Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07S3786
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: BRAVO SERRA
Descritores: RETRIBUIÇÃO VARIÁVEL
COMISSÕES
IRREDUTIBILIDADE DA RETRIBUIÇÃO
ALTERAÇÃO DA ESTRUTURA DA RETRIBUIÇÃO
Nº do Documento: SJ200801160037864
Data do Acordão: 01/16/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
I – Integra a parte variável da retribuição devida a um Director Comercial o valor das “comissões” percebidas, além de uma remuneração base fixa, pelo seu desempenho laboral na direcção de duas delegações comerciais (valor correspondente a 4% do valor dos contratos angariados e facturados em cada uma das delegações).
II - Deve ter-se como feridente do princípio da irredutibilidade retributiva que se extrai da proibição consagrada na al. c), do n.º 1, do art. 21.º da LCT, o não pagamento a este trabalhador do valor correspondente às “comissões” relativas aos contratos angariados numa dessas delegações, a partir da data em que o empregador dispensou unilateralmente o trabalhador das suas funções de direcção de vendas nesta delegação, uma vez que com a supressão desta componente retributiva variável, unilateralmente decidida pelo empregador, o trabalhador viu diminuído o valor total da sua retribuição estrita.
IV – Não pode ser entendida como violadora do dever de agir de boa fé no exercício do direito da relação obrigacional, a pretensão do trabalhador que desfrutava de uma remuneração em sentido estrito na qual, em parte variável, se compreendiam as “comissões” pela facturação das vendas em duas delegações comerciais, quando, por decisão unilateral do empregador, lhe foi retirado o desempenho de funções atinentes a uma das delegações, continuando essa delegação a exercer a sua actividade e não ocorrendo, contratualmente, uma alteração da categoria funcional do trabalhador.
V – É possível, em abstracto, ao empregador modificar a estrutura de um retribuição complexa, por exemplo extinguindo as componentes variáveis e substituindo-as por uma outra remuneração fixa; mister é que a modificação não acarrete uma diminuição da retribuição em sentido estrito.
Decisão Texto Integral:

I


1. Pelo Tribunal do Trabalho do Porto instaurou AA contra BB – Divulgação Promocional de Indústria e Comércio, S.A., acção de processo comum solicitando a condenação da ré a pagar-lhe € 31.059,60 correspondentes ao valor das comissões não pagas relativas à Delegação de Coimbra da ré, € 7.477,04 correspondentes à diferença de valor das comissões não pagas relativas à Delegação do Porto da ré, a quantia, a liquidar em execução de sentença correspondente à remuneração variável do autor relativa à Delegação do Porto da ré, € 40.77,75 correspondente à diferença do valor de indemnização pelo despedimento colectivo, e juros.

Em síntese, invocou que: –
– ele, autor, foi admitido pela ré em 14 de Outubro de 1980 para, sob as ordens, direcção, fiscalização e subordinação desta, trabalhar como vendedor, percebendo uma remuneração fixa e outra variável, vindo, a partir de 1 de Janeiro de 1997, a ser promovido à categoria de Director Comercial Norte, competindo-lhe dirigir as Delegações da ré no Porto e Coimbra;
– a ré comunicou, em 14 de Maio de 2004, a sua intenção de promover um despedimento colectivo, englobando vários trabalhadores, entre os quais o autor, o que veio a suceder em 18 de Agosto de 2004;
– todavia, a ré veio a pagar ao autor quantias muito inferiores àquelas a que tinha direito, pois que não só lhe não foram pagas as comissões desde Setembro de 2002 referentes à Delegação de Coimbra – 4% do valor da facturação sobre os valores dos contratos que angariava e que correspondia à sua remuneração variável –, num quantitativo médio mensal de Esc. 259.454$00, como ainda, em relação à Delegação do Porto, a ré, contra a vontade do autor, reduziu de 4% para 3% o valor das comissões, o que traduziu uma diferença, para menos, de € 7.477,04, além de, referentemente a esta última Delegação, lhe não ter sido pago o valor das comissões relativas à publicidade angariada a partir do mês de Novembro de 2004;
– assim, aqueles não pagamentos e diminuição da percentagem das comissões fez com que a média da remuneração do autor para efeitos do cálculo de indemnização devida pelo despedimento colectivo fosse inferior à devida.

Após contestação da ré, e prosseguindo os autos seus termos, veio, em 31 de Março de 2006, a ser proferida sentença, por intermédio da qual, julgando-se improcedente a acção, foi a ré absolvida dos pedidos formulados.

Sob apelação do autor, que também impugnou a matéria de facto, o Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 26 de Fevereiro de 2007, concedeu-lhe parcial provimento, determinando a condenação da ré a pagar ao autor o quantitativo a liquidar em execução de sentença e referente a comissões relativas à Delegação de Coimbra no período compreendido entre 1 de Setembro de 2002 e 18 de Agosto de 2004.


2. Do assim decidido pediram revista autor e ré, tendo o recurso do primeiro sido considerado deserto por falta de alegação.

