Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
069813
Nº Convencional: JSTJ00006812
Relator: JOAQUIM FIGUEIREDO
Descritores: INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE
ONUS DA PROVA
EXCEPTIO PLURIUM
EXCLUSIVIDADE DE RELAÇÕES SEXUAIS
UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ198306210698132
Data do Acordão: 06/21/1983
Votação: MAIORIA COM 9 VOT VENC
Referência de Publicação: DR IS 1983-06-21, PÁG. 3018 A 3020 - BMJ Nº 328 ANO 1983 PÁG. 297
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PARA PLENO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO. TIRADO ASSENTO.
Indicações Eventuais: ASSENTO DO STJ.
Área Temática: DIR CIV - DIR FAM.
Legislação Nacional: CCIV66 ARTIGO 342 N1 N2 ARTIGO 344 N1 ARTIGO 350 N2 ARTIGO 1801 ARTIGO 1848 N4 ARTIGO 1860 ARTIGO 1871 N1.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ DE 1981/05/14 IN BMJ N307 PAG276.
ACÓRDÃO STJ DE 1981/01/22 IN BMJ N303 PAG244.
ACÓRDÃO STJ DE 1978/11/16 IN BMJ N281 PAG230.
Sumário :
Na falta de uma presunção legal de paternidade, cabe ao autor, em acção de investigação, fazer a prova de que a mãe, no periodo legal da concepção, so com o investigado manteve relações sexuais.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, funcionando em plenario:

O acordão deste Tribunal de 21 de Novembro de 1979, publicado no Boletim do Ministerio da Justiça, 291-498, decidiu que nas acções de investigação de paternidade ao autor "basta provar" a ligação sexual da mãe com o investigado [...], no periodo legal da concepção, competindo ao reu a prova de que, nesse periodo, a mãe manteve relações sexuais com varios homens, por se tratar de facto impeditivo do direito em que o autor alicerça o pedido.
Em Acordão de 16 de Junho de 1981, tambem ja publicado no Boletim, 308-246, o Supremo julgou, diferentemente, que, para que a acção proceda, incumbe ao autor provar não so que o investigado copulou com a mãe do investigante no periodo legal da concepção, mas ainda que ela, "durante todo esse periodo, teve um comportamento a permitir afirmar que não manteve relações sexuais com outro homem".
Alegando que, relativamente a mesma questão fundamental de direito, os dois acordãos assentam sobre soluções opostas, o ministerio publico recorre para o tribunal pleno do de 1981, proferido na acção por ele, como representante do menor A, proposta contra B.
A 1 Secção declarou existir a oposição que serve de fundamento ao recurso (acordão a folhas 18).
O ministerio publico remata a sua alegação sobre o objecto do recurso dizendo que o conflito de jurisprudencia deve resolver-se por assento, para o qual propõe a seguinte formulação:
Em acção de investigação de paternidade, a causa de pedir e o facto juridico da procriação, que se estrutura no acto gerador da gravidez - relações sexuais de copula completa entre a mãe e o investigado no periodo legal da concepção -, não competindo ao autor a prova da exclusividade dessas relações.
No douto parecer junto a folhas 27 e seguintes, o recorrente defende o mesmo ponto de vista, desenvolvendo as razões constantes daquela alegação, mas sugerindo para o assento a lavrar uma formulação algo diferente:
Nas acções de investigação de paternidade, a causa de pedir a apenas o facto juridico da procriação, que se estrutura no acto gerador da gravidez - relações sexuais de copula completa entre a mãe e o investigado no periodo legal da concepção -, não competindo ao autor a prova de inexistencia de factos impeditivos do direito invocado.
O recorrido não alegou.
Foram colhidos os vistos de todos os juizes do Tribunal.
Ha agora que julgar o conflito, porquanto e evidente que os acordãos em referencia, baseando-se ambos nas disposições do artigo 342, ns. 1 e 2, do Codigo Civil, consagram, no dominio da mesma legislação, teses juridicas opostas, como ficou decidido a folhas 18.
Importa, antes de mais, definir com rigor a hipotese sobre que temos de pronunciar-nos.
Os Acordãos de 21 de Novembro de 1979 e 16 de Junho de 1981 foram ambos proferidos em acções oficiosas de investigação de paternidade.
Na sua primitiva redacção, o artigo 1860 do Codigo Civil estabelecia que a acção de investigação de paternidade ilegitima so era admitida nos casos que enumerava.
Mas, tratando-se de averiguação oficiosa da paternidade presumida, a acção não estava sujeita a tais limitações -
- artigo 1848, n. 4, do mesmo Codigo como os demais que vierem a citar-se.
Com o Decreto-Lei n. 496/77, de 25 de Novembro, desapareceram os pressupostos de admissibilidade da acção. A paternidade pode agora investigar-se sempre sem limitações semelhantes aquelas. Com excepção de uma delas [a da alinea d) do artigo 1860], as situações que eram pressupostos de admissibilidade da acção passaram a constituir presunções de paternidade -
- artigo 1871, n. 1, na redacção que lhe foi dada por aquele diploma.
