Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
04P3210
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: HENRIQUES GASPAR
Descritores: BURLA
CONCURSO
Nº do Documento: SJ200410130032103
Data do Acordão: 10/13/2004
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Sumário :   I   -  O concurso efectivo de crimes de crime é real quando o agente pratica vários actos que preenchem autonomamente vários crimes ou várias vezes o mesmo crime (pluralidade de acções) e é ideal quando através de uma mesma acção se violam normas penais ou a mesma norma repetidas vezes (unidade de acção).

II  - A par categoria de concurso efectivo de crimes temos a de concurso aparente, onde as leis penais concorrem só na aparência, excluindo umas as outras, segundo regras de especialidade, subsidariedade ou consumpção.

III - O critério operativo de distinção entre categorias reverte ao bem jurídico e à concreta definição que esteja subjacente relativamente a cada tipo de crime.

IV - A respeito da confluência dos espaços de protecção dos crimes de colocação em circulação de moeda falsa ou actividade equiparada e de burla tem este Supremo Tribunal protagonizado duas posições, no sentido de que se verifica uma situação de concurso aparente segundo as regras da consumpção e no de que existe concurso real entre estes dois ilícitos penais.

V - Porém, só aquela primeira, que aponta para existência de um concurso aparente, por força da regra da consumpção, trata adequadamente, por referência aos crimes de colocação em circulação de moeda falsa ou actividade equiparada e de burla, a problemática da distinção do bem jurídico protegido, seu sentido e alcance.

Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça:


1. No processo nº 663/02.02JAPRT do 1º Juízo Criminal de Matosinhos, os arguidos AA. que também usa ..... e BB, e CC, que também usa ... e DD, identificados no processo, foram acusados pelo Ministério Público da prática co-autoria, na forma continuada, dos seguintes crimes:
- um crime de associação criminosa p. e p. nos termos do art. 299º, nºs 1 e 2 do Código Penal;
- um crime de contrafacção de moeda, p. e p. pelo art. 262º, nº 1 do Código Penal, com referência ao artº 267º, nº 1, alínea c), do mesmo Código;
- um crime de passagem de moeda falsa, p. e p. pelo art. 265º, nº 1, alínea a), do Código Penal, com referência ao art. 267º, nº1, alínea c) do mesmo Código;
- um crime de burla qualificada p. e p. pelos artigos 217º e 218º, nº 1 do Código Penal, com referência ao art. 202º, alínea a), do Código Penal, e arts. 30º e 79º do mesmo Código.
- um crime de falsificação de documento, na forma continuada, p. e p. pelo art. 256º, nº 1, alínea c), e nº3 do C. Penal, com referência aos artigos 30º e 79º do mesmo Código.
- um crime de falsidade de declaração, p. e p. pelo artigo 359º, nº 2, com referência ao nº1 do Código Penal.
Na sequência do julgamento, os arguidos foram absolvidos da prática do crime de associação criminosa, mas foram condenados:
Como autores de um crime de falsidade de declaração, p.p. pelo artº 359º, nº 2 do Código Penal, na pena de quatro meses de prisão cada um;
Como co-autores de um crime de contrafacção de moeda, na forma continuada, p.p. pelos artºs 262º, nº 1, 267º, nº 1, alínea c), e 30º, nº 2, todos do Código Penal, na pena de três anos e três meses de prisão cada um.
- Como co-autores de um crime de passagem de moeda falsa, na forma continuada, p.p. pelos artºs 265º, nº 1, alínea a), 267º nº 1 al. c) e 30º nº 2, todos do Código Penal, na pena de um ano de prisão cada um
- Como co-autores de um crime de falsificação de documento, na forma continuada, p.p. pelos artºs 256º ,nºs 1, alínea c), e 3, e 30º nº 2, todos do Código Penal, na pena de um ano de prisão cada um.
Em cúmulo jurídico, de harmonia com o disposto no artº 77º do Código Penal, cada um dos arguidos AA e CC foi condenado na pena única de quatro anos e um mês de prisão.

2. Não se conformando com o decidido, o magistrado do Ministério Público interpõe recurso para este Supremo Tribunal, apresentando motivação que faz terminar com as seguintes conclusões:
1ª. Os arguidos CC e AA foram absolvidos da prática do crime de burla qualificada p. e p. pelos art.s 217° e 218°, n° l do Código Penal, com referência ao art. 202°, alínea a), do mesmo diploma, pelo qual vinham acusados, por o tribunal ter considerado que existe uma relação de concurso aparente entre este ilícito e o crime de passagem de moeda falsa p. e p. pelo art. 265° n° l do Código Penal pelo qual os arguidos foram condenados.
2ª No entanto, existe concurso efectivo entre os crimes de burla p. e p. pelo art. 217° do Código Penal com o crime de passagem de moeda falsa p. e p. pelo art. 256°, n° l, do mesmo diploma.
3ª. Tais ilícitos tutelam bens jurídicos absolutamente diversos e o crime de burla exige sempre um mais relativamente ao crime de passagem de moeda falsa; exige-se o artifício, a intenção de obter benefício e de causar prejuízo a outrem;
4ª. Esta situação assemelha-se em tudo à do concurso entre os crimes de burla e de falsificação. Por acórdão datado de 19 de Fevereiro de 1992, publicado no Diário da Série-A de 9 de Abril de 1992, o Supremo Tribunal de Justiça veio fixar jurisprudência obrigatória nos seguintes termos: «no caso de a conduta do agente preencher a previsão de falsificação e de burla do art. 228°/l a) e do 313°/1. respectivamente do Código Penal, verifica-se concurso real ou efectivo de crimes»;
5ª. Tal como já considerou a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça (acórdão datado de 14 de Março de 2002 - "Colectânea de Jurisprudência, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça", ano X, tomo I, 232 c 233), não há qualquer razão para tratar as questões de forma diversa já que «a moeda falsa não é mais do que falsum específico, pelo que lhe é aplicável esta mesma doutrina, devendo concluir-se pelo concurso real»;
6ª. Pelo que ao absolver os arguidos da prática do crime de burla por se considerar existir concurso aparente entre aquele crime e o de passagem de moeda falsa, fazendo prevalecer este último, violou-se no acórdão recorrido o preceituado nos art.s 30°, 217° e 218° n° l, com referência ao art. 202°, alínea a), todos do Código Penal.
Pede, consequentemente, o provimento do recurso.
O arguido CC respondeu à motivação, defendendo a improcedência do recurso.

