Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
09P0114
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SOUTO DE MOURA
Descritores: COMPETÊNCIA DA RELAÇÃO
RECURSO DA MATÉRIA DE FACTO
REJEIÇÃO DE RECURSO
MANIFESTA IMPROCEDÊNCIA
MOTIVAÇÃO DO RECURSO
CONCLUSÕES DA MOTIVAÇÃO
ÂMBITO DO RECURSO
DESPACHO DO RELATOR
CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO
RENOVAÇÃO DA PROVA
LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
Nº do Documento: SJ20090420090001145
Data do Acordão: 04/23/2009
Data da Decisão Sumária: 12/01/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário :


I - A questão a decidir nos presentes autos consiste em saber se, em face da alegada omissão do recorrente, do cumprimento do ónus de indicação das provas que impõem decisão diversa da recorrida, ou que têm que ser renovadas, estava o relator obrigado, nos termos do art. 417.º, n.º 3, do CPP, a convidar o mesmo recorrente a apresentar, completar ou esclarecer as conclusões formuladas; na afirmativa, se estaria a “modificar o âmbito do recurso que tiver sido fixado na motivação”, contrariando o comando do n.º 4 daquele normativo.

II - Na decisão recorrida rejeitou-se o recurso por manifesta improcedência invocando-se no essencial que: “No caso vertente, nem na motivação, nem nas conclusões existe qualquer menção às provas que impõem decisão diversa e só de forma genérica se faz referência aos pontos de factos considerados incorrectamente julgados, pelo que não se justifica o convite ao aperfeiçoamento, justificando-se a rejeição do recurso”; no recurso interposto para este STJ o recorrente esclarece que, estando em causa o facto de se não ter produzido qualquer prova que apontasse para a verificação dos factos dos pontos assinalados, trata-se “da prova de factos negativos [pelo que] terá que se ouvir todo o depoimento de todas as testemunhas”, porque só assim se poderá concluir pela completa omissão de referências comprometedoras para o recorrente no sentido por si apontado.

III - Relativamente ao art. 412.º, n.º 3, al. b), do CPP, é insuficiente, à partida, a indicação genérica de todo um depoimento gravado, importando referir o que é que nele não sustenta o facto dado por provado. Mas, sobretudo, o recorrente tem que demonstrar que as provas a que alude impõem decisão diversa da recorrida; não basta que as provas sejam compatíveis com os factos provados, e com os não provados que o recorrente gostaria de ter visto provados. É preciso que as ditas provas só possam levar a que se dêem por provados os factos que o recorrente queria ver provados.

IV - Quanto à al. c) do n.º 3 deste preceito legal, prevê a renovação de prova. Ou seja, não a produção de prova nova, mas a nova produção de prova já produzida, a ter lugar em audiência, e no tribunal de recurso. Para tanto, importa ter em conta as limitações do art. 430.º, n.º 1, do CPP. Para além da especificação dos meios de prova já produzidos em audiência da 1.ª instância, é mister que se assinalem vícios, dos contemplados no n.º 2 do art. 410.º do CPP, e ainda que se convença o Tribunal da Relação de que a renovação da prova permitirá evitar o reenvio do processo.

V - Não se pode apresentar como justificação para o não cumprimento do n.º 3 do art. 417.º do CPP – convite ao aperfeiçoamento – a circunstância de se presumir que vai haver modificação do âmbito do recurso: o n.º 4 do art. 417.º do CPP constitui uma limitação, dirigida ao recorrente convidado ao aperfeiçoamento, mas que o relator não se sabe de antemão se ele vai observar ou não.

VI - Uma coisa é considerar objecto do recurso ordinário o acontecimento histórico sobre que incidiu a decisão recorrida, e outra, ter por objecto do recurso, essa decisão ela mesma: no primeiro caso haverá que decidir de novo a questão que foi levada a julgamento, podendo inclusive atender-se a factos novos e produzir prova nunca antes produzida; já no segundo caso, haverá que apreciar da bondade da decisão recorrida só a partir dos dados de que o(s) julgador(es) recorrido(s) dispuseram.

VII - Acresce que a avaliação da decisão é a resposta, enquanto remédio jurídico, para incorrecções e ilegalidades concretamente assinaladas. Não um novo apuramento global do acontecido, ou a reapreciação do objecto do processo, porque a garantia do duplo grau de jurisdição, em sede de matéria de facto, nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência, antes visando, apenas, a detecção e correcção de pontuais, concretos, e em regra excepcionais, erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da dita matéria de facto.

VIII - Quanto ao julgamento de facto pela Relação, uma coisa é não agradar ao recorrente o resultado da avaliação que se fez da prova, e outra é detectar-se no processo de formação da convicção desse julgador, erros claros de julgamento, incluindo eventuais violações de regras e princípios de direito probatório.

IX - Ora, ao apreciar-se o processo de formação da convicção do julgador, não pode ignorar-se que a apreciação da prova obedece ao disposto no art. 127.º do CPP, ou seja, assenta (fora das excepções relativas a prova legal que não interessam ao caso), na livre convicção do julgador e nas regras da experiência. Por outro lado, também não pode esquecer-se o que a imediação em 1.ª instância dá, e o julgamento da Relação não permite. Basta pensar, naquilo que, em matéria de valorização de testemunhos pessoais, deriva de reacções do próprio ou de outros, de hesitações, pausas, gestos, expressões faciais, enfim, das particularidades de todo um evento que é impossível reproduzir.

X - Serve para dizer, que o trabalho que cabe à Relação fazer, na sindicância do apuramento dos factos realizado em 1.ª instância, se traduz fundamentalmente em analisar o processo de formação da convicção do julgador, e concluir, ou não, pela perfeita razoabilidade de se ter dado por provado o que se deu por provado.

Decisão Texto Integral:

Em autos de processo comum (nº 95/07.6 JAGRD), e com intervenção do Colectivo de Juízes do Tribunal Judicial de Gouveia, AA, casado, comerciante de calçado, natural de Viseu, residente em Gouveia, e nascido a 28/07/72, foi condenado pela prática de um crime de dano do artº 212º do C.P., de um crime de detenção de arma proibida p. e. p. pelo art. pelo art. 86º, nº 1, alínea c), e nº 2, da Lei nº 5/2006, de 23/02, e de dois crimes de homicídio qualificado p. e p. pelos arts. 131º e 132º, nº 1 e 2, alíneas d), g) e i), do Código Penal, na redacção então vigente (e, actualmente, arts. 131º e 132º, nº 1 e 2, alíneas e), h) e j), do Código Penal, na redacção que lhe foi introduzida pela Lei nº 59/07, de 04/09), sendo o segundo na forma tentada e, assim, p. e p., ainda, nos termos aos arts. 22º, 23º e 72º, do mesmo diploma legal.
As penas parcelares aplicadas foram de 6 meses, 2 anos, 20 anos e 7 anos, respectivamente, e, em cúmulo, o arguido ficou condenado na pena conjunta de vinte e quatro anos de prisão.
Da decisão de primeira instância foi interposto recurso pelo Mº Pº, com a pretensão de virem a ser agravadas as penas, recurso que não mereceu provimento.
O arguido também recorreu, a fim de ser reexaminada a matéria de facto, e assim ser afastada a qualificação e punição pelos crimes de homicídio qualificado. O Tribunal da Relação de Coimbra rejeitou o recurso do arguido, e é desta decisão de rejeição que o mesmo agora vem recorrer para este Supremo Tribunal de Justiça.

A – DECISÃO DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

Foram dados por provados os seguintes factos (transcrição):

AA, nascido a 28 de Julho de 1972, e BB, nascido a 04 de Agosto de 1974, são irmãos.

Este último, desde há vários anos, vivia com CC, em comunhão de leito, mesa e habitação, como se de cônjuges se tratassem.

Tendo ambos um filho, DD, nascido a 26 de Outubro de 2003.

Fruto dessa união, que se mantinha em 11 de Julho de 2007.

Desde há vários anos e até, pelo menos, à data acima indicada, AA e BB, e respectivas famílias e companheira, viviam na Rua .................. – Cativelos – Gouveia, em habitações situadas em prédios próximos entre si.

Também desde há alguns anos atrás, os dois irmãos vinham tendo conflitos relacionados, entre outros, com desentendimentos surgidos quanto a anteriores sociedades que entre eles haviam sido constituídas e a actividades e negócios que assim tinham realizado, à ulterior divisão dos bens sociais aquando da ruptura dessa actividade conjunta, ao comércio de calçado a que ambos se dedicavam há vários anos, a dívidas de AA a BB, que rondavam os € 25.000, à situação e/ou demarcação dos respectivos prédios confinantes, que incluíam garagens/armazéns, a obras de construção/ampliação de novos armazéns que o irmão e a companheira pretendiam levar a efeito no local, e das quais ele discordava.

Os quais se tinham vindo a agudizar nos últimos tempos.

De tal forma que AA, nutria sentimentos de inveja, ódio e vingança relativamente ao irmão BB e à companheira deste CC,

Que motivaram o seu acalentado plano de matá-los.

Quando aqueles começassem a realizar as aludidas obras de construção/ampliação ou noutra ocasião que considerasse propícia para esse efeito.

Cerca de um ano antes de 11 de Julho de 2007, AA comprou, em concretas circunstâncias que não se logrou apurar e a indivíduo cuja identidade se desconhece, mas sem qualquer documentação, uma pistola semi-automática, de marca “Tangfoglio”, modelo GT 28, originalmente de calibre nominal 8 mm e destinada essencialmente a deflagrar munições de alarme, mas que fora anteriormente transformada e adaptada a disparar munições com projéctil, de calibre 6,35 mm Browning, sem número de série visível, com o respectivo carregador, em regular estado de conservação e boas condições de funcionamento, apreendida a fls. 63, cujas demais características se encontram descritas no relatório pericial de fls. 207 a 213, e se dão por reproduzidas.

O que fez sem qualquer documentação, não sendo ele titular da necessária e correspondente licença de uso e porte de arma de fogo e não estando, nem podendo estar, face à sua própria natureza, tal pistola devidamente manifestada e registada.

Pois que a referida arma de fogo era adaptada, resultante de transformação artesanal, não autorizada e clandestina de uma pistola de alarme.

AA manteve sempre na sua posse a indicada arma de fogo, desde a compra até 11 de Julho de 2007, guardando-a, alguns meses antes desta data, na sua residência.

Com o propósito, acalentado durante alguns meses e até 11 de Julho 2007, de matar o irmão e a companheira deste.

Sucede que, no dia 11 de Julho de 2007, no período temporal situado entre cerca das 17.00 e pouco antes das 17.35 horas, quando se encontrava junto da sua residência, AA apercebeu-se que um indivíduo, que não conhecia e que se fizera transportar até esse local num veículo de marca Mercedes, andava a tirar fotografias aos armazéns e terrenos adjacentes.