A distinção que hoje cumpre fazer ja não e, portanto, entre acções oficiosas e não oficiosas, mas entre acções que se baseiam na existencia de uma de tais presunções e acções em que, na ausencia delas, o autor se propõe provar a filiação biologica. Nas primeiras o autor tera apenas de provar os factos em que assenta a presunção invocada, ficando dispensado de demonstrar o vinculo biologico, pois, merce da presunção, o onus da prova e invertido (artigo 344, n.
1) incumbira ao reu ilidir a presunção (artigo 350, n. 2).
Nas segundas, cabe ao autor provar aquele vinculo atraves, inclusivamente, de exames de sangue e de quaisquer outros metodos cientificamente comprovadas (artigo 1801, na sua actual redacção).
La fora, são ja correntes certos meios cientificos que permitem apurar a paternidade biologica com um muito alto grau de probabilidade. Ainda ha pouco se noticiava que um juiz norte-americano decide rapidamente as acções de investigação mediante uma serie de 3 HLA (antigeno do leucocito humano).
Não e o que, por enquanto, sucede entre nos. De maneira que se põe a questão de saber o que precisa o autor de provar, se não beneficia de uma presunção legal de paternidade: tão-so que a mãe manteve relações sexuais com o investigado no periodo legal da concepção ou ainda que ela as não manteve, nesse periodo, com qualquer outro homem? E o que nos compete decidir.
Concorda-se com o recorrente em que, nas acções de investigação de paternidade, a causa de pedir e o facto juridico da procriação. Ha muito que isso esta assente.
O autor pede o reconhecimento da paternidade com base no facto natural, com relevancia juridica, de ter sido gerado pelo investigado: existe uma relação biologica de paternidade entre aquele e este; logo, deve declarar-se que o autor e filho do investigado.
O que não pode aceitar-se e que as relações sexuais de copula entre a mãe do investigante e o pretenso pai no perido legal da concepção se equiparem ao acto gerador da gravidez. Porque este acto e um so e as copulas mantidas no periodo legal da concepção podem ter sido (são, normalmente) varias; obviamente, a mulher engravidou em resultado de um unico, concreto (embora ignorado) relacionamento sexual. A procriação pressupõe a pratica de relações sexuais, mas estas não conduzem forçosamente aquela. Sem a menor sombra de duvida: pai biologico e o homem que manteve com a mãe a copula fecundante; não pode ser outro.
Por ser assim, a paternidade real ou se determina por meios tecnicos ou so pode ter-se por demonstrada quando a mãe, durante o periodo legal da concepção, não manteve relações sexuais senão com o investigado. O simples facto de as ter mantido com este apenas autoriza concluir que o investigado pode ser o pai do investigante. Mas isso não basta, manifestamente. Se as acções de investigação de paternidade não se resolvem com certezas matematicas, tambem não podem julgar-se procedentes a partir da verificação de meras possibilidades, mais ou menos remotas; requer-se um juizo de forte probabilidade, um certo grau de certeza moral, que so a exclusividade das relações permite adquirir.
Tal exclusividade e, pois, um facto que se integra na causa de pedir - a procriação. Constitutivo, como e, do direito alegado pelo investigante, a este cabe fazer a sua prova, consoante preceitua o artigo 342, n. 1. Assim se decidiu nos mais recentes acordãos que este Supremo Tribunal proferiu sobre a materia - alem do recorrido, o de 14 de Maio de 1981 (publicado no Boletim, 307-276), com intervenção dos juizes das duas secções civeis.
Tem-se objectado que considerar-se a exclusividade das relações sexuais como elemento constitutivo do direito do autor corresponde a impedi-lo da investigação, dado tratar-se de um facto negativo, de prova impossivel ou muito dificil; e que, sendo de presumir a fidelidade da mulher, o autor não carece de provar, mas apenas de alegar, que a mãe so com o investigante manteve relações sexuais no periodo legal da concepção (artigos 349 e 350).
Salvo o devido respeito, cremos que nenhuma das objecções procede.
No Acordão deste Supremo Tribunal de 22 de Janeiro de 1981 (Boletim, 303-244), afirmou-se que a exclusividade de relações sexuais da mãe do investigante com o investigado não e um facto negativo, impeditivo do direito invocado pelo autor, mas positivo, dele constitutivo.
Positivo ou negativo, o certo e que a dificuldade da sua prova não releva. Como se diz no Acordão de 14 de Maio de 1981, com citação do de 16 de Novembro de 1978 (Boletim, 281-230), "tal prova pode resultar de um relacionamento de factos que, no escopo de determinar a filiação biologica, dado o actual estado da ciencia, o julgador pode considerar como simples juizos de probabilidade, socorrendo-se de presunções naturais".