3. Neste Supremo Tribunal, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta, teve intervenção nos termos do artigo 416º do Código de Processo Penal.
Colhidos os vistos, teve lugar a audiência, com a produção de alegações, cumprindo apreciar e decidir.

4. O tribunal colectivo considerou provados os seguintes factos:
Os arguidos AA, CC e EE (acusado como ...), em data não concretamente apurada, mas anterior a Maio de 2002, decidiram, em conjugação de esforços e mediante plano previamente elaborado, copiar e manipular bandas magnéticas de cartões de crédito alheios, de modo a efectuar levantamentos e pagamentos de quantias monetárias em terminais electrónicos de pagamento (POS`S), nomeadamente em estabelecimentos comerciais e casinos, obtendo um enriquecimento a que sabiam não ter direito e com plena consciência de causar um prejuízo económico de valor correspondente à Unicre - Cartão ..., S.A. pondo ao mesmo tempo em causa a credibilidade na circulação da moeda.
Na concretização desses intentos, os mencionados arguidos:
- tinham na posse deles cartões de crédito alheios, não se tendo apurado por que forma chegaram à posse deles, mas em relação aos quais havia a notícia de terem sido alvo de crimes de furto ou de receptação,
- elaboraram listagens com os elementos inscritos nas bandas magnéticas de cartões de crédito distintos, de diferentes entidades emissoras e países, copiados através de gravador/leitor de bandas magnéticas, em diferentes localidades, nomeadamente em Acesa, Barcelona, Espanha, no acto em que era efectuado o pagamento de despesas pelos legítimos titulares,
- muniram-se de um computador portátil e de um leitor-gravador de bandas magnéticas através dos quais liam, apagavam e introduziam os elementos das três pistas das bandas magnéticas de outros cartões de crédito (número, nome, validade e outros códigos),
- concretamente, depois de introduzirem o número de um qualquer cartão, escolhiam o nome que pretendiam que ficasse a constar, nem sempre coincidente com os elementos que tinham sido previamente copiados, adaptando-o, assim, a eventuais documentos de identidade e/ou a cartões furtados ou extraviados que já possuíam, e
- muniram-se de documentos de identificação que não lhes foram atribuídos pelas entidades oficiais respectivas.
No desenvolvimento da referida actividade delituosa, os arguidos AA, CC e EE, deslocaram-se de Espanha para Portugal, em princípios de Maio de 2002, acompanhados de um indivíduo de nacionalidade estrangeira que dava pelo nome de FF, fazendo-se transportar os arguidos CC e EE na viatura marca VOLVO 440 TD, de matrícula espanhola ..., registada em nome de GG, apreendida e fotografada a fls. 376 e seguintes, onde foram encontrados, a 14 de Maio de 2002, no interior da blindagem em plástico da alavanca de velocidades dois cartões de crédito, do sistema VISA, com os números ... e ... (fls.366 a 372).
Em circunstâncias não apuradas, o arguido HH que tinha vindo para o Porto no início do mês de Maio de 2002, procurando trabalho, travou conhecimento com o referido FF, que lhe ofereceu a tarefa de motorista, e com quem se hospedou no Hotel Tuela; os arguidos CC e EE estavam hospedados no Novotel.
Nessa altura o arguido II esteve hospedado no Hotel Íbis.
No dia 08 de Maio de 2002, pelas 15h06m40s, no restaurante ... DA BOAVISTA, o arguido EE e outra pessoa não identificada, pagaram a despesa de 32,46 Euros, referente ao almoço de 3 ou 4 clientes com recurso a um cartão de crédito com o número 4974 0336 0719 2155, (cfr. doc. fls. 579 e al. a) do 1º Mapa infra).
Este mesmo cartão foi também utilizado no casino da Póvoa de Varzim, no dia 09 de Maio de 2002, pelas 00h08m39s, pelo arguido CC que na ocasião se identificou como DD, e pelo arguido (...) que na altura se identificou como EE, para o levantamento de 800,00 Euros tendo a transacção sido recusada (cfr. a al. a) do 2º Mapa infra).
O mesmo cartão foi ainda utilizado em diversas transacções em Espanha, sendo o seu verdadeiro titular JJ (cfr. Fax de fls. 754).
No mesmo dia 08 de Maio de 2002, os arguidos AA e EE, na companhia do referido FF, dirigiram-se ao Posto de Combustíveis da GALP-Socovira - Sociedade de Combustível Via Rápida, Lda, na Senhora da Hora, Matosinhos, fazendo-se transportar na viatura da marca FIAT PUNTO, de matrícula ..., propriedade do arguido Íon, tendo o arguido EE (...), com o conhecimento e a anuência do arguido AA, utilizado, pelas 21h41m18s e 21h42m51s, dois cartões de crédito com os números ... e ..., para o pagamento de combustíveis, nos montantes de 25,21 e 39,45 Euros (cfr. fls.809 a 811 e cfr. al. b) e c) do 1º Mapa infra).
Nessa hora e data o arguido II, encontrava-se no mesmo posto de abastecimento com a sua viatura de que é proprietário, da marca MERCEDES BENZ, de matrícula ....
Para o montante de 39,45 Euros foi inicialmente tentado o pagamento com o cartão nº ..., que foi recusado (cfr. al. e) do 2º Mapa infra).
No dia 09 de Maio de 2002, pelas 00h06m23s e 00h07m53s o arguido EE (....) utilizou também por duas vezes no Casino da Póvoa de Varzim o cartão com o número 4966 2655 9816 3015, onde tentou levantar o montante de 800,00 Euros de cada vez (cfr. al. b) do 2º Mapa infra).
O cartão 4966 2655 9816 3015 pertence a KK (cfr. Fax de fls. 699).
Ainda no dia 08 de Maio, pelas 23h.28m32s e 23h29m34s, os arguidos CC e EE utilizaram 2 cartões de crédito, com os nºs. ... e ..., no Restaurante 31 de Janeiro, na Póvoa de Varzim, para pagamento de 80,15 Euros, cada um deles (cfr. doc.651,652,653 e alíneas f) e d) do 1º Mapa infra).
O montante global de 160,30 Euros corresponde ao valor do jantar de 4 ou 5 clientes, que pediram que a conta fosse dividida em dois, razão pela qual o pagamento foi efectuado com 2 cartões de crédito. (cfr. fls. 649 e segs.).
