogramas quando notificados para o efeito. Não o tendo feito nesse momento, parece-nos que a existência de qualquer irregularidade nos fotogramas, que pudesse configurar uma nulidade, teria sempre de se ter considerada sanada e, portanto, não configura a previsão do disposto no n.º 3 do art.º 410º do C.P.P. Não devendo, por isso, o Supremo Tribunal apreciar a invocada nulidade. M) Quanto aos erros notórios na apreciação da prova, que, também supostamente, seriam determinantes para a alteração da matéria de facto, consistem em nada mais nada menos que o entendimento de que o Tribunal “a quo” terá confundido uma “mudança de casa “com uma “remoção de móveis”, uma vez que é isso que “parece fazer querer“ com a motivação da decisão! N) Porém, o alegado não constitui um erro notório sobre a matéria de facto; um erro notório sobre matéria de facto é algo maior e mais flagrante que uma interpretação enviesada e fabricada dos recorrentes “acerca” da motivação da decisão “que parece fazer querer”, que se tratava de uma mudança de casa. O) Mais torpe é considerar que o Tribunal “a quo” confundiu uma mudança de casa com a remoção dos móveis dos arguidos do imóvel dos demandantes, quando o Tribunal da Relação é claro no seu entendimento ao aditar a matéria de facto provada sob o número 8.B. P) Sobre o “erro na apreciação de um novo facto documentado e transcrito na decisão” que na perspetiva dos Recorrentes consiste na consideração que os Recorridos adquiriram o imóvel pelo preço de €5.450.000,00, mas não refere quem recebeu os cheques, tentando, habilidosamente, criar a dúvida e vindo agora alegar que os arguidos/recorrentes não receberam os cheques, sendo uma total novidade tal alegação. Q) Com efeito, os arguidos nunca alegaram que não haviam recebido o preço pago pelo imóvel, nem em sede de processo crime, nem tão pouco no âmbito das instâncias cíveis que opuseram os aqui recorrentes e recorridos e o arguido AA estava presente aquando da celebração da escritura pública de compra e venda. R) Além de que o facto 8-A aditado pelo Tribunal “a quo” e que se passa a transcrever: “- A escritura de compra e venda do imóvel em questão nos presentes autos, na qual os requerentes adquiriram o denominado Lote ...47, prédio descrito sob o número ...56 da freguesia ..., da Conservatória do Registo Predial ..., teve lugar em 31 de março de 2014, pelo valor de 5450,00€ (cinco milhões quatrocentos e cinquenta mil euros).”, teve por base a escritura publica de 31-03-2014 a fls 576 a 585, por este tribunal ter reputado essencial ”á configuração e decisão das soluções plausíveis de direito - e nessa medida existir uma clara insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a integrar na alínea a) do nº 2 do art.º 410º do Código Penal”. S) Ora, como resulta óbvio o Tribunal não tinha que se pronunciar sobre quem recebeu o preço, porque essa questão nunca se colocou, sendo, portanto, completamente irrelevante. T) Só com muita criatividade e vontade de refutar a consideração meritória do Tribunal a quo acerca da vida desafogada que os arguidos têm por conta do recebimento do preço do imóvel, feita para fixação da indemnização a pagar por estes, é que volvidos cerca de 8 anos da celebração da escritura e em sede de recurso penal para o Supremo Tribunal de Justiça vêm ao Recorrentes invocar que não receberam o preço. U) O Tribunal de Segunda Instância considerou que os arguidos agiram de forma ilícita e culposa, causando danos de natureza patrimonial e não patrimonial aos demandantes cíveis, ora Recorridos, estabelecendo-se os nexos de causalidade exigidos pela responsabilidade civil aquiliana. V) Entendeu o Tribunal a quo que os danos patrimoniais se concretizaram na danificação da vedação e nas despesas ocasionadas pela necessidade de contratar uma empresa de segurança, tendo os danos de natureza não patrimonial sido concretizados como o medo e receio e a inibição/perturbação de uso da propriedade que os demandantes civis haviam adquirido. W) De facto, a conduta dos Arguidos, ao praticarem os factos ilícitos, já considerados provados em sede de 1ª Instância (supramencionados factos provados 2) a 8)), é geradora de responsabilidade civil extracontratual, pelo que não podemos deixar de demonstrar total adesão ao douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação. X) Ora, vêm os Arguidos recorrer da decisão proferida pela 2ª Instância, alegando, que agiram debilitados no seu raciocínio e provocados por um clima de hostilidade criado pelos demandantes civis. Houve a clara pretensão de demonstrar os arguidos como fracas e emotivas pessoas, que apenas queriam proteger e defender os seus bens móveis e cuja conduta merece ser analisada à luz do disposto nos artigos 17º e 32º do CP, ou seja, havendo erro sobre a ilicitude da conduta levado a cabo e devendo essa conduta ilícita ser considerada como praticada para repelir uma agressão atual e ilícita de interesses juridicamente protegidos. Y) Acerca do erro sobre a ilicitude do ilícito levado a cabo pelos Arguidos, atente-se ao disposto no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, Proc. n.º 120/08.3GCBGC-A.G1.P1, quando se determina que “o eventual erro sobre a ilicitude só pode ser subsumível ao artº 17º CP, em caso em que a culpa só é afastada se a falta de consciência da ilicitude do facto decorre de erro não censurável. III - A censurabilidade só é de afastar se e quando se trate de proibições de condutas cuja ilicitude material não esteja devidamente sedimentada na consciência ético social.” Z) Ora, o comum dos cidadãos não ignora que é proibido entrar em propriedade alheia, bem sabendo que não tem autorização para tal, mas mais, o comum dos cidadãos sabe que deve retirar os seus bens do imóvel que vende. Não há regras de experiência comum ou circunstâncias que tenham condicionado a conduta dos arguidos, que agiram selvaticamente, invadindo propriedade privada, sob o pretexto de zelarem pelos seus bens, que ao longo de 6 meses, deixaram dentro de casa alheia, de forma abusiva e incumpridora. AA) Sobre a legitima defesa invocada sempre se dirá, que ainda que se considerasse haver uma agressão atual de interesses juridicamente protegidos dos recorrentes e que estes precisassem agir para repeli-la, sempre falharia redondamente o requisito da ilicitude dessa agressão por parte dos recorridos. BB) Os Recorridos só estavam a retirar bens móveis da sua propriedade porque os Recorrentes não o fizeram. CC) Os arguidos evidenciaram, mais uma vez, a sua conduta “manhosa”, optando por olvidar completamente que foram os seus atos, dados como provados, como a entrada no imóvel de dois dos arguidos em abril de 2014, que lá permaneceram todo o fim de semana ou a existência de um “espião” por estes contratado, que tornaram necessária a contratação de seguranças e meios de segurança e videovigilância. DD) Não pode, assim, ser considerado qualquer erro sobre a ilicitude ou legitima defesa quanto aos ilícitos praticados e considerados provados. Os Recorrente agiram de forma consciente, bem sabendo que não tinham consentimento para tal e que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei. EE) Ao contrário do que tentam fazer crer, não houve qualquer conflito de interesses, nem atenuação da ilicitude e afastamento da culpa, nem tão pouco circunstâncias de agressividade criadas pelos demandantes cíveis, que tenha perturbado os Recorrentes. Os seguranças estavam no local, porque tal como foi considerado provado pela 1ª Instância (ponto 20) os demandantes sentiram medo, vivendo em sobressalto, tendo tido necessidade de contratar segurança privada adicional. FF) Prosseguem os Recorrentes, alegando que não estão preenchidos os requisitos da responsabilidade civil, previstos no art. 483º do CC; mais alegando que não foi provada a existência de danos patrimoniais e a terem ocorrido custos com a aquisição de equipamento ou contratação de seguranças, foi por exclusiva vontade dos Recorridos, não podendo ser imputável aos arguidos essa despesa por manifesta ausência de nexo da causalidade com os factos considerados provados. GG) Ora, sobre este ponto concreto, temos como factualidade provada, que os demandantes suportaram custos inerentes a novos contratos e instalação de sistemas de segurança, contratação de equipa de segurança e que estes sentiam medo e viviam em sobressalto e por isso, necessidade de contratar segurança privada (pontos 14,15 e 20). HH) No douto Acórdão de que se recorre, bem se determina que os danos patrimoniais provados se consubstanciam nos danos na vedação e nas despesas ocasionadas pela necessidade de contratar uma empresa, que se fixaram em 30.000€, atendendo aos danos, o grau de culpabilidade dos agentes e à desafogada situação económica, provada pela venda do imóvel. II) Sobre o nexo de causalidade, que os Recorrentes afirmam não existir, veja-se o Acórdão proferido pelo STJ, no âmbito do Proc. n.