Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
94/14.1T8CTB.C1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: OLINDO GERALDES
Descritores: TESTAMENTO
DESERDAÇÃO
COACÇÃO MORAL
COAÇÃO MORAL
AMEAÇA
ANULAÇÃO DE TESTAMENTO
VÍCIOS DA VONTADE
OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA SIMPLES
VONTADE DO TESTADOR
Data do Acordão: 02/22/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO PARCIAL À REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO / FALTA E VÍCIOS DA VONTADE – DIREITO DAS SUCESSÕES / NOÇÃO / ABERTURA DA SUCESSÃO / SUCESSÃO LEGÍTIMA / SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA.
Doutrina:
-CARVALHO FERNANDES, Teoria Geral do Direito Civil, II, 3.ª Edição, 2001, p. 181;
-PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, VI, 1998, p. 272 e 287;
-R. CAPELO DE SOUSA, Lições de Direito das Sucessões, I, 1978, p. 254 a 260.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 255.º, N.º 1, 256.º, 2024.º, 2034.º, 2166.º, N.º 1, ALÍNEA A), 2167.º, 2179.º E 2180.º.
Sumário :
I. Com a deserdação, o testador priva o sucessível da legítima, baseado numa circunstância excecional taxativamente prevista na lei.

II. A causa da deserdação tem de ser declarada expressamente no testamento e pode ser impugnada, contenciosamente, pelo sucessível preterido, nos dois anos seguintes à abertura do testamento.

III. Ao identificar-se a causa da deserdação com o atentado contra a vida, quando apenas se verificou uma ofensa à integridade física, expressou-se uma causa inexistente de deserdação, justificando a sua impugnação.

IV. Na coação moral, surpreendem-se três elementos: a ameaça de um mal, a ilicitude da ameaça e a intencionalidade.

V. A circunstância da testadora recear que a colocassem num lar, não prova que tivesse sido ameaçada ilicitamente, nem o internamento em lar, em si, é um mal.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:



I – RELATÓRIO


AA instaurou, em 25 de setembro de 2014, no Juízo Cível da Instância Local de …, Comarca de Castelo Branco, contra BB, CC e DD, ação declarativa, sob a forma de processo comum, pedindo que fosse declarada inexistente a causa de deserdação e nulo o testamento feito por EE, em 5 de janeiro de 2000 ou, subsidiariamente, decretada a anulação da declaração de vontade da testadora.

Para tanto, alegou, em síntese, que EE, mãe do A. e do R., fez um testamento, numa altura em que vivia em casa do R. e era por este completamente manipulada, e em que deserdou o A. por atentado à vida do irmão BB; fê-lo coagida pelo R., que ameaçava colocá-la num lar, caso não fizesse o que lhe dizia, o que lhe causava pânico e a levava a participar em tudo o que o R. fazia para prejudicar o A.; em 2000, já a mãe tinha uma saúde mental frágil, manifestando grande confusão e esquecimento; o A. nunca atentou contra a vida do irmão, tendo ambos sido condenados pela prática do crime de ofensas à integridade física.

Contestou o R., por impugnação e concluindo pela improcedência da ação.

As RR. assinaram termo de confissão do pedido, nos termos de fls. 138.

Identificado o objeto do litígio, enunciados os temas da prova e realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida, em 14 de fevereiro de 2017, a sentença, que, julgando a ação totalmente improcedente, absolveu os Réus do pedido.


Inconformado, o Autor apelou para o Tribunal da Relação de …, que, por acórdão de 11 de outubro de 2017, revogou a sentença e, julgando a ação procedente, declarou a inexistência da causa de deserdação e nulo o testamento outorgado no dia 5 de janeiro de 2000 por EE.


