Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | JOÃO CAMILO | ||
Descritores: | PROVA DOCUMENTAL QUITAÇÃO | ||
Nº do Documento: | SJ20070529012916 | ||
Data do Acordão: | 05/29/2007 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA | ||
Sumário : | O art. 787º, nº 1 do Cód. Civil permite ao devedor exigir ao credor a passagem de documento de quitação comprovativo do pagamento, mas, só por si, não preenche a proibição de prova testemunhal prevista no art. 393º, nº1 do mesmo código. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: AA intentou a presente acção ordinária, no 1º Juízo do Tribunal Judicial de Fafe, contra BB, pedindo a condenação desta a pagar-lhe quantia de 22.032,98 euros, acrescida dos juros de mora à taxa legal, sobre a quantia de 21.697,71 euros, desde a distribuição e até efectivo pagamento, alegando, em síntese, que se dedica à actividade industrial de construção civil, designadamente, à construção e reparação de edifícios. No exercício daquela sua actividade celebrou com a R. um contrato de empreitada, tendo por objecto os acabamentos de uma casa de habitação, sita no lugar de ..., ..., Fafe. O custo da obra foi de 19.203,71 euros, preço previamente acordado entre A. e R. a pagar no decurso da obra até ao seu termo. No decurso da obra a R. pediu extras cujo preço total, incluindo mão de obra e materiais é de 2.494,00 euros. O A. terminou a obra em Janeiro de 2003 e a R., após vistoriá-la, aceitou-a sem reservas. A R. ainda não pagou o preço da empreitada nem dos extras, apesar de instada para o fazer. Contestando a R. veio dizer que celebrou um contrato de empreitada cujo valor global ascendeu a 19.203,71 euros, não tendo sido efectuados quaisquer “ extras “, estando englobados no referido contrato os trabalhos indicados como tal. O A. em Dezembro de 2002 abandonou a obra sem a ter concluído. Efectuou seis pagamentos parcelares em numerário, no montante global de 10.500,00 euros. Reconvencionalmente pede a compensação do crédito da R., decorrente de ter de acabar a obra no que despendeu a quantia global de 8.134,82 euros e dos danos sofridos, em indemnização que computa em 1.500,00 euros, com o crédito do A., condenando-se esse a pagar-lhe a quantia de 931,11 euros. O A. respondeu e termina pedindo que a reconvenção seja julgada improcedente. A R. treplicou e termina como na contestação. Admitida a reconvenção e dispensada a audiência preliminar, foi proferido despacho saneador, no qual se relegou para decisão final a excepção de caducidade arguida pelo A. do direito da R. em pedir indemnização ou a eliminação de quaisquer defeitos. Seleccionaram-se os factos assentes e os da base instrutória e realizou-se audiência de discussão e julgamento, tendo-se respondido aos artigos da base instrutória. Na sentença foi julgado procedente parcialmente o direito do autor e foi condenada a ré no pagamento da quantia de € 15.805,86, e, ainda, do que se liquidar em execução de sentença referente às obras extras que se discriminou, tudo acrescido de juros de mora. Desta apelaram autor e ré, tendo na Relação de Guimarães sido julgado procedente apenas a apelação da ré, sendo a quantia fixada na 1ª instância e em que a ré foi condenada reduzida a € 1.287,59. Ainda inconformado veio o autor interpor a presente revista em cujas alegações formulou conclusões que na sua parte útil referem: - A alteração da resposta dada ao quesito 13º da base instrutória efectuada no douto acórdão recorrido, na medida em que passou a considerar provado que a ré tinha pago ao A. não a importância de € 2.500,00 apurada na 1ª instância, mas sim a quantia global de € 10.500, baseada essa alteração nos depoimentos testemunhais em clara violação das regras que disciplinam a prova do cumprimento estabelecidas no art. 787º, e dos princípios e regras estabelecidas nos arts. 376º, nº 1, 393º e 395º, nº 1, todos do CC; - Isto é, aquele pagamento só através de documento escrito poderia ser comprovado, tanto mais que estava em causa o pagamento feito através de terceiro e não pela prova testemunhal resultante da audição das cassetes em sede de reapreciação da prova; - Também a Relação fez uso incorrecto do estabelecido no nº 4 do art. 712º, ao concluir pela existência de contradição entre a resposta ao quesito 1º da base instrutória e a resposta ao quesito 8º, pois a prova documental – planta do edifício junta aos autos -, não invalida nem se mostra incompatível com a circunscrição das obras a realizar pelo A. referidas a “acabamentos de uma casa de habitação” e não a “adaptação de um celeiro a habitação”, tanto mais que foi dado como provado que a ré exigiu ou pediu ao A. a realização de trabalhos extra; - O que , aliás, conduz , na esteira do entendimento perfilhado pela 1ª instância, a que só os trabalhos de electricidade tenham sido contratados e como tal o A. se encontrasse vinculado à sua realização; - Assim sendo, abatendo ao valor orçamentado para a realização das obras a importância de € 2.500 e não de € 10.500 como decidiu o douto acórdão recorrido, teremos o montante de 16.703,75 euros que a recorrida terá de pagar ao recorrente, operando-se em relação a esta quantia a compensação da importância relativa aos trabalhos de electricidade não realizados por este , ou seja, de 1.617,85 euros, pelo que na improcedência do pedido reconvencional, se deverá manter a douta sentença da 1ª instância nos seus precisos termos, daí ter a Relação feito um uso incorrecto dos poderes conferidos pelo art. 712º do CPC e violado as disposições legais substantivas acima citadas. A recorrida contra-alegou defendendo a manutenção do decidido. Corridos os vistos legais, urge apreciar e decidir. Como é sabido – arts. 