º 03A1902, quando dispõe que “a nossa lei adoptou a doutrina da causalidade adequada, que impõe, num primeiro momento, um nexo naturalístico e, num segundo momento, um nexo de adequação. (…) não basta que o evento tenha produzido, naturalisticamente, certo efeito, para que este, do ponto de vista jurídico, se possa considerar causado ou provocado por ele; para tanto, é ainda necessário que o evento danoso seja uma causa provável desse efeito.” JJ) No caso em apreço, temos que as condutas dos arguidos, aqui Recorrentes, foram causa da contratação do serviço, por conta do medo e sobressalto em que os Recorridos viviam e, portanto, sendo perfeitamente adequado que a contratação de seguranças se deva ao receio incutido, já não se falando na danificação da vedação que se revela efeito totalmente derivado da atuação da arguida BB. KK) Já quanto aos danos não patrimoniais, previstos no art. 496º do CC, os Recorrentes alegam que os Recorridos não presenciaram os factos dados como provados e por isso, os seus medos verificaram-se a posteriori, mas é inequívoca a decisão em análise quando determina que os danos não patrimoniais merecem a tutela do direito porquanto os agentes conseguiram perturbar durante vários meses o uso da propriedade que os próprios venderam. LL) Afigura-se totalmente frustrada a tentativa dos Recorrentes em cingir os danos não patrimoniais à atuação dada como provada apenas no dia 04/09/2014, quando da factualidade provada resulta que, pelo menos durante 6 meses, após a venda do imóvel, os Recorrentes não retiraram os seus bens do imóvel que haviam vendido, bem como contrataram da testemunha II para vigiar durante largos meses o imóvel e todos os movimentos dos demandantes cíveis. MM) Os Recorrentes consideram abusiva a consideração do Tribunal a quo sobre a situação desafogada em que vivem, dada venda do imóvel e receção do preço de mais de 5 milhões de euros, porquanto os cheques foram entregues ao representante da sociedade vendedora, não cabendo em sede de recurso a pronúncia sobre matéria de facto que nunca foi impugnada nem levantada perante qualquer Tribunal. A verdade dos factos é aquela que nunca foi controvertida e resulta de documento público, o imóvel foi vendido em março de 2014, pelo valor de € 5.450.000, o preço foi pago e jamais vieram os Recorrentes alegar ou provar que não receberam a quantia. Assim deve o Recurso ser considerado totalmente improcedente e em conformidade mantendo-se integralmente a decisão proferida pelo Tribunal da Relação. * 10. Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência para decisão. *
II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1. Pelo Tribunal Judicial da Comarca ... Juízo Local Criminal ... - Juiz ..., foram dados como provados os seguintes factos:
Factos Provados:
2.1 – Com interesse para a discussão da causa, resultou provado nomeadamente que: * Ao nível da fixação da matéria de facto provada e não provada o tribunal não se pronuncia sobre as afirmações contidas nos pedidos de indemnização civil e nas contestações apresentadas pelos arguidos, por constituir matéria conclusiva e de direito, que não podem ser objecto de pronúncia, em termos de serem considerados “provados” ou não provados”. O Tribunal não se pronuncia sobre os factos constantes dos artigos 2.º e 4.º do pedido de indemnização civil deduzido pelos demandantes GG e HH, por se tratar de matéria que extravasa o objecto do processo tal como definido no despacho de pronúncia, uma vez que foram não pronunciados por tais factos. * II.1.2. E fundamentou a apreciação da prova nos seguintes termos:
2.3 – Motivação da Decisão de Facto A convicção do tribunal quanto à factualidade considerada provada e não provada radicou na análise crítica e ponderada da prova produzida em julgamento, apreciada segundo as regras da experiência comum e o princípio da livre convicção do julgador – artigo 127.º do Código de Processo Penal. Foram tidas em consideração, para além das declarações prestadas pelos arguidos em sede de audiência de discussão e julgamento, os depoimentos prestados pelos demandantes, FF, GG e HH. Mais foi tido em consideração o depoimento das testemunhas prestado em sede de audiência de julgamento. Foi ainda tida em consideração a seguinte prova documental constante dos autos: fls. 103, 104, 293 a 371, 373 a 417, 530 a 440, 664 a 780. Questão prévia Da admissibilidade legal da gravação junta aos autos pelos Demandantes Na sessão de julgamento do dia 10 de Maio de 2019 vieram os demandantes GG e HH, na sequência dos depoimentos prestados por ambos, requerer a junção aos autos de uma gravação captada por câmara. Alegam para o efeito que a câmara foi colocada no muro da sua propriedade sita na Urbanização ..., com o intuito de captar e filmar o transporte e o carregamento dos móveis pertencentes aos arguidos e apenas com o intuito de demostrar que esse carregamento e transporte tinham sido efectuados em boas condições. Mais esclareceram que esta preocupação advém do facto de todo este processo ter estado envolvido em questões problemáticas relacionadas com a venda do referido imóvel. Os arguidos exerceram contraditório. Refutam que a intenção da colocação da câmara tenha sido a alegada pelos demandantes, ou seja, que as filmagens se destinassem a filmar as operações de remoção dos móveis. Mais referem não ter dado o seu consentimento para as filmagens pelo que as imagens recolhidas violam os artigos da Constituição da República Portuguesa relativos à reserva da intimidade da vida privada. Relativamente à gravação de som, afirmam que a mesma tem a virtualidade de demostrar a falsidade das acusações. Concluem que não deve ser admitida a prova baseada na gravação em questão, devendo as declarações das testemunhas GG e HH ser declaradas inválidas por expressamente remeterem para o visionamento de uma gravação nula, necessariamente ilícita e proibida. O Ministério Público pronunciou-se no sentido de que a gravação em causa deverá ser admitida e valorada. Para o efeito afirma que a finalidade que esteve na origem das filmagens, atenta a informação prestada pelos demandantes de que se destinava registar que a retirada dos móveis ocorreu de forma adequada, afasta a tipicidade do tipo legal de gravações ilícitas p. e p. pelo artigo 199.º do CP ou assim não se entendendo entendemos que os ofendidos agiram ao abrigo de causa de exclusão da ilicitude e da culpa. Apreciando, Estabelece o art.º 125.º do Cód. Penal que “São admissíveis as provas que não forem proibidas por lei”. Prevê o art.º 126.º, n.º 3, do mesmo diploma o seguinte: “Ressalvados os casos previstos na lei, são igualmente nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular”. A propósito de fotografias e gravações, o art.º 167.º do Cód. Proc. Penal determina “As reproduções fotográficas, cinematográficas, fonográficas ou por meio de processo electrónico e, de um modo geral, quaisquer reproduções mecânicas só valem como prova dos factos ou coisas reproduzidas se não forem ilícitas, nos termos da lei penal”. Da conjugação das normas supra transcritas infere-se que caso a gravação vídeo junta pelos demandantes configure a prática de um crime, não poderá a mesma ser valorada. Caso contrário, será prova válida e sujeita à livre apreciação prevista pelo Tribunal tal como previsto no artigo 127.º do Código de Processo Penal. Vejamos. O art.º 199.º do Cód. Penal preconiza o seguinte: “1 - Quem sem consentimento: a) Gravar palavras proferidas por outra pessoa e não destinadas ao público, mesmo que lhe sejam dirigidas; ou b) Utilizar ou permitir que se utilizem as gravações referidas na alínea anterior, mesmo que licitamente produzidas; é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 240 dias. 2 -Na mesma pena incorre quem, contra vontade: a) Fotografar ou filmar outra pessoa, mesmo em eventos em que tenha legitimamente participado; ou b) Utilizar ou permitir que se utilizem fotografias ou filmes referidos na alínea anterior, mesmo que licitamente obtidos. 3 - É correspondentemente aplicável o disposto nos artigos 197.º e 198.º” Comecemos por referir que no caso em apreço não se mostra junta aos autos qualquer autorização dada pelos arguidos consentindo a gravação, nem tal consentimento mesma resulta do próprio teor da gravação em causa. Poder-se-ia, por esse motivo, concluir que se encontraria preenchido o crime previsto no art.º 199.º, n.º 2, alínea b), do Código Penal, caso em que a gravação seria ilícita, não podendo ser admitida ou valorada pelo Tribunal. Sucede, todavia, que as imagens em apreço tiveram lugar em local público. Mais se verifica que a junção aos autos de tal gravação tem como objectivo demonstrar condutas dos arguidos passíveis de integrar a prática de crime, tal como descritos nos factos n.ºs 6) a 20) do despacho de pronúncia. Tem vindo a ser entendimento jurisprudencial dominante que o direito à imagem está tutelado criminalmente apenas na medida em que não esteja a coberto de uma causa de justificação da ilicitude. Vem sendo entendimento da jurisprudência que não constituem provas ilegais, podendo ser valoradas pelo Tribunal por não constituírem métodos proibidos de prova, as filmagens obtidas por particulares em locais públicos, nomeadamente quando se destinem a documentar uma infracção criminal e não disserem respeito ao núcleo duro da vida provada da pessoa, ou seja, a sua intimidade, sexualidade, saúde, vida particular e familiar mais restrita. Veja-se a título de exemplo os Acórdãos do Tribunal da Relação de Évora, de 29.03.2016, processo 558/13.4GBLLE, e o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 29.04.2014, processo 102/09.8GEBRG.G2, disponíveis em www.dgsi.pt. No caso em apreço entendemos que a finalidade que esteve na origem das filmagens ter sido exactamente a referida pelos Demandantes, ou seja, filmar a retirada dos móveis por forma a comprovar que tal remoção ocorreu de forma adequada. É ainda convicção do Tribunal que os autores da gravação foram surpreendidos pela conduta dos arguidos. Mais se refira que tal filmagem teve lugar em local público uma vez que embora tenha tido lugar no imóvel lote ...57, a câmara estava colocada na parte exterior do imóvel, captando parte do jardim e a via pública. Assim, embora as filmagens digam respeita à vida familiar dos arguidos, todos os factos constantes do despacho de pronúncia referem-se à sua vida pessoal. Mais entendemos que a gravação reveste especial importância uma vez que as versões apresentadas nos autos são manifestamente contraditórias. A tal propósito sempre se diga que os próprios arguidos acabam por admitir a relevância das gravações por entenderem que poderão revelar factos que lhes são favoráveis. Deste modo, consideramos que se encontra afastada a tipicidade do tipo legal de gravações ilícitas p. e p. pelo artigo 199.