A ré rematou a sua alegação com as seguintes «conclusões»: –

1 – O presente recurso visa a decisão do venerando Tribunal da Relação do Porto, que considerou que a Ré violou in casu o princípio da irredutibilidade da retribuição (artº 21 nº 1 c) da LCT e artº 122 d) do CT
2 – Está provado nos autos com interesse para a causa que:
2.1 O Autor foi contratado como ‘vendedor’ da Ré em 14.10.1980 (ponto 1 da matéria provada).
2.2 A partir de 1.1.97 o Autor foi promovido a ‘director comercial Norte’ competindo-lhe dirigir as Delegações da Ré no Porto e em Coimbra (ponto 2 da matéria provada).
2.3 O Autor auferia remuneração mista que incluía desde Janeiro de 1997 uma comissão de 4% sobre o valor dos contratos de publicidade angariados na Delegação do Porto e também, até Setembro de 2002, sobre os contratos da Delegação de Coimbra (ponto 8 da matéria provada)
2.4 Por haver apenas dois trabalhadores na Delegação da Ré em Coimbra (um chefe de vendas e um vendedor) em Setembro de 2002, a Ré, alegando esse facto e dificuldades económico financeiras, comunicou ao Autor que eram dispensados os seus serviços relativamente à Delegação de Coimbra (ponto 9 e 10 da matéria provada).
2.5 A partir de Setembro de 2002 o Autor nunca mais desempenhou quaisquer funções de direcção de vendas da Delegação de Coimbra e nunca mais compareceu nos respectivos escritórios para qualquer serviço, passando a exercer a direcção de vendas da Delegação do Porto (ponto 11 da matéria provada).
3 A retribuição é aquilo a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho.
4 A retribuição inclui apenas as atribuições patrimoniais que sejam contrapartida do trabalho dos trabalhadores.
5 Todas as outras atribuições de cariz patrimonial que não sejam contrapartida de trabalho não integram o conceito de retribuição e não estão, assim, abrangidas pela garantia de irredutibilidade da retribuição.
6 O princípio da irredutibilidade aplica-se apenas às verbas ou atribuições que se incluam no conceito de retribuição.
7 Todavia, e no que refere à irredutibilidade da retribuição, a doutrina e a jurisprudência são unânimes no sentido de que certas atribuições patrimoniais inseridas na ‘retribuição’ num dado momento, podem ser retiradas sem que se viole o dever de não reduzir a retribuição.
8 É o caso de atribuições relativas a penosidade, serviço em turnos, risco, isolamento, isenção de horário de trabalho, etc. que são devidos enquanto se mantiverem os condicionalismos que as determinam.
9 Se o trabalhador deixa de trabalhar por turnos, de se sujeitar ao risco, isolamento ou à isenção de horário, deixa de ter direito à atribuição correspondente, e não pode invocar a seu favor o princípio da irredutibilidade da retribuição.
10. O entendimento contrário seria absurdo porque partiria de uma interpretação [que] violava o conceito de retribuição, a que faltaria o elemento essencial do conceito da retribuição, que é o sinalagma, o nexo entre as duas prestações de pagar e trabalhar.
11 O autor deixou de prestar à Ré a partir de Setembro de 2002 qualquer trabalho em Coimbra e nada reclamou, designadamente em acção judicial ou de outra natureza, acerca do efectivo exercício de função de direcção em Coimbra – o que era um pressuposto mínimo para fundamentar o actual pedido de pagamento de comissões.
12 Está provado que o Autor manteve até fim do contrato a sua categoria ‘Director Comercial Norte’, e o desempenho de funções de direcção no Porto.
13 Além de ser mantida a categoria e funções do Autor, foi-lhe mantida a retribuição mista que vinha auferindo, embora a parte variável passasse a ser apenas reportada às vendas da Delegação do Porto onde ele trabalhava efectivamente.
14 Mantiveram-se, portanto, as regras essenciais do contrato, com redução parcial do âmbito geográfico da actividade.
15 No contexto factual em que se determinou esta alteração do contrato do Autor é manifesto que a pretensão do Autor em receber comissões por vendas que não dirigiu é abusiva e carecida de fundamento.
16 Viola o princípio geral de direito civil que impõe que as partes procurem o balanço ou equilíbrio contratual e, nomeadamente, que as partes procedam de boa fé no cumprimento da obrigação e no exercício do respectivo direito (artº 762º nº 2 do CCivil).
17 O pagamento que o Autor reclama da Ré não tem como pressuposto a prestação de qualquer trabalho a favor da Ré, faltando-lhe assim a característica ‘contrapartida’ que é elemento do conceito legal de retribuição.
18 Com o devido respeito não tem fundamento a asserção de que apenas seria justificada a cessação de pagamento das comissões relativas a Coimbra se a Ré tivesse encerrado esse estabelecimento.
19 A administração da Ré tinha de optar por encerrar ou reestruturar a actividade do estabelecimento, e não pode ser penalizada por não ter tomado a medida mais drástica, que entendeu não se justificar segundo o seu prudente critério de gestão.
20 O relevante na apreciação da validade da medida de cessação do pagamento ao Autor das comissões relativas a Coimbra, é ver se o Autor trabalhou ou não no período em causa na Delegação de Coimbra, e se a Ré podia ter decidido a reorganização a que procedeu dispensando o Autor das funções em Coimbra.
21 A opção da Ré não ofende algum direito legítimo do Autor pois que manteve a categoria e a retribuição mista relativa ao trabalho que prestou.
22 O Acordão recorrido carece de fundamento ao considerar que a Ré podia reorganizar as funções do Autor mas sem lhe reduzir a retribuição variável.
23 Se a área geográfica da função é alterada e se o trabalhador deixa de exercer certa função ou de estar sujeito a outra condição contratual de que derivava o direito a uma prestação complementar da retribuição base, como por exemplo a isenção de horário de trabalho, deixa de se verificar o pressuposto do pagamento, e só por absurdo se entenderia devido o valor em causa.
24 Seria considerar que o trabalhador teria um direito adquirido a uma atribuição patrimonial, mesmo que os respectivos pressupostos se não verificassem no futuro – o que é inaceitável por absurdo.
25 Por fim, e quanto ao decidido acerca da questão ‘retribuição global’, afigura-se-nos, com o devido respeito pela diferente opinião do Tribunal recorrido, que neste capítulo da irredutibilidade da retribuição a maioria dos autores e da jurisprudência defende que o princípio se refere à retribuição em termos globais e não estritos. Diz por exemplo Monteiro Fernandes ‘Desde que não resulte modificado, – ou melhor, diminuído –, o valor total da retribuição (artº 21/lc) da LCT) a estrutura dela pode ser alterada pelo empregador ...
26 Parece-nos, pois, que falta fundamento à posição recorrida e que é manifesto que não ficou provado que a perda de comissões de Coimbra acarretaram diminuição da retribuição global do Autor. Não se pode retirar esta conclusão daquele facto, como bem se decidiu na douta sentença.
27. O Autor não se opôs à cessação de funções em Coimbra, não instaurou qualquer processo de reclamação judicial ou outro para exercer efectivamente a função e, consequentemente, pensamos que só sob o manto de uma grande injustiça e iniquidade se lhe poderia reconhecer o direito a comissões de vendas em que não interveio.
Ao interpretar e decidir em contrário, o Tribunal da Relação do Porto violou o disposto no artº 21 nº 1 c) da LCT e no artº 122 d) do CT.
Violou também o disposto no artº 762º do Código Civil ao não considerar abusiva a pretensão do Autor no contexto factual apurado nos autos.