Inconformado, o Réu recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça e, tendo alegado, formularam essencialmente as conclusões:

a) Dispõe o art. 2187.º, n.º 1, do CC que, na interpretação das disposições testamentárias, observar-se-á o que parecer mais ajustado com a vontade do testador, conforme o contexto do testamento.

b) Deve assim procurar-se o sentido mais ajustado à vontade do testador, ou seja, a sua vontade mais próxima no contexto do testamento.

c) A disposição que o instituiu como único herdeiro da quota disponível não foi posta em crise.

d) Para a vontade de deserdar há que ter em conta os factos, o seu enquadramento e o contexto em que ocorreram e analisar se o sentido dado pelo testador está ou não adequado à sua aparente ou presumível vontade.

e) A ofensa à pessoa do outro irmão, até pelas lesões (braços partidos), atentou contra a sua vida – tal expressão ou declaração de vontade é clara, intuitiva e revela bem a razão e motivo para a deserdação.

f) O motivo invocado enquadra-se no consignado no art. 2166.º, n.º 1, alínea a), do CC.

g) O acórdão recorrido fez errada aplicação do direito, em particular do disposto nos arts. 2187.º e 2166.º do CC.

h) Não se verificando os requisitos dos arts. 2180.º, 2184.º e 2185.º do CC, não há motivo para declarar a nulidade do testamento.


Com a revista, o Recorrente pretende a revogação do acórdão recorrido e a repristinação da sentença.


Contra-alegou o Autor, no sentido da improcedência do recurso.


Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


Neste recurso, está essencialmente em discussão a inexistência da causa de deserdação e a nulidade ou anulação de testamento.


II – FUNDAMENTAÇÃO


2.1. No acórdão recorrido, foram dados como provados os seguintes factos:

1. O Autor e o Réu são irmãos germanos, filhos de FF e de EE, casados entre si no regime da comunhão geral de bens.

2. Os referidos progenitores já faleceram, o pai, em 5 de abril de 1995, e a mãe, em 30 de outubro de 2013.

3. Faziam parte integrante do património comum do casal dois prédios rústicos contíguos, sitos no lugar denominado …, na freguesia da …, no concelho de Castelo Branco, descritos, respetivamente, sob os n.º s 23…3 e 24…2, na Conservatória do Registo Predial de Castelo Branco, denominados como … ou Quinta …, composto o primeiro por terra de cultura arvense e mato, com a área de 23,9000 ha, e o segundo por terra de cultura arvense, olival, solo subjacente, cultura arvense, figueiras e horta, com a área de 30,9750 ha, ambos inscritos em nome da falecida EE pela Ap. 11 de 2001.07.11.

4. O A. e o R. nunca se entenderam bem, embora as relações se tenham agravado após a morte do pai.

5. Depois da morte do marido, EE sofreu muito com o desentendimento dos filhos.

6. O R. levou a mãe a viver para a sua casa em L… do C…, o que aconteceu desde 1995 até ao seu óbito.

7. EE fez testamento em 25 de novembro de 1996 e em 2 de junho de 1999, e no seu último testamento de 5 de janeiro de 2000, deserdou o A. declarando que “institui único herdeiro da quota disponível …seu filho BB. Que deserda seu filho AA, já que este no mês de janeiro de 1997, atentou contra a vida do seu irmão BB, a quem ofendeu corporalmente, causando-lhe imensas lesões no corpo que o incapacitou para o trabalho. Tal atitude tem reflexos negativos no ambiente familiar, foi alvo de comentários públicos que denegriram o nome da família, factos que causaram à testadora enorme desgosto e profunda tristeza. Pela prática do ato de agressão, o referido AA foi condenado em pena de prisão, por sentença (...)”.

8. Em 2010, o Ministério Público requereu a interdição de EE (processo n.º 1906/10.4TBCTB), a qual veio a ser decretada por sentença de 28 de outubro de 2011, considerando-se que sofria de “anomalia psíquica incapacitante” e fixou-se a sua incapacidade em 2008, ano em que sofreu o AVC que a acamou.

9. Corre termos uns autos de execução, invocando-se, como título executivo, uma escritura de mútuo com hipoteca, celebrada entre o R. e a mãe, em 10 de outubro de 2001, por força da qual esta se constituiu devedora daquele no montante de trinta milhões de escudos, encontrando-se a hipoteca registada sob tais prédios.

10. No âmbito do processo-crime n.º 117/98, que correu termos no 2.º Juízo do extinto Tribunal Judicial da Comarca de …, o A. foi condenado na pena de 210 dias de multa, pela prática de um crime de ofensas à integridade física, na pessoa do seu irmão BB e este foi também condenado pela prática do mesmo crime perpetrado na pessoa daquele, na pena de 48 dias de multa, remontando os factos a 7 de janeiro de 1997.