º do Código Penal. Face ao exposto, considera-se que a gravação sub judice não é violadora do art.º 199.º do Cód. Penal, motivo pelo qual poderá ser valorada, ao abrigo do disposto nos artigos 167.º e 127.º do Código Penal. Relativamente aos factos do despacho de pronúncia No que se reporta à factualidade de dia 04.04.2014, factos 1) da matéria de facto provada e 1) a 4) da matéria de facto não provada Relativamente às circunstâncias de tempo e lugar constantes de 1) da matéria de facto provada, os arguidos não põem tais elementos em causa nas declarações por si prestadas em sede de audiência de discussão e julgamento, corroborando-os. No mais, relativamente à matéria de facto não provada constante de 1) a 4) da matéria de facto não provada, o Tribunal teve em consideração, por um lado as declarações prestadas pelos arguidos CC e EE em sede de audiência de julgamento, e por outro lado o depoimento das testemunhas JJ e KK. Concretizando, Nas declarações iniciais prestadas em sede de audiência de julgamento a arguida CC refere que no dia 4 de Abril de 2014, acompanhada pelo arguido EE, seu namorado, dirigiu-se a ... para passar o fim de semana em casa da família tendo constatado ao chegar que a chave que possuía não abria a porta de entrada da casa. Nessa sequência, e uma vez que por vezes tal acontecia, telefonou ao seu pai tendo aparecido no local JJ que lhes abriu a porta. Mais refere que nessa data desconhecia que o imóvel tinha sido objecto de contrato promessa celebrado pelo seu pai, o que só veio a saber posteriormente. Mais refere ter entrado em casa sem qualquer oposição ou entrave, e aí ter permanecido juntamente com o arguido EE durante o fim de semana. Acrescenta não ter ocorrido qualquer ameaça por parte do arguido EE ao ofendido JJ. O arguido EE corrobora as declarações prestadas pela arguida CC, referindo não proferiu qualquer ameaça, nem sequer se recordar de ter trocado qualquer palavra com JJ. Nas declarações finais prestadas em audiência de julgamento a arguida CC, reiterando o que já havia dito, acrescenta que nesse mesmo dia a testemunha KK não se dirigiu ao imóvel, tendo estado apenas com a testemunha JJ. Continua dizendo que a testemunha KK apareceu no imóvel no dia seguinte, isto é dia 05.04.2014, tendo estado muito calmamente a conversar. O arguido EE nas declarações finais prestadas em sede de julgamento refere que em virtude de um compasso de espera para a abertura da porta e alguma má vontade por parte da testemunha JJ em fazê-lo, houve, de facto, alguma exaltação, admitindo inclusivamente algumas injúrias, mas nega ter proferido qualquer ameaça. À semelhança do que foi dito pela arguida CC, afirma que nesse dia 04.04.2014 a testemunha KK não esteve no local, tendo-se dirigido ao imóvel no dia seguinte, tendo estado a conversar calmamente. Por seu turno a testemunha JJ afirma que, na sequência de uma chamada telefónica da testemunha KK se dirigiu ao lote ...57 em ... para abrir a porta à arguida CC. Aí chegado, refere ter entregado a chave do imóvel ao KK tendo sido este a abrir a porta à arguida que entrou no imóvel. Mais refere que o arguido EE se dirigiu a si dizendo: “tu vai-te embora ou vou buscar a minha arma ao carro e dou-te um tiro”. Acrescenta que tal expressão lhe foi dirigida em tom sério, provocando-lhe medo. A testemunha KK no seu depoimento afirma ter recebido um telefonema do arguido AA solicitando-lhe que fosse abrir a porta do imóvel à sua filha e namorado desta para que retirassem alguns pertences. Continua dizendo que uma vez que não tinha na sua posse qualquer chave telefonou à testemunha JJ solicitando-lhe que se dirigisse ao local para abrir a porta. Acrescenta que minutos após ter chegado, chegaram a testemunha JJ e os arguidos, tendo-lhe pedido a chave. Nessa sequência convenceu a testemunha JJ a dar-lhe a chave e abriu a porta. Refere que o arguido EE, dirigindo-se a JJ disse-lhe que iria ao carro buscar uma arma e que o matava. Analisada toda a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, o Tribunal vê-se confrontado com as versões diametralmente opostas apresentadas pelas únicas pessoas que presenciaram directamente os factos em causa. Por um lado, a versão apresentada pelo arguido EE e inteiramente corroborada pela arguida CC, por outro lado a versão apresentada pelas testemunhas JJ e KK. A tal propósito há que salientar que as declarações dos arguidos CC e EE, pelo modo como foram prestadas, assumiram credibilidade. Assim, para a elaboração da matéria de facto, impôs-se uma análise mais profunda de ambas as versões trazidas aos autos. No que tange à versão apresentada pelos arguidos CC e EE, as suas declarações foram prestadas com firme convicção daquilo que se dizia, e de forma totalmente congruente entre si. Por outro lado, embora ambos tenham um interesse directo no desfecho do processo, tal não significa que o Tribunal, ab initio, e sem apoio em qualquer outro elemento, deva atribuir menor credibilidade à versão apresentada pelos arguidos do que a qualquer outra versão apresentada em juízo, sob pena de violação do princípio da presunção de inocência. Por sua vez, apesar de o depoimento das testemunhas JJ e KK se mostrar desacompanhado de qualquer outro testemunho, a verdade é que não consta dos autos nem foi referido em sede de audiência de julgamento nenhum elemento que permita concluir que tais testemunhas tenham algum interesse directo na causa, ou em prejudicar os arguidos, mais concretamente o arguido EE. Assim, perante as declarações dos arguidos e os depoimentos das testemunhas JJ e KK, em contradição frontal, o Tribunal nenhuma conclusão pode retirar, tendo ficado com sérias dúvidas acerca do modo como os factos concretamente ocorreram, se é que ocorreram. Deste modo e ao abrigo do princípio do “in dubio pro reo”, decidiu o Tribunal tais dúvidas a favor do arguido EE, dando como provados apenas os factos admitidos pelo arguido e em consonância com a demais prova constante dos autos, dando como não provados os demais factos constantes da acusação, que correspondem aos factos n.ºs 1) a 4) da matéria de facto não provada. No que se reporta à factualidade de dia 04.09.2014: Quanto aos factos n.º 4) da matéria de facto provada e 5) e 6) da matéria de facto não provada No que se reporta relativamente ao facto n.º 4) da matéria de facto provada a arguida admite que no dia 04 de Setembro de 2014, quando chegou ao lote ...57, pretendendo entrar no imóvel a fim de verificar o modo como o transporte dos seus bens estava a ser efectuado, retirou um dos ferros que compõe a vedação, que já estava solto, entrando através da vedação na parte exterior do imóvel. Concretiza saber que um dos ferros se encontrava solto e uma vez que não foi autorizada a entrar pela porta, retirou um dos tubos da vedação que sabia estar solto e entrou. A arguida CC confirma as declarações prestadas pela arguida BB afirmando que um dos ferros da vedação se encontrava solto, tendo a sua mãe BB, retirado esse ferro introduzindo-se por essa via no jardim do imóvel. No mesmo sentido o arguido EE afirma que apesar de não ter visto a arguida BB retirar qualquer ferro da vedação, sabia que três desses ferros se encontravam podres, uma vez que era ele quem os pintava. O arguido DD refere igualmente não ser visto ninguém arrancar qualquer ferro da vedação, tendo, contudo, conhecimento de que um dos ferros se encontrava solto. Relativamente ao depoimento prestado pelas testemunhas com relevância para a factualidade aqui em apreço, a testemunha LL afirma que no dia 04 de Setembro de 2014, encontrava-se junto ao lote ...57 quando os arguidos aí chegaram. Refere que a arguida BB abriu o gradeamento que cerca o imóvel, retirando um dos elementos que o compõem, entrando por essa via na parte exterior do imóvel. Concretiza que a vedação não poderia estar na sua plenitude, uma vez que a arguida não teve que usar da força para retirar o ferro, afastando dois ferros e retirando um deles. No mesmo sentido afirma a testemunha FF que a arguida BB retirou um dos ferros que compunha a vedação e se encontrava solto, entrando por essa via no jardim da propriedade. Afirma a testemunha MM, em sentido coincidente com os depoimentos anteriormente prestados, que a arguida BB arrancou da terra uma das varas que compõe a vedação do imóvel, retirando-a e conseguindo passar para o jardim. No que se reporta aos demandantes GG e HH, os mesmos não souberam concretizar, nos depoimentos por si prestados, em que condições se encontrava a vedação em data anterior aos acontecimentos do dia 4 de Setembro de 2014. Analisada a prova documental constantes dos autos verifica-se não ter sido junto qualquer documento que comprove que tal vedação foi efectivamente partida pela arguida BB. Deste modo, analisada toda a prova produzida em sede de audiência de julgamento, em conjugação com regras de lógica e experiência comum não se logrou apurar que a arguida tenha partido alguns elementos que compunham a vedação. As declarações da arguida BB e dos demais arguidos no sentido de que pelo menos um dos ferros que compõe a vedação se encontraria já solto não são contrariadas por qualquer prova produzida em sede de audiência de julgamento ou constante dos autos. Note-se que o depoimento das testemunhas supra identificadas acaba por corroborar, nesta parte, as declarações prestadas pela arguida no sentido de que a vedação não se encontraria em perfeitas condições. Mais se diga que de acordo com regras de lógica e experiência comum não se afigura lógico que, atenta a idade da arguida e a sua compleição física, a mesma tivesse força capaz de partir um dos elementos da vedação. Por tudo o exposto, resultam não provados os factos n.