Respondeu o autor à alegação da ré propugnando pela improcedência do recurso.

O Ex.mo Representante do Ministério Público junto deste Supremo Tribunal exarou «parecer» no qual sustentou a improcedência da revista, ressalvado o aspecto de se dever ter em conta que, como a partir de Janeiro de 2003 o autor passou a receber uma quantia fixa de € 498 a título de ajudas de custo para compensar as despesas de deslocação que, anteriormente, eram pagas mediante apresentação de facturas, tal quantia deveria integrar o conceito de remuneração, pelo que se lhe afigurava que a mesma se destinava a compensar, até certo ponto, o não pagamento das «comissões», questão que poderia ser apreciada em sede de liquidação.

Sobre o referido «parecer» efectuaram pronúncia recorrente e recorrido.

A primeira, expondo que mantinha o seu ponto de vista expresso na alegação de recurso; o segundo, defendendo que o «parecer», quanto à ressalva em causa, não tinha o mínimo fundamento, já que a matéria de facto apurada apontava no sentido de que a importância que lhe fora paga a título de ajudas de custo se destinava a compensação de despesas com as deslocações, despesas essas que, anteriormente, era pagas mediante apresentação de facturas, o que significava que não era uma contrapartida da prestação de trabalho do autor.

Corridos os «vistos», cumpre decidir.
II

1. Não se colocando aqui qualquer das situações aludidas no nº 2 do artº 722º do Código de Processo Civil, há que atender à seguinte matéria de facto dada por apurada pelo acórdão recorrido: –