Estes dois cartões - ... e ... - foram ainda utilizados no casino da Póvoa, pelos arguidos EE e CC no levantamento de 1.000,00 e 2.000,00 Euros, respectivamente, ocorridos pelas 01h03m58s e 00h27m52s, do dia 09 de Maio (cfr. al. f) e d) do 1º Mapa infra).
Nas referidas circunstâncias o cartão 5131 7802 9734 2014, foi utilizado pelo arguido CC, que também usa .... e DD (vd. relatório do CCTV do Casino da Póvoa de fls. 524 e al. d) do 1º Mapa infra).
Este último cartão foi também utilizado, no casino da Póvoa de Varzim no dia 09 de Maio de 2002 pelas 00h46m45s e 00h47m29s, em duas tentativas nos montantes de 3.000 e 2.000 Euros (cfr. al. c) do 2º Mapa infra).
O nome do verdadeiro titular deste cartão é LL (vd. fax de fls. 630 e listagem impressa junto aos autos a fls. 67 e segs.).
O cartão 5131 7811 3958 7014, foi utilizado pelo arguido EE (...) que também usa ...., no casino da Póvoa de Varzim, pelas 01h03m58s do dia 09 de Maio de 2002 (vd. relatório do CCTV do Casino da Póvoa de fls. 524) sendo que o verdadeiro titular é MM (vd. listagens impressas juntas aos autos a fls. 67 e cfr. al. f) do 1º Mapa infra).
No dia 09 de Maio de 2002 os arguidos AA, CC, e EE dirigiram-se ao casino da Póvoa de Varzim na companhia do referido FF onde frequentaram o Salão de Jogos Tradicionais.
Nessa mesma data e hora também se dirigiu ao Casino da Póvoa o arguido II, que é frequentador habitual do Casino.
Em tais circunstâncias de tempo e de lugar o arguido (EE) que na altura se identificou como ...utilizou o cartão nº ..., em três transacções concretizadas nos montantes de 100,00, 900,00 e 1.000,00 Euros, ocorridas, respectivamente às 00h02m40s 00h04m5s e 00h32m29s, (vd. relatório do CCTV do Casino da Póvoa de fls. 524 e cfr. al. c) do 1º Mapa infra)
No duplicado do talão do Casino da Póvoa, aparece como titular do cartão EE, quando é certo que o cartão com este número foi emitido a favor de NN (cfr. Fax de fls. 655 e listagens impressas juntas aos autos a fls. 67 e segs.)
No casino da Póvoa de Varzim, e para além dos cartões acima referidos, foi ainda utilizado um outro cartão com o nº ... , em três transacções concretizadas, nos montantes de 800,00, 1.000,00 e 1.500,00 Euros, ocorridas, pelas 00h10m23s, 00h34m21s e 00h53m17s, respectivamente (cfr. al e) do 1º Mapa infra).
Este último cartão foi utilizado no casino da Póvoa de Varzim pelo indivíduo que se identificou com o nome de FF (vd. relatório do CCTV do Casino da Póvoa de fls. 524).
O nome do verdadeiro titular deste cartão é OO (cfr. Fax de fls. 655 e listagem impressa de fls. 67 e segs.)
Ainda no dia 09 de Maio de 2002, no casino da Póvoa de Varzim, pelas 00h48m44s, e no posto GALP da Senhora da Hora, pelas 11h32m36s, foi utilizado o cartão com o nº 5255 0210 4138 1796 em tentativas não concretizadas nos montantes de 3.000,00 e 33,61 Euros (cfr. al. d) do 2º Mapa infra).
E no mesmo dia e locais mas pelas 00h48m02s e 11h33m13s o cartão nº ... foi utilizado em tentativas não concretizadas, nos montantes de 3.000,00 e 33,61 Euros respectivamente (cfr. al. f) do 2º Mapa infra).
O arguido AA, no Casino da Póvoa de Varzim, não efectuou qualquer levantamento ou pagamento mas jogou na Banca Francesa com fichas no valor de 1.000,00 Euros e de 500,00 Euros.
No dia 09 de Maio de 2002, pelas 01h10m o arguido CC dirigiu-se ao casino de Espinho identificando-se como DD, e tentou levantar 300,00 Euros com um cartão emitido naquele nome.
Como o empregado do casino de Espinho já estava alertado pelos seus colegas do Casino da Póvoa de Varzim para a utilização indevida de cartões de crédito por cidadãos estrangeiros apenas simulou a passagem do cartão no terminal de pagamento electrónico pelo que o número respectivo não ficou registado.
No total foram utilizados 9 cartões de crédito, tendo sido feitas, 13 transacções que totalizaram o montante de 8.557,42 Euros/1.715.609$00 (cfr. Mapa de transacções autorizadas que segue).
Para além das transacções concretizadas foram feitas 11 tentativas não autorizadas, mas que caso o fossem, totalizariam o montante de 13.806,67 Euros/2.761.334$00 (cfr. Mapa de transacções não autorizadas que segue).
TRANSACÇÕES AUTORIZADAS
NÚMERO DE CARTÃOLOCALDATA/HORAVALOR
a) ...GRELHADOR 2
DA BOAVISTA
08.05.02/15.06.4032,46 €
b) ...POSTO GALP08.05.02/21.41.1825,21 €
c) ...POSTO GALP
CASINO PÓVOA
CASINO PÓVOA
CASINO PÓVOA
08.05.02/21.42.51
09.05.02/00.02.40
09.05.02/00.04.51
09.05.02/00.32.29
39,45 €
100,00 €
900,00 €
1000,00 €
d) ...RESTAURANTE 31 DE JANEIRO
CASINO PÓVOA
08.05.02/23.29.34
09.05.02/00.27.52
80,15 €
2000,00 €
e) ...CASINO PÓVOA
CASINO PÓVOA
CASINO PÓVOA
09.05.02/00.10.23
09.05.02/00.34.21
09.05.02/00.53.17
800,00 €
1000,00 €
1500,00 €
f) ...RESTAURANTE 31 DE JANEIRO
CASINO PÓVOA
08.05.02/23.28.32
09.05.02/01.03.58
80,15 €
1000,00 €
TOTAL.. ................................................................8.557,42 Euros
TENTATIVAS NÃO AUTORIZADAS
NÚMERO DE CARTÃOLOCALDATA/HORAVALOR
a) ...CASINO PÓVOA09.05.02/00.08.39800,00 €
b) ...CASINO PÓVOA
CASINO PÓVOA
09.05.02/00.06.23
09.05.02/00.07.53
800,00 €
800,00 €
c) ...CASINO PÓVOA
CASINO PÓVOA
09.05.02/00.46.45
09.05.02/00.47.29
3000,00 €
2000,00 €
d) ...CASINO PÓVOA
POSTO GALP
09.05.02/00.48.44
09.05.02/11.32.36
3000,00 €
33.61 €
e) ...POSTO GALP08.05.02/21.42.0039.45 €
f) ...CASINO PÓVOA
POSTO GALP
09.05.02/00.48.02
09.05.02/11.33.13
3000,00 €
33.61 €
g)CASINO DE ESPINHO09.05.02/01.10300,00 €
TOTAL..................................................................... 13.806,67 Euros
Todos os levantamentos e pagamentos de quantias monetárias bem como as tentativas não autorizadas acima referidas foram feitas em terminais electrónicos de pagamento (POS`S) porque os arguidos AA, e EE, acima identificados, em conjugação de esforços e de acordo com um plano previamente traçado, através da utilização do material que lhes foi apreendido, nomeadamente do leitor/gravador de bandas magnéticas, do computador e das folhas de decalque de letras e números, forjaram o conteúdo das bandas magnéticas dos cartões de crédito que utilizaram e que entregaram às pessoas que os atenderam, convencendo-as falsamente de que eram os legítimos titulares dos cartões e que estes não tinham sofrido alterações nas respectivas pistas de informação, logrando com tais condutas causar à Unicre - Cartão ...., S. A. um prejuízo económico no referido valor de € 8.557,42/1.715.609$00 pelo menos.