Em face disso, dirigiu-se então à companheira do irmão,CC, que se encontrava na garagem/armazém da sua residência, documentada/o nas fotografias de fls. 11 a 14, que servia para armazenamento e venda de calçado, e onde aquela então se encontrava, e fez-lhe saber que não consentia que ali fizessem obras, tendo-lhe aquela retorquido que não a abordasse e que a deixasse.

Continuou o indivíduo a sua tarefa de fotografar os ditos imóveis, enquanto CC e AA mantinham a sua discussão.

No decurso da qual, CC referiu que a sua casa poderia ser indicada como bem a penhorar em execução a instaurar para cobrança das aludidas dívidas, AA.

AA, movido pelos indicados sentimentos de inveja, ódio e vingança, decidiu ser essa a ocasião propícia para matar BB e a companheira deste,CC.

E assim concretizar nesse momento o plano, que vinha acalentando há vários meses, de causar a morte de ambos.

AA, dirigiu-se à sua residência, para ir buscar a aludida pistola, que, mantinha guardada no seu quarto.

À espera do momento que considerasse oportuno para, com ela, tirar a vida a BB e CC.

AA aguardou que o indivíduo se ausentasse do local.

Após o indivíduo ausentar-se do local,CC, que ficara amedrontada com o tom e expressões das palavras proferidas por AA, telefonou para o seu companheiro, dando-lhe conta do desentendimento que tivera com o irmão deste.

AA , na posse da pistola, com o respectivo carregador incorporado e devidamente municiado, dirigiu-se de novo até à garagem/armazém onde CC ainda se encontrava.

Já esta havia terminado o telefonema para o companheiro.

Estando nesse momento a falar ao seu telemóvel, com o nº 96..., com um irmão, EE, também através de telemóvel, este com o nº 96....

AA, de imediato, apontou a arma a CC.

Ao mesmo tempo que dizia “Eu mato-te e mato o meu irmão».

CC teve apenas tempo de dizer ao irmão, através do telefone, que aquele lhe estava a apontar uma arma.

Enquanto AA, que, para o efeito, se posicionara à sua frente, a distância, não superior a dois metros, e com intenção de lhe tirar a vida, como vinha planeando, fez pontaria ao peito da companheira do irmão, visando atingir o coração, efectuando então um disparo nessa direcção.

Assim a atingindo na região mamária esquerda.

Ao mesmo tempo que dizia “tu já estás; a seguir é o meu irmão, que também não fica cá”.

Ao ser atingida por tal disparo, e em consequência dele, CC, rodopiou, caindo ao chão, ficando deitada em decúbito ventral.

De seguida, AA, colocando a pistola a curta distância das costas daquela, não superior a um metro, efectuou um novo disparo, assim a atingindo na região lombar.

Saindo então do armazém e permanecendo no parque/pátio existente junto ao mesmo.

À espera que o irmão chegasse, para também, do mesmo modo, lhe tirar a vida.

Tal como planeara.

Passados instantes, BB chegado ao local a conduzir o veículo de matrícula ...-CS-...

Já suspeitando que algo de grave se passava, alertado como fora, pelo telefonema da companheira.

Logo que o irmão saiu do tal veículo, AA, que se encontrava a curta distância, efectuou um disparo na direcção e contra a pessoa daquele.

Não logrando, contudo, atingi-lo.

Em virtude de BB, ao aperceber-se da conduta de AA, se ter conseguido desviar a tempo de ser atingido pelo projéctil.

BB agarrou num ferro que trazia dentro da viatura.

E fugiu em direcção à parede da casa por trás da viatura da marca Mercedes Benz, matrícula ...-AA- ..., que ali se encontrava estacionada.

Ao mesmo tempo que corria, procurando proteger-se atrás de veículos que aí se encontravam, BB aproveitava para destruir com o ferro as viaturas do irmão que aí se encontravam estacionadas.

Desta forma partiu o vidro da porta esquerda, o vidro da porta direita, a vidro da porta lateral, e o vidro t.n. do veículo ..-..-, da marca Fiat, registado na Conservatória de Registo Automóvel a favor de FF, casada com AA, tendo o bem sido adquirido na pendência do matrimónio.

Entretanto, AA foi no seu encalço.

Visando sempre concretizar o seu propósito de matar o irmão.

Efectuando, para esse efeito, mais um disparo.

Na direcção e contra a pessoa daquele.

Sem que, todavia, tivesse logrado atingi-lo.

Devido aos movimentos que DD efectuou para, a isso, se conseguir esquivar.

A determinado momento, DD partiu os vidros da janela da cozinha da residência do irmão.

AA correu para sua casa.

Quando verificou que não tinha mais munições.

A fim de carregar a arma e voltar ao local, para finalização dos seus intentos.

Aí tendo prontamente carregado a arma com cinco munições, aprontando-a, desde logo, para poder disparar de imediato, com a introdução de uma dessas munições na câmara, ficando as restantes no respectivo carregador.

Entretanto, acorreram ao local os Bombeiros Voluntários, que estavam a socorrer a companheira do irmão.

Pelo que AA não saiu de casa.

Assim não finalizando o seu propósito de tirar a vida ao irmão BB.

Depois dos bombeiros e do seu irmão terem abandonado o local, AA saiu da sua residência e munido de um ferro para......., pertencentes a BB e estacionados no local, causando prejuízos no valor de € 3.186, 82.

Com a conduta acima descrita, causou AA na pessoa de CC as lesões descritas no relatório de autópsia de fls. 259 a 266, cujo teor se dá inteiramente por reproduzido.

Designadamente, orifício no quadrante superior externo da mama esquerda, de forma arredondada, com 1,2 cm de diâmetro; ferida perfurante localizada ao 5º espaço intercostal esquerdo linha médio-clavicular, nas glândulas mamárias, com trajecto em túnel e infiltração sanguínea dos tecidos envolventes, e no diafragama; duas soluções de continuidade circulares das faces anterior e inferior do pericárdio e cavidade pericárdica, com ligeiro hemopericárdio; três soluções de continuidade no coração, que ficou sem sangue, sendo uma, superior, no ventrículo esquerdo, grosseiramente arredondada com 1,5 cm de diâmetro, a outra no ventrículo direito, de forma oval, medindo o eixo menor 1 cm e o eixo maior 2 cm, e a nível do septo outra lesão com características semelhantes; no fígado, duas soluções de continuidade junto ao pedículo, uma de cada lado do ligamento suspensor.

E bem assim orifício na região lombar esquerda junto à coluna vertebral e à altura de D12, de forma oval, com eixo maior transversal medindo 1,5 cm e eixo menor de 1 cm, com trajecto em túnel e hemorragia dos tecidos envolventes, atingindo a região hepática, emergindo junto à coluna vertebral no lado direito à altura de D12, hematoma da região renal direita.

Já que o primeiro disparo efectuado por AA a atingiu no quadrante superior externo da mama esquerda, seguindo uma trajectória para baixo e para dentro, tendo perfurado o coração a nível dos ventrículos esquerdo e direito, passando para o abdómen, onde se alojou e foi recolhido o respectivo projéctil; enquanto o segundo disparo a atingiu na região lombar esquerda, junto à coluna vertebral, passando para o lado direito através do corpo de D12, perfurando o fígado, sendo encontrado, e recolhido, o respectivo projéctil na cavidade abdominal à direita.

As lesões traumáticas torácicas e abdominais assim provocadas por AA, e melhor descritas no relatório de autópsia, constituíram causa adequada da morte de CC, que veio a ocorrer nesse mesmo dia, pouco depois dos factos atrás descritos.

Pois que a mesma, não obstante ainda ter sido prontamente socorrida pelo Bombeiros Voluntários de Vila Nova de Tazem e transportada aos SAP do Hospital de Gouveia, onde chegou pelas 18.15 horas, já aí deu entrada cadáver.

Nesse mesmo dia, logo após os factos, AA, que mantinha na sua posse a referida pistola, guardada num dos bolsos, que se encontrava carregada com 5 munições e pronta a disparar nos termos atrás descritos, entregou-a à GNR de Vila Nova de Tazem, que aí seguidamente acorreu.

Pistola e munições que vieram a ser apreendidas, conjuntamente com mais 15 outras munições do mesmo calibre, que o AA detinha em seu poder na sua residência, nos termos constantes do respectivo auto de apreensão de fls. 63, que se dão por reproduzidos.

E que, tal como os dois projécteis recolhidos na autópsia da vítima e quatro cápsulas deflagradas, então recolhidas no local dos factos pela Polícia Judiciária, foram examinados no Laboratório de Polícia Científica, nos termos constantes do respectivo relatório pericial de fls. 207 a 213, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

Agiu o AA sempre livre, deliberada e conscientemente, querendo e sabendo que adquiria, detinha, usava e trazia consigo a referida arma de fogo proibida, por transformada, que resultara de transformação ilegal de pistola de alarme, sem estar manifestada ou registada e sem ter a necessária licença de uso e porte, e, por isso, fora das condições legais e em contrariedade com as prescrições das autoridades competentes.

Agiu o AA sempre livre, deliberada e conscientemente, ciente das motivações que o animavam, querendo e sabendo que matavaCC, companheira do seu irmão, e que actuava nos termos descritos, com a utilização de meio (arma de fogo proibida) que se traduzia na prática de crime comum, sendo susceptível de causar lesões graves e dificultar ou tornar impossível a defesa da vítima, com frieza de ânimo, reflexão sobre os meios empregados e com persistência na intenção de matar, concretizando na ocasião, o plano de lhe tirar a vida que vinha acalentando há vários meses.

Agiu o AA sempre livre, deliberada e conscientemente, ciente das motivações que o animavam, querendo e sabendo que actuava nos termos descritos, com a utilização de meio (arma de fogo proibida) que se traduzia na prática de crime comum, sendo susceptível de causar lesões graves e dificultar ou tornar impossível a defesa da vítima, agindo com frieza de ânimo, reflexão sobre os meios empregados e com persistência na intenção de matar, procurando, concretizar, na ocasião, o plano, que vinha acalentando há vários meses, tirar a vida ao seu irmão BB, objectivo que só não logrou alcançar por factores alheios à sua vontade.

AA sabia e queria danificar as viaturas de matrículas ..-..-.. e ..-..-.., pertencentes a BB, agindo livre voluntária e conscientemente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei criminal.

Tinha ainda perfeito conhecimento de que a sua conduta era punida criminalmente.

CC nasceu no dia 25 de Janeiro de 1975.

Era alegre, jovial, saudável, dinâmica, trabalhadora, solidária, calma, educada e com alegria de viver.

Planeava, juntamente com BB, formalizar a sua união, quando estivesse terminada a moradia em construção, onde pretendiam viver com o filho DD .

