Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
06S2709
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: FERNANDES CADILHA
Descritores: DIREITO À OCUPAÇÃO EFECTIVA
CADUCIDADE DO CONTRATO DE TRABALHO
LIMITE DE IDADE
REFORMA POR VELHICE
CONVERSÃO DE CONTRATO
CONTRATO DE TRABALHO A TERMO RESOLUTIVO
INDEMNIZAÇÃO POR CADUCIDADE DO CONTRATO
Nº do Documento: SJ200701170027094
Data do Acordão: 01/17/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário : I - É de considerar verificada a violação do direito à ocupação efectiva quando a entidade patronal coloca o trabalhador num quadro de excedentários, por um longo período de tempo, a pretexto de que não dispõe de um cargo compatível com a sua categoria profissional, sem que entretanto tenha adoptado qualquer dos mecanismos legais de extinção do posto de trabalho;

II - O facto de o trabalhador ter atingido os 70 anos de idade não constitui motivo de caducidade do contrato e apenas determina a conversão do contrato de trabalho por tempo indeterminado em contrato a termo resolutivo pelo prazo renovável de seis meses (artigo 392º, n.º 3, do Código do Trabalho);

III - A norma da alínea d) do n.º 2 do artigo 392° Código do Trabalho, que exclui o direito de indemnização pela caducidade do contrato a termo resolutivo, em que se transforma o contrato por tempo indeterminado quando o trabalhador atinge a reforma por velhice ou os 70 anos de idade, não enferma de inconstitucionalidade por violação do princípio geral de indemnização, ínsito no artigo 62°, n.º 1, da Constituição;

IV - Na situação prevista no 392º, n.º 3, do Código do Trabalho, não há qualquer obstáculo à cumulação da pensão de reforma com os rendimentos de trabalho resultantes do contrato a termo resolutivo, não tendo aplicação ao caso o disposto no artigo 437º, n.ºs 2 e 3, desse Código. *

* Sumário elaborado pelo Relator.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:


Relatório.

1. "AA" intentou a presente acção, com processo ordinário, emergente de contrato individual de trabalho, contra a Empresa-A, pedindo a condenação da ré no pagamento de diversas quantias relativas a retribuições em dívida e também uma indemnização por danos morais resultantes de violação do dever de ocupação efectiva e uma indemnização a título de compensação por indevida declaração de caducidade do contrato de trabalho para o momento em que o autor perfez 70 anos de idade.

Em sentença de primeira instância a acção foi julgada procedente relativamente a diferenças salariais devidas a título de férias e subsídio de férias, bem como ao pedido de indemnização por caducidade do contrato de trabalho, e julgada improcedente quanto aos demais pedidos, incluindo o relativo à violação do dever de ocupação efectiva.

O Tribunal da Relação de Lisboa concedeu parcial provimento ao recurso de apelação interposto pelo autor, e condenou a ré a pagar a importância de € 25000,00 a título de indemnização por danos morais por violação do dever de ocupação efectiva, mantendo no mais o julgado em primeira instância.

É contra esta decisão que reagem de novo o autor e a ré mediante recurso de revista.

Nas suas alegações, o autor formulou as seguintes conclusões:

1. O acórdão recorrido embora encetando uma via de correcção da grave injustiça que representou a sentença de 1ª instância, quedou-se a meio do caminho, aquém, muito aquém do que o recorrente se julga merecedor.
2. Desde logo, quando qualifica como lícita a conduta da Ré de retirar o A. do Gabinete de Engenharia, onde ele havia trabalhado anos a fio, mandando-o, montado num jeep todo o terreno, percorrer o país de lés a lés, a "coordenar e fiscalizar a actividade de empreiteiros", primeiro, e "acompanhar a reposição dos terrenos no seu estado inicial e a sua devolução aos respectivos proprietários", depois.
3. Claro que não importa para apreciar a licitude ou ilicitude de tal procedimento lançar tiradas grandiloquentes sobre a importância da rede, pois o que releva é em substância a natureza das funções que a Ré lhe cometeu.
4. E que no fundo foram funções de um mero agrimensor (talvez como K. do "Castelo" de Kafka) , de um vulgar medidor de terras, dividindo e/ou demarcando propriedades rurais, depois de ter feito de coordenador ou fiscal dos empreiteiros, mestre de obras, ou seja, "artífice que orientado pelo engenheiro e pelo arquitecto dirige a execução de mão de obra civil" (ct: Dicionário Houaiss).
5. Ou talvez mais exactamente se deva qualificá-lo como capataz ou como feitor, Engenheiro jamais, visto que este é o profissional que se licenciou em Engenharia e exerce a profissão em qualquer dos diversos ramos, químico, electrónico, agrónomo (cf. Dicionário).
6. Enquanto um Engenheiro Grau V, que o A. era, como se lê do respectivo descritivo, tinha como funções essenciais
a) coordenar programas de trabalho de elevada responsabilidade, com aplicação de conhecimentos científicos e técnicos correspondentes à sua formação de base, desenvolvida pela especialização técnica e experiência acumulada.
b) podendo desempenhar funções de estudo, investigação e solução de problemas complexos ou especializados envolvendo conceitos e/ou tecnologias recentes ou pouco comuns
d) podendo supervisionar directa ou continuamente engenheiros ou equipas de engenheiros da sua e/ou de outras especialidades cuja actividade coordena e controla.
7. Funções elevados e tecnicamente complexas das quais hipocritamente a Ré o afastou, fazendo-o baixar a funções inferiorizantes e desvalorizantes, vexatórias, de mestre de obras/capataz/feitor/agrimensor/medidor e devolvedor de terras...
8. E tudo isto, como a Ré se vangloriava na sua carta de 19 de Maio, de 2000, por virtude de "outras acrisoladas funções que o mesmo desempenhava", leia-se funções, de representante e de defensor dos trabalhadores.
9. O acórdão, ao considerar que "a conduta da Ré foi lícita", faz tábua rasa de disposições claras e inequívocas, segundo as quais
- o trabalhador deve em princípio exercer uma actividade correspondente à categoria para que foi contratado (nº 1 art. 22° LCT).
- e que embora a entidade patronal possa encarregar o trabalhador de executar outras actividades, estas devem ter "afinidade ou ligação funcional com as que correspondem à sua função normal" (nº 2 art. 22° LCT).
- e que tal só é permitido se o desempenho da função normal se mantiver como actividade principal do trabalhador, não podendo em caso algum as actividades exercidas acessoriamente determinar a sua desvalorização profissional (nº 3 art. 22° LCT).
10. De onde resulta, cremos, indiscutivelmente, que a conduta da Ré foi grosseiramente ilícita, afrontosa e vexatória da competência, do mérito e da dignidade profissional do trabalhador, pelo que terá de ser condenada a indemnizá-lo por todos os danos gravíssimos, morais e materiais, que lhe causou.
11. O A. sofreu uma grave desvalorização profissional, por durante cerca de 6 anos ter exercido funções inferiorizantes. que a Ré lhe impôs, ter sido atirado para o Quadro dos Excedentários a partir de Abril de 2000, com ausência total e absoluta de funções de qualquer espécie, pelo que não pôde acompanhar os progressos que aceleradamente se verificaram na sua profissão de Engenheiro Químico.
12. Como aliás se reconhece no acórdão recorrido quando escreve que "como o A. exercia uma função eminentemente técnica que exigia estudos constantes, permanente aperfeiçoamento e permanente contacto com o trabalho", a sua colocação na "prateleira" acarretou-lhe "obviamente uma, grande desvalorização".
13. Ora se a desvalorização profissional tem uma vertente moral ou não patrimonial - e foi esta a única que o acórdão reteve - não é menos verdade que além desta, tem ainda também uma vertente patrimonial.
14. Como diz Galvão Telles "com estas ofensas de interesses imateriais em si mesmas consideradas, não se devem confundir as consequências desvantajosas que delas resultem para o património do ofendido e que constituem danos patrimoniais".
15. Danos estes que não podem deixar de ser indemnizados autonomamente, em separado, dos danos morais de que a desvalorização também é causa.
16. Computar tal desvalorização em 10%, atentos os 6 anos de paragem e estagnação profissional do A, que numa profissão eminentemente técnica, representam irreversível retrocesso, só pode pecar por defeito, não por excesso.
17. O acórdão recorrido reconhecendo que o A sofreu "uma grande desvalorização", um "vexame" e uma "humilhação", que foi atingido "necessariamente na sua condição e reputação profissional" por a Ré ter decidido "puni-lo (aplicar-lhe a sanção da inactividade)", avaliou tais danos em quantia que no nosso entender fica aquém, muito aquém, da extensão e da gravidade de tais danos.
18.Além disso, e para além do que se entendeu no acórdão recorrido, não se podem esquecer os graves danos morais que a Ré lhe causou, ao impor-lhe durante cerca de 2 anos funções inferiorizantes e degradantes, de mero feitor/mestre de obras/agrimensor/medidor de terras, em jeep montado galgando todo o terreno.
19.A Ré desvalorizou e humilhou profissionalmente o A., inferiorizou-o, negou-lhe o direito ao trabalho mantendo-o desocupado desde Abril de 2000, e acabou, para fim de festa, por expulsá-lo da empresa decretando a sua reforma um mês antes de ele completar 70 anos de idade.
20.A Ré agiu com dolo intenso, movida por claro intuito retaliatório e revanchista por ele ter outras "acrisoladas funções" como a Ré lhe chamou, quais fossem a de representante e de defensor dos trabalhadores.
21. Como se escreve e bem no acórdão recorrido "além de ter violado o direito à integridade moral, à reputação, à dignidade pessoal e profissional do autor (direitos garantidos pelos art°s 25° e 26° da Constituição) a Ré com o citado procedimento vexou-o, humilhou-o, atingindo-o na sua reputação profissional e moral e desvalorizou-o".
22. São danos graves, muito graves, diríamos incomensuráveis, que exigem uma compensação que exceda em muito a que o acórdão fixou, podendo considerar-se como razoável fixá-la num valor próximo da indemnização de antiguidade, critério este que já tem sido utilizado, e cremos se mostra ao caso adequado.
23. A compensação dos danos morais seria obtida pelo produto da retribuição de € 2.547,43 mês x 45 dias úteis x 45 anos de"antiguidade, o que nos daria uma compensação um pouco acima dos 200 mil euros que se pediram, a qual, como se vê, não pode considerar-se que peque por excesso, mas é proporcionada.
24. É ainda devida ao A. a compensação prevista para a caducidade do contrato, de 3 dias por cada mês de duração do vínculo.
25. Não obstante o Código do Trabalho na alínea d) do art° 392° a negar expressamente, tal disposição deverá considerar-se inconstitucional, uma vez que afronta o princípio da justa indemnização do art. 62°/1 da CRP, o qual, segundo Meneses Cardoso, se tem de entender no sentido amplo "de direitos patrimoniais privados".
26. Tal disposição iníqua e prepotente contende também com os princípios constitucionais do Estado de direito democrático (art° 2°), da segurança no emprego (art° 53°), do direito ao trabalho (art° 58°) e do direito à retribuição (art° 59°).