No dia 09 de Maio de 2002 ao serem alertados pela Unicre para o levantamento de uma quantia indeterminada, em Euros, com recurso a cartões de crédito contrafeitos, no Casino da Póvoa de Varzim, e para uma tentativa de utilização de um cartão de crédito, que já tinha sido utilizado no casino da Póvoa, numas bombas de combustíveis da GALP, na Senhora da Hora, elementos da Polícia Judiciária deslocaram-se para a fronteira de Valença, onde com a colaboração da GNR local interceptaram a viatura OPEL KADET, de matrícula ... que era conduzido pelo arguido HH.
Na busca efectuada ao interior da viatura, foram encontrados e apreendidos, no porta-luvas, 10 cartões de crédito, sendo quatro emitidos em nome de PP, quatro em nome de QQ e dois em nome de DD, bem como um bilhete de identidade, de cidadão Luxemburguês emitido em nome de BB, tendo aposta a fotografia do arguido AA, que também usou ... (cfr. Auto de apreensão de fls. 46 que aqui damos por reproduzido).
Os cartões emitidos em nome de PP e ... , estavam dados como furtados (cfr. fax de fls. 61).
No porta bagagens, e entre outros objectos, foram encontrados 11 embalagens de decalques de letras e números - quatro delas já usadas - documentos referentes à viatura, marca VOLVO 440 TD, matricula ..., registada em nome de GG, bem como documentos referentes á emissão da carta verde, da mesma viatura, em nome de EE, assim como uma caderneta do BANCO SABADELL, emitida em nome de EE.
Volvidos alguns minutos da abordagem da primeira viatura, a GNR interceptou o FIAT PUNTO, de cor cinzenta, com a matrícula ... que era conduzido pelo arguido AA sendo acompanhado pelo arguido CC.
No interior da viatura, mais concretamente, debaixo do banco do passageiro, foi encontrado um leitor gravador de bandas magnéticas de cartões.
Na bagageira da referida viatura e entre outros objectos foi encontrado e apreendido um computador portátil ACER TRAVELMATE 529, com os respectivos cabos de ligação, um transformador, com cabo próprio para ligação ao orifício do isqueiro e uma pasta em cabedal de cor castanha, com código de abertura, que foi aberta pelo arguido AA tendo-se verificado que continha várias folhas manuscritas e outras impressas contendo numerações de mais de duzentos cartões de crédito (cfr. Auto de apreensão de fls. 63 e segs que aqui damos por reproduzido).
As folhas impressas para além das numerações dos cartões, continham ainda os nomes dos respectivos titulares, bem como outros elementos que constam das pistas existentes nas bandas magnéticas dos cartões de crédito, só possíveis de obter mediante cópia com recurso a equipamento especializado.
No verso de uma das folhas manuscritas, para além das numerações, constam os nomes de " FF, BB e DD. (cfr. Fls. 66).
Na agenda electrónica do arguido Íon constava o nome do arguido II.
Da listagem manuscrita apreendida na pasta do arguido AA, junta aos autos a fls. 833 e 834, constam todas as numerações dos cartões utilizados como acima se descreveu.
Segundo o Laboratório de Policia Cientifica, estas folhas manuscritas - frente e verso de duas folhas quadriculadas, juntas a fls. 833 e 834 - contendo numerações de cartões e outros dizeres, foram "muito provavelmente" escritas pelo arguido AA (cfr. Auto de exame á escrita de fls. 816 e segs. que aqui damos por reproduzido para todos os efeitos legais).
Algumas destas numerações constam ainda das listagens impressas, constantes dos autos a fls. 67 e seguintes, que igualmente foram apreendidas na pasta do arguido AA.
Estas listagens foram analisadas através de exame, efectuado pela UNICRE, a fls. 94 e 95 dos autos, concluindo os Srs. Peritos que as mesmas contém vários números de cartões distintos, de diferentes entidades emissoras e países, bem como os elementos das bandas magnéticas nas suas diferentes pistas, nomeadamente o nome dos verdadeiros titulares, o número do cartão, a validade e outros códigos específicos de validação do mesmo (cfr. Auto de exame de fls. 94 e seguintes que aqui se dá por reproduzido).
Nas mesmas circunstâncias foi examinado o aparelho leitor/gravador de bandas magnéticas, concluindo os Srs. Peritos que "destina-se a ser ligado a um computador pessoal, o qual através de software específico para o efeito permite gravar, regravar ou alterar os elementos existentes nas bandas magnéticas dos cartões" (cfr. Auto de exame de fls. 94 e segs. que uma vez mais se dá por reproduzido).
Os cartões de crédito apreendidos no VOLVO tinham as seguintes características:
1. cartão VISA WELLS FARGO PLATIUM com o número ..., no qual consta o nome RR;
2. cartão VISA WELLS FARGO com o número ..., no qual consta o nome RR.