Segundo a lição dos processualistas (v., por exemplo, Manuel Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, edição de 1979, paginas 202 e 203), não vale a maxima negativa non sunt probanda; a natural dificuldade da prova de um facto e coeficiente que não altera a repartição do onus da prova; o mais que esse coeficiente, como outros, "podem e tornar aconselhavel [...] a maxima iis difficilioris sunt probationis leviores probationes admittuntur".
Com inteira razão se tem observado que a fidelidade da mãe do investigante ao investigado não e susceptivel de provar-se com absoluta certeza; o juizo sobre a fidelidade, não podendo ser de certeza, tem de ser de mera probabilidade. Por isso, não se deve exigir demasiado (do autor) no tocante a essa prova. A demonstração da filiação biologica envolve sempre um certo risco; não se pode ir ao ponto de, para eliminar o risco, tornar praticamente inviavel qualquer acção de investigação que não se baseie na existencia de uma presunção legal de paternidade.
Presumir-se a fidelidade da mãe enquanto não for feita prova da chamada exceptio plurium concumbentium significa criar o tribunal, ao lado e para alem das previstas no artigo 1871, n. 1, uma outra presunção de paternidade.
Presunção que, como diz e demonstra o Doutor Guilherme de Oliveira (O Direito da Filiação na Jurisprudencia Recente, pagina 21), "não se integra bem no sistema legal vigente". E a qual nunca poderia aplicar-se o regime do artigo 350, que so a presunções legais (as estabelecidas pela lei, naturalmente) se refere.

Não se ve, alias, razão para do facto (conhecido) da coabitação se inferior o facto (desconhecido) da fidelidade da mulher. As maximas da experiencia não apontam claramente nesse sentido. Se ja no recuado ano de 1943, Alberto dos Reis pode escrever (no Boletim da Faculdade de Direito, volume XIX, pagina 185) que a prova da fidelidade da mãe era cada vez mais precaria e dificil,
"dadas as condições da vida social moderna", hoje, com a evolução dos costumes desde então verificada, com a proclamada libertação sexual da mulher, não parece razoavel afirmar-se que, normalmente, a mulher se liga a um so homem, e não a varios ao mesmo tempo. Trata-se, no minimo, de uma regra com cada vez mais frequentes e numerosas excepções.
Nos termos, nega-se provimento ao recurso e lavra-se o seguinte assento:
Na falta de uma presunção legal de paternidade, cabe ao autor, em acção de investigação, fazer a prova de que a mãe, no periodo legal da concepção, so com o investigado manteve relações sexuais.
Não são devidas custas.

Lisboa, 21 de Junho de 1983

Joaquim Figueiredo - Vasconcelos de Carvalho - Jose Luis Pereira - Amaral Aguiar - Santos Carvalho - Licurgo dos Santos - Santos Silveira - Dias da Fonseca - Lopes Neves - Magalhães Baião - Abel de Campos - Santos Victor - Costa Ferreira - Alves Peixoto - Moreira da Silva - Melo Franco
- Silvino Vila Nova - Castro Caseiro - Lima Cluny (vencido, tendo como certo que a causa de pedir nas acções de investigação e a procriação como consequencia das relações sexuais entre a mãe do investigante e o pretenso pai; entendo que não e ao Autor que compete fazer a prova de exclusividade de tais relações, mas ao Reu que incumbe provar a exceptio plurium.
Isto, primeiramente, porque a mãe do investigante goza de presunção natural de honestidade, no sentido de que não e mulher de mais de um homem simultaneamente; e, em segundo lugar, porque a doutrina deste assento fez recair sobre ela a prova de factos negativos, sempre extremamente dificil e por vezes quase impossivel, razão bastante para se manter a seu favor - ou do investigante - o onus da prova. Neste sentido, ver Professor Vaz Serra, in Revista Legislação e Jurisprudencia, ano 106, pagina 315). - Antero Pereira Leitão (vencido essencialmente pelas mesmas razões) - Flamino Martins (vencido essencialmente pelas razões invocadas pelo colega Cluny) - Rodrigues Bastos (vencido por identicas razões) - Miguel Caeiro (vencido pelas razões constantes dos votos antecedentes) - Anibal Aquilino Ribeiro (vencido pelas razões aduzidas nos votos que antecedem) - Corte Real (vencido pelas razões do Acordão em oposição de 21 de Novembro de 1979, Boletim, 291 - 498, por mim relatado, visto as agora apresentadas, no meu entendimento, não destruirem aquelas) - Solano Viana (vencido pelos fundamentos indicados pelo Excelentissimo Conselheiro Lima Cluny) - Quesada Pastor (vencido pelas mesmas razões) - Octavio Garcia (vencido pelas razões dos colegas Cluny e restantes vencidos) - Almeida Ribeiro (vencido pelas razões do voto do Excelentissimo Conselheiro Lima Cluny).