27. E como diz Francisco Liberal Fernandes "não se descortina qualquer fundamento juridicamente relevante, seja no plano estrutural seja a nível funcional, que possa justificar o estabelecimento de outras diferenças de tratamento, para além daquelas que o próprio legislador consagra em termos expressos", uma vez que "a caducidade do contrato a termo implica sempre a lesão (ainda que de efeitos diversos) do mesmo tipo de interesses do trabalhador, isto é, de interesses que têm directamente a ver com a precariedade do vínculo laboral, qualquer que seja a especificidade jurídica que revista"
28. A indemnização por caducidade, acrescenta, "está estrutural e funcionalmente ligada à precariedade inscrita FIO contrato a termo", pelo que seria de "duvidosa constitucionalidade uma norma "que negasse o direito à compensação devida pela caducidade do contrato convertido em contrato a termo", na medida em que se revela contrária ao princípio da igualdade de tratamento consagrado no art<> 13° da CRP." (sublinhados nossos).
29. E não pode ainda a Ré deixar de ser condenada como litigante de má fé por estar claramente incursa, e duplamente, na previsão da alínea b) do art° 456° do CPCivil.
30. Uma vez que com dolo
a) afirmou falsamente que o A pediu na acção dois Prémios Galp um de € 500,00 e outro de € 1.500,00, quando ele pediu um único, este último;
b) e falsamente afirmou ter sido denegado ao A definitivamente o Prémio de € 500,00 o que "era do conhecimento do A", que desse modo tentou "omitindo a sentença" (sic), pedir o que "o tribunal já disse que ao Prémio não tinha direito", procedendo com "falta de honestidade intelectual" e com "má fé"(art°s 71 e 72 da contestação).
31 . Não pode pois escapar à condenação como litigante de má fé, em multa, e severa, dada a intensidade do seu dolo e a torpeza das suas falsidades e acusações, e em indemnização vultuosa a favor do A, a quem por forma tão baixa ofendeu grave e gratuitamente, acusando-o por forma desonesta de "falta de honestidade intelectual" (sic)!
32. O acórdão recorrido violou deste modo as disposições da CRP - art°s 2°, 13°, 53°, 58°, 59° e 62°/1. - da LCT - art° 22°/1/2 e /3, do CCivil - art°s 483°,484° e 496°, e do CPCivil- art° 456°.

Por sua vez, a ré concluiu a sua alegação do seguinte modo:

A) não houve violação do dever de ocupação efectiva do Autor Recorrido por parte da Ré Recorrente;
B) Em 1998, o A. foi integrado no "Serviço de Construção da Rede Primária" a qual constituiu a infra-estrutura principal de transporte de gás natural na região de Lisboa, cabendo ao A., que aí foi colocado, coordenar e fiscalizar a actividade de empreiteiros envolvidos na construção da aludida rede, na região de Lisboa;
C) Em 37 anos de serviço, a Ré Recorrente proporcionou ao Autor Recorrido todas as condições para a realização profissional e humana deste; o Autor Recorrente, foi dirigente sindical, delegado sindical e membro da Comissão de Trabalhadores;
D) O Autor Recorrido sempre esgotou o crédito que dispunha, legalmente, de 40 (quarenta) horas mensais para as actividades de dirigente, delegado sindical e membro da comissão de trabalhadores permitindo que esses períodos se localizassem a meio da manhã ou da tarde pelo que ficava inutilizada a prestação de trabalho do Autor Recorrido À Ré Recorrente;
E) O Autor estava afecto às funções sindicais e de membro da Comissão de Trabalhadores mais de duas semanas por mês e a Recorrente sempre procurou criar condições ao Recorrido para o exercício dessa actividade;
F) "num momento importante da vida da empresa, o A. foi chamado a participar na construção de uma obra que era essencial para a R., pois dizia respeito à sua principal infra-estrutura de transporte de gás natural, desempenhando tarefas de coordenação e fiscalização, de grande responsabilidade que contribuíram para a sua valorização profissional", numa altura em que o Autor Recorrido tinha 64 anos de idade ;
G) O quadro de excedentários resultou da introdução do gás natural em Portugal.
A Ré e ora Recorrente com essa introdução encerrou a sua fábrica de gás de cidade e passou a dedicar-se à distribuição de gás natural, na região de Lisboa, o que obrigou a Ré e ora Recorrente a reestruturar os seus serviços e a encetar um programa de redução de trabalhadores, o que fez lançando mão das seguintes acções:
- rescisões de contratos de trabalho por mútuo acordo;
- pré-reformas;
- reformas antecipadas;
- colocação de trabalhadores em outras empresas do grupo (grupo Galp);
No que concerne aos trabalhadores cuja prestação laboral a R. considerava desnecessária e que não aderiram a nenhuma das soluções referidas em 20, a R. colocou-os no chamado "Quadro de Excedentários"
H) Privilegiou a Ré e ora Recorrente as soluções individuais que satisfizessem os interesses dos trabalhadores e só recorreu à colocação dos trabalhadores no "Quadro de Excedentários" relativamente àqueles que não aceitassem as soluções antes referidas, designadamente a colocação em outras empresas do grupo.
I) Sendo os trabalhadores incluídos no "Quadro" excedentários, obviamente a Ré não tinha trabalho para lhes dar, compatível com as funções até então exercidas.
J) No que ao A. e ora Recorrido diz respeito, a Ré em 1998 extinguiu o Gabinete de Engenharia onde o A. se encontrava colocado o qual passou para o "Serviço de Construção da Rede Primária";
K) O A. e ora Recorrido foi colocado no "Quadro de Excedentários" em Abril de 2000 e desde então não lhe foram distribuídas tarefas
L) A Ré e ora Recorrente não possuía nenhum posto de trabalho compatível com a categoria profissional do A. que ocupava a quase totalidade do seu tempo útil com actividades sindicais e de membro da comissão de trabalhadores, que manteve, tinha, então, 66 (sessenta e seis) anos de idade e com a reestruturação dos serviços a Ré e ora Recorrente não possuía nenhum posto de trabalho compatível com a categoria profissional do A..
M) a Ré, ora Recorrente, apenas pretendeu salvaguardar o prestígio profissional do A. não lhe atribuindo funções que pudessem ser tidas como "menores" relativamente ao currículo do A. e, principalmente porque não existia nenhum posto de trabalho compatível com a sua categoria profissional, porque não pretendeu recorrer a nenhum despedimento colectivo, bem como salvaguardar os interesses do Autor Recorrido em relação aos benefícios da reforma, concedidos pela Recorrente, tal como veio a acontecer;
N) O direito à ocupação efectiva não se pode fazer valer perante situações em que o empregador tem motivos válidos para suspender a actividade do trabalhador, sendo que a jurisprudência, embora tenha vindo a reconhecer a existência desse direito em termos de grande amplitude também tem aceite existirem limitações objectivas á aplicação prática do princípio
O) A colocação do A. e ora Recorrido, no "Quadro de Excedentários" foi efectuada à semelhança de muitos outros trabalhadores que ficaram disponíveis na sequência do encerramento pela Ré e ora Recorrente da sua fábrica de produção de gás de cidade. E, a sua desocupação durante o período antes referido resultou da conjugação de vários factores: antes do mais, do facto de a Ré Recorrente não querer prejudicar os trabalhadores recorrendo ao despedimento colectivo para o qual havia suficiente fundamento, solução que financeiramente era mais favorável à Ré Recorrente pois o trabalhador que se reforme estando ao serviço da empresa recebe um complemento de reforma da Ré Recorrente que faz com que a pensão de reforma seja superior ao vencimento no activo. No caso do A. Recorrido, este passou a auferir uma quantia mensal líquida superior em cerca de 700,00 euros (ponto 44. da matéria de facto apurada) ao que receberia ao serviço da Ré recorrente.
P) A Ré recorrente sempre proporcionou ao A. as condições que lhe permitiram ser considerado um profissional muito sabedor e competente e que fosse considerado junto dos meios sindicais e dos trabalhadores em virtude da actividade que desenvolveu como sindicalista e membro da comissão de trabalhadores, designadamente ao permitir que as 40 horas de crédito legal se transformassem em afectação quase exclusiva a essas actividades.
Q) Não resulta dos autos nem podia resultar que a inactividade do A., nos últimos tempos, afectou a sua dignidade social ou o seu direito ao bom nome e reputação. A situação que viveu nos últimos tempos antes de se reformar aos 70 (setenta) anos de idade permitiu-lhe dedicar-se ainda com mais empenho às actividades sindicais e de defesa dos restantes trabalhadores da Ré o que reforçou, necessariamente, o seu prestígio junto dos meios sindicais e dos trabalhadores, actividade a que se dedicou ao longo dos mais de 37 (trinta e sete) anos ao serviço da Ré Recorrente.
R) O A. Recorrido nunca se queixou à Ré Recorrente de estar afecto ao "Quadro de Excedentários" e quando em 2003 intentou uma acção junto do Tribunal do Trabalho de Lisboa (cfr. ponto 45 da matéria de facto apurada) não formulou qualquer pedido de ocupação efectiva.
