Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
06A407
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: JOÃO CAMILO
Descritores: PEDIDO
PRINCÍPIO DISPOSITIVO
FACTOS INSTRUMENTAIS
Nº do Documento: SJ200603280004076
Data do Acordão: 03/28/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário : I. Os limites da condenação contidos no art. 661º, nº 1 do C.P.C. têm de ser entendidos como referidos ao pedido global e não às parcelas em que aquele valor se desdobra, podendo, por isso, ser atribuído um valor superior ao peticionado parcelarmente, desde que se não exceda o montante global do pedido.
II. Na sentença, o julgador pode tomar em conta, nos termos do arts. 664º e 264º, nº 2 do mesmo diploma legal, os factos instrumentais que resultem da instrução e discussão da matéria de facto, nomeadamente, decorrente da fundamentação das respostas dadas à matéria de facto da base instrutória.
III. Tendo-se provado que por via das lesões sofridas num acidente de viação, o lesado entre a data do mesmo e a data em que perfaz 60 anos, deixava de auferir 8.000.000$00, no mínimo, do exercício da advocacia, mas constando da fundamentação da respectiva resposta que o mesmo, nesse lapso de tempo, deixava de auferir 1.440.000$00 anuais de uma avença, nada há que alterar da decisão que fixou os danos, a esse título, em 3.009.800$00, por o grau de incapacidade permanente ser de apenas 19% e não ter havido recurso do lesado, mas apenas de um dos responsáveis desta indemnização.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


Empresa-A intentou a presente acção declarativa, com processo sumário, contra Empresa-B, AA e Empresa-C, pedindo que sejam condenados a pagar à autora a quantia de 2.876,539$00, e juros vencidos e vincendos.
Alegou para tanto, em síntese, o seguinte :
- Em 02.01.91, ocorreu um acidente de viação, na auto - estrada do sul, causado culposamente pelo condutor do veiculo AQ - o réu AA -, propriedade da ré Empresa-B, que devido a falta de atenção e a excesso de velocidade embateu na traseira do veiculo RH, pertencente à autora, produzindo-lhe danos.
A ré Empresa-B contestou, arguindo a sua ilegitimidade, e, defendendo-se por impugnação, alegou que o seu veículo estava seguro na Empresa-D, e que, por outro lado, o acidente ocorreu por culpa do condutor do veículo da autora, devido a erro de manobra deste, ao fazer uma ultrapassagem, de que resultou não poder o motorista da ré ter evitado o embate na traseira do veículo da autora.
O Empresa-C contestou, dizendo que não foi alegado, quanto a danos materiais, ter o responsável (a ré Empresa-B) insuficiência de meios económicos para assumir as suas obrigações.
Acrescentou que a ré Empresa-B tem seguro válido pelo que Empresa-C é parte ilegítima, nesta acção.
Na resposta, a autora insistiu em que a ré Empresa-B, à data do acidente, não tinha seguro válido e eficaz, pelo que as partes são legítimas.
Foi requerido o incidente de intervenção espontânea por BB que foi admitido.
Neste incidente o interveniente apresenta-se como condutor do veiculo RH pertencente à autora Empresa-A, sua entidade patronal, e pedindo que os réus sejam condenados a pagar ao interveniente a quantia de 17.000.000$00 e juros, a título de indemnização pelos danos por ele sofridos em consequência do acidente.
Na contestação ao pedido deduzido pelo interveniente, a ré Empresa-B invoca a sua ilegitimidade, e em sede de impugnação, alega a improbabilidade de nexo de causalidade directo entre o acidente e os danos alegados.
No despacho saneador foi relegada para final a apreciação das excepções de ilegitimidade invocadas pela ré Empresa-B e pelo Empresa-C.
Após discussão e julgamento da causa, o Tribunal respondeu à matéria do questionário e na sentença, decidiu-se julgar improcedentes as excepções de ilegitimidade passiva, suscitadas pelos réus Empresa-B e Empresa-C, e julgar parcialmente procedente a acção, nos termos que constam de fls. 523 e 524.
