Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
06A1443
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SEBASTIÃO PÓVOAS
Descritores: OMISSÃO DE PRONÚNCIA
ERRO DE JULGAMENTO
RECURSO DE AGRAVO
Nº do Documento: SJ200606200014431
Data do Acordão: 06/20/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: BAIXA À RELAÇÃO.
Sumário : 1) A omissão de pronúncia geradora da nulidade da alínea d) do nº1 do artigo 668º do Código de Processo Civil supõe que se silencie uma questão que o tribunal deva conhecer por força do nº2 do artigo 660º do CPC, sem que esse dever implique o abordar, de forma detalhada, todos os argumentos, considerações ou juízos de valor trazidos pelas partes.

2) Se uma questão não passou despercebida ao julgador mas este a entendeu prejudicada, o que há é "errore in judicando" ou erro judicial, que não vício de limite.

3) O não conhecimento de agravo que subiu com a apelação é questão prévia ao julgamento da revista, cumprindo à Relação a emissão do juízo a que se refere o nº2 do artigo 710º do CPC.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


"AA", residente em Coimbra, intentou acção, com processo sumário, contra "Empresa-A", com sede em Lisboa, pedindo a sua condenação a pagar-lhe a quantia total de 2695000$00, acrescida de juros desde a citação, a titulo de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos em consequência de uma queda num local onde a Ré procedeu a obras.

A 1ª Instância julgou a acção parcialmente procedente e condenou a Ré a pagar à Autora a quantia de 15012, 83 euros, com juros sobre 4012,83 euros desde 25 de Outubro de 2000 até 30 de Abril de 2003, e a pagar ao interveniente ISSS - Centro Distrital de Coimbra, a quantia de 1394,14 euros, absolvendo-a de tudo o mais pedido.

Apelou a Ré mas a Relação de Coimbra confirmou o julgado.

Pede agora revista, concluindo:

- O tribunal "a quo" absteve-se de conhecer um agravo, cometendo manifesta omissão de pronúncia;

- A matéria constante dos pontos XLVII e XLIL está sujeita às formalidades "ad probationem", pelo que foram violados os artigos 364º nº 2 do Código Civil e 35º nº 1 do Decreto-Lei nº 235/92 de 24 de Outubro;

- Esses factos devem considerar-se não provados e, em consequência, revogada a parte da decisão que condenou a Ré a pagar 210000$00 - valor pago à empregada doméstica desde o acidente até Setembro de 1999;

- O artigo 2º, nº2, alínea l) e o Anexo I do Decreto-Lei nº 123/97 de 22 de Maio apenas sujeitam a esse regime legal os estabelecimentos "cuja superfície de acesso ao público ultrapasse 150m2" pelo que competia à Autora alegar e provar esse facto;

- Não o tendo feito não provou a violação de uma norma legal;

- Não alegou, outrossim, encontrar-se no círculo de interesses que aquele diploma tutela ("facilitar às pessoas com deficiência o acesso à utilização do meio edificado, incluindo espaços exteriores.");

- A Ré socorre-se de um sofisma quando alega que, destinando-se a rampa a cadeira de rodas, por maioria de razão deve constituir um meio de passagem ao público em geral;

- Dizer-se que a inclinação passou a ser de 28,9% por intervenção da Ré não corresponde a matéria provada;

- É insuficiente a afirmação de que antes das obras ninguém ali tinha caído.

Contra alegou a Autora para defender a manutenção do julgado.