11. Em recurso, o acórdão do Tribunal da Relação de … de 2 de junho de 1999, manteve a sentença, com exceção da pena do R., o qual foi dispensado da mesma.

12. Para partilha da herança, foi instaurado processo de inventário, que correu termos no 3.º Juízo do Tribunal Judicial de Comarca de …, sob o n.º 10/97, sendo cabeça de casal EE, que licitou todos os prédios, que, assim, lhe foram adjudicados (alterado pela Relação).

13. EE e o esposo eram professores do ensino secundário.

14. FF e EE partilharam entre os filhos, verbalmente, em 1990, os imóveis que integravam o seu património, entregando ao R. os prédios que se situavam no …, concelho da Covilhã, e ao A. os prédios da … ou Quinta …, sito na freguesia de …, Castelo Branco, e descritos, sob os n.º s 23…3 e 24…2, na Conservatória do Registo Predial de Castelo Branco (alterado pela Relação).

15. A mãe do A. e R. sempre desejou repartir tudo em partes iguais entre os irmãos (alterado pela Relação).

16. EE, em cartas e junto de familiares, manifestou diversas vezes que desejava que o A. ficasse com os bens que o seu marido lhe havia destinado, nomeadamente os prédios correspondentes à Quinta … (alterado pela Relação).

17. Em data concretamente não apurada, EE chamou o A., para lhe dizer, na presença do primo GG, que “desejava cumprir a vontade do marido e manter a partilha verbal feita em vida deste” (alterado pela Relação).

18. Em 5 de janeiro de 2000, o R. leva a mãe a fazer o último testamento, onde deserda o irmão (alterado pela Relação).

19. EE receava que o filho BB a colocasse num lar e, no estado de fragilidade em que se encontrava, fazia tudo o que aquele lhe pedia (alterado pela Relação).

20. Nesta situação, o R. levou a mãe a outorgar o testamento onde deserda o A. (alterado pela Relação).

21. EE outorgou o testamento sob o efeito de temor do R. (alterado pela Relação).

22. O R. levou a mãe, já muito surda, a outorgar no contrato de mútuo com hipoteca, nos termos do documento escrito de fls. 86 e 87, dando como garantia hipotecária os prédios da … que sabia terem sido doados ao A. (alterado pela Relação)


***



2.2. Delimitada a matéria de facto, com a alteração introduzida pela Relação e expurgada de redundâncias, importa conhecer do objeto do recurso, definido pelas suas conclusões, nomeadamente da inexistência da causa de deserdação e da nulidade ou anulação de testamento outorgado.

O acórdão recorrido, revogando a sentença, que julgara a ação improcedente, declarou a inexistência da causa de deserdação e a nulidade do testamento outorgado em 5 de janeiro de 2000.

O Recorrente, porém, insistindo na defesa da sua posição, pugna pela repristinação da sentença.

Descritos, de forma muito sumária, os termos da controvérsia emergente dos autos, interessa examinar o direito aplicável.


O testamento, que surge no âmbito da sucessão, corresponde a um ato unilateral e revogável pelo qual uma pessoa dispõe, para depois da morte, de todos os seus bens ou de parte deles (arts. 2024.º e 2179.º, ambos do Código Civil (CC)).

Trata-se, com efeito, de um instrumento legal de disposição patrimonial mortis causa, que poderá ainda integrar disposições de caráter não patrimonial (PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, VI, 1998, pág. 287).

O testamento, nos termos da lei, deve representar a expressão da vontade real do testador, conferindo um caráter pessoal ao testamento (art. 2180.º do CC).

No testamento, o autor da sucessão pode, com expressa declaração da causa, deserdar o herdeiro legitimário, privando-o da legítima, quando, designadamente, se verifique “ter sido o sucessível condenado por algum crime doloso cometido contra pessoa, bens ou honra do autor da sucessão, ou do seu cônjuge, ou algum descendente, ascendente, adotante ou adotado, desde que ao crime corresponda pena superior a seis meses de prisão” – art. 2166.º, n.º 1, alínea a), do CC.

Com a deserdação, o testador priva o sucessível da legítima, baseado numa circunstância excecional taxativamente prevista na lei.