Tratava BB. e DD com ternura, carinho, e amor, que estes lhes retribuíam do mesmo jeito

Confeccionava-lhes as refeições, tratava-lhes da roupa, e das demais tarefas de gestão doméstica.

Aos fins-de-semana passavam momentos de alegria e convívio juntos.

Apercebeu-se da iminência da morte, sofrendo angústia, pavor, e desespero ao ver AA aproximar-se, empunhando uma arma e a curta distância.

BB e DD. sofreram choque e grande dor pela perda de CC, sentindo tristeza, e recordando-se constantemente dela.

pergunta frequentemente pela mãe, sem conseguir perceber o que aconteceu, procurando-a quando entra nas sapatarias do pai, sem conseguir perceber o que aconteceu.

Recebe o apoio de avós e tios maternos, com os quais foi viver, juntamente com o pai, após a morte de CC.

CC fazia e aceitava as encomendas, fornecimentos, efectuava pagamentos e participava activamente na gestão de quatro sapatarias, dedicando-se DD, primacialmente, ao comércio de calçado das feiras, gerando o negócio anteriormente por ambos gerido, e actualmente encabeçado em exclusivo por DD, rendimentos que no ano de 2006, rondavam os € 20 650,00, correspondendo a actividade daquela a, aproximadamente, € 10 325,00.

Gastava consigo CC, cerca de 1/3 deste valor por si produzido, contribuindo com o remanescente para o lar que formava com BB e DD e/ou investindo no negócio gerido pelo casal.

Na ocasião em que AA disparou contra DD (e nos momentos que antecederam os disparos) DD pensou que poderia morrer, o que lhe causou medo, angústia e terror, receando que os seus projectos pessoais e profissionais pudessem perder-se em consequência da morte, receando ainda nunca mais ver a companheira (de quem desconhecia o destino) ou o filho.

O custo da reparação dos estragos causados nas viaturas de DD por AA foi suportado pela Seguradora.

Para reparação, tais viaturas estiveram imobilizadas desde o dia 11 de Julho de 2007 até 24 de Julho de 2007 (o CS) e até 28 de Agosto de 2007 (o XO).

Não podendo DD utilizá-las, como habitualmente, no transporte de calçado.

Sendo-lhe atribuída viaturas de substituição cerca de uma semana após o dia 11 de Julho de 2007.

AA não tem antecedentes criminais.

AA tem a 4ª classe de escolaridade

AA vivia com a mulher e dois filhos menores, do negócio da venda de calçado em feiras.

Consideraram-se não provados os seguintes factos (transcrição):

Os prédios onde habitavam os dois irmãos eram confinantes entre si;

AA comprou a arma de fogo já com a finalidade de a vir a utilizar para tirar a vida ao seu irmão e companheira deste;

AA disse a CC que se as obras começassem “resolveria tudo na hora”, dando-lhe, assim, a entender que os mataria, a ela e ao companheiro, seu irmão.

E, tendo-lhe aquela respondido que não era nada com ele, que se metesse na sua vida, que não tinha medo dele.

Ao efectuar os disparos AA apenas pretendeu assustar CC;

Ao efectuar os disparos AA pretendeu apenas assustar DD,

Para o impedir de estragar-lhe as viaturas, a janela da sua residência; ou que este lhe entrasse em casa e viesse a agredir-lhe a mulher e os filhos;

Foi por impulso que, AA decidiu matar o irmão e a companheira deste;

Planeavam CC e DD casar em 2008;

O negócio gerido pelo casal apresentava um forte crescimento, com a (prevista) abertura de novos postos de vendas.

Em consequência da destruição das viaturas de BB, este sofreu/virá a sofrer o agravamento do respectivo prémio de seguro;

o valor do aluguer diário de furgões comerciais, do tipo que BB danificou.

Quanto à motivação ficou consignado o seguinte (transcrição):

A convicção do Tribunal baseou-se na apreciação crítica da globalidade da prova produzida, declarações dos arguidos/ assistentes; depoimentos das testemunhas; documentos, relatórios e exames juntos aos autos.

Em especial, refira-se que, admitiu o arguido AA que, cerca de um a dois anos antes de 11 de Julho de 2007 adquiriu a manteve na sua posse a arma com as características supra referidas (sob o nº 14); e, que ao aperceber-se de indivíduo na companhia de CC a fotografar os armazéns a ela se lhe dirigiu manifestando a sua oposição, relatando a conversa entre ambos encetada.

Acrescentou, que entrou na sua residência, foi ao quarto, a local onde tinha guardada a arma, regressando com a mesma carregada e municiada ao encontro de CC, apercebendo-se de que esta então conversava via telemóvel, quando efectuou um disparo com a intenção de a assustar.

Após a queda de CC, que ficou deitada no chão de costas, disparou uma segunda vez, saindo de seguida para o pátio.

Acorreu então a mulher, que percebendo que teria morto CC perguntou-lhe «oh Zé, o que foste fazer?», e, que após foi com o filho, ter com uma vizinha, saltando o muro que divide os quintais.

Entretanto, segundo referiu AA, continuou no pátio aguardando a vinda das autoridades.

Chegou, então o irmão, que saiu da carrinha com um ferro na mão, e terá começado a destruir-lhe as viaturas, e a janela da cozinha, pelo que, visando impedir a destruição do seu património e/ou da sua família efectuou disparos para o assustar.

Mais declarou que, tendo-lhe acabado as munições, refugiou-se dentro de casa, onde, aguardando a chegada das autoridades, recarregou a arma, e apercebeu-se dos bombeiros no local.

Admitiu ainda que após a saída dos bombeiros, e do irmão, veio a danificar das viaturas de DD que aí se encontravam estacionadas.

Quer o arguido AA e o assistente BB declararam que este vivia em comum com CC, tendo nascido desta união, que se mantinha à data do decesso, o filho DD.

Aludiram também à proximidade das respectivas residências, e ao agudizar dos desentendimentos entre ambos.

Referiram ainda, que o primeiro disparou, por mais de uma vez (pelo menos segundo DD), contra o segundo, sem o atingir, e que na ocasião, BB munido de um ferro destruiu viaturas do irmão.

Acrescentou o assistente BB que, a 11 de Julho de 2007, quando se encontrava na feira de Seia, CC, do armazém, ligou-lhe para o telemóvel, dando-lhe conta da exaltação de AA.

Deixou, então, o declarante tal aparelho na feira, dirigindo-se ao armazém.

Quando chegou ao quintal, e saiu da viatura, veio o irmão, de pistola em punho, e disparou contra ele.

Agarrou o declarante num ferro, que trazia na carrinha, e fugiu, em direcção à parede da casa, por trás de viatura que ali se encontrava estacionada.

Efectuou, então, o irmão, novo disparo.

Pensa ainda ter ouvido um terceiro disparo.

Quando AA se foi embora, dirigiu-se ao armazém onde viu a companheira deitada no chão, tendo pouco tempo chegado os bombeiros.

HH (funcionário bancário, que na ocasião estava a proceder a uma avaliação de bens pertencentes a BB) referiu estar a fotografar os armazéns, quando veio AA que manifestou a CC a sua discordância à prossecução da diligência, ficando estes a conversar, enquanto o depoente continuava a sua tarefa.

II (vizinha), estava no seu quintal quando ouviu uma discussão, cujo teor não percebeu, proveniente do quintal de AA, reconhecendo a voz deste.

Passado um bocado ouviu dois tiros.

E, algum tempo depois, apercebeu-se da mulher de AA, acompanhada do filho a saltarem o muro divisório, tendo-lhe pedido ajuda, dizendo que o marido tinha morto CC, e que estava a espera do irmão.

A depoente chamou, então, os bombeiros e pediu que fosse contactada a G.N.R..

Antes da chegada destes, ouviu mais disparos, vidros a quebrar, vendo, ainda, DD a partir a janela de casa de AA.

EE, irmão da CC, conversava via telemóvel com esta, por ocasião dos dois disparos contra ela. Ouviu a irmã a pedir ajuda dizendo que (o ora arguido AA) lhe estava a apontar uma arma, um estrondo e após a voz (daquele) a dizer «tu já está e a seguir é o meu irmão que também cá não fica».

Depuseram os soldados da infantaria da Guarda Nacional Republicana, JJ e KK (subscritores do relatório de ocorrência a fls. 83 e 84) que preservaram o local até à chegada da Polícia Judiciária, a quem entregaram a pistola, que lhes fora entregue por AA.

KK e MM foram os bombeiros que transportaram CC, ainda viva do local para o Hospital de Gouveia.

KK e OO, inspectores da PJ, deram conta das diligências de investigação a que procederam.

PP,QQ, empregadas de sapataria, e RR, técnico de contas, refiram-se ao papel desempenhado por CC, no negócio de calçado; SS, TT e UU, respectivamente, irmãos e mãe de CC, relataram o sofrimento sentido por DD e BB; o qual foi, ainda, confirmado pelo depoimento de VV, cujo filho frequenta o mesmo infantário que .

XX e ZZ, ambos comerciantes referiram-se ao desempenho profissional e social de AA; AAA e BBB, aludiram à vida familiar do amigo AA, CCC depôs sobre o relacionamento com o vizinho DDD e EEE referiram-se à reparação da janela da cozinha de AA.

Emerge do relatório de recolha de vestígios, a fls. 9 e 10, em conjugação com as fotografias a fls. 11 a 18 que:

no interior do armazém foram encontrados ao fundo, no corredor criado pelas duas filas de calçado, sinalizadas com os nºs 1, 2, e 3, uns brincos e um ferro tipo estaca, com cerca de um metro de comprimento.

Na fila de calçado, do lado direito foram encontrados dois invólucros calibre 6,35 mm, sinalizados com os nºs 7 e 8. O invólucro sinalizado como vestígio 7 distava 3 metros e 90 centímetros até à entrada da garagem, e 1 metros e 70 centímetros ao local onde estaria a vítima (vestígio nº 1 – cfr. fotografia nº 2 a fls. 11). Estes elementos revelam que os disparos foram efectuados a muito curta distância. O vestígio 9 corresponde ao telemóvel da vítima, também apreendido.

No parque de estacionamento foram encontrados três vestígios, dois invólucros e um presumível impacto de projéctil de arma de fogo na parede da residência. Estes vestígios foram assinalados sob os nºs 5 e 6, nomeadamente os invólucros 6,35 mm, encontrados respectivamente no estribo traseiro da viatura de marca Mercedes com a matrícula ...-...-..., e junto à roda dianteira, lado direito, da viatura marca Fiat, com a matrícula ..-..-... Tais vestígios revelam que muito provavelmente tinham sido efectuados disparos de arma de fogo, calibre 6,35 mm, no parque de estacionamento.