ºs 5) e 6) da matéria de facto não provada, uma vez que não se apurou que a arguida com a sua conduta tenha partido ou danificando um dos elementos da vedação, apenas se tendo apurado que o arrancou do solo onde se encontrava. Quanto aos factos n.ºs 3) a 8) da matéria de facto provada e factos n.ºs 7) a 9) da matéria de facto não provada Relativamente aos factos n.ºs 3) a 8) da matéria de facto provada comecemos por analisar as declarações prestadas pelos arguidos em sede de audiência de julgamento: - o arguido AA começa por afirmar que todos os arguidos estiverem na parte de fora do imóvel, mas que ninguém entrou na casa. Num momento posterior acaba por afirmar que talvez a sua esposa, a arguida BB, tenha entrado na casa; - a arguida BB afirma ter pedido para entrar no imóvel, embora não se recorde da identidade da pessoa a quem pediu. Mais afirma que após ter retirado o ferro da vedação e entrado por essa via para a parte exterior do imóvel, entrou na casa pela porta principal, tendo aí permanecido durante uns minutos com o intuito de verificar os seus pertences. Acrescenta que a Dra. NN, advogada da família a aconselhou a retirar-se do interior do imóvel uma vez que aí não podia permanecer; - a arguida CC afirma igualmente ter pedido autorização para entrar no imóvel, não se recordando e não conseguindo concretizar o nome da pessoa a quem solicitou autorização. Mais acrescenta que a sua mãe entrou em casa tendo entrado quase simultaneamente, tendo permanecido no interior da residência cerca de dois a três minutos, sendo aconselhada a sair pela Dra. NN. Concretiza que quando entrou em casa ninguém se opôs, tendo permanecido junto à porta; - o arguido EE refere ter chegado após os demais arguidos, num outro veículo. Afirma que quando chegou foi informado por um elemento da GNR que a arguida CC e a arguida BB se encontravam no interior da casa, tendo-se aproximado do portão da residência; - o arguido DD afirma ter sido dada autorização à sua mãe e irmã, as arguidas BB e CC, para entrar na residência, não sabendo concretizar por quem foi dada tal autorização. No mais admite ter estado no jardim e no interior da casa, embora por um curto período de tempo, tendo saído com as arguidas BB e CC. O arguido nega ter pulado o portão do imóvel para entrar, afirmando ter entrado pelo portão em socorro da sua mãe e irmã; Analisemos então o depoimento prestado pelas testemunhas a tal propósito: - a testemunha LL, afirma que já se encontrava no imóvel quando chegaram todos os arguidos à excepção do arguido EE, acompanhados pela sua advogada. Começa por afirmar que o arguido DD pulou o portão do imóvel, o qual se encontrava fechado, introduzindo-se por essa via no jardim do imóvel. Concretiza que o arguido DD foi o primeiro a entrar no imóvel. Continua dizendo que a arguida BB entra no jardim do imóvel através da vedação cujo ferro arrancou. Acrescenta que quase simultaneamente entram os arguidos CC e AA, tendo esta arguida aberto o portão que se encontrava no trinco, sendo seguida pelo arguido AA. Afirma que por ser advogado dos demandantes se tratava da única pessoa no local com legitimidade para autorizar os arguidos a entrar no imóvel, não tendo dado tal permissão a nenhum deles; - a testemunha FF afirma que o arguido DD pulou o portão, saltando para dentro da propriedade. Afirma que nesse momento o arguido AA também se encontrava no portão e que o portão foi aberto à força por estes dois arguidos. Continua afirmando que após entrar na parte exterior do imóvel o arguido DD entrou na habitação pela garagem tendo circulado pelo interior do imóvel, abrindo a porta principal, por onde entrou o arguido AA. Relativamente à arguida BB, diz que a mesma entrou na propriedade pela vedação através da abertura deixada pelo ferro que arrancou. Quanto à arguida CC, afirma que esta entrou através do portão e da porta de entrada principal da casa. Relativamente ao arguido EE afirma que esteve no jardim da propriedade, para lá do portão, não se recordando, contudo, se este arguido entrou na residência. - a testemunha MM afirma que o arguido DD agarrou o portão e saltou por cima deste, introduzindo-se por esta via no interior do jardim do imóvel. Após entrou na moradia pela porta da garagem, não sabendo concretizar se saiu do imóvel pela porta da garagem ou pela porta principal. Quanto aos demais arguidos, afirma que a arguida BB retirando um dos ferros que compõem a vedação introduziu-se por essa via no jardim do imóvel, entrando depois na casa. Relativamente os arguidos CC e AA, afirma que estes estiveram no interior da casa, local onde estiveram todos os arguidos à excepção do arguido EE. Relativamente a este arguido afirma não se recordar se entrou no imóvel, recordando-se apenas de que esteve no jardim; - a testemunha OO refere igualmente que o arguido DD pulou o portão, introduzindo-se assim na parte exterior do imóvel, dirigindo-se após à porta da garagem, local por onde entrou na casa e circulando pelo seu interior saiu pela porta principal. Relativamente à arguida BB afirma que a mesma retirado um ferro da vedação, introduziu-se por essa via no jardim do imóvel. Quanto aos arguidos CC e AA afirma que entraram no imóvel através do portão. No que concerne ao arguido EE, afirma que esse chegou mais tarde noutra viatura, não se recordando que tenha entrado na propriedade. Em suma, no que se reporta à entrada na casa, recorda-se que os arguidos DD e CC entraram na residência, não estando certo de que os arguidos BB e AA tenham entrado; - a testemunha PP, afirma que o arguido DD saltou o portão, avançando-o e introduzindo-se na parte exterior do imóvel. Acrescenta não se recordar que o arguido DD tenha entrado na casa, apenas de ter andado pelo jardim. Quanto aos demais arguidos afirma que não se recorda de os mesmos terem entrado na casa durante a confusão que se instalou aquando da sua chegada, referindo apenas recordar que terão entrado já depois de terminada a confusão, ordeiramente e com a autorização de alguém que julga ter sido o Comandante do Posto de ..., a testemunha QQ; - a testemunha RR, confirma o depoimento da anterior testemunha, ao afirmar apenas se recordar de os arguidos terem entrado na casa por acordo, após a confusão. Afirma que pensa que tal acordo foi alcançado pelo advogado os demandantes, em conjunto com a advogada dos arguidos e o Comandante do Posto de ...; - a testemunha QQ, Comandante da GNR do Posto de ..., afirma que já se encontrava no local quando os arguidos chegaram. Refere que alguém que pensa tratar-se do arguido DD saltou a vedação, permanecendo na parte exterior do imóvel. Quanto aos demais arguidos, afirma que os mesmos entraram no imóvel já em fase de negociações e com autorização, tendo os advogados dos demandantes e dos arguidos dado autorização, nomeadamente à arguida BB, para entrar no imóvel; Relativamente às demais testemunhas inquiridas, as mesmas nada de concreto souberam adiantar quanto a esta matéria. No que se reporta aos depoimentos prestados pelos demandantes GG e HH, sempre se diga que os mesmos afirmaram em sede de audiência de discussão e julgamento que no dia em causa não estavam presentes no local, motivo pelo qual tudo o que sabem lhes foi transmitido por outras pessoas que aí se encontravam, bem como pela visualização da gravação de imagem e som que foi junta aos autos. Por esse motivo, os seus depoimentos no que se reporta aos factos ocorridos do dia 04.09.2014 não assumiram relevância para a formação da convicção pelo Tribunal; Assim o Tribunal teve em consideração a gravação junta aos autos no decurso da audiência de discussão e julgamento, em conjugação com a extração de fotogramas e respectivas legendas juntos a fls. 1271 e ss dos autos. Com interesse para a matéria de facto aqui em apreciação, é possível verificar através da visualização da gravação e da análise dos fotogramas que todos os arguidos, à excepção do arguido EE, entraram no imóvel (diga-se 1057), isto é, transpuseram a vedação que o delimita. Mais é possível visualizar o modo como, num primeiro momento, o arguido DD salta o portão do imóvel, introduzindo-se por essa via no mesmo. Vê-se ainda nas filmagens e nos fotogramas extraídos das mesmas que a arguida BB, arrancando um dos ferros que compõe a vedação, introduz-se por essa via no imóvel. No mais, da gravação e dos fotogramas não permite visualizar quais os arguidos entraram na casa, em que momento e por quanto tempo aí permaneceram. A tal propósito o Tribunal fica limitado às declarações dos arguidos em conjugação com a prova testemunhal produzida em sede de audiência de discussão e julgamento. Cumpre antes de mais ressalvar que todas as testemunhas presentes relataram um clima de grande tensão vivenciado com a chegada dos arguidos, relatando que os mesmos se encontravam bastante exaltados. Mais se diga que os próprios arguidos referem que a confusão foi grande, não negando o clima de tensão e stress vivenciado também por si. Tal serve para referir que, neste contexto de confusão, o Tribunal entende como normais algumas divergências entre os depoimentos das testemunhas presentes no local, tal como supra referidos. Note-se que as testemunhas foram afirmando que estava muita coisa a acontecer ao mesmo tempo e que se foram dividindo, prestando mais atenção a alguns detalhes do que a outros. No entanto, quando tais divergências de prova coloquem o Tribunal numa situação de dúvida quanto ao modo como os acontecimentos tiveram lugar, não permitindo ao julgador formar convicção suficientemente segura relativamente aos mesmos, tais dúvidas têm que ser decididas a favor dos arguidos por aplicação do princípio in dúbio pro reu. Assim, no cômputo de toda a prova produzida, o Tribunal formou convicção segura quanto aos factos constes dos n.