– 1) em 14 de Outubro de 1980 o autor foi admitido ao serviço da ré para trabalhar mediante o pagamento de uma remuneração, com uma componente fixa e outra variável, sob as ordens e fiscalização desta e com a categoria de vendedor;
– 2) a partir de 1 de Janeiro de 1997 o autor foi promovido a Director Comercial Norte, competindo-lhe dirigir as Delegações da Ré no Porto e em Coimbra;
– 3) por carta datada de 14 de Maio de 1994, a ré comunicou ao autor a sua intenção de proceder a um despedimento colectivo que englobava vários dos seus trabalhadores, entre os quais o autor;
– 4) o processo seguiu os seus normais termos, tendo o despedimento do autor produzido os seus efeitos em 18 de Agosto de 2004;
– 5) a ré dedicava-se e dedica-se à elaboração e edição de publicações promocionais de empresas industriais e comerciais por sector de actividade, que abrangiam e abrangem todo o território nacional, incluindo Regiões Autónomas;
– 6) a publicidade era efectuada através das publicações especializadas distribuídas gratuitamente por todo o tecido empresarial português e pelo directório organizado em www.guianet.pt;
– 7) as empresas que faziam e fazem publicidade nas publicações especializadas e no directório guianet usufruíam e usufruem das vantagens inerentes ao facto de serem conhecidas por quem (pessoas singulares ou empresas) tinha necessidade de recorrer aos seus serviços ao adquirir bens do respectivo sector de actividade;
– 8) o autor auferia uma remuneração base fixa e uma remuneração variável estabelecida em função de uma comissão que incidia sobre o valor dos contratos de publicidade angariados na Delegação do Porto e, desde Janeiro de 1997 a, pelo menos, Setembro de 2002, também sobre os contratos angariados na Delegação de Coimbra, comissão essa que correspondia a 4% do valor da facturação destas;
– 9) em Setembro de 2002 o quadro de vendedores da ré na Delegação de Coimbra era composto apenas por CC, com a categoria de «chefe de vendas», e por DD, «vendedor»;
– 10) por esse facto, e alegando dificuldades económico-financeiras da empresa, a ré comunicou ao autor que eram dispensados os seus serviços relativamente à Delegação de Coimbra;
– 11) a partir de Setembro de 2002 o autor nunca mais desempenhou quaisquer funções de direcção de vendas da Delegação de Coimbra e nunca mais compareceu nos respectivos escritórios para qualquer serviço, passando a exercer a direcção de vendas na Delegação do Porto;
– 12) a partir de Setembro de 2002, sendo que Agosto foi o mês de férias, deixou de ser paga ao autor qualquer comissão relativa aos valores dos contratos angariados (facturação) da Delegação de Coimbra;
– 13) no ano de 1997 a média da comissão mensal auferida pelo autor pela facturação da Delegação de Coimbra foi de, pelo menos, Esc. 148.908$00;
– 14) no ano de 1998 a média da comissão mensal auferida pelo autor pela facturação da Delegação de Coimbra foi de Esc. 184.972$00;
– 15) no ano de 1999 a média da comissão mensal auferida pelo autor pela facturação da Delegação de Coimbra foi de Esc. 262.430$00;
– 16) no ano de 2000 a média da comissão mensal auferida pelo autor pela facturação da Delegação de Coimbra foi de Esc. 257.726$00;
– 17) no ano de 2001 a média da comissão mensal auferida pelo autor pela facturação da Delegação de Coimbra foi de Esc. 230.122$00;
– 18) Em 2002 (até Julho) a média da comissão mensal auferida pelo autor pela facturação da Delegação de Coimbra foi de, pelo menos, Esc. 259.454$00;
– 19) a partir de Janeiro de 2003 a ré passou a pagar ao autor uma importância fixa de € 498,80 a título de ajudas de custo para compensação das despesas que o mesmo fazia com as deslocações que efectuava para exercer as suas funções, sendo que, anteriormente, tais despesas eram pagas contra a apresentação das respectivas facturas;
– 20) a partir de Fevereiro de 2003 a ré reduziu ao autor, de 4% para 3%, contra a vontade deste, a comissão relativa à facturação da Delegação do Porto;
– 21) as comissões eram pagas em função e à medida do plano de pagamento acordado entre a ré e os seus clientes, o qual, normalmente, era em 12 prestações;
– 22) até Agosto de 2005 a ré recebeu prestações dos preços dos contratos angariados até 18 de Agosto de 2004;
– 23) as diferenças resultantes da diminuição da taxa de 4% para 3% nas comissões relativas à facturação da Delegação do Porto totalizam, até Novembro de 2004, a quantia de € 7.477,04, assim discriminadas: –
– no mês de Fevereiro de 2003 as comissões calculadas à taxa de 3% foram no montante de € 1.291,99, sendo que, calculadas à taxa de 4%, perfaziam € 1.483,65;
– no mês de Março de 2003 as comissões calculadas à taxa de 3% foram no montante de € 1.364,68, sendo que, calculadas à taxa de 4%, perfaziam € 1.590,86;
– no mês de Abril de 2003 as comissões calculadas à taxa de 3% foram no montante de € 1.550,93, sendo que, calculadas à taxa de 4%, perfaziam € 1.850,19;
– no mês de Maio de 2003 as comissões calculadas à taxa de 3% foram no montante de € 1.445,12, sendo que, calculadas à taxa de 4%, perfaziam € 1.744,38;
– no mês de Junho de 2003 as comissões calculadas à taxa de 3% foram no montante de € 1.146,90, sendo que, calculadas à taxa de 4%, perfaziam € 1.318,69;
– no mês de Julho de 2003 as comissões calculadas à taxa de 3% foram no montante de € 2.111,58, sendo que, calculadas à taxa de 4%, perfaziam € 2.620,22;
– no mês de Agosto de 2003 as comissões calculadas à taxa de 3% foram no montante de € 1.194,16, sendo que, calculadas à taxa de 4%, perfaziam € 1.387,49;
– no mês de Setembro de 2003 as comissões calculadas à taxa de 3% foram no montante de € 1.560,83, sendo que, calculadas à taxa de 4%, perfaziam € 1.912,37;
– no mês de Outubro de 2003 as comissões calculadas à taxa de 3% foram no montante de € 1.231,58, sendo que, calculadas à taxa de 4%, perfaziam € 1.514,29;
– no mês de Novembro de 2003 as comissões calculadas à taxa de 3% foram no montante de € 1.023,46, sendo que, calculadas à taxa de 4%, perfaziam € 1.285,69;
– no mês de Dezembro de 2003 as comissões calculadas à taxa de 3% foram no montante de € 1.246,86, sendo que, calculadas à taxa de 4%, perfaziam € 1.595,54;
– no mês de Janeiro de 2004 as comissões calculadas à taxa de 3% foram no montante de € 1.378,08, sendo que, calculadas à taxa de 4%, perfaziam € 1.841,43;
– no mês de Fevereiro de 2004 as comissões calculadas à taxa de 3% foram no montante de € 1.649,21, sendo que, calculadas à taxa de 4%, perfaziam € 2.201,24;
– no mês de Março de 2004 as comissões calculadas à taxa de 3% foram no montante de € 1.388,98, sendo que, calculadas à taxa de 4%, perfaziam € 1.881,56;
– no mês de Abril de 2004 as comissões calculadas à taxa de 3% foram no montante de € 1.064,62, sendo que, calculadas à taxa de 4%, perfaziam € 1.421,80;
– no mês de Maio de 2004 as comissões calculadas à taxa de 3% foram no montante de € 1.302,03, sendo que, calculadas à taxa de 4%, perfaziam € 1.737,55;
– no mês de Junho de 2004 as comissões calculadas à taxa de 3% foram no montante de € 946,89, sendo que, calculadas à taxa de 4%, perfaziam € 1.264,82;
– no mês de Julho de 2004 as comissões calculadas à taxa de 3% foram no montante de € 1.639,98, sendo que, calculadas à taxa de 4%, perfaziam € 2.224,53;
– no mês de Agosto de 2004 as comissões calculadas à taxa de 3% foram no montante de € 894,35, sendo que, calculadas à taxa de 4%, perfaziam € 1.192,05;
– no mês de Setembro de 2004 as comissões calculadas à taxa de 3% foram no montante de € 920,82, sendo que, calculadas à taxa de 4%, perfaziam € 1.229,00;
– no mês de Outubro de 2004 as comissões calculadas à taxa de 3% foram no montante de € 711,94, sendo que, calculadas à taxa de 4%, perfaziam € 1.069,06;
– no mês de Novembro de 2004 as comissões calculadas à taxa de 3% foram no montante de € 668,88, sendo que, calculadas à taxa de 4%, perfaziam € 878,36;
– 24) à data de 18 de Agosto de 2004, a remuneração base fixa auferida pelo autor era de € 3.740,98;
– 25) com a cessação do contrato, a ré pagou ao autor a quantia de € 133.961,79 a título de indemnização por antiguidade calculada conforme documento nº 8 de fls. 137, considerando a remuneração fixa de € 3.740,98, bem como a remuneração variável de € 1.860,21, que considerou corresponder à média mensal das comissões relativas à Delegação do Porto calculadas à taxa de 4%, relativa aos 12 meses anteriores à cessação;
– 26) aquando desse pagamento, a ré pagou ao autor, a título de diferenças do cálculo de comissões de 3% para 4%, o montante de € 9.856,65, sendo € 7.079,33 relativos a 2003 e € 2.777,22 relativos a 2004;
– 27) pelos contratos angariados até à cessação do contrato, em Setembro de 2004, a ré pagou ao autor € 818,84 líquidos relativamente à facturação emitida em Julho e Agosto;
– 28) relativamente à facturação emitida em Setembro e ao acerto da anterior de Julho e Agosto, em 2 de Novembro de 2004 foi paga ao autor a quantia de € 1.392,15 líquidos;
– 29) relativamente à facturação emitida em Outubro, em 30 de Novembro de 2004 foi paga ao autor a quantia de € 671,34 líquidos;
– 30) relativamente à facturação emitida em Novembro, em 31 de Dezembro de 2004 foi paga ao autor a quantia de € 518,52 líquidos;
– 31) relativamente à facturação emitida em Dezembro, em 31 de Janeiro de 2005 foi paga ao autor a quantia de € 458,36 líquidos;
– 32) relativamente às comissões apuradas em Janeiro de 2005, em 28 de Fevereiro de 2005 foi paga ao autor a quantia de € 512,21 líquidos;
– 33) relativamente às comissões apuradas em Fevereiro de 2005, em 31 de Março de 2005 foi paga ao autor a quantia de € 398,03 líquidos;
– 34) relativamente às comissões apuradas em Março de 2005, em 29 de Abril de 2005 foi paga ao autor a quantia de € 198,57 líquidos;
– 35) relativamente às comissões apuradas em Abril de 2005, em 31 de Maio de 2005 foi paga ao autor a quantia de € 224,85 líquidos;
– 36) relativamente às comissões apuradas em Maio de 2005, em 30 de Junho de 2005 foi paga ao Autor a quantia de € 217,27 líquidos;
– 37) relativamente às comissões apuradas em Junho de 2005, em 29 de Julho de 2005 foi paga ao autor a quantia de € 244,12;
– 38) relativamente às comissões apuradas de Julho a Dezembro de 2005, em 3 de Março de 2006 foi paga ao autor a quantia de € 140,92 líquidos;
– 39) com este último pagamento, a ré enviou a carta datada de 17 de Fevereiro de 2006, comunicando ao autor ficarem “assim liquidados todos os débitos do BB referentes ao seu processo de despedimento colectivo”.