S) Não se vislumbram quaisquer danos sofridos pelo A. Recorrido: não houve qualquer tratamento menos favorável pelo facto de estar integrado no "Quadro de Excedentários", este resultou de condições objectivas de mudança do produto explorado pela empresa (produção e distribuição de gás de cidade/distribuição de gás natural) e o A. Recorrido não foi incluído em qualquer processo de despedimento colectivo que a Ré Recorrente não quis utilizar apesar de financeiramente lhe ser mais favorável, permitindo que o A. Recorrido se mantivesse a pertencer aos quadros de pessoal da Ré até perfazer os 70 (setenta) anos de idade e poder reformar-se a auferir mais 700 (setecentos) euros mensais que a sua retribuição no activo.
T) Não existindo quaisquer danos sofridos pelo autor Recorrido que nunca foi lesado nem existindo qualquer actuação culposa da Ré Recorrente que justifique a "penalização" em indemnização ao A. de 25.000 (vinte e cinco mil) euros, que não pode deixar de ser considerado um "prémio", um "bónus" completamente injustificado e "violento" para uma empresa que em 37 (trinta e sete) anos de actividade que o A. teve ao serviço dela é que lhe proporcionou as condições para figurar na lista elaborada pela Associação Portuguesa dos Gases Combustíveis, "Quem é quem na indústria do Gás".
U) Deve concluir-se pela inexistência de violação ao dever de ocupação efectiva por parte da Ré Recorrente e, consequentemente, não se verificam quaisquer danos que mereçam a tutela do direito
V) A Ré Recorrente mantém o seu entendimento de que os 70 (setenta) anos de idade determinam a caducidade do contrato se alguma das partes, designadamente a entidade patronal fizer essa declaração.
W) É indubitável que a reforma por velhice determina a caducidade do contrato.
X) È o que decorre do disposto no atº 392º do Código do Trabalho e já antes sucedia com o artº 5º da LCCT.
Y) Sendo a caducidade do contrato um momento pré-conhecido ou pré-susceptibilizado por razões contratuais ou temporais, sabendo as partes da sua ocorrência, qualquer delas pode declarar a caducidade como mera declaração receptícia.
Z) A idade de reforma atinge-se aos 65 (sessenta e cinco) anos e a partir daí o trabalhador pode quando quiser atingir ou adquirir a sua situação de reforma sem que a entidade patronal se possa, por qualquer forma, se possa pronunciar
AA) E, quando o trabalhador perfaz 70 (setenta) anos de idade, o legislador considerou que tal constituiu a idade final natural da vida activa pelo que a empresa, sabendo dessa ocorrência pode fazer operar a caducidade do contrato
BB) É o que decorre das disposições conjugadas dos artºs 362º e 392º, ambos do C. P. Trabalho.
CC) O artº 362º contempla uma idade legal de reforma por velhice e estabelece que o trabalhador é considerado requerente da reforma por velhice logo que complete a idade legal. E, o nº 3 do artº 392º do mesmo Código estatui:
"3. Quando o trabalhador atinja 70 anos de idade sem ter havido caducidade do vínculo por reforma, é aposto um termo resolutivo, com as especificidades constantes do número anterior."
EE) Destas disposições resulta que o trabalhador que atinja os 70 anos sem que o contrato tenha caducado fica numa situação de contrato a termo resolutivo. Porém, a economia do preceito aponta no sentido de que, em regra, os 70 (setenta) anos são a idade limite, natural, para a vigência do contrato de trabalho pelo que nada obsta a que a entidade patronal, ou o trabalhador emita a declaração de caducidade para valer no momento em que ocorre esse evento, sendo certo que a concessão da reforma é um acto automático da Segurança Social bastando a entrada de um requerimento do titular desse direito à reforma.
E, só se nenhuma das partes emitir a declaração de caducidade é que o contrato se converte em contrato a termo.
FF) Na economia do artº 392º do Código do Trabalho há dois momentos a reflectir a existência de dois contratos: um contrato de trabalho inicial, por tempo indeterminado, cuja duração vai até aos 70 (setenta) anos de idade e um novo contrato que se obtém a partir do contrato anterior mas que é, para todos os efeitos, um novo contrato com uma disciplina legal completamente diferente: contrato a termo resolutivo, por seis meses).
EG) O legislador impôs uma disciplina legal relacionada com a idade de reforma diferente: no caso dos 65 (sessenta e cinco) anos de idade, o trabalhador só pede a reforma se quiser permitindo-lhe manter o vínculo contratual que possuir nessa data; no caso dos 70 (setenta) anos a lei obriga o trabalhador a apresentar o pedido de reforma sob pena de o seu vínculo contratual se transformar em vínculo provisório.
Ora, o legislador não proibiu a declaração de caducidade do contrato no momento dos 70 (setenta anos de idade a emitir por qualquer das partes, trabalhador e entidade empregadora.
GG) À compensação contemplada no nº 1 do artº 437º com base na qual a Ré foi condenada em 1ª instância, há que deduzir as importâncias referidas nos nºs 2 e 3 do artº 437º do Código do Trabalho.
HH) O A. Recorrido pediu a reforma e foi-lhe concedida com efeitos a 1 de Maio de 2004, pelo que o contrato cessou, definitivamente, a partir desta data, ou seja, ainda que se tenha por admissível a conversão do contrato sem termo em contrato a termo na data em que o Autor Recorrido perfez 70 (setenta) anos de idade, a reforma do trabalhador determina a caducidade do mesmo, nos termos da al. c) do artº 4º do DL nº 64-A/89, de 27 de Fevereiro, então aplicável.
II) o Autor Recorrido não pode receber, pelo menos a partir de 1 de Maio de 2004, qualquer retribuição por força de um contrato (a termo ?), que caducou, pelo menos, nessa data, pelo que não existe qualquer causa (contratual, outra ?), para que o A. receba retribuições por força de um contrato caducado, como erradamente sustentaram os Venerandos Desembargadores.
JJ) É que, a partir de 1 de Maio de 2004, o Autor passou a receber uma pensão mensal de reforma e um complemento de reforma por parte da Ré Recorrente que colocaram o valor mensal auferido pelo Autor recorrido, 700 (setecentos) euros acima da retribuição que auferia enquanto esteve no activo.
KK) Ao admitir-se que o Autor Recorrido, nos meses de Maio Junho, Julho e até 8 de Agosto, inclusive, pode ou deve acumular essa pensão de reforma (que inclui um complemento pago pela Ré) colide não só com as disposições legais antes citadas como constituiu um enriquecimento sem causa, nos termos do artº 473º do Código Civil pois não há nenhuma razão para que a Ré pague ao Autor uma pensão de reforma acrescida de retribuições, ditas contratuais.