Foram ainda, e, em especial, consideradas as fotografias, a fls. 20 a 22 (foto 7), da carrinha ..-..-..; 22 a 23, da viatura de matrícula ..-..-..; 21 a 26 (foto 15), do automóvel ..-..-..; 16 a 28 (foto 19), do veículo ..-..; 28 (foto 20), da entrada do armazém, encontrando-se assinalado o local onde se encontrava o ferro; 29 (foto 21, idem); 30, do telemóvel de CC; 31, do pátio junto à residência, onde era visível o impacto de projéctil na parede); 32 (foto 27), do pormenor do impacto. A fls. 40 a 46, estão juntas fotografias do cadáver de CC; a fls. 47 a 48, da arma apreendida. A fls.

Registe-se que, reconheceu AA, em audiência, ser a pessoa fotografada a fls. 34 a 36, confirmando o teor das respectivas legendas. Admitiu ainda que, a fls. 37 mostram-se fotografadas as suas mala e munições. Foram ainda consideradas as fotografias a fls. 38 e 39, sendo que, também o teor das respectivas legendas foi confirmado por BB, pessoa aí, como o reconheceu, fotografada.

Encontra-se, a fls. 49 a 52, informação obtida mediante pesquisa por matrícula das viaturas aí referidas; 61, certificado de óbito de CC, 62, boletim de informação circunstancial; 63, auto de apreensão de objectos (cfr. depósito a fls. 322), 99, guia de depósito (de objectos, examinados a fls. 321); 530, guia de registo dos 4 kits; 135 a 138, informação respeitante ao detalhe de tráfego solicitado respeitante aos cartões aí referidos; 139, informação detalhada do telefone fixo; 254, assento de nascimento de, GG, 296, de AA; 299, de CC e 300 de BB; 354/747 a 750, certidão extraída de auto de execução em que é executado AA e mulher e exequente o irmão DD; 359/751, declaração de reconhecimento de dívida; 367 e 368, valor da reparação dos prejuízos nas viaturas de DD, 753 a 755, certidão de registo predial, respeitante à casa do arguido AA; 756, demonstração de liquidação de IRS, respeitante a 2006, de BB e FFF.

Foram também examinados os relatórios periciais de:

Autópsia, de fls. 259 a 266;

do laboratório de polícia científica, respeitante a pistola, carregador vinte munições, quatro cápsulas deflagradas, dois projecteis, a fls. 205 a 215, onde se conclui que a pistola constitui uma arma de fogo de calibre 6,35 mm Browning, resultando da sua transformação/ adaptação clandestina a partir da arma original que era essencialmente de alarme, encontrando-se em condições de efectuar disparos. As quatro cápsulas suspeitas foram provavelmente deflagradas pela pistola enviada. Os dois projécteis suspeitos foram provavelmente disparados pela pistola enviada. As vinte munições enviadas e testadas encontravam-se em boas condições de utilização;

a fls. 528, respeitante a 4 kits de recolhe de resíduos de disparos de arma de fogo recolhidos nas mãos, face e cabelo, pólo e bolsos de AA, concluindo-se que, nas amostras recolhidas foram detectadas partículas características de resíduos de disparo de armas de fogo, cuja presença é compatível com disparo/s , manipulação de arma/s ou proximidade a um disparo/s de arma de fogo por aquele.

Concretamente suportaram a prova da matéria de facto provada sob os nºs:

1. (Data de nascimento e relação familiar dos AA e BB), certidões de nascimento respectivas, juntas aos autos, a fls. 296 e 300;

2. (vida em comum com CC), declarações de AA e BB, bem como depoimentos dos irmãos desta, SS, TT da mãe,UU, que em razão de tais relações familiares revelaram conhecimento sobre a respectiva matéria;

3. (data de nascimento e filiação de DD, respectiva certidão de nascimento a fls. 254;

4. (manutenção da união à data do decesso), declarações de AA e BB e dos referidos familiares da falecida CC;

5 e 6., (morada e desentendimento entre AA e BB), declarações destes;

7. (agudizar da tensão entre AA e BB), declarações de ambos e dos familiares de CC, que dão conta de anúncios por parte de AA de que mataria o irmão e a companheira;

8. (sentimentos de AA para com o irmão e a companheira), patentes,

- no confessado 2º tiro contra CC, quando esta já se encontrava de costas no chão

- na admitida destruição das viaturas do irmão, após o ter tentado matar e de ter morto a sua companheira e a mãe do filho deste,

- no relato que faz do sucedido em plena audiência, verbalizando o arrependimento, sem demonstrar qualquer sentimento de dó ou piedade perante o destino de CC, do irmão ou, inclusivamente, do sobrinho;

- até que, no início da última sessão de julgamento, após alegações do Ministério Público (produzidas na sessão anterior), pede desculpa, ao sobrinho e à família, de um modo que se afigurou pouco sincero, considerando a expressão facial, impassível;

- na constante auto-vitimização ao longo das anteriores sessões, repetindo insubstanciadamente, que «eles (o irmão e a companheira) queriam era destruí-lo e à sua família; e,

- no sorriso que não conteve quando o irmão, em declarações, disse que tinha morto a mulher da vida dele.

9. e 10. (motivação e projecto de matar), nos depoimentos de familiares, que dão conta de anúncios por parte de AA de que mataria o irmão e a companheira, conjugados com os comportamentos por este posteriormente encetados, e em particular os vários disparos que fez contra cada uma das vítimas.

11 a 13. (circunstâncias da aquisição e características da arma), declarações do arguido AA, apreendida a fls. 63, cujas demais características se encontram descritas no relatório pericial de fls. 207 a 213;

14. (quanto ao local de posse da arma), declarações do arguido AA;

15. (relativamente à finalidade a que, possuindo-a, a reservava), os depoimentos dos familiares de CC, que relataram os anúncios de morte por parte daquele;

16. a 18. (fotografias aos armazéns, e oposição verbal manifestada a CC, e conversa entre esta e AA), declarações deste e depoimento do avaliador HH;

19. (referência por parte de CC de que a casa de AA poderia ser indicada como bem a penhorar em execução instaurada para cobrança de dívidas deste), declarações do próprio;

20. e 21 (decisão de matar, motivado pelos referidos sentimentos, e, concretizando o plano acalentado) o mesmo que para 8. 9. e 10;

22. (ida ao quarto, para buscar a arma guardada) declarações do arguido AA;

23. (propósito da posse da arma no quarto), o mesmo que para 9. e 10;

24. (espera por parte do arguido AA de que o indivíduo se ausentasse local), declarações daquele, que referiu nunca ter tido a intenção de «assustar» esta pessoa, cuja saída estava em posição de ver;

25. (telefonema de CC para o companheiro) declarações do próprio, cujo nº era .............. e informação, a fls. 136;

26. (regresso do arguido AA com a arma carregada e municiada ao encontro de CC, já o indivíduo lá não se encontrava), declarações do próprio;

27., 28., 30., e 34. (já o telefonema ao companheiro terminara, quando CC telefonou para o irmão, e conteúdo desta conversa), declarações do arguido AA que referiu que, quando atingiu CC esta telefonava, depoimento do irmão, SS, referindo o conteúdo da conversa, e informação a fls. 136

29., 31., 32., e 33. (apontar da arma, visando o coração, e primeiro disparo) declarações do arguido, que admite o disparo, depoimento de SS, relatando o conteúdo da conversa telefónica, e relatório de autópsia, a fls. 259 a 266;

35. e 36. (queda de CC e 2º disparo) declarações do arguido AA, que admitiu ter disparado uma segunda vez contra CC, já esta se encontrava deitada no chão, e relatório de autópsia, a fls. 259 a 266;

37. (saída do arguido AA para o pátio) declarações do próprio;

38. e 39. (aguardar pela chegada do irmão, para concretizar o plano de o matar), o mesmo que para 9., 10, relevando ainda o provado conteúdo da expressão ouvida por SS, sob o p. 34;

40. (chegada de DD ao pátio em viatura), declarações de ambos os arguidos;

41. (suspeita de DD), declarações do próprio;

42. (1º disparo contra DD), declarações do arguido AA, que admite ter disparado, de DD, que refere a posição de ambos, aquando do disparo, e reportagem fotográfica, cujo teor por ambos foi confirmado;

43. (não atingir de DD), declarações de AA e DD;

44. (deslocação de DD), declarações de AA e DD que referem a corrida de DD na ocasião;

45., 47. e 48. (danificação das viaturas de AA por DD), declarações de ambos, que disseram que DD se muniu de um ferro;

46. (fuga em direcção à parede da casa) declarações de ambos e reconstituição fotográfica;

49. (perseguição de DD por AA), declarações daquele, e comportamento posterior, descrito sob os pontos 50., 52, nomeadamente, o 2º disparo;

50. a 52., declarações do arguido DD que refere mais dois disparos, do arguido AA que admite ter disparado mais uma vez, reconstituição fotográfica, onde se pode constatar vestígios do projéctil na parede, ao nível do corpo de um homem de pé; além de que resulta do relatório de recolha de vestígios, onde se refere que no parque de estacionamento foram encontrados dois invólucros e um presumível impacto de projéctil de arma de fogo na parede da residência, e que os invólucros 6,35 mm, foram encontrados respectivamente no estribo traseiro da viatura de marca Mercedes com a matrícula ..-..-.., e junto à roda dianteira, lado direito, da viatura marca Fiat, com a matrícula ..-..-...