A causa da deserdação tem de ser declarada expressamente no testamento e pode ser impugnada, contenciosamente, pelo sucessível preterido, nos dois anos seguintes à abertura do testamento, de modo a obter-se a declaração da sua inexistência (art. 2167.º do CC). A impugnação destina-se a evitar que o testador, sem justificação relevante, afaste um instituto legal criado, à margem da sua vontade, em prol dos seus familiares (PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, ibidem, pág. 272).  

A deserdação e a indignidade sucessória (art. 2034.º do CC), equiparadas quanto aos seus efeitos legais, são institutos muito próximos, embora com pressupostos distintos (R. CAPELO DE SOUSA, Lições de Direito das Sucessões, I, 1978, págs. 254 a 260).


No caso sub judice, estamos confrontados com uma impugnação da deserdação, pretendendo-se com a ação a declaração de inexistência da causa expressa no testamento, que o acórdão recorrido julgou procedente, diferentemente da sentença.

No testamento outorgado a 5 de janeiro de 2000, a autora da sucessão declarou expressamente que “deserda o seu filho (…), já que este, no mês de janeiro de 1997, atentou contra a vida do seu irmão (…), a quem ofendeu corporalmente, causando-lhe imensas lesões no corpo que o incapacitou para o trabalho. Tal atitude tem reflexos negativos no ambiente familiar, foi alvo de comentários públicos que denegriram o nome da família, factos que causaram à testadora enorme desgosto e tristeza. Pela prática do ato de agressão (…) foi condenado em pena de prisão, por sentença (…) ”.

Face a esta declaração, poder-se-ia enquadrar a deserdação declarada no testamento no âmbito do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 2166.º do CC.

No entanto, conjugando também os factos constantes do processo-crime n.º 117/98 (n.º 10), verifica-se que o Recorrido foi condenado, como autor material, de um crime de ofensas à integridade física, na pessoa do Recorrente, na pena de multa, enquanto o Recorrente foi, igualmente, condenado, como autor material, de um crime de ofensas à integridade física, na pessoa do Recorrido, com dispensa da pena.

Daqui não resulta que o Recorrido “atentou contra a vida” do Recorrente, pois isso, como se refere no acórdão recorrido, pressuporia uma condenação por homicídio tentado, que não sucedeu. Perante a sentença penal, o Recorrido atentou contra a integridade física do irmão, mas isso é muito diferente de atentar contra a sua vida, sendo certo ainda a proteção de bens jurídicos distintos.

Apesar do caráter subjetivo do testamento, a declaração da causa de deserdação de sucessível tem de ser expressa e objetiva.

Objetivamente, não houve um atentado contra a vida, mas um atentado à integridade física, do que resulta a inexistência do facto que foi identificado, no testamento, como causa de deserdação.

Aliás, a inexistência do facto também se verifica quando, no testamento, se refere que o Recorrido “foi condenado em pena de prisão”, quando, na verdade, a condenação se limitou à pena de multa.

É evidente que basta a condenação por crime doloso a que corresponda pena superior a seis meses de prisão, para efeitos de enquadramento na alínea a) do n.º 1 do art. 2166.º do CC, mas o facto, que serve de causa à deserdação, tem de estar claramente identificado, para que, desse modo, possa ser conhecido e, eventualmente, impugnado pelo sucessível visado.

Não se afirme que a distinção entre os dois tipos de crimes apenas está ao alcance de pessoa com conhecimentos jurídicos. Qualquer pessoa, letrada ou analfabeta, distingue bem a ofensa à integridade física da ofensa à vida, nomeadamente pela intenção visada pelo agente e pelos meios empregues no ato. No caso, tratando-se até de uma pessoa que foi professora do ensino secundário, como a testadora, não podia deixar de diferenciar uma ofensa à integridade física de uma ofensa à vida.

Por isso, ao identificar-se a causa da deserdação com o “atentado contra a vida” do irmão, que não existiu, pois o que se verificou foi uma ofensa à sua integridade física, expressou-se uma causa inexistente de deserdação, justificando a sua impugnação, tal como se decidiu no acórdão recorrido.

   

A procedência da impugnação da deserdação determina a declaração da inexistência da causa invocada no testamento, obstando ao efeito jurídico inerente à deserdação, mas, por si, não implica a invalidade do testamento, nomeadamente a sua nulidade.