A ré ainda contra-alegou, pugnando pelo não provimento do recurso do autor.

Neste Supremo Tribunal de Justiça, a Exma representante do Ministério Público emitiu parecer no sentido de ser negado provimento a ambos os recursos.

Colhidos os vistos dos Juízes Adjuntos, cumpre apreciar e decidir.

Matéria de facto.

2. As instâncias deram como assente a seguinte matéria de facto:

1. Em 1/07/1961, o A. entrou ao serviço da R., para lhe prestar a sua actividade sob as suas ordens, direcção e fiscalização, mediante retribuição.
2. Ultimamente, o A. tinha a categoria profissional de Engenheiro Grau V e auferia o vencimento base mensal de € 2 057,02.
3. O A. auferia também prémio de antiguidade, no valor mensal de € 6,00, anuidade no valor mensal de € 313,05, subsídio de alimentação, no valor de € 8,05 por dia e prémio de assiduidade, no valor de € 1 028,51 por semestre.
4. O A. é associado do Sindicato dos Trabalhadores da Química, Farmacêutica, Petróleo e Gás do Centro, Sul e Ilhas.
5. O A. foi delegado sindical do aludido sindicato a partir de Setembro de 2002.
6. Desde 1993 e até meados de 2002 o A. integrou os corpos directivos do Sindicato.
7. O A. foi dirigente da União dos Sindicatos de Lisboa...
8. ... E também membro da comissão de trabalhadores da R., desde 1980 e até Maio de 2004.
9. O A. foi incluído na lista "Quem é quem na indústria do gás" elaborada pela Associação Portuguesa dos Gases Combustíveis no Anuário/86, do qual consta um excerto a fls. 27 e 28 dos autos (doc. nº 6 junto com a petição inicial - p.i.).
10. O A. exercia a sua actividade profissional no Gabinete de Engenharia da R.
11. Em 1998, a R. extinguiu o Gabinete de Engenharia e colocou o A. no "Serviço de Construção da Rede Primária".
12. A referida rede primária constitui a infra-estrutura principal de transporte de gás natural na região de Lisboa.
13. Ao A. cabia coordenar e fiscalizar a actividade de empreiteiros envolvidos na construção da aludida rede, na região de Lisboa.
14. Concluídas as obras, o A. deveria acompanhar a reposição dos terrenos no seu estado inicial e a sua devolução aos respectivos proprietários.
15. A fim de o A. se poder deslocar aos locais da obra, a R. atribuiu-lhe um veículo de todo o terreno (jipe).
16. O A. habitualmente esgotava o seu crédito de 40 horas mensais para desempenhar as suas tarefas de sindicalista e membro da Comissão de Trabalhadores, dentro do horário de trabalho.
17. Frequentemente essas horas correspondiam a períodos diários de curta duração, que no entanto, em virtude de se localizarem a meio de uma manhã ou de uma tarde, inutilizavam a prestação de trabalho por parte do A. durante o resto da manhã ou da tarde.
18. As chefias do A. entendiam que, em virtude do descrito em 16 e 17, a contribuição do A. para a actividade da empresa era de diminuta importância.
19. Em virtude da introdução do gás natural em Portugal a R. encerrou a sua fábrica de produção de gás de cidade e passou a dedicar-se à distribuição de gás natural, na região de Lisboa.
20. Consequentemente a R. reestruturou os seus serviços e encetou um programa de redução de trabalhadores, mediante rescisões por mútuo acordo, pré-reformas, reformas antecipadas, colocação de trabalhadores em outras empresas do grupo (grupo Galp).
21. No que concerne aos trabalhadores cuja prestação laboral a R. considerava desnecessária e que não aderiram a nenhuma das soluções referidas em 20, a R. colocou-os no chamado "Quadro dos Excedentários" (QE);
22. Os referidos trabalhadores deveriam apresentar-se diariamente nas instalações da R., justificando eventuais ausências, mas não lhes eram dadas, em regra, quaisquer tarefas.
23. A R. pagava aos referidos trabalhadores a respectiva retribuição.
24. O A. foi colocado pela R. no Quadro dos Excedentários em Abril de 2000.
25. A partir dessa data, a Ré não atribuiu ao A. quaisquer tarefas.
26. A R. procedeu conforme referido em 24 e 25 por entender que o A. em virtude do tempo que ocupava com as suas actividades sindicais e enquanto membro da comissão de trabalhadores, e atendendo igualmente à sua idade, não se adaptaria ao ritmo e dinamismo que a R. pretendia emprestar à actividade da empresa, com a sua nova estrutura, não existindo nenhum posto de trabalho, compatível com a sua categoria profissional, que o A. estivesse apto a ocupar.
27. Na sequência de reclamações apresentadas pelo Sinquifa perante a R. face à situação do A. referida em 24 e 25, a R. enviou ao Sinquifa, em 19.5.2000, a carta que constitui o documento nº 7 junto com a p.i. e em 03.7.2000 a carta que constitui o documento n.º 8 junto com a p.i..
28. Em Março de 2004, a Comissão Executiva do Grupo Galp Energia, em que a R. se insere, decidiu atribuir aos trabalhadores do grupo, incluindo os da R., relativamente ao trabalho prestado em 2003, a título de "prémio extraordinário", a quantia de € 1 500,00, "como forma de reconhecer o esforço e motivação demonstrados pelos colaboradores do Grupo num ano que se pautou por grandes desafios internos e externos", a processar no mês de Março, tendo publicitado tal decisão através do comunicado 04/03|nº 7, junto pelo A. como documento nº 9, o qual foi dado a conhecer a todos os trabalhadores do grupo.
29. A R. não pagou o aludido prémio ao A. nem aos outros trabalhadores que integravam o Quadro de Excedentários e que não haviam exercido funções em 2003.
30. Em 8/02/2004, o A. atingiu setenta anos de idade.
31. Em 6/01/2004, a R. enviou ao A. a carta constante a fls. 33 dos autos (doc. n.º 10 junto com a p.i.), na qual comunicava ao A. que uma vez que em 08.02.2004 o A. atingia os 70 anos de idade e a situação de reforma por velhice, o seu contrato de trabalho cessava por caducidade a partir de 08.02.2004, nos termos da alínea a) do artigo 384º e alínea c) do artigo 387º do Código do Trabalho.
32. Mais comunicava a R., na aludida carta, que a partir de 7/01/2004 o A. ficava dispensado de comparecer ao serviço, considerando-se em gozo de férias a contar dessa data até ao termo do seu contrato.
33. O A. respondeu através de carta datada de 07.01.2004, constante a fls. 34 e 35 dos autos (doc. n.º 11), na qual declarava que não havia requerido a sua passagem à reforma e que de acordo com o seu entendimento da lei, pelo facto de o A. atingir os 70 anos de idade o seu contrato não caducava, mas convertia-se em contrato a termo de seis meses, eventualmente renovável - pelo que o contrato duraria, pelo menos, até 08.8.2004;
34. Na aludida carta, o A. referia ainda que não lhe podia ser imposto o gozo de férias naquela altura, pelo que continuaria a apresentar-se na empresa.
35. O entendimento da R., descrito em 31 e 32, foi por esta reiterado em resposta que enviou ao Sinquifa, em 15.4.2004, constante a fls. 36 e 37 dos autos (doc. n.º 12 junto com a p.i.).
36. O A. encontra-se na situação de reformado por velhice com efeitos reportados a 01.5.2004.
37. A R. foi notificada pelo Centro Nacional de Pensões da passagem do A. à situação de pensionista, referida em 36, em 25.9.2004.
38. O A. foi notificado do deferimento do seu requerimento de passagem à situação de reforma em 25.9.2004.
39. A Inspecção Geral do Trabalho, na sequência de queixa apresentada pelo Sinquifa, contactou a R. acerca da situação descrita em 31 a 35, tendo em 21 de Maio de 2004 comunicado oralmente ao Director de Recursos Humanos da R. que o seu entendimento sobre o assunto era idêntico ao descrito em 33.
40. A R. solicitou à IGT que formalizasse tal parecer por escrito, ao que a IGT não acedeu.
41. O A. sentiu-se vexado e humilhado com a situação referida em 24 e 25.
42. O A. sempre foi considerado um profissional muito sabedor e competente, tanto pelos seus colegas de profissão como pelos restantes trabalhadores da empresa.
43. O A. é muito respeitado e considerado junto dos meios sindicais e dos trabalhadores em virtude da actividade que desenvolveu como sindicalista e membro da comissão de trabalhadores da R..
44. Com a passagem à reforma, o A. passou a auferir uma quantia mensal líquida (pensão paga pelo Centro Nacional de Pensões, deduzida de IRS, mais complemento de reforma pago pela R., deduzido de IRS) superior, em cerca de € 700,00, às quantias líquidas que receberia ao serviço da R..
45. Em 2003, o A. instaurou contra a R., no Tribunal do Trabalho de Lisboa, uma acção declarativa, na forma comum, pedindo que a R. fosse condenada a pagar-lhe um prémio de € 500,00, que em 2002 a Comissão Executiva do grupo Galp decidira atribuir aos seus trabalhadores como reconhecimento pelo esforço empreendido em 2001.
46. Aquando da cessação do contrato de trabalho a R. pagou ao A. quantias, de valor não apurado, a título de retribuição de férias e subsídio de férias vencidas em 2004 e a título de retribuição de férias, de subsídio de férias e de Natal proporcionais à duração do contrato em 2004.

Fundamentação de direito.

3. A primeira questão que vem suscitada por ambos os recorrentes é a da indemnização por violação do dever de ocupação efectiva, pretendendo a ré que não há lugar a qualquer dever ressarcitório a esse título e sustentando o autor que a indemnização deve exponencialmente aumentada. A ré defende ainda que o vínculo contratual que a ligava ao autor caducou quando este atingiu os 70 anos de idade e que não são, por isso, devidas quaisquer retribuições posteriormente a esse momento, e que, em todo o caso, devem ser deduzidas nos montantes retributivos as pensões de reforma que o autor passou a auferir a partir de Maio de 2004. O autor também entende que lhe deve ser paga uma indemnização por caducidade do contrato a termo resolutivo em que se transformou o vínculo contratual no momento em que perfez 70 anos de idade, e insiste em que a ré deve ser condenada como litigante de má fé.

Porque todas as questões se encontrarem interrelacionadas far-se-á uma apreciação conjunta de ambos os recursos, analisando de per si cada um dos aspectos jurídicos em discussão.

A ré entende que não houve violação do dever de ocupação efectiva do autor, porquanto este foi integrado, a partir de 1998, no "Serviço de Construção da Rede Primária", a qual constituiu a infra-estrutura principal de transporte de gás natural na região de Lisboa, cabendo-lhe funções de coordenação e fiscalização da actividade de empreiteiros envolvidos na construção dessa rede, e que a sua transição para o quadro de excedentários resultou da necessidade de reestruturação de serviços, decorrente da introdução do gás natural em Portugal, e constituiu uma consequência de o autor não ter aderido a qualquer das medidas de redução de pessoal que foram então implementadas e de a ré não ter entretanto possibilidade de lhe fornecer trabalho compatível com as funções até então exercidas.