53. (não atingir de BB), declarações de ambos AA e DD que referem que DD não foi atingido;

54. (razão de BB não ser atingido), declarações de AA e DD que referem o movimento daquele, na ocasião dos disparos;

55. (danificação por parte de BB da janela da cozinha), declarações do arguido AA, nesta parte confirmadas pela vizinha CCC, que à mesma assistiu,

56. (entrada de AA em casa), declarações de AA e DD;

57. (acabar das munições), declarações do arguido AA;

58. e 59. (finalidade da entrada em casa e recarregamento da arma), declarações do arguido AA que refere o recarregamento da pistola, e depoimentos de HH e JJ, a quem este entregou a arma, nos termos descritos sob o p. 59;

60. (chegada dos bombeiros), declarações de AA e DD, e, depoimentos de LL e MM, que transportaram CC, ainda viva do local para o Hospital de Gouveia;

61. (permanência de AA na casa) declarações deste arguido;

62. (razão da não finalização do propósito de matar DD), emergindo do recarregamento da arma a persistência da vontade de tirar a vida ao irmão, explica-se, segundo um juízo de experiência, a não finalização do propósito com a percebida chegada dos bombeiros;

63. (danificação das viaturas de DD por AA), confissão de AA; e documentos, a fls. 367 e 368;

64. a 69. (lesões e morte de CC), relatório de autópsia a fls. 259 a 266, certificado de óbito a fls. 61, e, boletim de informação circunstancial, a fls. 62;

70. e 71. (entrega/ apreensão da arma), respectivo auto, a fls. 63, e depoimento dos soldados, KK e LL, a quem foi entregue a arma, nos termos descritos;

72. (resultado da perícia), respectivo relatório, a fls. 207 a 213;

73. (elementos subjectivos respeitantes à aquisição e posse da arma), declarações do arguido AA que reconhece a aquisição e posse de arma, com as referidas características, sem estar manifestada ou registada e sem ter a necessária licença de uso e porte;

74. e 75. (elementos subjectivos respeitantes à morte de CC e pretendida morte de DD) quanto ao motivo, o mesmo que para 8., quanto à utilização de meio de perigo comum, e características da arma, o mesmo que para 10 a 14, quanto às frieza de ânimo, reflexão sobre os meios empregados e persistência na intenção de matar durante vários meses, o mesmo que para 9 e 10;

76. (elementos subjectivos respeitantes à danificação das viaturas de DD), declarações do arguido AA, conjugadas com a conduta objectiva encetada, apreciada segundo um juízo de experiência e razoabilidade;

77. (consciência da ilicitude) as declarações do arguido, que revela saber que a aquisição e posse de arma, o homicídio e tentativa de homicídio de outrem, e a danificação de bens de terceiro, nas circunstâncias que resultaram provadas são proibidas e punidas por lei criminal, sendo certo, aliás, que, emerge do relatório a fls. 710, que não lhe foi detectada a presença de sintomatologia patológica que indicie transtorno ou perturbação mental, revelando conhecimento cognitivo global, considerado normal para a população em geral;

78. (data de nascimento de CC), respectiva certidão de nascimento, a fls. 299;

79. a 83. (vida pessoal/afectiva/familiar/profissional de CC), depoimentos dos familiares SS, TT e Ana Soeiro;

84. (percepção da morte), depoimento do irmão SS, com quem conversava nos momentos que antecederam o 1º disparo;

85. (dor de BB e DD) depoimentos SS, TT e UU e das empregadas da sapataria de , PP, QQ, que se aperceberam do abalo, por ambos, sentido;

86. (comportamento de na sapataria) depoimento das identificadas empregadas;

87. (apoio a ), depoimento dos identificados familiares, que lho prestam;

88. (actividade de CC), depoimentos das referidas empregadas da sapataria (junto a quem trabalhava) e do técnico de contas, RR, que referiram que CC era pelo menos tão trabalhadora e dinâmica como o seu companheiro, gerindo ambos, em conjunto, o negócio do calçado, tratando esta essencialmente das sapatarias, e aquele do comércio nas feiras, conjugados com a liquidação de rendimentos, a fls. 756;

89. (destino do rendimento produzido por CC) depoimentos dos seus familiares, bem como das referidas empregadas que relataram ser uma pessoa parcimoniosa, que além do que gastava consigo e no lar, investia ainda no negócio do casal;

90. (medo de DD), declarações do próprio, apreciadas segundo um juízo de experiência;

91. (pagamento da reparação das viaturas de DD por parte da seguradora), análise de fls. 367 e 368;

92. a 94. (tempo de reparação, não utilização no negócio, e atribuição de viatura de substituição), depoimentos das supra identificadas empregadas de sapataria;

95. (ausência de antecedentes), informação a fls. 766;

96 e 97 ( condições pessoais), declarações do de AA, confirmadas pelos seus colegas, XX e ZZ, amigos AAA e mulher BBB e CCC .

Não se provaram outros factos com relevância para a boa decisão da causa.

Desde logo, atentas as declarações de AA e DD, não se provou que habitassem em prédios confinantes entre si (facto não provado sob o ponto 1.), mas, apenas que eram próximos (cfr. facto provado sob o p. 5) .

AA negou ter comprado a arma de fogo com a finalidade de a vir a utilizar para tirar a vida ao seu irmão e companheira deste, pelo que, na ausência de prova suficientemente segura tal matéria (não provada sob o nº 2), mas apenas que alguns meses antes de 11 de Julho de 2007, a veio a guardar no quarto da sua residência, com o acalentado propósito supra referido (cfr. facto provado sob o n.º 15, e respectiva fundamentação).

Por conseguinte, a decisão de matar não resultou de um descontrolo do impulso ( facto não provado sob o p. 8), mas antes de um plano que veio a ser acalentado, e que, propiciando-se a ocasião, foi parcialmente concretizado (cfr. v.g. pontos 9 e 10, da matéria de facto provada, e respectiva motivação).

Negando AA ter dito a Elizabete que se as obras começassem “resolveria tudo na hora”, dando-lhe, assim, a entender que os mataria, a ela e ao companheiro, seu irmão, e não confirmando ter-lhe aquela respondido que não era nada com ele, que se metesse na sua vida, que não tinha medo dele (factos não provados sob os pontos 3. e 4.), na ausência de outra prova que a suportasse, tal matéria foi julgada não provada.

Atentos

os prévios anúncios de morte (cfr. fundamentação ao p. 9. da matéria de facto provada),

os dois disparos efectuados, a curta distância, contra cada uma das vítimas (factos provados sob os pontos 29 e 33, 36, 41, 50 a 52),

um deles, contra FFF (facto provado sob o ponto 36), quando ela já se encontrava no chão,

os pontos em que esta veio a ser atingida (resultantes do relatório de autópsia) ;

as expressões proferidas pelo arguido e ouvidas por SS (provadas sob os pontos 30 e 34);

não sofre dúvida que ao efectuar os disparos AA não pretendeu assustar, mas antes matar FFF; com também não pretendeu somente assustar DD, mas sim, matá-lo, (factos não provados sob os pontos 5. e 6.) propósito que (no respeitante ao irmão) que manteve quando foi a casa recarregar a arma (cfr. facto provado sob os pontos 58 e 59, e respectiva fundamentação);

Sendo esse o seu propósito – ficando à espera que o irmão chegasse para contra ele disparar - não se provou que o tenha feito para o impedir de estragar-lhe as viaturas ou a janela da sua residência; ou para evitar que este lhe entrasse em casa e viesse a agredir-lhe a mulher e os filhos (factualidade não provada sob o p. 7). Aliás, o arguido não só admitiu que sabia que na ocasião estes seus familiares já não se encontravam no interior da casa, como também que a janela não é meio idóneo para aceder à sua habitação.

Julgou-se ainda que, não foi produzida qualquer prova – declarações, depoimentos, relatórios periciais, ou documentos - que com a necessária segurança suportasse a matéria não provada sob os pontos 9., 10., 11, e 12.

B – RECURSO DO ARGUIDO PARA O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

Se o Mº Pº recorreu para o Tribunal da Relação por não concordar com a medida das penas aplicadas pelos crimes de homicídio qualificado e de dano, pretendendo, a final, a aplicação de uma pena conjunta, de vinte e cinco anos de prisão, já o arguido manifestou a sua discordância com a decisão da primeira instância, sobre matéria de facto.

Dado o teor do recurso que viria a interpor para este S.T.J., justifica-se que se transcreva aqui a própria motivação, do recurso para a Relação de Coimbra, no que concerne exactamente ao recurso da matéria de facto:

Vem o presente recurso interposto do douto Acórdão que condena o arguido AA pelos crimes melhor constantes daquele e que se dão aqui como reproduzidos por, no seu entender não ter sido feito prova de factos dados como provados, dando outros como não provados, e que devem ter-se como provados.
Sistematizando
DE FACTO
Julga o recorrente que não foi feita prova, nem sequer prova bastante, para dar como provados os factos constantes dos números 8, 9, 10, 15, 20, 32, 42, 74 após "crime comum" até final, 75, após "defesa da vitima" até final, 88 da matéria de facto dada como provada.
Dando, incorrectamente, como não provado o ponto 8 da matéria de facto não provada.
Assim, nenhuma testemunha relatou factos concretos que permitam dar como provados os pontos 8 e 9. Com efeito "Inveja" "Ódio" e "Vingança" são elementos conceptuais que necessitam de ser integrados por elementos fácticos, o que não aconteceu - vide toda a prova da douta acusação pública e particular cuja renovação da prova se requer de acordo com as voltas das cassetes constantes das actas das diversas Sessões de Julgamento.
Na verdade a "Inveja" vista como "desgosto pela prosperidade ou fortuna alheia, azedume" não foi concretizado em termos factuais por qualquer das testemunhas, sendo crucial referir que o que aconteceu é que o recorrente não concordou com as partilhas feitas pelo irmão DD, sentindo-se lesado, além de mais por a sua casa ter duas hipotecas - vide documentos dos autos - para a concretização de obras de um loteamento que ficou para este - nunca tendo aquela sido distratada e consequentemente o requerente tem que pagar uma prestação mensal ao banco de cerca de 750,00 € que nunca usufruiu.
Acresce que o irmão DD levantou de uma conta conjunta (em 2001) 75.000,00 €, a totalidade das poupanças de ambos, não dando qualquer quantia ao recorrente. Este facto é também admitido pelo irmão DD, bem como o facto, parece, de terem partilhado os bens em 2001, sem que tivessem intervido (ambos) nessa partilha e a tudo isto acresce o facto de já depois do levantamento o recorrente ter pago um cheque de 10.000,00 € a um fornecedor de calçado da Lixa.
O requerente não cobiçava nem cobiça fortuna alheia, apenas quer a parte do que acha que é seu por direito e que se viu espoliado.
"Ódio :Raiva que impele a causar ou querer mal a alguém".
Nenhum facto ficou provado que demonstre o aludido ódio no depoimento das testemunhas das Acusações Pública e Particular.
"Vingança" - acto ou efeito de se vingar de punir uma ofensa, punir".
Idem o referido quanto ao ódio.
Acresce que já após as partilhas que ambos não assumem que fizeram, mas que parece que apareceram concretizadas o recorrente chegou a trabalhar para o irmão e a comprar-lhe calçado que pagava, bem como pagou o lugar na feira ao DD após o seu regresso dos Estados Unidos da América.
A situação entre ambos só se voltou a toldar quando o DD ficou com o único empregado que o recorrente tinha, tendo este deixado de pagar 24.500,00 €.
Até aí pagou-lhe dezenas de milhares de euros.
Vide por tudo, a renovação da prova que se requer das declarações do arguido AA em todas as Audiências de Julgamento e das testemunhas das acusações pública e particular.
Nenhuma das testemunhas de acusação refere elementos factuais que permitam concluir com segurança que o recorrente vinha acalentando um plano para matar o irmão e companheira deste.
Vide a prova já requerida. O mesmo se dizendo quanto aos factos provados sob os números 10 e 15 nenhuma declaração permite essas conclusões.
- Renovação da prova já requerida.
Quanto aos factos dados como provados no n° 20 reitera-se o já referido e escrito quanto aos pontos 8 e 9, nenhum facto permitindo concluir que o arguido tenha decidido de forma livre e consciente matar o irmão e companheira. Aliás, o arguido refere que só o fez após longa discussão com a falecida, na qual trocaram acusações e que aquela chamara "puta" à esposa e refere que os filhos não eram dele. A existência da discussão é confirmada pelo depoimento da testemunha CCC que refere que a mesma terá demorado cerca de 10 minutos e que a voz do recorrente estava rouca e este muito nervoso.
Requer a renovação da prova das transcrições desta testemunha juntamente com as declarações do recorrente em todas as Sessões de Julgamento de acordo com a menção em acta.
Assim não custa a aceitar que após esta acalorada discussão que envolveu questões patrimoniais, na qual o recorrente já se sentia lesado, e da fidelidade da sua esposa, que o arguido, transtornado pela mesma, tenha no momento e num impulso ido buscar a arma cometendo os actos dos autos.
De notar que a testemunha CCC a refere que o recorrente estava visivelmente "transtornado" e "não parecia o mesmo AA que eu conhecia".
Dúvida não temos que foi a discussão com a infeliz falecida e a troca de acusações e palavras que precipitaram todo o desfecho com o arguido a perder a cabeça e desesperado, por impulso, ir buscar a arma e concretizar os factos dos autos. Nada ficando provado que o arguido visava atingir o coração da vitima.
O arguido refere amiúde que estava desesperado não podendo deixar de ligar este a um estado ligado à angústia ou à revolta, entendida esta como uma grande perturbação moral.
O ponto n° 42 resulta provado apesar das duas versões contraditórias: a do recorrente e a do irmão DD, sem qualquer outro suporte a nível de prova. Não pode, assim, o facto em causa de se considerar como não provado. Além do mais à luz do principio "in dúbio pró réu"
Do que vem dito nada permite concluir como provado os pontos 74 e 75 na parte em que foram impugnados.
Reiterando-se tudo o já escrito e a renovação da prova a este respeito.
Relativamente ao facto 88, nada permite concluir que aquele auferia a quantia aí referida. Pelo contrário, não apresentava declaração de IRS, por iniciativa da falecida e do DD deixou de auferir vencimento, factos comprovados pelo depoimento do DD documentado da testemunha GGG também documentado e cuja renovação da prova se requer e ainda da declaração de IRS junta aos autos.
Após a análise critica dos pontos de facto dados como provados e colocados em crise não poderão deixar de dar-se os mesmos como não provados. (…)”