ºs 3) a 8) da matéria de facto provada, nos seguintes termos: Embora o arguido DD afirme não ter saltado o portão da residência, as suas declarações são, neste ponto, diametralmente contrariadas pelo depoimento unanime de todas as testemunhas presentes no local, do modo já referido. Acresce que da visualização da gravação junta aos autos, bem como da análise dos fotogramas é possível verificar que o arguido saltou o portão, introduzindo-se desta forma no imóvel, local onde foi imobilizado pelos seguranças que aí se encontravam. Assim, o Tribunal não julga credíveis as declarações prestadas pelo arguido quanto a este ponto, dando como provado o facto n.º 3) da matéria de facto provada. Relativamente à arguida BB, a própria admite nas declarações por si prestadas em sede de audiência de julgamento ter arrancado um dos ferros que compõe a vedação, entrando por essa via para a parte exterior do imóvel, pelo que o Tribunal deu como provado o facto n.º 4) da matéria de facto provada. Deste modo e atendendo à forma como os arguidos DD e BB se introduziram no imóvel, nos termos já explanados, dúvidas não teve o Tribunal em considerar que estes arguidos se introduziram no imóvel sem o consentimento dos proprietários, dando como provados os factos n.ºs 6) e 7) da matéria de facto provada. Relativamente aos arguidos CC e AA é perceptível da visualização das filmagens juntas aos autos, em conjugação com a análise dos fotogramas extraídos das mesmas que estes arguidos entraram no imóvel pelo portão. No entanto, relativamente a tais arguidos, fica o Tribunal em situação de dúvida quanto a saber se estes arguidos foram autorizados a entrar no imóvel e, em caso afirmativo, quem lhes concedeu tal autorização. A tal propósito refira-se que a testemunha LL afirma que sendo o advogado dos proprietários do imóvel seria a única pessoa no local com legitimidade para autorizar os arguidos a entrar no imóvel, não tendo dado tal autorização a nenhum deles. Contudo, o seu depoimento é nesta parte contrariado pelo depoimento das testemunhas PP, RR e QQ, respetivamente militares da GNR e Comandante do Posto Territorial de ..., ao afirmar que os arguidos entraram na casa, já após resolvida a confusão, e com autorização dos respetivos advogados. Deste modo, o Tribunal apenas poderá dar como provado o que é admitido pelos arguidos CC e AA, e corroborado pelas gravações juntas aos autos, no sentido de que entraram no imóvel e aí permanecerem por alguns minutos. No que concerne à autorização que referem ter tido para entrar no imóvel, atenta a prova produzida, não se encontra o Tribunal em condições de afirmar se tal autorização lhes foi concedida e em que momento, dados os depoimentos manifestamente contraditórios da testemunha LL, com o depoimento das testemunhas PP, RR e QQ. Quanto ao arguido EE nenhuma prova foi produzida que permita concluir que este tenha estado no interior do imóvel, sem ter autorização para o efeito. Assim o Tribunal apenas dá como provado o que foi admitido pelo próprio arguido ao afirmar que apenas se aproximou do portão. Mais se diga que não se logrou apurar a existência de qualquer plano delineado por todos arguidos no sentido de entrarem no imóvel pertença dos ofendidos GG e HH. Por tudo o exposto o Tribunal deu como provados os factos n.ºs 3) a 8) e como não proados os factos n.ºs 7) a 9) da matéria de facto não provada. Quanto aos factos n.ºs 9) e 10) da matéria de facto provada e 10) a 16) da matéria de facto não provada Nas declarações por si prestadas em sede de audiência de julgamento, o arguido AA nega ter agredido ou ameaçado alguém. Afirma que o ambiente vivido era de grande exaltação, mas que não passou de palavras. Relativamente ao ofendido FF afirma não saber de quem se trata, negando ter-lhe batido ou partido os óculos deste. A testemunha LL confirma que o arguido AA se encontrava bastante exaltado, assumido até uma postura agressiva. Quanto ao ofendido FF refere ter visto o arguido AA empurra-lo cerca de duas vezes, não tendo presenciado qualquer agressão. O ofendido FF afirmou que no dia em que estavam a ser removidos os móveis do lote ...57 os arguidos chegaram todos bastante exaltados, gritando e proferindo expressões que não entendia porque não percebe português. Mais afirma que os arguidos AA e DD estavam agarrados ao portão a tentar entrar na propriedade, empurrando o portão e cuspindo, sendo que nessa altura o arguido DD disse que lhe dava um tiro. Continua dizendo que quando ainda estavam junto ao portão, o arguido AA que se encontrava da parte de fora do portão deu-lhe um murro por cima do portão, acertando-lhe na cara e partindo os óculos que caíram no chão. Após, refere que o arguido DD saltou o portão do imóvel e puxou-lhe o relógio que trazia no pulso. Após o arguido AA deu-lhe um pontapé que fez o relógio cair no chão. No que concerne às expressões proferidas, afirma que o arguido AA o insultou chamando-lhe palhaço, porco e cabrão. Acrescenta que posteriormente lhe transmitido que o arguido AA o ameaçou de que o iria matar, sendo que tal lhe foi dito pela testemunha OO que posteriormente traduziu o que o arguido disse. Quanto aos óculos, refere que a reparação custou €130,00 os quais foram suportados pela empresa de segurança para a qual trabalha, tendo custeado o remanescente não se recordando do montante. Relativamente ao relógio, refere tratar-se de um relógio antigo comprado pelo seu pai, tratando-se de um modelo insubstituível. Mais refere que o relógio não foi reparado. Neste concreto ponto o seu depoimento foi conjugado com os documentos de fls. 557 e 558 dos autos. Conclui afirmando ter tido medo dos arguidos, receando que tivessem armas, medo que persiste até hoje. A testemunha MM afirma que o arguido AA dirigindo-se ao ofendido FF disse que lhe dava um tiro, tentando empurra-lo e agredi-lo. Mais refere que a determinada altura reparou que o ofendido FF não tinha os óculos na face, não sabendo concretizar o que aconteceu. Reactivamente ao relógio do ofendido afirma que ficou danificado, não tendo visto o que aconteceu. Acrescenta que o ofendido FF ficou bastante abalado, afastando-se do local porque estava a ser ameaçado. A testemunha OO afirma ter visto que o ofendido FF ficou com os óculos partidos e o relógio danificado, não sendo capaz de concretizar o que aconteceu. Refere que tal terá acontecido no “calor do momento” enquanto os arguidos empurravam o portão e os seguranças tentavam segurá-lo. Quanto a expressões dirigidas ao ofendido FF refere que ouvido o arguido AA dizer-lhe qualquer coisa como “volta para a tua terra”, sendo a única que se recorda de ter ouvido. A testemunha PP afirma não se recordar de qualquer contacto físico entre o arguido AA e os seguranças da V..., Lda, apenas de recordando de o arguido DD ter empurrado os seguranças. Mais refere não se recordar se ter visto algum dos seguranças com os óculos partidos ou apesentado marcas de agressão. Relativamente a ameaças proferidas afirma nada saber. A testemunha RR afirma não ter assistido a agressões ou ameaças. A testemunha QQ refere ter presenciado tentativas de agressão por parte dos arguidos aos seguranças da V..., Lda, não se recordando que tenha ocorrido qualquer agressão. Mais refere que o arguido AA, encontrando-se bastante exaltado, dirigia-se aos seguranças da V..., Lda apelidando-os de palhaços, não se recordando de qualquer expressão em tom ameaçador, nem sequer de ter ouvido o arguido falar em armas ou em tiros. Foi determinada a reinquirição do ofendido FF em sede de audiência de julgamento, na tentativa de concretizar quais as ofensas de que foi alvo e por quem foram perpetradas. Nessa sede, o ofendido reafirma que a confusão foi muito grande e havia uma grande exaltação sobretudo por parte do arguido AA, assumindo uma postura bastante agressiva. Relativamente às ofensas de que foi alvo afirmou ter sido o arguido DD que lhe partiu os óculos. Concretiza que tal sucedeu no momento em que o arguido DD saltou o portão, deu-lhe um soco na cara os seus óculos caíram e quando se encontravam no chão o arguido calcou-os. Quanto ao relógio, afirma que num dos puxões que lhe foi dado pelo arguido AA quando se encontravam junto ao portão o seu relógio terá ficado solto. Continua dizendo que no meio de toda esta confusão poderá ter sido o arguido AA e enfraquecer o relógio que trazia no pulso e o arguido DD a parti-lo, não conseguindo concretizar. Assim, analisada a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, verifica-se que o próprio ofendido FF afirma ter sido o arguido DD e dar-lhe um muro na cara partindo-lhe os óculos, e não o arguido AA. No mais, a prova produzida em sede