O interveniente interpôs recurso da sentença que foi admitido como apelação.
No Acórdão desta Relação, decidiu-se anular a decisão da 1.ª Instância, determinando-se, após a quesitação da matéria indicada, a repetição do julgamento.
Na sequência desta decisão, ordenou-se o aditamento ao questionário de mais um quesito ( o 69.º ).
Após julgamento, decidiu-se sobre a matéria de facto pela forma que consta de fls. 830, tendo em seguida sido proferida sentença em que se condenou a ré Empresa-B e o réu AA a pagar à autora parte do que esta havia peticionado e ainda se condenaram os três réus a pagar ao interveniente parte do que o mesmo peticionara, com juros de mora.
Desta sentença apelaram quer a ré Empresa-B, quer o Empresa-C quer o interveniente, tendo ficado desertos os recursos destes dois últimos recorrentes.
A restante recorrente nas suas alegações formulou as conclusões seguintes:
- Ao apurar os danos de natureza patrimonial sofridos pelo recorrido/interveniente o Meritíssimo Juiz de 1ª instância e o acórdão que confirmou a sentença contrariou a matéria provada, em particular a resposta dada ao quesito 69º;
- Pois tendo-se provado que entre 02-01-91 e a data em que atinge 60 anos, o interveniente deixará de auferir 8.000 contos, no mínimo, no exercício da advocacia;
- E que a perda de capacidade do joelho foi afectada em 19%;
- Nunca se poderia concluir por uma quantia superior a Esc. 1.520.000$00 como montante dos prejuízos patrimoniais sofridos (8.000.000$00X19% );
- A indemnização fixada em dinheiro destina-se a compensar monetariamente o dano sofrido e não a proporcionar ao lesado algum enriquecimento;
- Há erro na aplicação do direito ao concluir-se através de um simples cálculo matemático por um valor superior ao pedido;
- E violação do princípio de dispositivo pois o Juiz não pode fundar a sua decisão para além, dos factos alegados e provados;
- Não podendo a sentença condenar em quantidade superior ao pedido sob pena de exceder - como excedeu - os limites de condenação;
- Limites que, na parte em crise, é determinado pelo valor de Esc. 8.000.000$00 x 19% (perda de capacidade ganho), ou seja, Esc. 1.520.000$00;
- O douto acórdão recorrido ao confirmar a sentença de 1ª instância é assim nulo nos termos das alíneas c), d) e e) do nº 1 do art. 668º do CPCivil;
- O douto acórdão recorrido violou, entre outros, o disposto nos artigos 496º, 562º, 566º do Cód. Civil, e 3º, 264º, nº 2, nº 1 do art. 665º e alíneas c), d) e e) do nº 1 do art. 668º do Cód. de Proc. Civil.
Termina pedindo a redução do montante fixado na decisão recorrida de 3.089.600$00 a título de danos patrimoniais para o montante de 1.520.000$00.
Não houve contra-alegações.
Corridos os vistos legais, urge apreciar e decidir.
Como é sabido - arts. 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do cód. de Proc. Civil, a que pertencerão todas as disposições a citar sem indicação de origem -, o âmbito dos recursos é delimitado pelo teor das conclusões dos recorrentes.
Das conclusões da aqui recorrente se vê que a mesma, para conhecer neste recurso, levanta as seguintes questões:
a) A decisão recorrida é nula por ter condenado em quantia superior á que fora peticionada ?
b) E violou o princípio do dispositivo por ter fundado a sua decisão em factos não alegados ou provados e contra o que se provou na resposta dada ao quesito 69º da base instrutória ?
c) Ao fixar a quantia bastante para reparar os danos patrimoniais do interveniente devidos á perda da sua capacidade de ganho errou na aplicação do direito ?

