Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
047700
Nº Convencional: JSTJ00028700
Relator: AMADO GOMES
Descritores: INCÊNDIO
PERIGO DE INCÊNDIO
TIPICIDADE
Nº do Documento: SJ199510310477003
Data do Acordão: 10/31/1995
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: REVOGADA A DECISÃO.
Área Temática: DIR CRIM.
Legislação Nacional: CP82 ARTIGO 2 N2 ARTIGO 253 ARTIGO 254.
CP95 ARTIGO 272.
Sumário : I - O Código Penal de 1995 (artigo 272) exclui do âmbito das condutas criminais a criação de perigo de incêndio, prevista no artigo 254 do Código anterior (1982), passando a considerar punível o facto de "provocar incêndio de relevo"...".
II - Não é de relevo o incêndio provocado em "arbustos", tendo ardido apenas uma zona com cerca de 1 m2.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

Na comarca de Tomar respondeu A, casado, desempregado, nascido a 22 de Outubro de 1972, acusado pelo Ministério Público da autoria de um crime de incêndio previsto e punido pelo artigo 1 n. 1 da Lei n. 19/86, de 19 de Julho.
O Tribunal Colectivo decidiu condená-lo, mediante convolação da acusação, pela autoria de um crime de perigo de incêndio previsto e punido pelo artigo 254 n. 1 do Código Penal, na pena de 8 meses prisão e 15 dias de multa a 300 escudos diários ou, em alternativa desta, em 10 dias de prisão, pena esta que foi totalmente declarada perdoada, nos termos do artigo 8 n. 1 alíneas b) e d) e sob a condição do artigo 11, ambos da Lei n. 15/94, de 11 de Maio.
Esta decisão assenta nos seguintes factos que o Tribunal Colectivo julgou provados:
1 - No dia 12 de Setembro de 1993, cerca das 5 horas, o arguido, depois de ter estado numa festa que então decorria em Santa Cita, da comarca de Tomar, onde ingerira bebidas alcoólicas que lhe provocaram embriagues, dirigiu-se ao acaso no seu motociclo de matricula LV-93-23, vindo a parar junto da fábrica de papel da Matrena em Asseiceira, também daquela comarca.
2 - A certa altura, largou a estrada e penetrou numa zona de mato rasteiro, silvas e outros arbustos, situados a cerca de cinquenta metros de uma plantação de eucalipto de cerca de quatro hectares, após imobilizar o veículo, serviu-se de um isqueiro que levava consigo, ateou fogo a um pedaço de alcatifa cuja proveniência se desconhece que, de seguida deitou ao chão.
3 - Como se apercebesse da aproximação de um automóvel que circulava pela estrada que passa junto aquela fábrica, começou a correr, o que despertou a atenção do respectivo condutor que, após imobilizar o automóvel, foi no seu encalço.
4 - Reparou então, o respectivo condutor B que num determinado ponto do matagal se desenvolvia um foco de incêndio provocado pelo contacto da alcatifa com erva seca. O B logo se apressou a extinguir tal foco numa altura em que tinha apenas ardido cerca de um metro quadrado de ervas e arbustos rasteiros.
5 - O arguido ateou o fogo voluntariamente e, embora sob o efeito do álcool, estava em condições de avaliar o significado e as possíveis consequências da sua conduta.
6 - A plantação de eucaliptos tinha o valor aproximado de 1600000 escudos, era propriedade da firma CELBI e estava delimitada e protegida por uma faixa de terreno desarborizada.
7 - Apesar disso, não fora a pronta intervenção do B, havia perigo de a plantação vir a ser atingida, perigo esse que o arguido representou ao lançar a alcatifa incendiada ao chão.
8 - Na área efectivamente queimada não foram provocados prejuízos de relevância económica.
9 - O arguido sabia que a sua conduta era proibida.
10 - Declarou não se recordar minimamente do acontecido.
11 - Algum tempo antes havia sofrido um acidente de viação em que sofreu traumatismo craniano na sequência do que ficou mais vulnerável aos efeitos do álcool.
12 - Sujeito a exame às suas faculdades mentais, veio a ser declarado imputável com atenuantes.
13 - Cumpria na altura o serviço miliar, onde gozava de prestígio sendo respeitado pelos seus camaradas e pelos seus superiores.
14 - É casado e, cessado o serviço militar, encontra-se desempregado. O agregado vive do rendimento proporcionado pelo salário da esposa, no montante de 44500 escudos.
15 - Tem tido bom comportamento e mostra-se sensibilizado pela ideia de evitar o consumo de bebidas alcoólicas.
16 - Não tem antecedentes criminais.
O arguido não se conformou com esta decisão motivo porque dela interpôs o presente recurso, fundamentado pela forma que consta da motivação de folha 173.
As conclusões que apresentou sintetizam-se no seguinte: a pena aplicada deve ser suspensa na sua execução por um ano, mantendo-se a condenação nos seus precisos termos e determinando-se que o perdão da Lei 15/94 só operará se a suspensão for revogada, caso em que será levada em conta a prisão preventiva sofrida.
O acórdão recorrido violou o disposto no artigo 30 da Constituição nos artigos 65, 72, 78 e 48 do Código Penal e os normativos da Lei n. 15/94.
O Ministério Público respondeu à motivação, concluindo que deve manter-se a decisão recorrida.
Neste Supremo Tribunal a Excelentíssima Procuradora-Geral Adjunta não suscitou questões que obstassem ao prosseguimento do recurso.
Foram colhidos os vistos legais.
Procedeu-se à audiência nos termos do artigo 435 do Código de Processo Penal.
Passa-se a decidir.
Questão prévia - despenalização.
O Código Penal de 1995 não prevê o tipo legal de crime de perigo de incêndio. Neste diploma o legislador reuniu no tipo legal do artigo 272 a acção dolosa e a criação dolosa de perigo mas a acção dolosa aqui considerada não consiste em "criar perigo de incêndio (artigo 254 do Código Penal de 1982) nem em "provocar incêndio" (artigo 253 desse código), mas sim um "provocar incêndio de relevo".
Assim, perante o novo Código Penal só o incêndio de relevo pode ser considerado.
Ora, na hipótese considerada neste processo, o arguido provocou um incêndio em "arbustos", tendo ardido apenas cerca de um metro quadrado.
O incêndio, portanto, não tem relevo porque a área ardida é insignificante e a zona ardida não respeita a floresta, mata, arvoredo ou seara. Os arbustos ardidos nem sequer se podem integrar no "arvoredo" a que a lei se refere porque têm um significado diferente. Acresce que não foram produzidos danos.
A conduta do arguido não é punível pelo novo Código Penal. Portanto, de acordo com o preceituado no n. 2 do artigo 2 deste diploma, o arguido tem de ser absolvido.
Em face do exposto e das disposições legais citadas acorda-se em julgar despenalizada a conduta do arguido motivo porque não se conhece do objecto de recurso e se decreta a absolvição do arguido A.
Sem tributação.
Lisboa, 31 de Outubro de 1995.
Amado Gomes.
Costa Figueirinhas.
Castro Ribeiro.
Vaz dos Santos.