Os cartões de crédito apreendidos no OPEL KADETT tinham as seguintes características:
1. cartão VISA BARCLAYCARD com o número ..., no qual consta o nome PP;
2. cartão VISA BARCLAYS com o número ..., no qual consta o nome Akehurst;
3. cartão VISA BARCLAYS CONNECT com o número ..., no qual consta o nome G.B. Akehurst;
4. cartão Máster Card CITI Platium Select com o número ..., no qual consta o nome QQ;
5. cartão Máster Card CITIBANK com o número ..., no qual consta o nome QQ.
6. cartão Máster Card Bolívar com o número ..., no qual consta o nome DD;
7. cartão Máster Card ProCash Plus com o número ..., no qual consta o nome DD;
8. cartão Máster Card AT & T Universal Platium com o número ...;
9. cartão American Express com o número ..., no qual consta o nome G B Akehurst;
10. cartão American Express com o número ..., no qual consta o nome QQ.
Os doze cartões acima referidos foram examinados pelo L.P.C. da P. J., através do exame nº ... tendo-se verificado que apenas dois titulados por DD, tinham as bandas magnéticas apagadas e manipuladas "uma vez que após a leitura da banda, verifica-se que houve elementos que foram apagados, encontrando-se em condições de serem regravados outros números de cartões". (cfr. Auto de exame de fls. 94 e segs. e exame efectuado pelo L.P.C. da P.J. a fls.659 e ss que aqui damos por reproduzido para todos os efeitos legais).
O exame ao computador determinou a existência de um programa de leitura e gravação de cartões magnéticos, de 3 pistas, denominado "MAGNETIC STRIPE CARD READER/WRITER V.2.09, bem como um programa de comunicações do leitor gravador de cartões magnéticos, denominado PICDEM-3 V1.1. (cfr. Auto de exame pericial de fls. 870 e segs. que aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais).
Este computador foi adquirido em Barcelona, por um indivíduo que se identificou com um bilhete de identidade italiano, em nome de DD, tendo sido pago com recurso a um cartão de crédito. (cfr. Fax da policia Espanhola de fls. 854 e segs.)
No dia 09 de Maio de 2002, nas instalações da Polícia Judiciária no Porto foi efectuada uma revista pessoal aos três primeiros arguidos acima identificados.
O arguido AA que se identificou como ..., tinha na sua posse uma carta de condução Suíça, datada de 20/01/1999, nº..., que se encontrava no bolso interior do casaco; a quantia de €7.500 que se encontrava no bolso do lado esquerdo das calças, diversos papéis e um passaporte suíço, nº ..., emitido em 01/10/96, que se encontrava no bolso interior do casaco, tudo conforme consta do auto de revista pessoal de fls. 43.
O arguido CC, que se identificou como ...., tinha na sua posse, um telemóvel Nokia, €390, um molho de chaves e uma Carta D`Identita nº ..., emitida em 21/03/2001, que se encontrava no bolso interior do casaco, tudo conforme consta do auto de revista pessoal de fls. 44.
O arguido HH tinha na sua posse um telemóvel Nókia, €305, uma carta de condução da Roménia com o nº... e um passaporte romeno com o nº..., emitido a 28/03/2002, tudo conforme consta do auto de fls.45.
O dinheiro apreendido aos arguidos AA e HH era proveniente de levantamentos efectuados em terminais electrónicos (POS`S) com os cartões de crédito alheios que os próprios arguidos forjaram da forma acima descrita.
Foi com tais documentos que os três primeiros arguidos acima referidos se identificaram: o arguido AA com o passaporte Suíço, emitido em nome de AA; o arguido CC com a "carta D`identitá" de cidadão Italiano, emitida em nome de CC e o arguido HH com o passaporte Romeno, emitido em nome de HH. (cfr. Autos de revista pessoal de fls. 43 a 45)
Contudo, foi desde logo possível verificar que, com excepção do passaporte romeno emitido em nome de HH, que é verdadeiro, o passaporte Suíço, em nome de AA apesar de ser autentico, tinha sido falsificado e a "carta de identitá" italiana emitida em nome de CC era falsa.
Com efeito, resulta do exame nº..., junto a fls. 338 e seguintes dos autos, que a "Carte D`identité" luxemburguesa na qual consta o número ..., o nome BB e as datas de emissão e validade 10/06/00 e 10/06/10 respectivamente, é falsa, que a impressão de fundo foi obtida por um processo de reprodução policromática de jacto de tinta e a "Carta D`Identité da República Italiana na qual consta o número ..., o nome JJ e a data de emissão 21/03/2001, é falsa, que se trata de uma reprodução policromática de jacto de tinta com excepção das impressões de carimbo e das assinaturas.
E resulta ainda do mesmo exame que o passaporte suíço é autêntico admitindo-se que os dizeres impressos na página 17 e referentes ao prolongamento da validade do passaporte sejam falsos, que estes dizeres foram obtidos numa impressora de jacto de tinta enquanto que o restante preenchimento informático foi obtido numa impressora de agulhas.
Quanto ao "Permis de Conduire" (carta de condução) suíça no qual consta o número ..., o nome AA e a data de emissão 20/01/1999 , é falso, que se trata de uma reprodução policromática de jacto de tinta tudo conforme consta do Exame do Laboratório de Policia Cientifica de fls. 337 e seguintes.
A fotografia do verdadeiro titular do passaporte suíço é completamente diferente da fotografia actualmente aposta no mesmo documento que foi objecto de roubo como resulta do fax da embaixada Suíça junto a fls. 363 e 364.
E a referida Carta de identidade italiana nunca foi emitida pelas entidades oficiais, resultando do fax junto a fls. 444 que "o Comune de Ostiglia comunicou nunca ter emitido um bilhete de identidade nº... e não consta entre a população residente ninguém chamado CC".
Os três primeiros arguidos acima identificados no dia 10 de Maio de 2002, foram submetidos a primeiro interrogatório judicial com vista à aplicação de medida de coacção adequada.
No acto a Mmª. Juíza de Instrução Criminal de Valença, advertiu os arguidos de que deveriam responder com verdade às perguntas sobre a sua identidade e antecedentes criminais sob pena de incorrerem em responsabilidade criminal por desobediência ou falsas declarações.
Conscientes de tais deveres e da respectiva cominação, o arguido AA identificou-se como AA, natural de Lausanne, Suíça, nascido a 24 de Julho de 1951, viúvo, residente na Rue de la Paix, nº32, Lausanne, Suíça, titular do passaporte nº ... e o arguido CC identificou-se como CC, filho de .. e de ...., natural de Luxemburgo, nascido a 27 de Agosto de 1967, casado, comerciante, residente na Via Apia, nº ..., Ostiglia, Itália e em Espanha na Rua Aribau, nº..., 1º Piso, Madrid (cfr. auto de interrogatório judicial de fls. 155 e ss.).