Mas antes vejamos os factos que a relação deu por apurados e que são os seguintes:

1) 0 veículo AQ era, em Janeiro de 1991 pertença de Empresa-E, hoje denominada por Empresa-B, S.A.;
2) Em Janeiro de 1991 foi paga a BB por Empresa-A, a quantia de 163.069$00;
3) Em exame médico realizado no 5.º Juízo do Tribunal de Trabalho de Lisboa no dia 17/6/92, no âmbito de acção de acidente de trabalho n.º 563/92 foi atribuído ao interveniente uma incapacidade parcial permanente de 15%;
4) Tal incapacidade foi aceite pelo sinistrado BB no auto de conciliação respectivo;
5) Em razão do acidente referido nos autos e a título de acidente de trabalho encontra-se o interveniente BB a receber a pensão anual e vitalícia de 333.742$00;
6) No dia 2 de Janeiro de 1991, cerca das 19h3Om, ao Km 10,2 A.E Sul, sentido sul norte ( Setúbal - Lisboa ), circulava o veículo da A. matrícula RH,marca FIAT, modelo Tipo 1400;
7) A uma velocidade de 80 / 90 Km/h;
8) O veículo era conduzido por BB: funcionário da A. ;
9) Quando o veículo da A. circulava na faixa do lado esquerdo, há já algum tempo, foi embatido , na traseira, pela frente do veículo pesado de passageiros matrícula AQ;
10) O qual era conduzido por AA;
11) E seguia a velocidade não apurada, mas superior à do veículo RH;
12) O veiculo AQ foi embater na traseira do veículo RH que foi projectado contra a traseira do veículo AB, que circulava à sua frente ;
13) O veiculo AB seguia a não mais de 30 metros à frente do RH ;
14 ) A A. comprou outra viatura nova;
15) No que despendeu 2.102.237$00;
16 ) Sendo que a reparação do RH ascendia a mais de 1.000.000$00 e o salvado foi vendido por 320.000$00;
17) BB sofreu traumatismo craneano e lesões que determinaram uma incapacidade profissional temporária absoluta de 2-1-91 até 23-3-91;
18) E esteve de baixa com uma incapacidade total para o trabalho de 3-1-91 a 25-2-91;
19) E de 29-2-91 a 20-3-91 manteve-se numa situação de incapacidade temporária para o trabalho de 80% ;
20) De 20-3-91 a 17-4-91 teve uma incapacidade para o trabalho de 50% ;
21) BB exercia, à data do acidente, o cargo de Director dos Recursos Humanos da Autora;
22) Em razão do acidente, a Autora viu-se privada durante meses dos serviços daquele;
23) Tendo por isso solicitado a diversos trabalhadores trabalho suplementar;
24) No que despendeu 292.587$00, sendo que, durante o período que BB não trabalhou para a Autora, esta recebeu do seguro uma compensação de 70% do valor da salário base daquele;
25) O veículo AQ seguia na faixa da esquerda ;
26 ) BB apresentava perturbações no equilíbrio e náusea ligeira;
27) No dia seguinte ao acidente, por agravamento do estado de saúde, teve necessidade de recorrer à assistência hospitalar, onde foi diagnosticado traumatismo craneano com manifestações de edema cerebral;
28) E posteriormente manteve-se em tratamento medicamentoso, em regime ambulatório;
29) Compareceu em várias consultas;
30) A maioria das quais do foro neurotraumatologico;
31) Durante os quatro primeiros meses, até 17-4-91, o interveniente apresentava queixas neurológicas do tipo:
- cefaleias violentas, que não cediam aos analgésicos orais, apenas aos indutores do sono;
- vertigens permanentes, que passaram a intermitentes ao fim do 1.º mês, prolongadas por mais seis meses ;
- amnésia para o passado próximo ;
- disartria, disfonia e dislexia;
- náuseas permanentes com aversão a alimentos;
- hipersensibilidade sensorial, sobretudo ao ruído, com manifestações desconexas e não conformes com a sua personalidade;
- desorientação espacial, que se tornou mais evidente quando começou a sair à rua e não conseguiu regressar ao prédio da sua residência;