de audiência de julgamento não permite afirmar com convicção suficientemente segura que o arguido AA tenha dado um puxão no braço do ofendido FF que lhe partiu o relógio. Vejamos, O depoimento prestado pelo ofendido relativamente a esta matéria mostrou-se bastante incongruente e contraditório. Na primeira vez que prestou depoimento em sede de audiência de julgamento o ofendido afirmou que o seu relógio ficou partido quando o arguido AA lhe deu um pontapé no braço, que fez o seu relógio cair ao chão. Aquando da sua reinquirição em sede de audiência de julgamento o ofendido afirma que o seu relógio terá ficado soltou num dos puxões que lhe foi dado pelo arguido AA quando se encontrava junto ao portão, afirmando que poderá ter sido este arguido a enfraquecer o relógio e o arguido DD a parti-lo, não sendo capaz de concretizar com exatidão o que aconteceu. Das demais testemunhas inquiridas em sede de audiência de discussão e julgamento, nada em concreto souberam adiantar quanto ao que aconteceu ao relógio do ofendido FF. Embora as testemunhas MM e OO afirmem ter visto que o relógio do ofendido FF ficou danificado durante a confusão que envolveu os arguidos, ambas as testemunhas referem não ter visto e não conseguirem concretizar o que aconteceu. Fica assim o Tribunal limitado ao depoimento do ofendido FF que, pelos motivos supra expostos não permite ao Tribunal formar convicção suficientemente segura de que tenha sido o arguido AA a partir-lhe o relógio, nem de que forma tal sucedeu. Por tal motivo resultam não provados os factos n.ºs 10) a 12) da matéria de facto não provada. No que concerne a ameaças proferidas, refere o ofendido que o arguido AA disse que lhe dava um tiro. Mais afirma que não percebe português e por tal motivo no momento da confusão não percebeu o que lhe foi dito pelo arguido AA. Acrescenta que tal expressão lhe foi traduzida pelo seu colega, a testemunha OO. Contudo, a testemunha OO no depoimento prestado não corrobora o depoimento da testemunha FF. Tal testemunha, embora refira que o arguido AA se dirigiu ao ofendido John O’ Gorman em tom ameaçador, refere apenas que o arguido AA terá dito ao ofendido qualquer coisa como “volta para a tua terra”, tendo sido a única expressão da qual se recorda. Relativamente ao depoimento das restantes testemunhas, apenas a testemunha MM afirma ter ouvido o arguido AA dizer ao ofendido FF que lhe dava um tiro. Por seu turno, as testemunhas PP, RR e QQ, militares da GNR que se encontravam no local, referem não ter ouvido qualquer expressão ameaçadora dirigida pelo arguido AA ao ofendido. A testemunha QQ, Comandante do Posto da GNR de ..., afirma mesmo não ter ouvido falar em tiros. Deste modo, se por um lado o depoimento da testemunha OO não corrobora o depoimento do ofendido FF, o depoimento das demais testemunhas inquiridas não permite ao Tribunal formar convicção segura de que o arguido AA tenha dito ao ofendido FF que lhe dava um tiro. Note-se que relativamente às testemunhas MM, PP, RR e QQ, todos afirmam que se encontravam no local desse momento anterior à chegada dos arguidos, tendo por esse motivo assistido a todo o desenrolar da situação. Contudo, os seus depoimentos são, neste ponto, manifestamente contraditórios. A testemunha MM afirma ter ouvido o arguido AA dizer ao ofendido que lhe dava um tiro. As demais testemunhas afirmam nada ter ouvido, afirmando a testemunha QQ nem sequer ter ouvido falar em tiros. Por outro lado, a testemunha OO não corrobora, nesta parte, o depoimento do ofendido e da testemunha MM. Deste modo, a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento não foi de molde a convencer o Tribunal de que o arguido AA tenha proferido tais expressões. Relativamente ao depoimento as testemunhas PP, RR e QQ, militares da GNR que se encontravam no local, nada resulta dos autos que coloque em causa a isenção dos seus depoimentos. Note-se que não resultou na prova produzida nem consta dos autos qualquer circunstância capaz de abalar a credibilidade dos depoimentos por si prestados. Ora tais testemunhas afirmam categoricamente não ter ouvido qualquer expressão ameaçadora por parte do arguido AA ao ofendido FF. Face ao exposto resultam não provados os factos n.ºs 13) a 16) da matéria de facto não provada. Da contestação apresentada pelos arguidos: Factos n.ºs 11) a 13) da matéria de facto provada e 17) a 20) da matéria de facto não provada No que se reporta ao facto n.º 11) da matéria de facto provada, remete-se para a fundamentação dos factos nºs 1) da matéria de facto provada, dando-se por reproduzidos os fundamentos aí expostos, os quais resultam das declarações prestadas pelos arguidos CC e EE em sede de audiência de julgamento, tendo obtido credibilidade. Quanto ao facto n.º 12) da matéria de facto provada, foram tidas em consideração as declarações prestadas pelos arguidos em sede de audiência de julgamento, afirmando que ao ter conhecimento que os bens móveis estavam a ser removidos do imóvel, deslocaram-se de ... a ... a fim de verificar as condições em que a remoção dos bens estava a ser executada, nos termos já expostos na fundamentação do facto n.º 4) da matéria de facto provada e para a qual se remete. No que se reporta ao facto n.º 17) da matéria de facto não provada, nenhuma prova se produziu em sede de audiência de julgamento que permita afirmar em que condições os bens móveis dos arguidos estavam a ser removidos e de que forma eram transportados do interior da residência para a carrinha de mudanças. Relativamente aos factos n.ºs 18) e 19) da matéria de facto não provada, embora a arguida BB afirme ter sido agarrada por um dos seguranças e o arguido DD afirme ter ido em seu auxílio, as suas declarações não mereceram credibilidade. Por um lado, nenhuma das testemunhas presentes do local confirma as declarações prestadas pelos arguidos BB e DD. Por outro lado, é possível extrair da visualização das gravações juntas aos autos, bem como da análise dos fotogramas que o arguido DD é o primeiro dos arguidos a introduzir-se no imóvel, saltando o portão, num momento em que a arguida BB permanecia ainda do lado de fora da vedação. Deste modo as declarações do arguido DD ao afirmar que entrou no imóvel com o intuito de ajudar a arguida BB que se encontrava a ser agarrada pelos seguranças não mereceram credibilidade. Mais se acrescente que as imagens juntas a fls. 539 e 540 dos autos não são suficientes para prova do alegado pelos arguidos em sede de contestação, não constando de tais imagens qualquer data que permita ao Tribunal formar convicção quanto à data em que tais fotografias foram tiradas. Deste modo, e na ausência de outra prova, resultam tais factos não provados. Quanto ao facto n.º 20) da matéria de facto não provada, o mesmo para além de não ser confirmando pelo arguido EE nas declarações prestadas em sede de audiência de julgamento, não resulta igualmente do depoimento de nenhuma das testemunhas militares da GNR que estiveram presentes no local, motivo pelo qual tal factualidade resulta não provada. Do Pedido de Indeminização civil apresentado pelo demandante FF: Dos factos n.º 13) da matéria de facto provada e 23) a 25) da matéria de facto não provada No que se reporta ao facto n.º 13) da matéria de facto provada, o Tribunal teve em consideração o depoimento prestado pelo demandante, em conjugação com a prova documental junta a fls. 557 e 558 dos autos, bem como o depoimento das testemunhas MM, OO, nos termos expostos aquando já fundamentação dos factos n.ºs 9) e 10) da matéria de facto provada e 10) a 16) da matéria de facto não provada, os quais se são por integralmente reproduzidos. Assim, ainda que o Tribunal considere provado com base no depoimento do ofendido e das referidas testemunhas que nas circunstâncias de tempo e lugar constantes em 9) da matéria de facto provada, os óculos e o relógio do demandante ficaram danificados, não se logrou apurar o modo como tal sucedeu, ou que tenha ocorrido em virtude da actuação do arguido AA. No que se reporta ao custo de reparação dos óculos, o Tribunal teve em consideração o depoimento do demandante, em conjugação com o documento de fls. 557 dos autos. Quanto ao facto n.º 24) da matéria de facto não provada, embora o demandante apresente a factura de fls. 558 dos autos, afirma que tal factura não se refere ao custo de substituição do relógio, o qual não chegou a ser substituído, mas sim ao valor do mesmo à data da prática dos factos. Relativamente ao facto n.º 25) da matéria de facto não provada embora o demandante tenha relatado ter sentido medo e ter ficado com hematomas, não se apurou que tal tenha ocorrido de qualquer actuação do arguido AA, nos termos já explanados, motivo pelo qual tal facto resulta não provado. Do Pedido de Indemnização civil apresentado pelos demandantes GG e HH No que se reporta aos factos n.