2. O acórdão recorrido, após se ter debruçado sobre a impugnação da matéria de facto, que teve por improcedente, discreteou assim naquilo que epitetou “Da violação do princípio da irredutibilidade da retribuição”: –
“(…)
Na sentença recorrida é referido o seguinte: … ‘Provou-se que a partir de Setembro de 2002 o Autor nunca mais desempenhou quaisquer funções de direcção de vendas da Delegação de Coimbra e nunca mais compareceu nos respectivos escritórios para qualquer serviço, passando a exercer apenas a direcção de vendas na Delegação do Porto, deixando a partir de então de lhe ser paga qualquer comissão relativa aos valores dos contratos angariados (facturação) dessa Delegação. Ora, à Ré era lícito alterar a zona de actividade do autor ou alterar o local onde o mesmo deveria exercer a sua actividade, no uso dos seus poderes de direcção, nos termos do art.39º da LCT e, actualmente, do art.150º do Código do Trabalho. Por outro lado’… ‘entendemos que a factualidade provada não permite concluir ter ocorrido uma violação do princípio da irredutibilidade da retribuição, consagrado no art.21º nº1 al. c) da LCT e agora no art. 122º al. d) do Código do Trabalho’…. ‘desde que se mostre garantido o pagamento do montante da retribuição global, não há qualquer violação daquela garantia, ainda que ocorram modificações nas suas componentes ou alterações em outros pagamentos devidos (neste sentido, entre outros, ac. da Rel. [d]o Porto de 20.6.88 na CJ 88,3º,275; ac. STJ de 9.2.94, acordãos doutrinais, 390º, 770; ac. da Rel. de Lisboa de 13.3.96 na CJ 96, 2º, 163; B. Lobo Xavier Curso do Direito do Trabalho, 2ª edição, p.403 e A. Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 1994, vol. I, p.414). Ora, tendo-se apurado apenas que deixou de ser paga ao autor qualquer comissão relativa à Delegação de Coimbra, tal não permite concluir, por si só, que a partir de Setembro de 2002, o mesmo passou a auferir da Ré uma remuneração global (incluindo a parte fixa e a parte variável) inferior àquela que auferia anteriormente’…
O Autor defende que está demonstrado que a sua retribuição baixou, com a supressão unilateral da remuneração variável relativa à Delegação de Coimbra, sendo certo que não se provou que o Autor tivesse dado o seu acordo nesse sentido, nem a Ré logrou provar que não obstante tal supressão o seu vencimento global não sofreu diminuição. Vejamos então.
Nos autos não está em causa o facto de as comissões auferidas pelo Autor integrarem a sua retribuição (arts. 82º da LCT e 249º do CT.).
Por isso, importa apenas analisar se no caso a Ré procedeu à diminuição da remuneração do Autor, violando, deste modo, o disposto nos arts. 21º nº1 al. c) da LCT e 122º al. d) do CT.
E a resposta tem que ser afirmativa pelas razões que vamos expor.
A retribuição auferida pelo Autor é mista, por constituída por uma parte certa e outra variável (arts. 83º da LCT e 251º do CT.). A parte certa é a retribuição base e a parte variável as comissões (correspondentes, no caso, a 4% do valor da facturação das Delegações do Porto e Coimbra).
A Ré procedeu à diminuição da parte variável da remuneração do Autor ao deixar de lhe atribuir as comissões referentes à facturação da Delegação de Coimbra e não o podia ter feito, na medida em que não ficou provado que a referida Delegação tivesse deixado de continuar a sua actividade por, por exemplo, ter encerrado.
E na verdade, só o encerramento daquela Delegação justificaria que a Ré deixasse de pagar ao Autor a parte da remuneração variável a que o mesmo tinha direito relativamente à facturação ocorrida naquela cidade. E segundo a matéria provada não foi isso que aconteceu.
Mas será que o facto de o Autor ter deixado de exercer funções de direcção de vendas da Delegação de Coimbra é motivo justificativo para igualmente deixar de auferir as comissões calculadas em função da facturação conseguida naquele estabelecimento?
No caso, provou-se que a retirada de funções ao Autor – no que respeita à Delegação de Coimbra – se ficou a dever, ou pelo menos surgiu, segundo a versão da Ré, por razões de ordem económico-financeira (ponto 10 da matéria provada).
Ora, tais razões não podem justificar a ‘redução’ do montante da remuneração do Autor, já que o poder de organizar as tarefas dos trabalhadores não vai tão longe ao ponto de ser permitido [à] entidade empregadora, sob tal pretexto (redução de funções por razões económico-financeira), reduzir também a remuneração (seja ela certa ou variável).
A tal respeito são pertinentes a considerações feitas por Monteiro Fernandes (quando se refere à categoria/função), a saber:.. ‘imagine-se que um «técnico administrativo» presta apoio à rede de vendas da empresa, auferindo, por isso, uma percentagem nos valores cobrados; e suponha-se que o empregador decide, a certa altura, atribuir-lhe funções na secção de expediente e arquivo, onde deixará de receber aquela quantia. A modificação, não conflituando com a categoria, afecta, sensivelmente, o estatuto retributivo e acaba, assim, por traduzir-se numa alteração unilateral do contrato, o que abre espaço à possibilidade de oposição do trabalhador’ – Direito do Trabalho, 13ª edição, p. 212.
Por outro lado, não acompanhamos a sentença recorrida na parte em que defende que só pelo facto de ter sido retirado ao Autor a comissão relativa à Delegação de Coimbra tal não conduz à conclusão de que passou a auferir uma ‘remuneração global’ inferior àquela que auferia. Com efeito, quando a lei fala na proibição de diminuição da retribuição não está a referir-se à retribuição global mas à retribuição estrita, ou seja, àquelas prestações que o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho e tudo o que seja pago com carácter de regularidade (arts. 82º nºs.1 e 2 da LCT e 249º nºs. 1 e 2 do CT.).
Por isso, e em conclusão, se dirá que no caso ocorreu violação do disposto nos arts. 21º nº 1 al. c) da LCT e 122º al. d) do CT, e como tal tem o Autor direito a receber as comissões referentes à facturação da Delegação de Coimbra, e no período compreendido entre 1 de Setembro de 2002 e 18 de Agosto de 2004, a liquidar oportunamente, por falta de elementos.
(…)”