Contudo, como resulta da informação veiculada através da Interpol a verdadeira identidade do arguido que se identificou como AA é AA - identidade posteriormente confirmada pelo próprio em auto de interrogatório de arguido. (cfr. Fax da Interpol e auto de interrogatório de fls. 155 e ss.).
E o arguido CC chama-se CC, identidade posteriormente confirmada pelo próprio em auto de interrogatório de arguido e como também resulta da informação prestada pela Interpol ( cfr. Fax da Interpol e auto de interrogatório de fls. 155 e ss )
Resulta, assim, do exposto que os arguidos AA e CC não responderam com verdade à Mmª Juíza de instrução criminal quanto às suas identificações.
Os arguidos AA, CC e EE actuaram de acordo com um plano previamente elaborado e em conjugação de esforços para ler, apagar, gravar e regravar os elementos das bandas magnéticas dos cartões de crédito que utilizaram e que lhes foram apreendidos, entreajudando-se e utilizando o leitor-gravador de bandas magnéticas e o computador apreendidos para forjarem os referidos cartões de crédito e efectuarem levantamentos e pagamentos em terminais electrónicos de pagamento (POS`S) de quantias monetárias de valor elevado, obtendo um enriquecimento a que sabiam não ter direito à custa do correspondente prejuízo patrimonial da UNICRE - Cartão .... , S.A.
Os arguidos HH, AA, CC e EE tinham conhecimento de que os cartões de crédito utilizados e apreendidos tinham sido manipulados fora dos circuitos legalmente autorizados para os produzir e lançar em circulação.
Estavam, por isso cientes que não lhes era permitido usar os ditos cartões como meio de pagamento.
Os arguidos AA, CC e EE sabiam que devido às semelhanças com os cartões de crédito não forjados, os adulterados que possuíam estavam aptos a ser tomados como bons pela generalidade das pessoas e, por isso, decidiram utilizá-los ou permitir que fossem utilizados para pagar bens e serviços.
O arguido HH actuou sempre com a intenção de ajudar os arguidos AA, CC e EE a concretizarem os seus intentos.
Todos os arguidos tinham perfeita consciência de que com as descritas condutas causavam um elevado prejuízo patrimonial à UNICRE - Cartão ...., S.A.
Os arguidos AA e CC sabiam perfeitamente que os documentos de identificação de que eram portadores e que exibiram no Casino e à Polícia não lhes foram legitimamente atribuídos pelas respectivas entidades oficiais e que não reproduziam com verdade aquilo que se destinam a comprovar.
E tinham perfeito conhecimento de que os documentos de identificação são emitidos pelos organismos oficiais competentes, fazem fé pública e são objecto de tutela por parte do Estado.
Pelo que, ao agirem da forma descrita, visaram prejudicar o interesse público na credibilidade dos documentos das entidades oficiais.
Os arguidos AA e CC, apesar de estarem conscientes de que tinham de responder com verdade às perguntas feitas pela Mmª Juíza de instrução sobre a sua identidade e os seus antecedentes criminais, sob pena de incorrerem em responsabilidade criminal, faltaram à verdade, identificando-se com nomes e demais elementos de identificação alheios, com prejuízo para o bom funcionamento da Justiça.
Os arguidos HH, AA, CC e EE agiram de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
Sabiam ainda que actuavam sem o consentimento e contra a vontade dos legítimos titulares dos cartões de crédito e da Unicre - Cartão .... S. A.
Os quatro primeiros arguidos acima identificados agiram ainda sempre dentro do mesmo quadro volitivo e solicitação exterior.
Os arguidos HH e CC são de modesta condição económica e social.
O arguido HH veio para Portugal com o objectivo de procurar emprego. Completou o equivalente ao 12º ano, e na Roménia trabalhava numa fábrica de vidros auferindo 100 € por mês
O arguido AA completou o equivalente ao 11º ano, tem a seu cargo dois filhos; na Roménia era comerciante de produtos alimentares.
O arguido CC tem a 4ª classe, na Roménia era vendedor de carnes e tem a seu cargo a mulher e dois filhos de menor idade.
O arguido II tem a 4ª classe, não tem antecedentes criminais, esteve 14 anos emigrado em França, tem a seu cargo a mulher e um filho estudante, e tem como rendimentos uma pensão de reforma e os rendimentos das economias que juntou.
A Unicre representa em Portugal os sistemas internacionais de pagamento por cartão de crédito "VISA" e "MASTERCARD".
Nessa qualidade e a pedido das pessoas interessadas, procede à emissão daqueles cartões e à gestão dos pagamentos com eles efectuados em Portugal.
Também nessa qualidade, a Unicre celebra com os diversos comerciantes contratos para aceitação daqueles cartões em pagamento das mercadorias que vendem e/ou dos serviços que prestam.
Para tanto, a pedido dos comerciantes, a Unicre instala nos estabelecimentos as máquinas necessárias à utilização e manuseamento dos cartões, designadas por POS. Apresentado um cartão em pagamento, o comerciante acciona o POS e pede autorização à UNICRE para efectivação desse pagamento; a Unicre, na convicção que os cartões estão a ser utilizados pelos respectivos titulares e, não estando esgotado o plafond de crédito, autoriza a transacção, deduzindo uma comissão previamente acordada e debita a conta do titular.
Todos os movimentos a débito e a crédito, por utilização daqueles cartões se processam informaticamente.
Na forma acima descrita, os arguidos AA, CC e EE, adquiriram os bens e/ou serviços acima referidos, os quais, a UNICRE, na convicção de que se tratava da utilização de cartões verdadeiros, pagou aos comerciantes respectivos, no valor total de 8.557,42 €, quantia de que se encontra despojada.

5. O magistrado recorrente circunscreve o recurso à questão da unidade ou pluralidade de infracções no que respeita aos crimes p. e p. nos artigos 265º e 267º e 217º do Código Penal.
A problemática relativa ao concurso de crimes (unidade e pluralidade ide infracções), das mais complexas na teoria geral do direito penal, tem no artigo 30º do Código Penal a indicação de um princípio geral de solução: o número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente.
O critério determinante do concurso é, assim, no plano da indicação legislativa, o que resulta da consideração dos tipos legais violados. E efectivamente violados, o que aponta decisivamente para a consagração de um critério teleológico referido ao bem jurídico.