ºs 14) a 20) da matéria de facto provada, o Tribunal teve em consideração dos depoimentos prestados pelos demandantes GG e HH, em conjugação com a prova documental constante dos autos a fls. 623 a 780. O demandante GG no depoimento prestado em sede de audiência de julgamento relatou ter adquirido o lote ...57 no ano de 2014, assinado contrato promessa em virtude do qual entregou 10% do valor global da venda, tendo ficado acordado que o remanescente seria pago no prazo de quatro semanas, tendo sido celebrada a escritura no dia 4 de Abril de 2014. Mais refere ter recebido a chave do imóvel, tendo sido acordado com o arguido AA que os bens móveis seriam retirados do imóvel por este, o que nunca aconteceu. Por tal motivo e após diversas interpelações ao arguido AA para retirar os bens móveis, no dia 4 de setembro de 2014 contratou uma empresa mandando retirar os bens móveis do lote ...57 e guarda-los num armazém. Continua dizendo nunca ter ido residir para o lote ...57, não tendo efectivado a mudança de residência, porque tinha medo dos arguidos em virtude de diversas ameaças por parte dos arguidos a si e à sua família, sobretudo os arguidos AA e DD. Refere que foi em virtude das ameaças constantes dos arguidos que contratou uma equipa de segurança. Mais acrescenta que colocou o Lote ...47 à venda, chegando a ter uma proposta de compra no montante de quatro milhões de euros que não aceitou uma vez que não podia ocupar o lote ...57. Continua dizendo que esta situação se arrastou, tendo suportado despesas relativas a juros do empréstimo que contraiu para aquisição do lote ...57, no montante global de cerca de oitocentos mil euros. Mais refere ter sentido medo, tal como a sua família, e que a doença de Parkinson de que padece piorou bastante fruto desta situação. A demandante HH corrobora o depoimento prestado pelo demandante GG nos pontos essenciais. Afirma que em virtude de telefonemas e ameaças constantes por parte dos arguidos contrataram uma equipa de segurança. Mais refere que foi pelo mesmo motivo que procederam à instalação de sistemas de videovigilância melhores do que os que já estavam instalados nos lotes ...47 e ...57. Relata que em virtude do medo que sentiam dos arguidos passaram a trancar tudo, não se sentindo confortáveis, não se sentindo livre e sentindo-se constantemente vigiada. No que se reporta aos prejuízos sofridos afirma que uma vez que a venda do Lote ...47 que já detinham demorou mais a acontecer do que o inicialmente previsto, tiveram que suportar os custos inerentes ao empréstimo que haviam contraído para aquisição do lote ...57. Mais refere que suportaram custos com a segurança em montante que não sabe concretizar. A testemunha LL corrobora o depoimento prestado pelos demandantes. Confrontado com o documento de fls. 587 dos autos confirma tratar-se da hipoteca contraída pelos demandantes para aquisição do lote ...57, tendo estado presente na sua negociação. Mais refere que os demandantes não conseguiram mudar-se para o lote ...57, uma vez que sempre que lá iam tinham que contratar uma empresa de segurança, suportando os custos inerentes. Continua afirmando que os demandantes tinham receio de permanecer no lote ...57, tendo inclusivamente reforçado a segurança tanto do lote que já possuíam, como do lote que adquiriram. Assim, com base no depoimento dos demandantes, em conjugação com o da testemunha LL e da prova documental junta aos autos, resultam provados os factos n.ºs 14) a 20) da matéria de facto provada. No que se reporta ao facto n.º 26) da matéria de facto não provada, nenhuma das testemunhas soube concretizar qual o montante que foi custeado pelos demandantes em despesas com a contratação de equipa de segurança, inexistindo nos autos prova documental capaz de comprovar tais montantes. Relativamente ao facto n.º 27) da matéria de facto não provada, não se apurou que os prejuízos sofridos pelos demandantes e constantes de 14) a 20) da matéria de facto provada tenham sido consequência da actuação dos arguidos tal como descrita em 1) a 8) da matéria de facto provada. Note-se que os demandantes relatam que tais situações advieram de ameaças proferidas pelos arguidos, algumas das quais por telemóvel, contra si e contra a sua família as quais perduraram ao longe de vários meses. Deste modo, resulta dos próprios depoimentos prestados pelos demandantes que os prejuízos por si sofridos não advêm directamente da actuação dos arguidos nos dias 4 de Abril de 2014 e 4 de Setembro de 2014 que aqui estão em apreciação. Por tal motivo tais factos resultam não provados. No que concerne ao facto n.º 28) da matéria de facto não provada, nenhuma prova foi produzida em sede de audiência de julgamento, nem foi junto aos autos qualquer documento que permita afirmar que os demandantes colocaram o Lote ...47 à venda em data anterior à aquisição do lote n.º ...57. Por tal motivo este facto resulta não provado. Das condições pessoais dos arguidos e antecedentes criminais constantes dos factos n.ºs 21) a 45) da matéria de facto provada No que se reporta às condições pessoais dos arguidos AA, BB e DD, foram valorados os relatórios sociais juntos aos autos, cujo teor não foi impugnado. Quanto às condições pessoais dos arguidos CC e EE o Tribunal teve em consideração as declarações prestadas pelos mesmos em sede de audiência de discussão e julgamento, as quais mereceram total credibilidade. Finalmente no que concerne aos antecedentes criminais dos arguidos foram tidos em consideração os respectivos certificados de registo criminal juntos aos autos. * Assim, em resumo, a questão posta no recurso está em saber se, não obstante os arguidos terem sido absolvidos na 1ª instância dos crimes de que foram acusados e absolvidos do pedido de indemnização civil formulado pelo demandantes, se impunha a condenação parcial deles no pedido de indemnização civil, por o Tribunal da Relação (tribunal recorrido) ter alterado alguns factos, dando-lhes nova redação, integrando nos factos provados os elementos objetivos e subjectivos do crime de violação de domicílio, p. e p. pelos artigos 26.º e 196.º do Código Penal, em relação aos arguidos AA, BB, DD e CC, e o crime de dano, p. e p. pelo artigo 212.º, n.º 1 do Código Penal, em relação à arguida BB. * II.4. Como questão prévia importa referir que o presente recurso se restringe a matéria cível, relativamente à decisão proferida pelo Tribunal da Relação ..., que julgou parcialmente procedente o pedido de indemnização civil formulado por GG e HH, na qualidade de demandantes cíveis contra os arguidos, ora recorrentes, AA, BB, DD, CC e EE. Nos presentes autos, como já se viu, por sentença de 11-02-2021, decidiu o Tribunal Judicial da Comarca ... Juízo Local Criminal ... - Juiz ..., quanto à parte crime: a) Absolver o arguido EE, da prática em material e na forma consumada de um crime de ameaça agravada, p. e p. pelo artigo 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1 alínea a) do Código Penal; b) Absolver o arguido AA, da prática em autoria material e na forma consumada, da prática de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143.º, n.º 1 do Código Penal; c) Absolver o arguido AA da prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de ameaça agravada, p. e p. pelo artigo 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1 alínea a) do Código Penal; d) Absolver a arguida BB, da prática em autoria material e na forma consumada da prática de um crime de dano, p. e p. pelo artigo 212.º, n.º 1 do Código Penal; e) Absolver os arguidos, AA, BB, DD, CC e EE, pela prática, em co-autoria material e na forma consumada de um crime de violação de domicílio, p. e p. pelos artigos 26.º e 196.º do Código Penal. E quanto à parte civil, julgar o pedido de indemnização civil formulado pelo demandante FF totalmente improcedente e, em consequência, absolver os demandados AA e DD de tal pedido e julgar o pedido de indemnização civil formulado pelos demandantes GG e HH totalmente improcedente e, em consequência, absolver-se os demandados AA, BB, CC, DD e EE de tal pedido. Houve recurso dos peticionantes cíveis GG e HH para o Tribunal da Relação ... que, julgando parcialmente procedente o recurso, em consequência, alterou alguns factos, dando-lhes nova redação, integrando nos factos provados os elementos objetivos e subjectivos do crime de violação de domicilio, acabando por condenar os arguidos AA, BB, DD e CC a pagar, solidariamente, a GG e HH a quantia global de 60.000 € (sessenta mil euros), a título de danos patrimoniais (30.000 €) e não patrimoniais (30.000 €), acrescidos de juros de mora vencidos e vincendos desde a data da notificação do pedido cível e até integral pagamento. No entanto, não obstante o teor da decisão recorrida e a previsão do artigo 410º, nº 2 do C.P.P., a matéria penal transitou em julgado face à inexistência de recurso do Ministério Público. Tal significa que, na decisão recorrida, transitou em julgado tudo o que constitua pressuposto da responsabilização penal, limitando-se o recurso à parte cível e apenas quanto ao pedido cível deduzido por GG e HH, já que FF não recorreu. Assim, o presente recurso assume uma especial relevância numa vertente que pode confluir com os seus limites e objecto. E que se traduz no seguinte: Perguntamo-nos, porém, até que ponto se pode estender o conhecimento do tribunal de recurso, quando transitou em julgado a parte penal que julgou definitivamente a responsabilidade criminal? * II.4.2. Apreciando a questão dir-se-á, em primeiro lugar, que o nosso ordenamento jurídico consagra a regra geral de adesão obrigatória da demanda cível de indemnização, baseada na prática de factos que constituam crime, à acção penal respectiva. Nos termos do artigo 71 do Código de Processo Penal o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, só o podendo ser em separado perante o tribunal civil nos casos previstos na lei. Na teleologia do mesmo normativo o pedido de indemnização civil deduzido em processo penal tem sempre de ser fundamentado na prática de um crime, ou seja, tem de ter na sua base uma conduta criminosa que determina o funcionamento do princípio da adesão. A interdependência das acções significa que mantêm a independência nos pressupostos e nas finalidades (objecto), sendo a acção penal dependente dos pressupostos que definem um ilícito criminal e que permitem a aplicação de uma sanção penal, e a acção civil dos pressupostos próprios da responsabilidade civil. A indemnização de perdas e danos emergente de um crime é regulada pela lei civil (artigo 129.