Insurge-se a ora impugnante contra o assim decidido, brandindo, essencialmente, com o argumento de harmonia com o qual, tendo, a partir de Setembro de 2002, sido dispensadas as funções de direcção de vendas do réu na Delegação de Coimbra, o que teve a sua anuência, consequentemente deixando este, a partir daquele momento, de exercer serviço nela, o não pagamento das comissões de vendas referentes a essa Delegação não pode ser entendido como diminuição de retribuição, pois que, deixando de haver prestação de trabalho relativamente às vendas referentes a tal Delegação, não existirá o sinalagma correspondente à respectiva retribuição.

Além disso, pugna a ré pela circunstância de ser abusiva a pretensão do autor, nos termos do artº 762º do Código Civil.

Estas, pois, as questões que se têm de enfrentar no vertente recurso.

3. No que ora releva, extrai-se da matéria de facto que foi tida por demonstrada que o autor, a partir de 1 de Janeiro de 1997, ascendeu à categoria de Director Comercial Norte, competindo-lhe dirigir as Delegações da ré do Porto e de Coimbra, auferindo uma remuneração base fixa e uma remuneração variável, esta estabelecida em função de uma comissão que incidia sobre o valor dos contratos angariados naquelas Delegações e correspondente a 4% do valor da respectiva facturação, remunerações essas que percebeu desde aquela data e, pelo menos, até Setembro de 2002.

Extrai-se também que, a partir desta última data, a ré comunicou ao autor que as suas funções relativamente à Delegação de Coimbra eram dispensadas, não vindo o autor, a partir daí, a desempenhar serviços na dita Delegação, passando a exercer a direcção de vendas da Delegação do Porto e, igualmente a partir da referida data, deixaram de ser abonadas ao autor quaisquer «comissões» relativas aos valores dos contratos angariados e facturados na Delegação de Coimbra.

Não obstante o sustentado pela ora impugnante na sua contestação, os factos, aí aduzidos, de que teria sido dada ao autor explicação no sentido de, dadas as dificuldades económico-financeiras por aquela sentidas, não ser mais necessária e viável a sua colaboração na Delegação de Coimbra, e que este aceitou essa explicação, bem como aceitou que, a partir de Setembro de 2002, deixaria de se deslocar à mencionada Delegação, o que é certo é que tais factos não lograram obter demonstração.

Por outro lado, identicamente se não provou qualquer factualidade da qual resulte que o autor foi colocado, na orgânica empresarial, numa outra categoria diversa daquela a que ascendeu – Director Comercial Norte.

Não se encontra questionado que as «comissões» que eram recebidas pelo autor, correspondentes a 4% do valor dos contratos facturados nas Delegações de Coimbra e do Porto, integravam, como parte variável, a respectiva retribuição (como, aliás, não poderia deixar de ser, consoante decorria do artº 82º, nº 2, do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho aprovado pelo Decreto-Lei nº 48.408, de 24 de Novembro de 1969, à data vigente, solução que, hoje, continua a ser consagrada no artº 249º, nº 2, do Código do Trabalho), entendida esta no seu sentido estrito.

Aquilo por que pugna a recorrente situa-se, na verdade, num outro plano. Em sua óptica, só se considerando retribuição aquilo a que o trabalhador tem jus como contrapartida do trabalho prestado, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, na situação sub specie, a partir do momento em que o autor deixou de prestar serviço na Delegação de Coimbra, não era exigível a contrapartida do empregador consistente no pagamento da parte variável da remuneração correspondente àquele serviço.

Uma tal postura parece partir do princípio segundo o qual a determinação da retribuição tem como parâmetro o trabalho, uma e outra em termos de avaliação.

Como tem sido defendido sem hesitações, a retribuição, como contrapartida do trabalho prestado, quando em causa está uma relação jurídico-laboral, não significa, como, verbi gratia, assinala Pedro Soares Martinez (Direito do Trabalho, 3ª edição, 559) que, “para determinar o valor da retribuição tenha que se avaliar o valor do trabalho. E, continua o mesmo autor, a “retribuição será a contrapartida do trabalho, mas não no sentido de coincidir com o valor exacto do trabalho que se remunera. Não há, pois, que proceder a uma avaliação do trabalho e, em função dela, determinar o valor da retribuição”.

Num segundo esclarecimento, acrescenta aquele autor que, “fixada a retribuição tendo em conta uma determinada actividade a prestar, mesmo que esta deixe de ser vantajosa ou não possa ser prestada, o salário continua a ser devido e não é alterado. A retribuição representa a contrapartida negocial, mas com particularidades próprias” (em idêntico sentido cfr. António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 13ª edição, 437 e seguintes).