Ficou assente a seguinte matéria de facto:

- A Ré é arrendatária de um espaço no 2º piso do prédio nº ... da Endereço-A e ... da Rua Teodoro em Coimbra, que destinou a supermercado;

- A Autora é beneficiária do "Instituto de Solidariedade e Segurança Social - Centro Distrital de Coimbra" com o nº 110102251;

- Em consequência da queda sofrida em 20 de Fevereiro de 1999 esteve com baixa médica até 22 de Setembro de 1999, com o subsídio diário de 1300$00;

- O ISSS pagou à Autora o subsídio de doença de 279500$00;

- O acesso ao prédio faz-se através de dois degraus e uma rampa;

- Situados junto à única porta de entrada directamente da via pública para acesso ao supermercado;

- Em 1998 a Ré fez obras na rampa;

- Que tem o comprimento de 90 cm, o que em função da diferença de nível entre as cotas de inicio e fim, de cerca de 25cm, corresponde a uma inclinação de 28,9%;

- Quem ali passa desiquilibra-se e cai, com frequência;

- A Ré não colocou, nos lados da rampa, quaisquer cortinas ou corrimãos;

- A existência de corrimãos seria um apoio seguro para quem ali passasse e também em caso de queda;

- A Ré não acautelou que o pavimento da rampa, do lado de fora, tivesse uma protecção de altura ao longo de toda a sua extensão;

- O que permitiria aos utilizadores aperceberem-se onde começa e onde acaba a largura da rampa;

- E não providenciou para que o revestimento fosse de cor amarela no início e no fim;

- O que permitiria evidenciar a delimitação;

- E advertir os transeuntes para que não fossem surpreendidos por inclinação e textura diferentes, que os levariam a desiquilibrar e cair;

- Até a Ré ter feito obras na rampa não há notícia de alguém ali ter caído;

- Desde as obras que muitas pessoas lá tem caído, umas por se desiquilibrarem, outras por escorregarem no piso, outras por não se aperceberem do fim da rampa;

- No dia 20 de Fevereiro de 1999, a Autora, ao sair do prédio pela rampa, escorregou e perdeu o equilíbrio;

- Não tendo onde se apoiar, caiu, por forma completamente violenta e desamparada, no chão;

- Só se imobilizando no passeio público;

- Sofreu luxação no cotovelo direito e fractura de Colles à direita;

- Deu entrada no bloco operatório dos hospitais da Universidade de Coimbra;

- Onde se procedeu à redução da fractura e osteotaxis com minifixadores externos;

- À redução da luxação do cotovelo;

- Em 1 de Abril foi submetida a nova intervenção cirúrgica;

- Esteve completamente imobilizada durante os períodos de internamento e entre eles;

- Teve dores de grau 5/7, numa escala de 7;

- Ainda tem mobilidades dolorosas do punho e ombro direitos;

- A recuperação durou vários meses e as dores irão continuar para sempre;

- É empregada de balcão;

- Ficou privada de fazer vida doméstica normal;

- Tem pouca mobilidade no pulso e cotovelo direitos;

- E uma IPGG de 30%;

- Esteve completamente impossibilitada de fazer a lida da casa durante 11 meses;

- E nunca mais a poderá fazer de forma exemplar;

- Durante 11 meses não recebeu o vencimento mensal de 60000$00;

- Até Janeiro de 2000, gastou 214 000$00 em fisioterapia;

- Durante o internamento e nos seis meses seguintes teve de recorrer a uma pessoa para os trabalhos domésticos;

- Pagando-lhe 30 000$00 mensalmente;

- Ainda hoje carece de ajuda de outra pessoa para tarefas específicas;

- A quem paga, desde Outubro de 1999, 15 000$00 mensais;

- Era alegre e bem disposta;

- Agora é triste, amargurada e angustiada com a vida e consigo.

Foram colhidos os vistos.

Conhecendo,

1- Agravo retido.
2- Questão prévia.
3- Conclusões.


1- Agravo retido.