º do Código Penal) nos respectivos pressupostos e só processualmente é regulada pela lei processual penal. Quer isto dizer que a interdependência das acções significa independência substantiva e dependência (a “adesão”) processual da acção civil ao processo penal. «Com a consagração do princípio da adesão resolvem-se no processo penal todas as questões que envolvem o facto criminoso em qualquer uma das suas vertentes sem necessidade de recorrer a mecanismos autónomos e, por outro lado, salienta-se a manifesta economia de meios uma vez que os interessados não necessitam de despender e dispersar custos quando afinal o tribunal a quem se atribuiu competência para conhecer do crime, oferece as mesmas garantias quando ela é alargada ao conhecimento de uma matéria que está intimamente ligada a esse crime; finalmente importa salientar razões de prestígio institucional, o qual poderia ser posto em jogo se houvesse que enfrentar julgados contraditórios acerca do ilícito criminal a julgar, um no foro criminal com determinado sentido e outro no foro cível, eventualmente com expressão completamente contrária ou oposta. Como se refere em acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Julho de 2008 interdependência das acções significa que mantêm a independência nos pressupostos e nas finalidades (objecto), sendo a acção penal dependente dos pressupostos que definem um ilícito criminal e que permitem a aplicação de uma sanção penal, e a acção civil dos pressupostos próprios da responsabilidade civil; a indemnização de perdas e danos emergente de um crime é regulada pela lei civil (artigo 129º do Código Penal) nos respectivos pressupostos e só processualmente é regulada pela lei processual penal; a interdependência das acções significa, pois, independência substantiva e dependência (a «adesão») processual da acção cível ao processo penal. Com o exercício da acção civil o que está em causa no processo penal é o conhecimento pelo tribunal de factos que constam da acusação e do respectivo pedido de indemnização e que, consequentemente, são coincidentes no que refere á caracterização do acto ilícito; atributo próprio do pedido cível formulado será o conhecimento e a definição do prejuízo reparável; o itinerário probatório é exactamente o mesmo no que toca aos factos que consubstanciam a responsabilidade criminal e a responsabilidade civil, havendo, apenas, que acrescentar que em relação a esta há, ainda, que provar os factos que indicam o dano e o nexo causal entre o dano e o facto ilícito».[1] Nos termos do artigo 377.º do CPP, «A sentença, ainda que absolutória, condena o arguido em indemnização civil sempre que o pedido respectivo vier a revelar-se fundado, sem prejuízo do disposto no nº 3 do artigo 82º», isto é, do juiz remeter as partes para os meios comuns. O que significa que, mesmo nos casos de absolvição pelo crime, o tribunal não fica dispensado de conhecer do pedido de indemnização civil e condenar o arguido “sempre que o respectivo pedido vier a revelar-se fundado”. A propósito do pedido de indemnização civil deduzido em processo penal, o Supremo Tribunal de Justiça, fixou jurisprudência no acórdão n.º 7/99, de 27 de Junho, publicado no Diário da República, I Série – A, de 3 de Agosto de 1999, segundo a qual «Se em processo penal for deduzido pedido cível, tendo o mesmo por fundamento um facto ilícito criminal, verificando-se o caso previsto no artigo 377.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, ou seja, a absolvição do arguido, este só poderá ser condenado em indemnização civil se o pedido se fundar em responsabilidade extracontratual ou aquiliana, com exclusão da responsabilidade civil contratual.»[2]. A norma, na interpretação fixada, implica, por conseguinte, que, mesmo nos casos de absolvição pelo crime, o tribunal deva conhecer do pedido de indemnização civil e condenar o arguido sempre e desde que se comprove a respectiva responsabilidade extracontratual por factos ilícitos (ou pelo risco). In casu, como já dissemos, o acórdão recorrido, na sua motivação ponto B.22 afirma: «O caso concreto faz destacar a incongruência de um claro ilícito cível já aqui reconhecido pelo tribunal recorrido ao dar como provados os factos 2) a 8) a ser menosprezado por uma ideia de correspondência automatizada entre absolvição crime e a absolvição cível, que a lei processual penal actual não permite e até muito explicitamente o artigo 377º do código contraria», resultando do texto do mesmo acórdão, que o tribunal de 1ª instância e apenas com base nos factos 2) a 8) que deu por provados, deveria ter considerado desde logo a existência de um ilícito cível e por consequência a existência de um nexo de causalidade entre os factos causados pelos arguidos e os danos causados aos demandantes cíveis. Ou seja, o que o Tribunal pretendeu expressamente afirmar foi que o tribunal “a quo” tinha matéria para condenar civilmente os arguidos, não obstante os ter absolvido na matéria criminal. Daí que, verificada a responsabilidade por facto ilícito, se impusesse à Relação, nos termos do artigo 377.º, n.º 1, do CPP, a condenação dos arguidos no pedido de indemnização civil contra eles deduzido. Entendemos, porém, que o recurso restrito ao pedido cível não pode, em nenhuma circunstância, ferir o caso julgado que se formou em relação á responsabilidade criminal. Na verdade, o recurso relativo á matéria cível apenas pode abarcar a impugnação da decisão proferida no que toca especificamente ao conhecimento e decisão próprios e específicos do pedido cível, ou seja, ao prejuízo reparável.[3] * II.4.3. Assumido o exposto como pressuposto lógico e incontornável da questão do fundo do presente recurso, verifica-se que a decisão recorrida, como foi já referido, alterou a matéria de facto provada quanto ao ponto 4 (acrescentando o ponto 4.a) no sentido de dar como provado que a arguida BB, praticou um crime de dano, p. e p. pelo artigo 212.º, n.º 1 do Código Penal, fazendo desaparecer os factos não provados 5) e 6); alterou os factos 6), 7) e 8), dando-lhes nova redacção, no sentido de dar como provado que AA, BB, DD e CC, praticaram em co-autoria material um crime de violação de domicílio, p. e p. pelos artigos 26.º e 196.º do Código Penal; e alterou o facto não provado sob 27) passando a ter nova redacção, no sentido de permitir estabelecer o nexo causal directo entre a conduta dos arguidos e o dano, para concluir que a conduta dos arguidos, descrita em 1) a 8) da matéria de facto provada, causou danos de natureza patrimonial (reforço necessário com a vigilância e para reforço com a sua segurança) e não patrimonial (por os demandantes sentiram medo, vivendo em sobressalto), o que, no nosso entendimento, não é admissível nos termos que ficaram expostos. II.4.4. Os recorrentes invocam a nulidade do acórdão, por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Penal. Dispõe esse normativo que “é nula a sentença quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”. Assim, “na alínea c) do n.º 1 estabelece-se a sanção da nulidade quando o tribunal viola os seus poderes/deveres de cognição, ou seja, quando omite pronúncia ou a excede. A nulidade resultante de omissão de pronúncia verifica-se quando o tribunal deixe de se pronunciar sobre questão ou questões que a lei impõe que o tribunal conheça, ou seja, questões de conhecimento oficioso e questões cuja apreciação é solicitada pelos sujeitos processuais e sobre as quais o tribunal não está impedido de se pronunciar”[5]. Por sua vez, o excesso de pronúncia é, precisamente, o oposto, traduzindo-se na circunstância de o tribunal conhecer de questão ou questões sobre as quais não se pode pronunciar. Nesta medida, e em conformidade com o previsto no artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal, a sentença será nula quando o tribunal deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. * II.4.5. No caso presente, estando a configuração factual – no plano criminal – definitiva, ou seja, resolvida por via do caso julgado, a decisão recorrida, ao alterar essa decisão de facto, ultrapassou os limites de cognição que lhe são impostos, sendo, por isso nula, por excesso de pronúncia, de acordo com o disposto no art. 379°, n° 1, al. c) CPP, nulidade essa que evidentemente o tribunal de recurso não pode suprir porque não pode substituir-se ao tribunal recorrido no que concerne à apreciação da parte cível (relativamente ao pedido cível deduzido por GG e HH), tendo sempre em atenção que, na decisão recorrida, transitou em julgado tudo o que constitua pressuposto da responsabilização penal. A procedência da suscitada nulidade da sentença recorrida prejudica a apreciação subsequente das demais questões suscitadas no presente recurso, razão pela qual se torna despiciendo prosseguir no seu conhecimento.
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III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam os Juízes da 5ª Secção Criminal deste Supremo Tribunal em conceder provimento ao recurso, anulando a decisão recorrida – artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal – e determinando que o tribunal recorrido em novo e corrigido acórdão dê plena satisfação ao ora decidido. Sem tributação. Lisboa, 7 de Julho de 2022
Cid Geraldo (Relator) Leonor Furtado Eduardo Loureiro
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