Aliás, existem até perspectivas que visionam a retribuição laboral, não tanto em função de uma concepção de um correspectivo da prestação de trabalho, mas sim em função da satisfação das necessidades pessoais e familiares dos trabalhadores, concepção esta de que, certamente, se não alheou o legislador constituinte ao consagrar, como direitos fundamentais dos trabalhadores, o direito à retribuição de forma a garantir uma existência condigna e o direito – conquanto num prisma de incumbência cometida ao Estado – a ser assegurado o estabelecimento e actualização de um salário mínimo nacional – cfr. artigo 59º, nº 1, alínea a), e nº 2, alínea a), da Lei Fundamental (cfr., para maiores desenvolvimentos, Júlio Manuel Vieira Gomes, Direito do Trabalho, volume I, Relações Individuais de Trabalho, 759 e seguintes).


4. Não se pondo em causa que as «comissões», calculadas nos termos a que já se aludiu, integravam a retribuição do autor (neste particular veja-se Júlio Manuel Vieira Gomes, ob. cit., 773), mesmo que, a dada altura, o desempenho funcional concreto que lhe fora cometido pela recorrente tivesse sofrido uma alteração (deixar de prestar serviço na Delegação de Coimbra) – e, neste ponto, anote-se que da factualidade assente não defluem elementos que apontem no sentido de ter havido uma alteração do conteúdo do negócio jurídico laboral firmado entre as partes –, a questão que se coloca reside, justamente, em saber se o não pagamento das «comissões» atinentes à indicada Delegação, levado a efeito por decisão unilateral da recorrente, pode ser visualizada como feridente do denominado princípio da irredutibilidade retributiva que se extrai da proibição consagrada, ao tempo, na alínea c) do nº 1 do artº 21º do Regime Jurídico acima mencionado [proibição essa que hoje ainda perdura por via do disposto na alínea d) do artº 122º do Código do Trabalho].

O primeiro dos imediatamente acima enunciados preceitos, sob a epígrafe de Garantias do trabalhador, comandava que era proibido à entidade patronal diminuir a retribuição, salvo nos casos previstos na lei, nas portarias de regulamentação de trabalho e nas convenções colectivas ou, quando precedendo autorização do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência, houvesse acordo do trabalhador (no domínio do Código do Trabalho, o segundo dos indicados preceitos veda ao empregador diminuir a retribuição, salvos nos casos previstos naquele corpo de leis e nos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho).

Anote-se que, como já acima houve ocasião de salientar, do quadro fáctico apurado não se retira o que quer que seja que aponte no sentido de ter havido qualquer portaria de regulamentação de trabalho ou convenção colectiva permissoras do não pagamento das «comissões» com características idênticas às percebidas até Setembro de 2002 pelo autor e, por outro lado, nenhuma prova se alcançou no sentido de que este deu a sua anuência a esse não pagamento (e que ele foi comunicado à cabida entidade administrativa).

Neste contexto, adianta-se, desde já, que se anui ao que, quanto a esta questão, foi decidido no aresto sob sindicância.

Na realidade, constituindo o chamado princípio da irredutibilidade da retribuição uma garantia para o trabalhador prevista na lei ordinária (no sentido de que a retribuição não pode ser diminuída excepto nos casos legalmente previstos – e vimos já quais eles sejam), é comummente aceite que esse princípio tão-somente é aplicável à retribuição considerada em sentido estrito (cfr., Maria do Rosário Palma Ramalho, ob. cit., 564, e Acórdão deste Supremo Tribunal de 30 de Outubro de 2001, proferido na Revista nº 598/2001, cujo sumário se encontra disponível em http://www.stj.stj. Jurisprudência, Sumários de Acórdãos).

E, por isso, tem sido sustentado que o aludido princípio não impede que a entidade empregadora diminua ou extinga determinadas prestações retributivas, ditas complementares (pense-se, por exemplo, na compensação por trabalho nocturno, nos casos em que o trabalhador cessa o desempenho nesse período, nos «subsídios» de isenção de horário, nas situações em que o trabalhador começa a desempenhar funções sujeitos a um horário normal, nos «subsídios» de compensação por penosidade de trabalho, nas hipóteses em que as funções do trabalhador deixaram de comportar os riscos ou a penosidade que estiveram na base da atribuição desse «subsídio» – cfr., a este respeito, os Acórdãos deste Supremo Tribunal de 8 de Maio de 2002, proferido na Revista nº 3446/2001, de 20 de Junho de 2001, tirado na Revista nº 132/2000, e de 28 de Junho de 2001, lavrado na Revista nº 1772/2000).

Também, por outro lado, se defende que, se, por acordo entre entidade patronal e o trabalhador, este, sujeito a um regime de horário normal, passou a prestar serviço em trabalho a tempo parcial, a diminuição da sua retribuição em função da percentagem do tempo de serviço que passou a desempenhar não ofenderá o princípio da não irredutibilidade da remuneração (cfr. Pedro Soares Martinez, cit. Direito do Trabalho, 595).

Mas, como sublinha Monteiro Fernandes (cit. obra, 474, 475), dada a muitas vezes deparada estrutura complexa da retribuição, a respectiva estrutura “pode ser unilateralmente alterada pelo empregador, mediante a supressão de algum componente, a mudança frequente de outro, ou, ainda a criação de um terceiro”; ponto seja que “não resulte modificado – ou melhor, diminuído – o valor total da retribuição”.

Ora, no caso em apreço, sem que houvesse alteração da categoria profissional do autor, e sem que, note-se, se tivesse demonstrado que as «comissões» que auferiu até, pelo menos, Setembro de 2002, estavam, inquestionavelmente, ligadas a deslocações ou prestação de desempenho concreto daquele à Delegação de Coimbra, a recorrente, unilateralmente, retirou ao autor a direcção dessa Delegação e deixou de lhe prestar o montante das «comissões» até então percebidas.