A terminar, apresentou as seguintes conclusões:

“A - Foram incorrectamente julgados os pontos 8, 9, 10, 15, 20, 32,42, 74 após "crime comum" até final, 75 após "defesa da vitima" até final e 88 da matéria de facto dada como provada.
B - Atenta a prova produzida tais factos e matérias deverão ter-se como não provados.
C - Dando-se como provado que o recorrente agiu por impulso e dominado pelo desespero ligado à revolta que o levou a cometer o acto tresloucado.
D - Não se vislumbrando especial censurabilidade ou perversidade do agente ao nível da sua conduta que agrave a sua culpa e que subsuma os seus comportamentos nos elementos típicos do artigo 132 do Código Penal.
E - Pelo contrário o desespero as sucessivas e prolongadas humilhações, aliada a discussão tida com a falecida terão levado o recorrente a agir por impulso cometendo os actos dos autos.
F - Tornando-se assim agente de 2 crimes de homicídio privilegiados um na forma consumada e outro na forma tentada;
G - ou quando assim não se entenda de 2 crimes de homicídio sem a qualificativa por não se encontrar preenchido o especial tipo de culpa.
H - Não auferindo a falecida qualquer salário nenhum dano patrimonial há a ressarcir a este nível devendo dela ser absolvido o recorrente.
I - O douto Tribunal violou por erro de qualificação as normas dos artigos 131, 132 e 133 todos do código Penal e 483 do Código Civil

Termos em que qualificando os crimes cometidos pelo recorrente como privilegiados um consumado e outro na forma tentada melhor estará feita a subsunção do direito aos factos, aplicando-se ao recorrente as penas aplicáveis a estes crimes em cumulo Jurídico.
Assim decidindo V. Exsa farão
JUSTIÇA”

Respondeu o Mº Pº ao recurso do arguido, concluindo:

“1 – Vindo o recurso interposto de decisão em matéria de facto, encontrava-se o arguido/recorrente, nos termos estabelecidos no artigo 412°, n.° 3, ai. b), e n.° 4, do Código de Processo Penal, vinculado ao ónus de especificar, além dos concretos pontos de facto que veio a considerar incorrectamente julgados, as provas concretas, com referência ao consignado na acta da audiência e com indicação específica das passagens em que lhe permitiam impugnar o decidido e sustentar decisão diversa.

2 - Não tendo sido observado esse dever de especificação probatória e porque, por outro lado, se não alega nem se verifica qualquer das demais situações previstas no artigo 431°, daquele código, torna-se imodificável a matéria de facto assente no douto acórdão recorrido.

3 - O acórdão recorrido é, por si, elucidativo do modo cuidado, criterioso e fundamentado como foram apreciados todos os meios probatórios atendíveis, valorados adequadamente e em harmonia com as regras da experiência.

4 - A factualidade assente como provada preenche todos os elementos, objectivos e subjectivos, constitutivos dos dois crimes de homicídio qualificado e dos crimes de detenção de arma proibida e de dano que, em concurso real de infracções, eram imputados ao arguido AA e pelos quais este foi penalmente censurado, embora em penas parcelares e, após cúmulo jurídico, em pena única aquém do mais ajustado à sua culpa e às exigências de prevenção, como melhor se sustentou já em recurso próprio.

Pelo que e se por defeito na medida das penas, o douto acórdão recorrido não fez a melhor aplicação do disposto nos artigos 40°, n°s 1 e 2, 77°, n.° 2, 131, 132, n.° 1, e 212°, todos do Código Penal, e 86°, n° 1, alínea c), e n° 2, da Lei n° 5/2006, de 23 de Fevereiro, nenhuma outra ofensa legal resulta dessa mesma decisão.

Nestes termos e pelo mais que V.as Ex.as, Senhores Juízes Desembargadores, não deixarão de suprir sabiamente, negando provimento ao recurso interposto pelo arguido e, consequentemente:
- confirmando a decisão tomada em matéria de facto e o enquadramento jurídico-penal dado, no douto acórdão recorrido, à factualidade estabelecida;
- decorrente da procedência do recurso interposto pelo Ministério Público, agravando a medida das penas parcelares e única, impostas ao arguido, far-se-á Justiça.”

A seu turno, o assistente BB apresentou as seguintes conclusões da sua resposta:

“I - Para se atingir a completa delimitação do objecto do recurso, nomeadamente em matéria de facto, e obstar à utilização do recurso apenas para se alcançar uma nova apreciação àquela formulada em Ia instância, impõe-se ao recorrente que pretenda impugnar aquela matéria de facto, que na motivação proceda a uma tripla especificação: concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; e ainda, quando o solicitar, concretas provas a renovar.

II- Se nem no corpo das motivações, nem nas conclusões existem as especificações exigidas por lei, estaremos perante uma situação de insuficiência não só das conclusões, mas também do próprio do recurso, com a cominação de não poder a parte afectada ser conhecida.

III- Pelo que deve ser julgado improcedente o recurso apresentado pelo arguido AA, com as legais consequências.

Termos em que, deve o recurso interposto ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se integralmente a sentença proferida em 1ª instância
Assim decidindo, farão V. Exas.
Justiça”

O Mº Pº junto do Tribunal da Relação de Coimbra emitiu parecer, em que se louvou, por um lado, na pretensão de agravamento das penas inerente ao recurso interposto por aquele, e, por outro, na tese da improcedência do recurso do arguido.

C – DECISÃO RECORRIDA

Transcreve-se da decisão recorrida o seguinte passo:

“(…) As declarações prestadas em audiência de discussão e julgamento, encontram-se documentadas conforme o disposto no art 363 do Código Processo Penal. Assim, toda a prova produzida em julgamento encontra-se devidamente gravada.
No entanto, o recorrente, e apesar de pretender impugnar a matéria de facto dada como provada em julgamento não fez a especificação por referência concreta aos suportes técnicos.

Dispõe o art 412 nº 3 do Código Processo Penal:

“Quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar.

Os concretos pontos de facto que considere incorrectamente julgados;

As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;

As provas que devem ser renovadas.”

E o nº4 “Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no nº 2 do art 364, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação”.

Portanto, quando o recorrentes impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto deve especificar, além do mais “as provas que impõem decisão diversa da recorrida”, devendo tal especificação fazer-se “por referência ao consignado na acta” em conformidade com o preceituado no nº 2 do art 364.

O recorrente não deu satisfação a tal ónus, quer na motivação, quer nas conclusões não especificou, por referência ao consignado na acta, as provas que, na sua perspectiva, impõem decisão diversa da impugnada, isto é, não indicou com referência às cassetes os depoimentos através dos quais fundamentam a sua discordância relativamente aos pontos de facto que considera incorrectamente julgados.

Assim sendo, o incumprimento daquele ónus acarreta a impossibilidade de o tribunal de recurso modificar a decisão proferida sobre a matéria de facto.

Aliás, neste sentido decidiu o acórdão nº 140/2004, processo nº 565/2003 de 10/3/2004 (DR II série, nº 91 de 17/4/2004), ainda Ac RLx de 20/10/99, in CJ, XXIV, 4, 153 e Ac RC de 30/1/02, in CJ XXVII, 1, 44 e 45.

É verdade que o art 417 nº 3 do CPP estipula que se a motivação do recurso não contiver conclusões ou destas não for possível deduzir total ou parcialmente as indicações previstas nos nºs 2 a 5 do art 412º, o relator convida o recorrente a apresentar, completar ou esclarecer as conclusões formuladas, no prazo de 10 dias, sob pena de o recurso ser rejeitado ou não ser conhecido na parte afectada.

No entanto, o aperfeiçoamento não permite modificar o âmbito do recurso que tiver sido fixado na motivação (art 417 nº 4 do CPP).

Ou seja, só é possível o convite para a correcção quando essa correcção se processa dentro dos termos da própria motivação e não constitua uma substituição, mesmo que parcial da motivação.

Como vem referido no Ac desta Relação de 2 de Abril de 2008 no processo 604/05.5PBVIS.C1 “quando o recorrente expõe consistentemente as razões concretas da sua discordância, mas depois, por lapso, não as assinala devidamente nas conclusões existem razões que se fundamentam na proibição de excesso, no princípio da proporcionalidade constitucionalmente consagrado no art 18º nº 2 da CRP que justificam a convite e a consequente possibilidade de correcção.

Porém, quando o recorrente no corpo da motivação do recurso não enunciou as especificações, o convite à correcção não se justifica porque para se obter a harmonização entre as conclusões, o corpo da motivação e a obrigação legal de especificação seria necessária uma reformulação substancial das motivações e das conclusões, o que significaria a concessão da possibilidade de um novo recurso, com novas conclusões e inovação da motivação, precludindo a peremptoriedade de prazo de apresentação do recurso.