- lateralização da marcha, levando-a a descrever arcos no trajecto da marcha e a embater nos obstáculos;
- incoordenação motora para movimentos finos como a escrita ou manuseamento do computador;
- tremores;
- perturbações visuais com diplopia e alterações da acomodação ;
- perda do libido ;
- sonolência na vigília e insónia nocturna;
32) Durante este período, na sua vida diária, BB teve que ser socorrido dos cuidados permanentes dos familiares;
33) Pois era incapaz de permanecer só;
34) E de satisfazer os cuidados de higiene mínimos, de vestuário ou de alimentação;
35) Viu-se igualmente incapaz de satisfazer as suas necessidades de leitura, escrita e pintura a que regularmente se dedicava;
36) E a partir de 11-7-91 exercer a actividade profissional;
37) Tendo acabado por desistir, por não conseguir raciocinar, recordar datas , nomes ou eventos e encadear factos e organizá-los;
38) Na sequência e progressivamente começou a desenvolver um "síndrome de repetição ";
39 ) Em Agosto de 1991 se mantém a situação clínica de 11-7-91 de queixas neurológicas com episódios de ansiedade aguda relacionados com o reviver e suas consequências;
40) Nessa fase, a reorganização necessária à manutenção da integridade psicológica do interveniente, traduziu-se em sintomas de hiperactividade neurovegetativa : insónia, irritabilidade, perturbações da concentração e da vigília, inibição da relação afectiva e moral, agorafobia, impotência sexual, habilidade emocional com resposta alerta exagerada;
41) Tendo sido diagnosticado uma neurose post-traumática;
42) Situação que se manteve até 23-3-92, altura em que iniciou em plenitude a sua actividade profissional;
43) O interveniente apenas regista queixas de ansiedade moderada com neurização e dificuldades cognitivas reportadas subjectivamente, mas não confirmadas em avaliação psicológica;
44) Entre 28-2-91 e 31-10-91, o interveniente, por prescrição médica, deslocou-se à empresa sendo conduzido por sua esposa;
45) Não conseguindo exercer nesse período quaisquer funções ;
46) Entre 2-1-91 até 23-2-92, BB teve incapacidade temporária para o trabalho;
47) A incapacidade foi genérica total de 2-1-91 até 27-2-91, passou a incapacidade geral temporária de 40% de 28-2-91 até 13-11-91, voltou a incapacidade geral temporária total de 14-11- até 5-12-91 e passou a incapacidade geral temporária de 20% de 6-12-91 a 23-3-92;
48) BB era advogado, gestor de empresas maiores do país, "pintor de domingo" e velejador desportivo;
49) E sente um profundo desgosto de não poder, em razão do acidente, exercer os seus passatempos;
50) Viu-se por mais de um ano incapaz de se deslocar e conduzir automóvel;
51) BB não se sente capaz de pegar nos pincéis ou de entrar num barco;
52) Entre a data do acidente e 17-4-91, necessitou dos cuidados permanentes de terceiras pessoas;
53) Os quais foram prestados pela mulher e filhos;
54) BB padeceu de síndrome pós-comocional craneano e actualmente padece de neurose pós-traumática condicionando incapacidade parcial permanente de 19%;
55) As sequelas do traumatismo sofrido no acidente exigem a BB uma reparação suplementar para levar a cabo a sua actividade.
56) O exercício da actividade profissional de BB em acumulação com actividade de advogado e gestor fica limitada em 19% ;
57) BB no exercício da advocacia, se não fosse o acidente, conseguiria em acréscimo de rendimento pelo menos 600.000$00 líquidos;
58) Sendo que exerceria a actividade até aos 60 anos ;
59) Na sequência do acidente BB isolou-se da família e amigos.