O autor, ao contrário, considera que a indemnização arbitrada não é proporcionada aos danos efectivamente sofridos, dando particular ênfase ao facto de a ré, antes ainda de o ter colocado no quadro de excedentários, o ter retirado do Gabinete de Engenharia e lhe ter atribuído funções não compatíveis com a sua posição na empresa, que lhe causaram uma forte desvalorização profissional, e que representa não apenas um dano moral mas também um dano patrimonial.

Afigura-se, no entanto, que a decisão recorrida fez não só correcta aplicação do direito aos factos apurados, como fixou também de forma criteriosa a indemnização devida.

Conforme resulta da matéria tida como assente, o autor exercia a sua actividade profissional no Gabinete de Engenharia da ré até que, em 1998, esta extinguiu esse Gabinete e colocou o autor no "Serviço de Construção da Rede Primária", que constituía a principal infra-estrutura de transporte de gás natural na região de Lisboa, atribuindo-lhe então a coordenação e fiscalização da actividade de empreiteiros envolvidos na construção dessa infra-estrutura, e que, mais tarde, concluídas as obras, deveria implicar o acompanhamento da reposição dos terrenos no seu estado inicial e a sua devolução aos respectivos proprietários (n.ºs 10 a 14). Por outro lado, a fim de o autor se poder deslocar aos locais da obra, a ré atribuiu-lhe um veículo de todo o terreno (jipe) (n.º 15).

Acresce que a ré, por virtude da introdução do gás natural em Portugal, encerrou a sua fábrica de produção de gás de cidade e passou a dedicar-se à distribuição de gás natural, na região de Lisboa, e, consequentemente, teve de reestruturar os seus serviços e encetar um programa de redução de trabalhadores, mediante rescisões por mútuo acordo, pré-reformas, reformas antecipadas, colocação de trabalhadores em outras empresas do grupo (grupo Galp) (n.ºs 19-20). Os trabalhadores cuja prestação laboral a ré considerava desnecessária e que não aderiram a nenhuma das referidas medidas de mobilidade de pessoal, foram colocados no chamado "Quadro dos Excedentários" (QE) (n.º 21). Esses trabalhadores deveriam apresentar-se diariamente nas instalações da ré, justificando eventuais ausências, mas não lhes eram dadas, em regra, quaisquer tarefas, continuando porém, a auferir a respectiva retribuição (n.ºs 22-23). O autor foi colocado no Quadro dos Excedentários em Abril de 2000 e a partir dessa data não lhe foi atribuída qualquer tarefa (n.ºs 24-25). A ré procedeu dessa forma em relação ao autor por entender que este, em virtude do tempo que ocupava com as suas actividades sindicais e enquanto membro da comissão de trabalhadores, e atendendo igualmente à sua idade, não se adaptaria ao ritmo e dinamismo que a ré pretendia emprestar à actividade da empresa, com a sua nova estrutura, e por considerar que não existia nenhum posto de trabalho compatível com a sua categoria profissional (n.º 26).
A Relação atribui relevo, para efeitos indemnizatórios, não tanto à colocação do trabalhador no quadro de excedentários, mas à sua longa permanência nesse quadro (de 2000 a 2004) sem qualquer atribuição de tarefas. Considerou, porém, lícita a anterior colocação no "Serviço de Construção da Rede Primária", na sequência da extinção do Gabinete de Engenharia onde o autor desempenhava as suas funções.

E, na verdade, não se vê motivo para alterar o assim decidido.

Nos termos do artigo 22º, n.º 2, da LCT, a entidade patronal pode encarregar o trabalhador de desempenhar outras actividades para as quais tenha qualificação e capacidade e que tenham afinidade ou ligação funcional com as que correspondem à sua função normal, ainda que não compreendidas na definição da respectiva categoria. E a deslocação do autor para as funções externas a que se referem os n.ºs 13 e 14 da matéria de facto, parece encontrar suficiente justificação nesse preceito, em face da alteração de circunstâncias que determinaram uma modificação estrutural da actividade da empresa e a extinção do gabinete de engenharia onde o autor exercia as suas funções.

O artigo 22º, n.º 2, admite a transição para outras tarefas ainda que não correspondam ao conteúdo funcional da categoria profissional do trabalhador, tornando apenas exigível a afinidade ou ligação funcional à sua normal actividade.

Ora, não se vê que a colaboração solicitada ao autor na implementação da infra-estrutura de transporte de gás, no contexto em que o foi - sabendo-se que se trata de uma obra indispensável para levar a efeito a modificação do objecto da empresa e que entretanto se alteraram também as condições de trabalho por via do falada extinção do Gabinete de Engenharia -, possa representar um intolerável aviltamento ou desvalorização da posição profissional.

E mesmo que assim se não entendesse, como a Relação fez também questão de sublinhar, o certo que não se provaram quaisquer danos imputáveis à referida mudança de funções, sendo que o n.º 41 da matéria de facto apenas se reporta a danos que derivam da ulterior colocação do autor no quadro de excedentários sem atribuição de qualquer tarefa.

É, aliás, quanto ao decidido pela Relação quanto a este outro aspecto da questão que se insurge a ré, dizendo, no essencial, que o direito à ocupação efectiva não se pode fazer valer perante situações em que o empregador tem motivos válidos para suspender a actividade do trabalhador.

A verdade é que, como a ré acaba por reconhecer, a doutrina e a jurisprudência têm vindo a aceitar que a violação do direito à ocupação efectiva do trabalhador acarreta como consequências a possibilidade de rescisão do contrato com justa causa, por parte do trabalhador, e ou a responsabilidade patronal por danos patrimoniais e não patrimoniais (por todos, MONTEIRO FERNANDES, Direito do Trabalho, 11ª edição, Coimbra, págs. 279-280).

E o comportamento da ré tornou-se, nesse plano, inteiramente injustificável a partir do momento em que, a pretexto de que não dispunha de posto de trabalho compatível com a categoria profissional do autor, deixou de lhe atribuir qualquer tarefa por um período que decorreu entre Abril de 2000 até 8 de Fevereiro de 2004, data em que a entidade patronal considerou verificada a caducidade do contrato por limite de idade do trabalhador.

A colocação de trabalhadores num quadro de excedentários sem a atribuição de qualquer função não é mais do que o incumprimento do dever de ocupação efectiva, por parte do empregador, que não pode considerar-se justificado com a simples invocação da impossibilidade de o trabalhador prestar o seu trabalho ou de a entidade empregadora o receber.

A empresa poderia operar a extinção dos contratos de trabalho, caso considerasse que razões objectivas de ordem estrutural determinaram a supressão de postos de trabalho sem que fosse possível atribuir aos trabalhadores quaisquer outros cargos compatíveis com a sua categoria profissional (artigo 27º, n.º 3, da LCCT). O não exercício dessa faculdade tem pressuposta a ideia de que o empregador poderia encontrar a breve trecho um posto de trabalho adequado para o trabalhador inactivo e, em todo o caso, cria na esfera jurídica da entidade patronal o dever de atribuir uma ocupação efectiva ao trabalhador.

Não há, por isso, qualquer objecção à atribuição de uma indemnização por danos não patrimoniais que se demonstre terem sido sofridos pelo autor.

E, neste ponto, a indemnização arbitrada afigura-se ser a adequada, atendendo à culpa revelada pela ré, à gravidade dos factos, à natureza dos danos produzidos, e à presumível situação económica da Ré. Conforme se provou, o autor sentiu-se vexado e humilhado com a sua situação de inactividade (n.º 41) e esse dano moral deve ser avaliado à luz do estatuto profissional e social do autor, tal como resulta dos factos descritos nos n.ºs 41 e 42 da decisão de facto. Por outro lado, nada justifica a atribuição da avultadíssima verba peticionada pelo autor, tanto mais que os prejuízos ressarcíveis são apenas os danos não patrimoniais resultantes da violação do dever de ocupação efectiva (com exclusão, portanto, dos relativos à alegada desvalorização profissional por mudança de actividade), sendo que a conduta da ré, apesar de ilícita, não deixa de ter algum suporte atenuativo nas circunstâncias em que ocorreu.