No caso vertente, nem na motivação, nem nas conclusões existe qualquer menção á provas que impõem decisão diversa e só de forma genérica se faz referência aos pontos de factos considerados incorrectamente julgados, pelo que não se justifica o convite ao aperfeiçoamento, justificando-se a rejeição do recurso.

E isto porque, sobre o ponto de vista do direito o recorrente pretende a sua absolvição ou a redução da pena aplicada tendo em vista a alteração da matéria de facto de acordo com o que alegou na sua motivação.

Termos em que ao abrigo do disposto no art 420 nº 1 al a) do Código Processo Penal rejeita-se o recuso interposto por AA, por manifesta a sua improcedência. (…)”


D – RECURSO DO ARGUIDO PARA ESTE SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

São as seguintes as conclusões do recorrente:

“1 - O recorrente, quiçá de forma menos hábil, respeitou o formalismo processual previsto no artigo 412°, ns° 3 e 4 do Código de Processo Penal.
2- O recorrente na sua motivação pretendendo indicar como prova os depoimentos de testemunhas de acusação que impõe decisão diversa da recorrida, por estes não terem referido factos que conduzissem à prova dos mesmos, necessariamente terão que se ouvir todos os depoimentos nos termos requeridos por remissão para as actas de julgamento.
3- A omissão, nas conclusões das provas concretas que impunham decisão diversa teria que conduzir ao convite do Exm° Relator para apresentá-las nos termos do artigo 417°, n° 3 do CPP.
4- Deve o douto Acórdão ser revogado na parte em que rejeitou o recurso por manifestar improcedência e ordenada a repetição da apreciação do recurso interposto, com audição da prova requerida, mesmo convidando o recorrente a apresentar conclusões, por as especificações do artigo 412°, ns° 2 e 3 constarem das motivações.
5-0 douto Acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 412°, ns° 2 e 3, 417°, n° 3 e 420°, n° 1 ai. a) todos do CP Penal por erro de interpretação.

Termos em que,
dando provimento ao recurso e ordenando que o Tribunal da Relação conheça do objecto do mesmo farão Justiça.”

As conclusões da resposta do Mº Pº foram:

“1 - O acórdão recorrido, da 1ª Instância, decidiu correctamente em relação à matéria
de facto dada como provada ;
2.- O arguido-recorrente, ao interpor recurso, no que concerne à matéria de facto e de direito, não enunciou as especificações, a que se refere o art. 412 °, n°s 2, 3 e 4 do C.P.P., nem na motivação, nem nas conclusões;
3 - Assim, o incumprimento de tal ónus tem como consequência a impossibilidade de
o tribunal de recurso modificar a decisão proferida sobre a matéria de facto;
4 - Questiona-se se deveria ter sido convidado o recorrente a completar as conclusões (art. 417 °, n ° 3 do C.P.P.);
5 - Caso a resposta seja afirmativa, poderá modificar o âmbito do recurso, o que não
é permitido pelo n ° 4 do art. 417 ° do C.P.P.;
6- Assim, parece não poder conceder-se provimento ao recurso, devendo consequentemente confirmar-se o acórdão recorrido.”

O assistente concluiu por sua vez a respectiva resposta, assim:

“I - Para se atingir a completa delimitação do objecto do recurso, nomeadamente em matéria de facto, e obstar à utilização do recurso apenas para se alcançar uma nova apreciação àquela formulada em Ia instância, impõe-se ao recorrente que pretenda impugnar aquela matéria de facto que na motivação proceda a uma tripla especificação: concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; e ainda, quando o solicitar, concretas provas a renovar.

II- Se nem no corpo das motivações, nem nas conclusões existem as especificações exigidas por lei, estaremos perante uma situação de insuficiência não só das conclusões, mas também do próprio do recurso, com a cominação de não poder a parte afectada ser conhecida.

III- O convite ao aperfeiçoamento, previsto no artigo 417° do CPP, tem limites, pois que "se o recorrente no corpo da motivação do recurso se absteve do cumprimento daquele ónus, que não é meramente formal", "não enunciou as especificações, então o convite à correcção não comporta sentido, porque a harmonização das conclusões ao corpo da motivação demandaria a sua reformulação, ao fim e ao cabo, contas direitas, inscreveria um novo recurso, com novas conclusões e inovação da motivação, precludindo a peremptoriedade do prazo de apresentação do direito ao recurso".

IV - Pelo que deve ser julgado improcedente o recurso apresentado pelo arguido AA, com as legais consequências.


Termos em que, deve o recurso interposto ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se integralmente o acórdão e a sentença proferidos”.

Já neste S.T.J., o Mº Pº, em douto parecer, pronunciou-se pela improcedência do recurso.

Colhidos os vistos foram os autos presentes à conferência.

E – APRECIAÇÃO

A única questão que cumpre decidir é a de se saber se, face à alegada omissão do recorrente, do cumprimento do ónus de indicação das provas que impõem decisão diversa da recorrida, ou que têm que ser renovadas, estava o relator obrigado, nos termos do artº 417º nº 3 do C.P.P., a convidar o mesmo recorrente a apresentar, completar ou esclarecer as conclusões formuladas. E se, na afirmativa, estaria a “modificar o âmbito do recurso que tiver sido fixado na motivação”, contrariando, pois, o comando do nº 4 daquele normativo. Vejamos então.

1) O comando do artº 412º nº 3 do C.P.P. vai no sentido de, quando estiver em causa a impugnação da decisão proferida, no tocante a matéria de facto, terem que ser especificados pelo recorrente:
· Os concretos pontos da matéria de facto considerados incorrectamente julgados;
· As provas específicas que impõem decisão diversa da que foi proferida;
· As provas que devem ser renovadas.
De acordo com o nº 4 do preceito, tendo havido gravação de prova, qualquer uma destas referências às provas implica que se designe o que ficou consignado em acta nos termos do nº 2 do artº 364º, “devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação”.
O nº 3 do artº 417º do C.P.P. diz-nos, entre o mais, que se das conclusões não for possível deduzir total ou parcialmente as indicações que se impunham, e aqui, especificamente as daquele nº 3 ou 4 do artº 412º, “o relator convida o recorrente a apresentar, completar ou esclarecer as conclusões formuladas”.
De acordo com o nº 4 do artº 417º do C.P.P., “O aperfeiçoamento previsto no número anterior não permite modificar o âmbito do recurso que tiver sido fixado na motivação”.

2) Analisando agora o recurso do arguido, verifica-se que, quer na motivação, quer na primeira conclusão, se indicam os concretos factos considerados incorrectamente julgados. Trata-se dos factos “constantes dos números 8, 9, 10, 15, 20, 32, 42, 74 após "crime comum" até final, 75, após "defesa da vitima" até final, 88 da matéria de facto dada como provada.
Dando, incorrectamente, como não provado o ponto 8 da matéria de facto não provada”.
Diz-se depois na conclusão segunda que “Atenta a prova produzida tais factos e matérias deverão ter-se como não provados”. A expressão “Atenta a prova produzida” é sem dúvida genérica e apela para a totalidade da prova disponível.
Quanto à motivação, são feitas as seguintes referências:
· “Assim, nenhuma testemunha relatou factos concretos que permitam dar como provados os pontos 8 e 9 . Com efeito, "Inveja" "Ódio" e "Vingança" são elementos conceptuais que necessitam de ser integrados por elementos fácticos, o que não aconteceu - vide toda a prova da douta acusação pública e particular cuja renovação da prova se requer de acordo com as voltas das cassetes constantes das actas das diversas Sessões de Julgamento” .
Estes pontos referem-se aos sentimentos de inveja ódio e vingança que o arguido
acalentava para com as vítimas e que motivaram o plano de matá-las. E, especificando,
diz o recorrente a seguir:
· “Na verdade, a "Inveja" vista como "desgosto pela prosperidade ou fortuna alheia, azedume" não foi concretizado em termos factuais por qualquer das testemunhas”
· “Ódio: Raiva que impele a causar ou querer mal a alguém". Nenhum facto ficou provado que demonstre o aludido ódio no depoimento das testemunhas das Acusações Pública e Particular.”
· “Vingança" - acto ou efeito de se vingar de punir uma ofensa, punir". Idem o referido quanto ao ódio”.
· Depois de reportar factos que segundo o arguido o tinham prejudicado e que imputava ao irmão, refere: “Vide por tudo, a renovação da prova que se requer das declarações do arguido AA em todas as Audiências de Julgamento e das testemunhas das acusações pública e particular.
Nenhuma das testemunhas de acusação refere elementos factuais que permitam
concluir com segurança que o recorrente vinha acalentando um plano para matar o
irmão e companheira deste.
Vide a prova já requerida. O mesmo se dizendo quanto aos factos provados sob os
números 10 e 15 nenhuma declaração permite essas conclusões.
· - Renovação da prova já requerida.
Quanto aos factos dados como provados no n° 20 (…) A existência da discussão é
confirmada pelo depoimento da testemunha CCC que refere (…).
Requer a renovação da prova das transcrições desta testemunha juntamente
com as declarações do recorrente em todas as Sessões de Julgamento de
acordo com a menção em acta. (…).
O ponto n° 42 resulta provado apesar das duas versões contraditórias: a do
recorrente e a do irmão DD, sem qualquer outro suporte a nível de prova. Não
pode, assim, o facto em causa de se considerar como não provado. Além do mais à
luz do principio "in dúbio pró réu".
Do que vem dito nada permite concluir como provado os pontos 74 e 75 na parte
em que foram impugnados.
Reiterando-se tudo o já escrito e a renovação da prova a este respeito (…)”.

3) Na decisão recorrida rejeitou-se o recurso por manifesta improcedência invocando-se no essencial que: “No caso vertente, nem na motivação, nem nas conclusões existe qualquer menção ás provas que impõem decisão diversa e só de forma genérica se faz referência aos pontos de factos considerados incorrectamente julgados, pelo que não se justifica o convite ao aperfeiçoamento, justificando-se a rejeição do recurso”.
No recurso interposto para este S.T.J. o recorrente esclarece que, estando em causa o facto de se não ter produzido qualquer prova que apontasse para a verificação dos factos dos pontos assinalados, “Tratando-se da prova de factos negativos, terá que se ouvir todo o depoimento de todas as testemunhas”. Porque só assim se poderá concluir pela completa omissão de referências comprometedoras para o recorrente no sentido apontado. Os factos que se consideram não deverem ter sido dados por provados são, como se viu, os dos pontos 8, 9, 10, 20, (sentimentos de ódio ciúme e inveja), 15 (propósito de matar acalentado desde meses antes), 32 (modo como é descrito o homicídio da vítima CC), 42 (modo como é descrito o primeiro disparo contra a vítima DD), parte dos pontos 74 e 75 (síntese conclusiva do circunstancialismo agravante qualificado).
Sublinhe-se no entanto, e desde já, que, como bem ressalta do recurso interposto para a Relação, por um lado, o recorrente pretende que se não verificaram factos integradores dos crimes de homicídio qualificado, mas, por outro, pretende terem ocorridos factos que deveriam ter sido dados por provados, e que implicavam uma condenação por dois homicídios privilegiados.