60 ) Por via das lesões sofridas no acidente de viação a que os autos se reportam, BB , com referência ao lapso de tempo, compreendido entre 2-1-91 e a data em que atinge 60 anos, deixará de auferir 8.000.000$00, no mínimo, no exercício da advocacia (resposta ao quesito 69.º ).

Vejamos agora cada uma das concretas questões acima referidas como objecto deste recurso.
a) Nesta primeira questão pretende a recorrente ter o acórdão recorrido incorrido na nulidade prevista na al. e) do nº 1 do art. 668º, por ter condenado a mesma em quantia superior à que for a peticionada pelo recorrido interveniente.
Segundo a referida alínea e), a sentença é nula se condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido. Trata-se da sanção para a violação do dever processual previsto no art. 661º, nº 1 que veda ao tribunal condenar em quantidade superior ou em objecto diverso ao que fora peticionado. É, aqui a consagração do princípio geral de processo civil do pedido.
Tal como é pacificamente admitido - citando como exemplo o ac. STJ de 18-11-75, BMJ, 251º - 107 - os limites da condenação contidos no art. 661º entendem-se referidos ao pedido global e não às parcelas em que, para demonstração do quantum indemnizatório, há que desdobrar o cálculo do prejuízo.
Daqui resulta que só há violação deste princípio desde que o pedido global exceda o pedido total formulado e não também quando alguma das parcelas exceda o pedido parcial deduzido.
Ora tendo em conta que o interveniente deduzira um pedido global de condenação dos réus a pagar-lhe a importância global de 17.000.000$00 - cfr. articulado de fls. 96 e segs. -, a título de indemnização e tendo a condenação dos réus se limitado ao montante global de 5.109.600$00, facilmente se vê que não houve violação daquele preceito, na interpretação que dele fizemos.
Mas mesmo que se fizesse outra interpretação daquele princípio legal também inexistia a nulidade arguida.
É que o interveniente pediu o montante de 8.000.000$00 a título de indemnização da perda de capacidade de ganho e o tribunal apenas lhe concedeu, a esse título, o montante de 3.089.600$00, o que é manifestamente menos do que o que fora peticionado.
Soçobra, assim, este fundamento do recurso.

b) Nesta segunda questão, pretende a recorrente que a decisão em apreço violou o princípio processual do dispositivo ao tomar em consideração factos não alegados ou provados e ao não valorizar o facto dado como provado sob o artigo 69º da base instrutória.
Também aqui a recorrente não tem razão.
O princípio do dispositivo de parte consiste na obrigação do juiz de apenas utilizar, em princípio, os factos alegados pelas partes e está previsto no art. 664º que prescreve que o juiz só pode servir-se dos factos articulados pelas partes, sem prejuízo do disposto no art. 264º.
E este último preceito, no seu nº 2 prevê a obrigação de o juiz apenas poder fundamentar a decisão nos factos alegados pelas partes, sem prejuízo do disposto nos arts. 514º - factos notórios ou de que tenha conhecimento oficioso - e 665º - uso anormal do processo - e dos factos instrumentais que resultem da instrução e discussão da matéria da causa.
Por outro lado, os factos instrumentais são os que interessam indirectamente à solução do pleito por servirem para demonstrar a verdade ou falsidade dos actos pertinentes - Castro Mendes, Dir. Proc. Civil, 2º-208 - ou na opinião de M. Teixeira de Sousa, Introd. ao Proc. Civil, 1993, pág. 52, são os que indiciam aqueles factos essenciais.
No caso em apreço, a douta sentença apelada e confirmada totalmente pelo acórdão recorrido não se fundamentou em factos não provados e não desprezaram o facto provado sob o artigo 69º da base instrutória.
O que aconteceu foi que a douta sentença tomou oficiosamente em conta os factos instrumentais que resultaram da discussão da causa, nomeadamente da fundamentação da decisão do referido quesito 69º, o que preenche o disposto no art. 264º, nº 2, não tendo violado o preceituado nos artigos 664º ou na al. d) do nº 1 do art. 668º.