4. Uma outra questão em debate prende-se com a caducidade do contrato de trabalho, que a ré considera verificada quando o autor atingiu os 70 anos de idade.

Segundo a matéria dada como provada, a ré, em 6 de Janeiro de 2004, enviou ao autor a carta constante a fls. 33 dos autos, na qual comunicava que o seu contrato de trabalho cessava por caducidade a partir de 8 de Fevereiro de 2004, data em que o autor atingia 70 anos de idade e a situação de reforma por velhice (n.º 31). O autor respondeu através de carta datada do dia imediato, constante a fls. 34 e 35 dos autos, na qual declarava que não havia requerido a sua passagem à reforma e que, na data em que atingisse os 70 anos de idade, o seu contrato não caducava, mas convertia-se em contrato a termo de seis meses, eventualmente renovável (n.º 33).

O autor encontra-se na situação de reformado por velhice com efeitos reportados a 1 de Maio de 2004, facto que foi notificado a ambas as partes pelo Centro Nacional de Pensões em 25 de Setembro de 2004 (n.ºs 36-38).

Sustenta a ré que, por força do disposto no artigo 392º do Código do Trabalho, o contrato de trabalho caduca logo que o trabalhador atinja 70 anos de idade, bastando para tanto que qualquer das partes faça a declaração de caducidade.

Não foi esse o entendimento da decisão recorrida que, também nesse ponto, não merece qualquer censura.

O artigo 387.°, sob a epígrafe "Causas de caducidade", dispõe:

"O contrato de trabalho caduca nos termos gerais, nomeadamente:
a) Verificando-se o seu termo;
b) Em caso de impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de o trabalhador prestar o seu trabalho ou de o empregador o receber;
c) Com a reforma do trabalhador, por velhice ou invalidez."

Por sua vez, o artigo 392º do Código do Trabalho, em correspondência com o que já resultava do artigo 5º da LCCT, define em que termos pode operar a permanência do trabalhador ao serviço quando este passe à situação de reforma por velhice, ao estabelecer o seguinte:

"1 - A permanência do trabalhador ao serviço decorridos 30 dias sobre o conhecimento, por ambas as partes, da sua reforma por velhice determina a aposição ao contrato de um termo resolutivo.
2 - O contrato previsto no número anterior fica sujeito, com as necessárias adaptações, ao regime definido neste Código para o contrato a termo resolutivo, ressalvadas as seguintes especificidades:
a) É dispensada a redução do contrato a escrito;
b) O contrato vigora pelo prazo de seis meses, sendo renovável por períodos iguais e sucessivos, sem sujeição a limites máximos;
c) A caducidade do contrato fica sujeita a aviso prévio de 60 dias, se for da iniciativa do empregador, ou de 15 dias, se a iniciativa pertencer ao trabalhador;
d) A caducidade não determina o pagamento de qualquer compensação ao trabalhador.
3 - Quando o trabalhador atinja os 70 anos de idade sem ter havido caducidade do vínculo por reforma, é aposto ao contrato um termo resolutivo, com as especificidades constantes do número anterior."

Como bem se vê, a lei prevê como causa de caducidade do contrato de trabalho a reforma do trabalhador, e não propriamente o facto de o trabalhador atingir a idade de reforma, que, quando muito, apenas poderá constituir um pressuposto da passagem do trabalhador à situação de reformado.

Por outro lado, como refere Pedro Romano Martinez, a reforma por idade (designada como reforma por velhice) não opera automaticamente. Por um lado, a situação de reforma depende de um requerimento do trabalhador; em segundo lugar, a extinção do vínculo só se verifica quando ambas as partes tomem conhecimento da situação e não no momento em que o traba­lhador se reforma (assim, o acórdão do STJ de 30 de Abril de 1997, Colectânea de Jurisprudência (STJ) 1997, Tomo II, pág. 270); em terceiro lugar, por força do que dispõe o artigo 392º, n.º 1, do Código do Trabalho, mesmo depois do conhecimento bilateral, o contrato pode cessar nos trinta dias seguintes e não imediatamente; por último, estando o trabalhador na situação de reforma, a relação laboral não se extingue ipso iure, pois se este permanecer ao serviço, o contrato converte­-se em contrato a termo resolutivo (Direito do Trabalho, II volume, 2º Tomo, 3ª edição, Lisboa, 1999, pág. 301)

Ou seja, o trabalhador pode requerer a reforma a partir dos sessenta e cinco anos de idade (art. 22.° Decreto-Lei n.º 329/93, de 25 de Setembro), mas o facto de se encontrar re­formado não obsta a que continue a trabalhar; impõe-se, em tal caso, que o vínculo laboral com a empresa, depois de o empregador saber que o trabalhador se encontra reformado, se converta num contrato a termo resolutivo pelo prazo de seis meses, renovável sem limite (artigo 392º, n.º 2, alínea b), do Código do Trabalho).

Por outro lado, e diferentemente do que sucede no funcionalismo público, não há um limite de idade, a partir do qual não se pode continuar a prestar a actividade; enquanto as partes desejarem a prossecução da relação laboral esta manter-se-á. Todavia, independentemente de o trabalhador se reformar, quando atinja 70 anos de idade, o vínculo laboral fica sujeito a um termo resolutivo, por um prazo de seis meses renovável sem limite (artigo 392º, n.º 3, do Código do Trabalho).

Sendo assim, o facto de o autor ter atingido os 70 anos de idade não constituía motivo de caducidade do contrato e apenas determinava, ao abrigo desta última disposição legal, a conversão do contrato de trabalho por tempo indeterminado em contrato a termo resolutivo pelo prazo renovável de seis meses.

5. Com esta questão relaciona-se uma outra que vem, desta feita, suscitada pelo autor.

Este entende que é ainda devida a compensação prevista no artigo 388º, n.º 2, do Código do Trabalho para a caducidade do contrato a termo, correspondente a 3 dias por cada mês de duração do vínculo, considerando como inconstitucional a norma da alínea d) do n.º 2 do artigo 392° que expressamente a exclui, por afrontar o princípio da justa indemnização do artigo 62°, n.º 1, da Constituição, bem como os princípios constitucionais do Estado de direito democrático (artigo 2°), da segurança no emprego (artigo 53°), do direito ao trabalho (artigo 58°) e do direito à retribuição (artigo 59°).

Com efeito, aquela disposição do Código do Trabalho, há pouco transcrita, dispõe que "a caducidade do contrato a termo resolutivo não determina o pagamento de qualquer compensação ao trabalhador". A norma refere-se ao contrato a termo resolutivo em que se tenha convertido o contrato de trabalho por tempo indeterminado, por virtude de o trabalhador ter permanecido ao serviço da entidade patronal após o conhecimento, por ambas as partes, da sua reforma por velhice; mas, por força do também citado n.º 3 desse artigo 392º, é igualmente aplicável ao contrato a termo resolutivo em que necessariamente se converte o vínculo laboral quando o trabalhador atinge os 70 anos de idade.

É, no entanto, evidente que a situação prevista em qualquer dessas hipóteses - que tem pressuposta a ideia de que trabalhador se manteve ligado à entidade patronal a através de um contrato de trabalho indeterminado, que só se transforma em contrato a termo resolutivo quando o trabalhador atinge a reforma por velhice ou os 70 anos de idade - não tem qualquer analogia ou identidade com a do artigo 388º, n.º 2, que prevê uma compensação monetária a favor do trabalhador no caso em que o contrato a termo caduca por declaração da entidade patronal no termo do seu prazo.