4) Importa antes do mais caracterizar as situações da alínea b) e c) do nº 3 do artº 412º do C.P.P..
No que à primeira das alíneas se refere, diga-se, à margem, que é insuficiente, à partida, a indicação genérica de todo um depoimento gravado, importando referir o que é que nele não sustenta o facto dado por provado. Mas, sobretudo, o recorrente tem que demonstrar que as provas a que alude impõem decisão diversa da recorrida. Não basta que as provas sejam compatíveis com os factos provados, e com os não provados que o recorrente gostaria de ter visto provados. É preciso que as ditas provas só possam levar a que se dêem por provados os factos que o recorrente queria ver provados. Como diz P.P.Albuquerque, importa que o recorrente “relacione o conteúdo específico do meio de prova que impõe decisão diversa da recorrida com o facto individualizado que considera incorrectamente julgado” (in “Comentário do Código de Processo Penal, pag. 1131). Ora, o que o recorrente se limita a fazer, neste particular, é afirmar que nenhuma das gravações da prova da acusação se reporta ao circunstancialismo responsável pela qualificação dos homicídios.
A alínea b) citada dá lugar a que a Relação proceda à audição (ou visualização) das passagens que se assinalem, e que se mantêm intactas.
Já a al. c) prevê a renovação de prova. Ou seja, não a produção de prova nova, mas a nova produção de prova já produzida, a ter lugar em audiência, e no tribunal de recurso. Para tanto, importa ter em conta as limitações do artº 430º nº 1 do C.P.P. (a que o recorrente nem sequer alude).
Para além da especificação dos meios de prova já produzidos em audiência da primeira instância, é mister que se assinalem vícios, dos contemplados no nº 2 do artº 410º do C.P.P., e ainda que se convença o Tribunal da Relação de que a renovação da prova permitirá evitar o reenvio do processo. O recorrente nada disto faz, e no entanto fala repetidamente de renovação da prova.
Fala por exemplo da “prova da douta acusação pública e particular cuja renovação da prova se requer de acordo com as voltas das cassetes constantes das actas das diversas Sessões de Julgamento”. Ou, noutro passo, “Vide por tudo, a renovação da prova que se requer das declarações do arguido AA em todas as Audiências de Julgamento e das testemunhas das acusações pública e particular.”
Tendo em conta que houve completa gravação da prova oral produzida em audiência, e de acordo com a orientação que neste particular se tem seguido, de nesse caso se não mostrar necessária a renovação da prova, optámos por ver na deficiente formulação da pretensão do recorrente, o desejo de reanálise da prova gravada, apenas. Ou seja, teremos que nos ater, somente ao disposto na al.b) no nº 2 do artº 412º do C.P.P..

5) Interessa, agora, ver se houve ou não violação do nº 3 do artº 417º do C.P.P..
A decisão recorrida defende que não, segundo cremos, em virtude de o convite ao aperfeiçoamento das conclusões implicar, no caso, a modificação do âmbito do recurso fixado na motivação, e desse modo se estar a ir contra o disposto no nº 4 do preceito.
Na motivação, o âmbito do recurso sobre matéria de facto surge claro, e com tal amplitude, que um convite à especificação nas conclusões, em cumprimento do estipulado pelas al. b) e c) do nº 3 do artº 412º, dificilmente modificaria o âmbito do recurso sobre matéria de facto. Acresce que o disposto no nº 4 do preceito constitui uma limitação, que se dirige ao recorrente convidado ao aperfeiçoamento, mas que se não sabe de antemão se ele vai observar ou não. Não será pois lícito recusar esse convite presumindo que vai haver modificação do âmbito do recurso.
Assim sendo, não nos parece que se possa apresentar como justificação, para o não cumprimento justificado, do convite do nº 3 do artº 417º do C.P.P., aquilo que consta do nº 4 do preceito.
Nas conclusões do recurso para a Relação o recorrente impugna os factos que assinala, “Atenta a prova produzida”. Isto, porque o que pretende é que se dê “como provado que o recorrente agiu por impulso e dominado pelo desespero ligado à revolta que o levou a cometer o acto tresloucado”.
Na motivação, pretende a renovação de toda a prova da acusação. No recurso para este S.T.J. o recorrente diz que o que está em causa é todo o depoimento de todas as testemunhas, sem embargo de relativamente a um ou outro ponto mencionar específicos depoimentos ou declarações.

6) Segundo a jurisprudência deste Supremo Tribunal, “Os nºs 3 e 4 do artº 412º do C.P.P. limitam o julgamento da matéria de facto àqueles pontos que referem, mas não permitem o julgamento da globalidade dessa matéria de facto” (p. ex. Ac. de 18/1/2001, Pº 3105/00 desta 5ª Secção). “O reexame da matéria de facto pelas Relações não corresponde a um segundo julgamento, como se não tivesse havido um julgamento anterior, antes visa correcção de erros de julgamento da 1ª instância, impondo-se que os recorrentes especifiquem os pontos de facto e as suas provas que em relação a cada facto deviam conduzir a um veredicto diferente, para que a instância de recurso reaprecie essas provas, e eventualmente altere a decisão da matéria de facto quanto a esses pontos” (Ac. de 11/10/2005, Pº 2435/05 da 3ª secção). O facto da Relação conhecer de facto não significa, portanto, que tenha de proceder a um novo julgamento de facto, em toda a sua extensão, tal como ocorrera em 1ª instância.
No recurso de matéria de facto, haverá que ter por objectivo o passo que se deu, da prova produzida aos factos dados por assentes, e/ou o passo que se deu, destes, à decisão. O recorrente poderá insurgir-se contra o modo como teve lugar um ou ambos os momentos deste trânsito. Desde logo, impugnando a própria matéria de facto devido ao confronto entre a prova que se fez e o que se considerou provado, ou então, invocando um dos vícios do nº 2 do artº 410º do C.P.P., o que o recorrente neste caso não fez.
Em qualquer das hipóteses, haverá que ter em conta que uma coisa é considerar objecto do recurso ordinário o acontecimento histórico sobre que incidiu a decisão recorrida, e outra, ter por objecto do recurso, essa decisão ela mesma. No primeiro caso haverá que decidir de novo a questão que foi levada a julgamento, podendo inclusive atender-se a factos novos e produzir prova nunca antes produzida. No segundo caso, haverá que apreciar da bondade da decisão recorrida só a partir dos dados de que o(s) julgador(es) recorrido(s) dispuseram. Acresce que a avaliação da decisão é a resposta, enquanto remédio jurídico, para incorrecções e ilegalidades concretamente assinaladas. Não um novo apuramento global do acontecido, ou a reapreciação do objecto do processo, porque a garantia do duplo grau de jurisdição, em sede de matéria de facto, nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência, antes visando, apenas, a detecção e correcção de pontuais, concretos, e em regra excepcionais, erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da dita matéria de facto.
Importa ainda ter em consideração, quanto ao julgamento de facto pela Relação, que uma coisa é não agradar ao recorrente o resultado da avaliação que se fez da prova, e outra é detectar-se no processo de formação da convicção desse julgador, erros claros de julgamento, incluindo eventuais violações de regras e princípios de direito probatório.
Ora, ao apreciar-se o processo de formação da convicção do julgador, não pode ignorar-se que a apreciação da prova obedece ao disposto no artº 127º do C.P.P., ou seja, assenta (fora das excepções relativas a prova legal que não interessam ao caso), na livre convicção do julgador e nas regras da experiência. Por outro lado, também não pode esquecer-se o que a imediação em primeira instância dá, e o julgamento da Relação não permite. Basta pensar, naquilo que, em matéria de valorização de testemunhos pessoais, deriva de reacções do próprio ou de outros, de hesitações, pausas, gestos, expressões faciais, enfim, das particularidades de todo um evento que é impossível reproduzir.
Serve para dizer, que o trabalho que cabe à Relação fazer, na sindicância do apuramento dos factos realizado em primeira instância, se traduz fundamentalmente em analisar o processo de formação da convicção do julgador, e concluir, ou não, pela perfeita razoabilidade de se ter dado por provado o que se deu por provado.
Pese embora deverem ser tidas em conta estas cautelas, sempre se dirá que, apesar da pretensão do recorrente, tal como foi apresentada no recurso para a Relação, estar votada ao fracasso, não pode olvidar-se que se está perante uma condenação a vinte e quatro anos de prisão, e que, portanto, é compreensível a aspiração do recorrente a que um tribunal especialmente qualificado como é a Relação se debruce sobre os fundamentos da sua condenação.
Entendemos que se lhe não deve negar esse desiderato, porque a lei nos apresenta a via para que tal tenha lugar.
O recorrente pretende que sejam considerados não provados, fundamentalmente, os factos consistentes:
· Na antecipação desde há meses da intenção de matar;
· Que a sua acção tenha sido animada por sentimentos de ódio vingança ou inveja;
· Que nos primeiros disparos contra as vítimas os factos se tivessem passado do modo considerado provado.
Ao invés, pretende ver como provados, no essencial :
· Que foi objecto de sucessivas humilhações por parte do irmão;
· Que teve uma discussão muito acalorada com a companheira deste em que, inclusive a sua mulher foi difamada;
· Que actuou depois de “ter perdido a cabeça”, desesperado e por impulso.

Com isto, o objectivo do recorrente é, como se viu, obter uma qualificação diferente do seu comportamento, e, assim, uma pena mais baixa.
Face ao exposto, o recorrente deve ser convidado a completar as conclusões formuladas, para que, em substituição da expressão vaga “face à prova produzida”, assinale as passagens das gravações efectuadas, seguindo a indicação do nº 4 do artº 412º do C.P.P., que permitam concluir diversamente daquilo que se concluiu na decisão sobre matéria de facto.

F – DECISÃO

Tudo visto e ponderado se decide neste Supremo Tribunal de Justiça, 5ª Secção, em conferência, conceder provimento ao recurso, assim se revogando a decisão recorrida na parte em que considerou o recurso do arguido manifestamente improcedente, decisão que deve ser reformulada no sentido de o arguido ser notificado para dar cumprimento ao artº 412º nº 4 do C.P.P., com referência à al. b) do nº 3 do mesmo artigo, seguindo-se os ulteriores termos, em consonância com o cumprimento daquele ónus por parte do arguido recorrente.


Lisboa, 23 de Abril de 2009

Souto de Moura (Relator)
Soares Ramos