No fundo, a «retirada» da direcção da Delegação de Coimbra não deixa de corresponder a uma também «retirada» de funções directivas sobre a actividade de clientela respeitante àquela Direcção. E, com base nesta consideração, entende-se que a situação em presença apresenta contornos algo similares à objecto de decisão no Acórdão deste Supremo de 28 de Novembro de 2001 (Revista nº 1662/2001), em cujo sumário (disponível no site indicado) se pode ler que “Viola a garantia da irredutibilidade da retribuição prevista no artº 21º, nº 1, c) da LCT a entidade patronal que retira clientela ao trabalhador até essa altura a ele atribuída, diminuindo com isso o volume de vendas deste e, por conseguinte, o montante das comissões que o mesmo vinha auferindo”.

A componente «comissões» da Delegação de Coimbra da ré, viu-se já, era de perspectivar como integrante, ao jeito de parte variável, da retribuição do autor, tomada esta no seu sentido estrito. E, com a sua supressão, unilateralmente decidida pela recorrente, viu o falado autor diminuído o valor total da sua retribuição, não se apurando o que quer que fosse de onde se retire que a este último, a partir de Setembro de 2002, foi atribuída uma qualquer contrapartida compensatória daquela supressão, não se podendo, pois, contrariamente ao que defende a impugnante na alegação produzida na presente revista, dizer que “é manifesto que não ficou provado que a perda de comissões de Coimbra acarretaram diminuição da retribuição global do autor”.

Em consequência, improcedem as «conclusões» 1 a 15 da referida alegação.


5. Esgrime a recorrente com o argumento de harmonia com o qual o pagamento reclamado pelo autor das «comissões» da Delegação de Coimbra representa a violação do princípio geral de direito civil que impõe que as partes procurem o balanço ou equilíbrio contratual e, nomeadamente, que as partes procedam de boa fé no cumprimento da obrigação e no exercício do respectivo direito, pelo que se mostra ofendido o nº 2 do artº 762º do Código Civil.

Segundo Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil Anotado, 2º Volume, 3ª edição, 2 e segs.), naquele preceito “se afirma, em primeiro ligar, que as partes devem proceder de boa-fé no cumprimento da obrigação. Não é só na execução das convenções contratuais, como se podia depreender do texto do artigo 1134.º do Código francês, que as partes devem pautar a sua conduta pelos ditames da boa-fé. O dever de agir com lisura e correcção (como manda a fides: fundamentum autem est iustitiae, idest dictorum conventionunque constantia et veritas – Cic., De off., I7, 7, 23) estende-se ao adimplemento de todas as obrigações”.

E, no que tange à faceta do cumprimento obrigacional, dizem aqueles autores que a “lei confere assim ao princípio da boa-fé, na área do exercício do direito da relação obrigacional, a sua verdadeira dimensão”, implicando que a “necessidade juridicamente reconhecida e tutelada de agir com correcção e lisura não se circunscreve ao obrigado; incide de igual modo sobre o credor, no exercício do seu poder”, anotando que a “fonte do dever de agir de boa-fé está assim na relação especial que vincula as pessoas – relação que é comum em todos os direitos de crédito”.

Francamente, não se lobriga em que é que a pretensão do autor, que desfrutava de uma remuneração em sentido estrito na qual, em parte variável, se compreendiam as «comissões» pela facturação das vendas na Delegação de Coimbra, pode ser entendida como violadora do nº 2 do artº 762º do Código Civil, quando, por decisão unilateral da ré, lhe foi retirado o desempenho das funções atinentes à direcção daquela Delegação e não procedeu a qualquer complemento compensatório, continuando essa Delegação a exercer a sua actividade e não ocorrendo, contratualmente, uma alteração da categoria funcional do mesmo autor.

Da prova produzida não se extrai que a não continuação do desempenho de funções na Delegação de Coimbra repousou num acordo do autor e que as «comissões» eram meramente a contrapartida de deslocações dele àquela cidade ou prestação de serviço nela, antes apontando para que se inseriam na circunstância de ele deter a categoria de Director Comercial Norte.

Não se retira, desta sorte, uma actuação despojada de fides por banda do autor.


6. Uma última nota se referirá.

Consiste ela, justamente, no entendimento perfilhado pelo Ex.mo Magistrado do Ministério Público no «parecer» que exarou no vertente recurso e que seria o de considerar que o quantitativo que passou a ser abonado ao autor a título de ajudas de custo, ponderando o seu “carácter fixo e tendo em conta o seu montante não desprezível”, seria destinado a compensar “até certo ponto o não pagamento de comissões”, o que poderia “vir a ser uma questão a ser apreciada [ ] em sede de liquidação”.

Não se nega que, em abstracto, será possível à entidade empregadora modificar a estrutura de uma retribuição complexa, em que há componentes fixas e componentes variáveis, extinguindo, por exemplo, estas últimas, substituindo-as por uma outra remuneração fixa. Mas, para que se não atinja ofensa do princípio da irredutibilidade da renumeração, mister é que a modificação não acarrete uma diminuição da retribuição em sentido estrito.

Simplesmente, para apreciação de um tal problema, necessário se torna que, numa dada situação, exista matéria de facto bastante para, de um lado, se concluir que o processamento da remuneração fixa que, a partir de dada altura, foi aditada, visou a substituição da componente até então variável e, de outro, que o valor global retributivo se não poste em medida inferior à remuneração global.

Volvendo ao concreto dos autos, é nítido que o quantitativo que passou a ser abonado ao recorrido a partir de Janeiro de 2003 a título de ajudas de custo serviram como compensação das despesas a que o mesmo tinha de prover com as deslocações que efectuava para exercer as suas funções, não se provando que essas deslocações eram, tão-somente, as conexionadas com a Delegação de Coimbra. E nítido é, outrossim, que, antes daquele abono, tais despesas já eram pagas, conquanto em face da apresentação, pelo autor, das respectivas facturas.

Inexistem, pois, os mínimos indícios de que o quantitativo pago a título de ajudas de custo se destinassem a «cobrir» a média das «comissões» até então pagas e resultantes da percentagem de 4% sobre as vendas facturadas pela Delegação de Coimbra.

Daí que se não sufrague a óptica seguida pelo Ex.mo Representante do Ministério Público no ponto em causa.

III


Em face do que se deixa dito, nega-se a revista.

Custas pela recorrente.
Lisboa, 16 de Janeiro de 2008

Bravo Serra (Relator)
Mário Pereira
Sousa Peixo