A indicação da lei acolhe, pois, as construções teoréticas e as categorias dogmáticas que, sucessivamente elaboradas, se acolhem nas noções de concurso real e concurso ideal. Há concurso real quando o agente pratica vários actos que preenchem autonomamente vários crimes ou várias vezes o mesmo crime (pluralidade de acções), e concurso ideal quando através de uma mesma acção se violam várias normas penais ou a mesma norma repetidas vezes (unidade de acção).
O critério teleológico que a lei acolhe no tratamento do concurso de crimes, condensado na referência a crimes «efectivamente cometidos», é adequado a delimitar os casos de concurso efectivo (pluralidade de crimes através de uma mesma acção ou de várias acções) das situações em que, não obstante a pluralidade de tipos de crime eventualmente preenchidos, não existe efectivo concurso de crimes (os casos de concurso aparente e de crime continuado).
Ao lado das espécies de concurso próprio (ideal ou real) há, com efeito, casos em que as leis penais concorrem só na aparência, excluindo uma as outras. A ideia fundamental comum a este grupo de situações é a de que o conteúdo do injusto de uma acção pode determinar-se exaustivamente apenas por uma das leis penais que podem entrar em consideração - concurso impróprio, aparente ou unidade de lei.
A determinação dos casos de concurso aparente faz-se, de acordo com as definições maioritárias, segunda regras de especialidade, subsidiariedade ou consunção.
Especialmente difícil na sua caracterização é a consunção. Diz-se que há consunção quando o conteúdo de injusto de uma acção típica abrange, incluindo-o, outro tipo de modo que, de um ponto de vista jurídico, expressa de forma exaustiva o desvalor (cfr. v. g. H. H. JESCHECK e THOMAS WEIGEND, "Tratado de Derecho Penal", 5ª edição, p. 788 e ss.).
A razão teleológica para determinar as normas efectivamente violadas ou os crimes efectivamente cometidos, só pode, pois, encontrar-se na referência a bens jurídicos que sejam efectivamente violados. O critério do bem jurídico como referente da natureza efectiva da violação plural é, pois, essencial.

6. O critério operativo de distinção entre categorias, que permite determinar se em casos de pluralidade de acções ou pluralidade de tipos realizados existe, efectivamente, unidade ou pluralidade de crimes, id. est, concurso legal ou aparente ou real ou ideal, reverte ao bem jurídico e à concreta definição que esteja subjacente relativamente a cada tipo de crime. Ao critério de bem jurídico têm de ser referidas as soluções a encontrar no plano da teoria geral do crime, sendo a matriz de toda a elaboração dogmática.
Nos crimes de moeda falsa (artigos 262º a 266º, e também, pela sua própria natureza e pelo lugar sistemático e expressa equiparação, o crime do artigo 267º do Código Penal), o bem jurídico que lhes está subjacente tem sido demarcado, isolada ou cumulativamente, em redor de dois vectores essenciais: a "confiança ou fé pública da moeda" e a "segurança e a funcionalidade (operacionalidade) do tráfego monetário", valores identificados, na doutrina, por várias referências que traduzem uma centralidade comum: "confiança ou fé pública na moeda"; "confiança do público na segurança e na funcionalidade do tráfego monetário"; "segurança e autenticidade do tráfego monetário e da confiança pública neste"; "segurança e credibilidade do tráfego monetário; "segurança e funcionalidade do tráfego monetário nacional e internacional". Entre nós, e e sobretudo por influência de BELEZA DOS SANTOS, generalizou-se a recondução do bem jurídico à "confiança ou fé publica na moeda". (cfr. A. M. ALMEIDA COSTA, "Comentário Conimbricense ao Código Penal", Parte Especial, Tomo II, pág. 748-749).
A confiança e a fé pública da moeda e a funcionalidade do tráfego monetário não constituem, porém, valores ou realidades independentes, mas antes «facetas de um mesmo fenómeno que mutuamente se interpenetram e condicionam: se a confiança na moeda leva pressuposto o bom funcionamento do tráfego monetário, pode dizer-se, por outro lado, que o último só se afigura possível quando se verifique (e, nessa medida leva implicada) a confiança do público em geral na moeda» (cfr. idem, ibidem). As formulações referidas reflectem apenas diferentes perspectivas de uma mesma realidade, expressando uma mesma concepção sobre o bem jurídico protegido nos crimes de moeda falsa.
Em outra perspectiva de elaboração doutrinal, o núcleo de protecção dos crimes de moeda falsa, mais adequado para a correspondente elaboração dogmática, estará na "pureza e autenticidade do sistema monetário", isto é, na «integridade ou intangibilidade do sistema monetário legal, em si mesmo considerado, enquanto instrumento indispensável para a subsistência e o desenvolvimento das colectividades modernas».
«Tal como se encontram estruturadas as sociedades contemporâneas - refere A. M. ALMEIDA COSTA, loc. cit. - o sistema monetário constitui o veículo ou corpus, i. e, o "meio ambiente" em que se realizam, consolidam e medem importantes interesses da vida individual e colectiva, [...], desde o funcionamento da economia [...] até às pequenas e grandes transacções comerciais e à mera constituição de patrimónios privados». A tutela do sistema monetário representa, não um fim, mas um meio ou instrumento de protecção mediata, uma «guarda avançada» em relação a outros bens jurídicos fundamentais, seja o património, a regularidade e a segurança da actividade económica e das transacções e até a autonomia intencional do Estado.
A protecção da confiança e da integridade do sistema monetário justifica-se numa função de tutela instrumental, mediata e antecipada de outros bens jurídicos, sendo essencial à regularidade do funcionamento da economia, das transacções e das relações sociais que dependem da confiança na função e nas finalidades da moeda legal. O sistema monetário legal representa, assim, «um "entreposto" ou guarda avançada [...] consubstanciando aquilo que, com propriedade, poderia designar-se de "bem jurídico instrumental" ou, até, "bem jurídico de perigo"» (cfr., idem, pág. 750).
A integridade ou intangibilidade do sistema monetário, como bem jurídico protegido nos crimes de moeda falsa, suporta, pois, antecipada e mediatamente, aqueles outros valores de relevância social essencial, que estão verdadeiramente numa relação de implicação ou inerência com a protecção da moeda e a sua função económica e legal, de tal sorte que a protecção da integridade desta é condição necessária de afirmação e protecção daqueles.