1.1- A recorrente insurge-se contra o não conhecimento de um agravo que ficara retido e o sobre o qual declarara manter o interesse.
Neste ponto releva a seguinte factualidade:
Após o termo da fase de articulados normais - petição inicial e contestação - a Autora ofereceu nova petição corrigida.
A Ré apresentou novo articulado de contestação - fl. 89 - sendo que o mesmo não foi admitido, por extemporâneo - fl. 98.
Desse despacho de não admissão agravou a Ré. O agravo foi admitido com subida diferida e efeito meramente devolutivo. Por não concordar com a retenção, a Ré agravou do despacho de admissão, recurso que não foi admitido.
Reclamou, então, para o Excelentíssimo Presidente da Relação de Coimbra que julgou improcedente a reclamação - fls. 193.
Ficou, assim, pendente de decisão o primeiro agravo - o que não admitiu a nova contestação - sendo que, aquando da subida da apelação, o Mº Juiz "a quo" manteve o despacho, sustentando-o nos termos do nº2 do artigo 744º do Código de Processo Civil - fl. 560.
A Relação, laborando em erro manifesto, afirmou que o mesmo " foi passível de despacho de desagravo, em conformidade com o que se tira da fl. 152", concluindo pela extinção do "respectivo recurso".
Ora, o despacho da fl. 152 reporta-se não à tempestividade da contestação mas sim à das alegações do agravo que, inicialmente, tinham sido consideradas fora de prazo.
Mantem-se assim o primeiro agravo que não foi reparado.
E como a agravante fez, em tempo, a declaração a que se refere o nº1 do artigo 748º do Código de Processo Civil - como, aliás, reconhece o Acórdão recorrido - a Relação não poderia deixar de o conhecer.

Trata-se de agravo interposto pelo apelante, não cabendo na previsão do nº1 do artigo 710º do Código de Processo Civil.
De outra banda, o juízo a que se refere o nº2 deste preceito cabe à Relação não podendo este STJ substituir-se-lhe.

1.2- Na óptica da recorrente, a situação é de omissão da pronúncia, geradora de nulidade do Acórdão, nos termos do nº1, alínea d) do artigo 668º do diploma adjectivo.
Mas sem razão.
A omissão de pronúncia supõe a omissão de conhecimento de questão que o tribunal deve conhecer por força do nº2 do artigo 660º (que não o, de forma detalhada, abordar todos os argumentos ou considerações, ou até juízos de valor, produzidos pelas partes) silenciando-as em absoluto.
Quando, porém, aborda a questão mas a considera prejudicada, ou já decidida, partindo de um pressuposto errado, não é caso de vício de limite, gerador de nulidade, mas de vício de conteúdo ou "errore in judicando". (cf. v.g. Ac. STJ 23/3/02-P3720/01-4º).
Trata-se, então de divergência entre o afirmado e a verdade fáctica ou jurídica.
É o erro judicial.

2- Questão prévia.

Não se tratando de nulidade da sentença, o não conhecimento do agravo será tomado como questão prévia em relação ao conhecimento da revista, uma vez que a procedência daquele recurso pode implicar a inutilização de todos os actos posteriores.
E, como se deixou dito, o STJ não pode substituir-se à Relação na emissão do juízo a que se refere o nº2 do artigo 710º do CPC.
A questão prévia suscitada pela recorrente terá de proceder devendo a Relação conhecer o agravo que subiu juntamente com a apelação, ficando prejudicadas todas as outras questões suscitadas.

3- Conclusões.

De concluir que:

a) A omissão de pronúncia geradora da nulidade da alínea d) do nº1 do artigo 668º do Código de Processo Civil supõe que se silencie uma questão que o tribunal deva conhecer por força do nº2 do artigo 660º do CPC, sem que esse dever implique o abordar, de forma detalhada, todos os argumentos, considerações ou juízos de valor trazidos pelas partes.
b) Se uma questão não passou despercebida ao julgador mas este a entendeu prejudicada, o que há é "errore in judicando" ou erro judicial, que não vício de limite.
c) O não conhecimento de agravo que subiu com a apelação é questão prévia ao julgamento da revista, cumprindo à Relação a emissão do juízo a que se refere o nº2 do artigo 710º do CPC.

Nos termos expostos, acordam determinar a remessa dos autos ao Tribunal da Relação de Coimbra para, se possível com os mesmos Excelentíssimos Desembargadores, conhecer do agravo admitido a fl. 102 e sustentado a fl. 560, ficando prejudicado o conhecimento do mérito.

Custas a final.

Lisboa, 20 de Junho de 2006
Sebastião Póvoas
Moreira Alves
Alves Velho