Neste âmbito, com efeito, foi alegado ter havido coação moral na outorga do testamento de 5 de janeiro de 2000.  

De harmonia com o disposto no art. 255.º, n.º 1, do CC, diz-se feita sob coação moral a declaração negocial determinada pelo receio de um mal de que o declarante foi ilicitamente ameaçado com o fim de obter dele a declaração.

Na coação moral, como vício da vontade, surpreendem-se três elementos: a ameaça de um mal, a ilicitude da ameaça e a intencionalidade (CARVALHO FERNANDES, Teoria Geral do Direito Civil, II, 3.ª edição, 2001, pág. 181).


Confrontando os factos, verifica-se, desde logo, a inexistência da ameaça, porquanto não está provado qualquer facto que a consubstancie e especificamente imputado ao Recorrente. A existência de um eventual mal não implica, necessariamente, que seja provocado por ameaça. O mal poderá advir de diversas circunstâncias, designadamente de sugestão da própria vítima, resultante de certas circunstâncias. No caso, porém, apenas se provou que a testadora receava que o Recorrente a colocasse num lar, mas não se provou que o Recorrente a tivesse ameaçado.

Por outro lado, o internamento em lar não equivale, em si, a qualquer mal. Contudo, subjetivamente, poderá, em certas circunstâncias, constituir um mal, tanto para quem o sofre como por parte de quem o determina. Mas, no geral e objetivamente, o lar corresponde a um apoio assistencial a pessoas mais idosas dele carentes.

De qualquer modo, sempre faltaria a ilicitude da ameaça, quer quanto aos meios quer quanto aos fins visados.

Nestas circunstâncias, a matéria de facto provada é manifestamente insuficiente para caracterizar a coação moral atribuída ao Recorrente, não podendo retirar-se, por isso, os efeitos legais previstos no art. 256.º do CC, nomeadamente os da anulação do testamento.


Para além de não se provar a causa de anulação do testamento invocada, também não ocorre qualquer causa de nulidade, sendo certo que a incapacidade da testadora, resultante da sua interdição, apenas ocorre uns anos depois (2008) da outorga do testamento.

Consequentemente, para além da declaração de inexistência da causa de deserdação expressa no testamento, não há fundamento legal para declarar a invalidade do testamento, seja a título de nulidade ou de anulação.

 

Procede, assim, parcialmente o recurso, sendo de revogar a decisão que declarou a nulidade do testamento outorgado no dia 5 de janeiro de 2000 e de confirmar a decisão que declarou a inexistência da causa de deserdação do Recorrido.


2.3. Em conclusão, pode extrair-se de mais relevante:

 

I. Com a deserdação, o testador priva o sucessível da legítima, baseado numa circunstância excecional taxativamente prevista na lei.

II. A causa da deserdação tem de ser declarada expressamente no testamento e pode ser impugnada, contenciosamente, pelo sucessível preterido, nos dois anos seguintes à abertura do testamento.

III. Ao identificar-se a causa da deserdação com o atentado contra a vida, quando apenas se verificou uma ofensa à integridade física, expressou-se uma causa inexistente de deserdação, justificando a sua impugnação.

IV. Na coação moral, surpreendem-se três elementos: a ameaça de um mal, a ilicitude da ameaça e a intencionalidade.

V. A circunstância da testadora recear que a colocassem num lar, não prova que tivesse sido ameaçada ilicitamente, nem o internamento em lar, em si, é um mal.


2.4. O Recorrente e o Recorrido, ao ficarem vencidos por decaimento, são responsáveis pelo pagamento das custas, em partes iguais, em conformidade com a regra da causalidade consagrada no art. 527.º, n.º s 1 e 2, do Código de Processo Civil.


III – DECISÃO


Pelo exposto, decide-se:


1) Conceder parcialmente a revista, revogando o acórdão recorrido, na parte declarativa da nulidade do testamento, e confirmando no demais.


2) Condenar o Recorrente e o Recorrido, em partes iguais, no pagamento das custas, em todas as instâncias.


Lisboa, 22 de fevereiro de 2018


Olindo Geraldes (Relator)

Maria do Rosário Morgado

José Sousa Lameira