Num caso, estamos perante uma relação de trabalho estabilizada que poderá ter durado toda a vida activa do trabalhador - como é, aliás, o caso do autor, que permaneceu ao serviço da ré mais de 40 anos -, em que a conversão do contrato por tempo indeterminado em contrato a termo ocorre por razões de política legislativa que têm a ver com a circunstância de o trabalhador se encontrar numa situação de reforma ou em idade para requerer a reforma que lhe confere, desde logo, uma sustentação económica autónoma; noutro, estamos perante uma situação de precariedade de emprego que resulta de o trabalhador se encontrar vinculado por mero contrato de trabalho a termo, o que justifica, do ponto de vista do legislador, a atribuição de uma compensação pecuniária que se destinará a constituir um suporte financeiro para a situação de desemprego em que possa encontrar-se por efeito da caducidade do contrato.

Não se vê, por outro lado, como é que a referida norma da alínea d) do n.º 2 do artigo 392° pode reputar-se como inconstitucional, quando é certo que o pagamento de uma justa indemnização, a que se refere o artigo 62°, n.º 1, da Constituição, a entender-se como um afloramento de um princípio geral de indemnização, ínsito no Estado de direito democrático, apenas pode ter aplicação quando esteja em causa a prática de actos lesivos de direitos e danos causados a outrem, sendo bem elucidativo que essa norma constitucional se reporte à situação paradigmática em que se verifique uma privação do direito de propriedade por actos de autoridade pública (Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição revista, Coimbra, pág. 336).

A caducidade do contrato de trabalho a termo, na situação especial em que a aposição do termo resulta do facto de o trabalhador continuar ao serviço depois de se ter reformado ou ter atingido a idade que lhe permite obter a reforma, não envolve obviamente qualquer violação de direitos ou interesses legítimos nem provoca qualquer dano indemnizável, do mesmo modo que não acarreta qualquer violação do direito à retribuição ou à segurança no emprego, e representa antes uma consequência natural que é a da extinção do vínculo laboral quando o trabalhador tenha entretanto atingido o termo da sua actividade profissional e se encontre já protegido por um regime de segurança social. O fim da vida activa do trabalhador, sendo um evento natural e inevitável, não pode entender-se como um efeito lesivo nem justifica um ressarcimento, pelo que a não previsão de indemnização na hipótese considerada não representa qualquer violação de preceito constitucional.


6. Relacionada com o regime do artigo 392º do Código do Trabalho está ainda uma outra questão que a ré suscita em derradeiro termo.

Pretende-se que no montante das retribuições em que foi condenada em 1ª instância, nos termos do artigo 437º, n.º 1, do Código do Trabalho, por efeito da intempestiva declaração de caducidade da relação laboral, se deduzam as importâncias referidas nos n.ºs 2 e 3 desse artigo, isso tendo em conta que o autor requereu a reforma em 1 de Maio de 2004, a qual lhe foi concedida com efeitos desde essa data, e que não lhe é devida, a partir desse momento, qualquer retribuição por força do contrato a termo em que se tenha convertido o anterior vínculo contratual.

Tudo o que anteriormente se expôs é já suficiente para demonstrar a completa improcedência desta argumentação.

Já se viu que o contrato não se extingue com a reforma por velhice, mas apenas com o conhecimento, por ambas as partes, dessa ocorrência, sendo que, no caso, ela só foi comunicada pelo Centro Nacional de Pensões em 25 de Setembro de 2004.

Por outro lado, o autor atingiu os 70 anos de idade em Fevereiro de 2004, antes ainda de ter requerido a passagem à reforma, pelo que, por efeito do disposto no artigo 392º, n.º 3, do Código do Trabalho, o contrato se converteu em contrato sem termo pelo prazo de 6 meses, renovável por iguais períodos. A partir desta conversão, deixou de existir um vínculo contratual por tempo indeterminado, e assim já não poderia operar a caducidade desse vínculo por reforma por velhice, mas antes a caducidade do contrato a termo por efeito da sua não renovação.

Acresce que, como se deixou explanado, a passagem à reforma não é impeditiva da continuação do trabalhador reformado ao serviço da sua entidade patronal, como resulta inequivocamente do artigo 392º, n.º 1, do Código do Trabalho, pelo que, encontrando-se o autor vinculado, do ponto de vista jurídico, por um contrato de trabalho a termo resolutivo a partir do momento em que perfez 70 anos de idade, nada obstava à percepção das respectivas remunerações cumulativamente com a pensão de reforma.

As deduções a que os n.ºs 2 e 3 do artigo 437º do Código do Trabalho se referem nada têm a ver, por outro lado, com a cumulação da pensão de reforma e da retribuição. O que está aí em causa são os rendimentos do trabalho ou as prestações da previdência que o trabalhador tenha recebido com a cessação do contrato de trabalho e que não receberia se não fosse o despedimento. Só essas importâncias é que constituem um locupletamento indevido, já que se o trabalhador continuasse ao serviço da sua entidade patronal não teria tido oportunidade de auferir outros proventos do trabalho ou receber as prestações substitutivas dos rendimentos de trabalho perdidos em consequência do despedimento.

Não é esse o caso da pensão de reforma, já que é a própria lei que permite que o trabalhador continue a prestar serviço ao seu anterior empregador, embora nesse caso através de contrato de trabalho a termo resolutivo.

7. Vem, por fim, o autor requerer a condenação da ré como litigante de má fé por afirmações produzidas nos artigos 71º e 72º da contestação.

Nesses artigos a ré reportava-se ao peticionado pagamento de "dois prémios Galp Energia extraordinários", acrescentando que o autor vinha reclamar os aludidos prémios quando sabia que o Tribunal de Trabalho de Lisboa já havia denegado essa pretensão.

Em resposta, o autor requereu a condenação da ré como litigante de má fé, por considerar que nesses articulados a ré se referiu à decisão judicial que julgou improcedente o pedido de pagamento de um prémio Galp Energia, não ignorando que tal decisão ainda não tinha transitado em julgado (artigos 10º a 13 da resposta).

Em recurso de apelação, o autor suscitou a nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, por não ter tomado posição quanto à pretendida condenação em litigância de má fé.

A Relação, suprindo a nulidade, indeferiu o requerido por entender que a alusão feita na contestação à decisão judicial de improcedência tinha correspondência com a verdade, porquanto tinha sido proferida sentença (que foi junta aos autos) a denegar o pagamento do referido prémio Gal Energia, decisão essa que só mais tarde veio a ser revogada pela Relação.

E não há motivo para alterar o assim decidido.

Na verdade, nada impedia que a ré pudesse mencionar a referida decisão judicial, visando demonstrar a impertinência do pedido formulado nesta nova acção, sendo que, em nenhum momento, a ré pretendeu fazer crer que tal decisão se encontrasse já transitada.

Por outro lado, embora na discriminação dos montantes que considerava deverem serem pagos, na formulação do pedido condenatório, o autor se refira apenas a um prémio de € 1500,00, o certo é que os artigos 90º e 91º da petição aludem a dois prémios, um de € 500,00 e outro de € 1500,00, pelo que também a referência constante do artigo 91º da contestação (em que alude a dois prémios) não deixa de ter correspondência com o alegado nesses outros articulados.

Termos em que se mantém, também nesta parte, o julgado.

Decisão

8. Em face do exposto, acordam em negar as revistas.

Custas pelos recorrentes na medida do decaimento.


Lisboa, 17 de Janeiro de 2007

Fernandes Cadilha - relator)
Mário Pereira
Maria Laura Leonardo