Com recurso a este facto instrumental consistente em o interveniente ter uma avença como advogado que lhe forneceria um montante anual de 1.440.000$00, o Senhor a quo interpretou o facto decorrente da resposta dada ao quesito 69º aditado na sequência da decisão da primeira apelação.
Se o fez correctamente é objecto da decisão de mérito a apreciar na decisão da última questão colocada e não produz qualquer nulidade processual.
Desta forma, não houve qualquer violação de preceito processual, com o que improcede este fundamento do recurso.

c) Resta apreciar a última questão que tem por objecto o erro de julgamento na fixação da indemnização decorrente da perda da capacidade de ganho do interveniente.
Este no seu articulado inicial, alegara que, neste sector, tivera um dano, no mínimo, de 8.000.000$00 por as sequelas do acidente lhe terem impedido de prosseguir a sua actividade na advocacia - em acumulação com o emprego como trabalhador dependente da autora Empresa-A -, alegando que os proventos dessa actividade eram de montante não inferior a 1.000.000$00 por ano.
Tendo-se provado que da mesma actividade profissional livre entre a data do acidente e a data em que aquele completaria 60 anos, por virtude das lesões sofridas no acidente em causa, o mesmo deixará de auferir 8.000.000$00, no mínimo, a douta sentença da 1ª instância partiu para uma dano de 3.089.600$00.
Para chegar a tal montante, aquela sentença entrou em linha de conta que da fundamentação da decisão daquele facto se apurou que o interveniente, antes do acidente, tinha uma avença de 100.000$00/120.000$00 mensal, ou seja, no montante anual mínimo de 1.440.000$00.
Com este montante devido durante os onze anos que o interveniente levava a perfazer os 60 anos, obteria o quantitativo de 15.840.000$00, dos quais a incapacidade parcial do interveniente de 19% era responsável apenas por 3.089.600$00.
Tal como a douta sentença referiu, o conteúdo do referido quesito tem de ser interpretado em termos hábeis, pois nele se diz que o interveniente teve, no mínimo de 8.000.000$00, de prejuízos decorrente da cessação daquela actividade, mas não se quantificou os danos exactos.
Essa quantificação foi efectuada servindo-se do facto instrumental decorrente da fundamentação da resposta dada àquele quesito.
E é que se este raciocínio estivesse errado, era no sentido de ter prejudicado o interveniente e não a recorrente.
Com efeito, sem a consideração daquele facto instrumental, havia que considerar que as sequelas derivadas do acidente - obviamente no grau de incapacidade que atingiram - tinham feito o interveniente deixado de auferir, no mínimo, 8.00.000$00 da sua actividade de advocacia, o que levaria a que a indemnização a fixar àquele título deveria ser de 8.000.000$00 - descontado o valor correspondente a antecipação do recebimento - e não os 3.089.600$00, alteração esta que a norma do art. 684º, nº 4 - proibição da reformatio in pejus - não permitiria em face da ausência de recurso por parte do interveniente.
O erro de raciocínio da recorrente parte da consideração de que o montante mínimo de danos alegado, era de 8.000.000$00, mas a que se deveria abater o grau de capacidade com que o interveniente ficou após o acidente.
Porém, o que foi alegado foi que as sequelas decorrentes do mesmo acidente - com o grau em que as mesmas incapacitaram o interveniente - causaram aquele montante de danos, o que quer dizer que as referidas sequelas são as que resultaram efectivamente e não a incapacidade total permanente do interveniente que se não provou.
Daí que não tenha errado a decisão recorrida na aplicação do direito ao caso, nomeadamente, na aplicação dos preceitos dos arts. 562ºe 566º do Cód. Civil, com o que improcede mais este fundamento do recurso.

Pelo exposto, nega-se a revista, confirmando a douta decisão recorrida.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 28 de Março de 2006.
João Camilo (Relator)
Fernandes Magalhães
Azevedo Ramos.