O bem jurídico protegido, instrumental ou de "de perigo", apresenta-se como um bem jurídico de protecção de largo espectro, de suporte mediato a toda uma série de bens jurídicos e valores implicados nas relações cuja protecção depende, também ou essencialmente, da confiança e da integridade da moeda.

7. A definição do bem jurídico nos crimes de moeda falsa e a densificação do seu espaço nos limites do perigo e da protecção avançada, instrumental ou mediata para outros bens essenciais à vida de relação, constitui o pressuposto necessário para a elaboração imposta pela solução dos casos em que a confluência de espaços de protecção imponha a intervenção de critérios adequados de qualificação.
A confluência dos espaços de protecção pode ocorrer, como o caso presente revela pelas posições divergentes assumidas, perante as descrições típicas de colocação em circulação de moeda falsa ou actividade equiparada (artigo 267º do Código Penal) e de burla (artigo 217º do Código Penal).
A este respeito, a jurisprudência deste Supremo Tribunal tem-se dividido por duas posições, que se reconduzem à consideração da confluência nos quadros do concurso real ou de um concurso legal ou aparente segundo as regras da consunção.
No sentido de que se verifica uma situação de concurso aparente decidiram, v. g. os acórdãos de 25/6/86, no BMJ 358, p. 267, e de 30/10/96, proc. 733/96.
Diversamente, decidiram que existe concurso real entre os crimes de passagem de moeda falsa e burla os acórdãos de 11/10/83, no BMJ, 330, p. 385; de 9/10/96, proc. 48369 e de 14/3/2002, na CJ (STJ), Ano X, Tomo I, p. 229.
À escolha da solução têm de presidir critérios objectivos modelados nas construções dogmáticas, mas que hão-de ter por fundamento as opções legais, tanto na definição das regras do concurso de crimes (artigo 30º do Código Penal), como nas descrições típicas dos crimes em conjunção.
O critério da efectividade do concurso de crimes ("crimes efectivamente cometidos") do artigo 30º do Código Penal é, como se referiu, um critério teleológico, remetendo essencialmente ao critério do bem jurídico protegido em cada crime, do seu sentido e alcance.
Como os tipos legais de crime protegem bens jurídicos, a confluência ou a pluralidade de protecção tem de revelar-se decisiva para reduzir a (aparente) pluralidade à (efectiva) unidade, sem o que seria afectado o princípio da proibição da dupla valoração.
Nos crimes de moeda falsa (e equiparados pela lei - artigo 267º do Código Penal) a colocação em circulação, ou o uso de moeda (ou de títulos e instrumentos expressamente equiparados) na sua função normal, jurídica, económica e de relação, e social, tem como consequência adequada a entrada da moeda na disponibilidade de facto de outra pessoa que a recebe na convicção errónea de que é verdadeira.
Todavia, na normalidade das situações, tanto a análise da factualidade típica, como, sobretudo, a consideração do critério teleológico, apontam para a existência de um concurso legal ou aparente (consunção) entre o colocação de moeda em circulação e a burla.
Começando pela factualidade típica da burla (artigo 217º do Código Penal), o núcleo da descrição, que consiste no artifício para o engano («erro ou engano sobre factos astuciosamente provocado»), supõe, pela sua própria natureza, uma actuação directamente dirigida ao burlado, consistente em actos que, enganosos e realizados de um modo especificamente dirigido, sejam aptos ou adequados a provocar o engano e a disposição patrimonial consequente. A acção típica na burla não pode bastar-se com actuações e comportamentos na aparência externa normais nas relações, sem um quid específico determinante, externo, que possa criar, astuciosamente, o erro ou engano sobre factos.
Este quid específico - acção típica inter-individual, mesmo quando consista numa falsificação, autónoma e direccionada, que, por si e em si, possa construir e produzir um engano sobre factos - não se verifica, logo ao nível da factualidade típica, nos casos de circulação de moeda falsa ou do uso de títulos juridicamente equiparados, como sejam os cartões de crédito a que se refere o artigo 267º do Código Penal e que estão em causa no caso sob apreciação.
Com efeito, na actuação dos arguidos a que se refere o recurso do Ministério Público, não se salienta, em termos factuais típicos, nada que seja de substancialmente diverso do uso de cartão de crédito na normalidade das relações sociais e das transacções associadas em que o cartão seja utilizado como meio de pagamento. A apresentação dos cartões para a pagamento de despesas realizadas não revela qualquer adjunção de uma actuação específica dos arguidos no sentido de convencerem outrem da validade e genuinidade de tais cartões; as transacções e os pagamentos ocorreram geralmente como ocorrem segundo os costumes e as práticas do comércio, confiando quem aceita o cartão para pagamento na integridade e na fiabilidade da garantia associadas ao referido meio de pagamento.
Por isso, subjacente à aceitação dos cartões como meio de pagamento está, apenas, a confiança que os usos do comércio lhe associam como equivalente, legal e funcional, de moeda, ou seja, a consideração do valor de confiança e integridade no sistema monetário e dos diversos meios de pagamento equiparados.
Sendo que, no caso, e ao contrário do que seria no crime de burla, não existe relação directa entre os arguidos e a entidade efectivamente prejudicada.
Mas, sendo assim, então o critério teleológico aponta no sentido de que a incriminação da colocação em circulação de moeda falsa (ou de títulos ou instrumentos funcionais equiparados) esgota o conteúdo da tutela penal relativamente a todos os outros bens jurídicos que estão pressupostos, a jusante, na função da moeda (guarda avançada ou protecção de largo espectro), desde logo o património sempre que a sua ofensa decorra, e nessa medida se compreenda, da entrada em circulação da moeda contrafeita no tráfico corrente - é, nas qualificações conceptuais, uma situação de consunção pura.
Existe, em tais situações, um espaço de confluências de protecção e uma relação material entre as teleologias ou conteúdos de protecção de tipos penais, com sobreposição das esferas de tutela, em que actuará aquela que define o conteúdo e o núcleo de protecção penal intensificada (cfr. A. M. ALMEIDA COSTA, loc. cit, pág. 787-788 e 814-815).
Nesta conformidade, o acórdão recorrido, que trata adequadamente a questão problemática, acolheu-se no critério de distinção referente ao bem jurídico protegido, seu sentido e alcance, e encontrou a solução que resulta da ponderação consequente das categorias dogmáticas com que trabalhou.

8. Nestes termos, nega-se provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
Não é devida taxa de justiça.

Lisboa, 13 de Outubro de 2004
Henriques Gaspar (relator)
Antunes Grancho
Silva Flor
Soreto de Barros