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do Cód. de Proc. Civil, a que pertencerão todas as disposições a citar sem indicação de origem - , o âmbito dos recursos é delimitado pelo teor das conclusões dos recorrentes. Das conclusões do aqui recorrente se vê que o mesmo, para conhecer neste recurso levanta as seguintes questões: A) A alteração da resposta dada ao quesito 13º efectuada pelo acórdão em recurso violou o disposto nos arts. 787º, 393º, e 395º, nº 1 do Cód. Civil ? B) O acórdão recorrido fez um uso incorrecto do disposto no nº4 do art. 712º, ao concluir pela contradição entre as respostas dadas aos quesitos 1º e 8º ? Mas antes de mais há que ver a matéria de facto que a Relação deu como provada e que é a seguinte: I. O A. dedica-se à actividade industrial de construção civil, designadamente, construção e reparação de edifícios. II. O que faz com carácter habitual e fim lucrativo. (A). III…E no exercício de tal actividade celebrou com a Ré um contrato de empreitada.(B). IV. O contrato de empreitada referido em (B) tinha por objecto obras que visavam a adaptação de um celeiro a habitação, sito no lugar de .., Revelhe, nomeadamente: 1. Deitar uma placa de piso e uma de tecto; 2. Deitar um telhado; 3.Fazer divisões: uma cozinha uma casa de banho dois quartos e uma sala; 4. Efectuar caixa de ar; 5. Colocar tijoleira na casa de banho e cozinha; 6. Pintar os interiores e exteriores; 7. Rebocar e arear; 8. Trabalhos de electricista e picheleiro; (1º) V. O preço do custo da obra foi de 3.850.000$00, ou seja, 19.203,71 euros, preço esse previamente acordado entre A. e R., a pagar no decurso da obra e até ao seu termo (2º). VI. No decurso da obra, a Ré pediu e exigiu ao A. que efectuasse diversos extras, nomeadamente: - construção de uma varanda em betão armado e ferro, bem como umas escadas com dezanove degraus - construção de uma lareira em grosso na cozinha.(3º) VII. O A. já por diversas vezes instou a R. para lhe efectuar o pagamento da divida. (7º). VIII. O contrato de empreitada mencionado em (3) consistia na adaptação de um celeiro a habitação.(8º). IX. O autor em Dezembro de 2002 abandonou a obra em causa, sem a ter concluído e sem qualquer justificação para tal (12). X. A R. por conta do preço da obra, entregou ao A. seis pagamentos, sendo dois de e 2.500,00 cada um; três pagamentos de € 1.500,00, no montante global de € 10.500,00 (13º). XI. O contrato de empreitada incluía a colocação de aros de madeira nas portas e destas e incluía a colocação de piso no quarto principal da habitação ( 15 e 16). XII. E incluía a colocação de caixilharia em alumínio – portas e janelas exteriores (17 ). XIII. E incluía a colocação de piso na varanda e na escada exterior ( 18). XIV. E incluía a obra de electricidade (19). XV. E incluía a pintutra de interiores e exteriores (20). XVI. A habitação da R. foi concluída em finais de Junho de 2003. (21º) XVII. A R. para concluir a casa de habitação teve que dispensar as seguintes quantias: a) obra de carpintaria num total de 1.500,00 euros; b) obra em alumínio num total de 3.528,35 euros; c) granito que ascendeu ao total de 769,92 euros; d) obra de electricidade no total de 1.617,85 euros.(22º) XVIII. A ré despendeu a quantia global de € 7.416,12. XIX. A Ré teve de procurar outros profissionais para acabarem a obra.(25º). Vejamos agora cada uma das concretas questões acima elencadas como objecto deste recurso. A) Nesta primeira questão defende o recorrente que a alteração da matéria de facto levada a cabo pelo acórdão recorrido é ilegal por violar o disposto nos arts. 787º, 393º e 395º do Cód. Civil, por se basear em prova testemunhal. Pensamos que o recorrente não tem razão nesta pretensão. Tal como o recorrente refere, a decisão da matéria de facto não é sindicável, em regra, por este Supremo Tribunal, nos termos do art. 722º nº 2. Porém, este dispositivo ressalva a situação de prova vinculada e o caso de desconsideração do valor legal das provas. E é a primeira daquelas situações ressalvadas que o recorrente alega verificar-se aqui. Segundo o recorrente a matéria do quesito 13º da base instrutória só admite prova por documento da quitação nele referida, tendo, porém, a Relação com base na prova testemunhal alterado a decisão daquele quesito. Este tem a redacção seguinte: “A ré por conta do preço da obra, entregou ao autor seis pagamentos parcelares, sendo dois de € 2.500,00 cada um; três pagamentos de € 1.500,00 cada um e o último pagamento de € 1.000,00, no montante global de € 10.500,00 ?” A primeira instância deu a este quesito a resposta seguinte: “Provado apenas que a R. por conta do preço da obra entregou ao A. a quantia de 2.500,00 euros, em numerário.” Tal resposta teve como fundamento os documentos juntos e a prova testemunhal. No entanto, nos referidos documentos não consta qualquer recibo ou outra forma escrita de quitação dada pelo autor. A Relação alterou aquela resposta para a seguinte: “ Provado”. Como fundamento desta alteração a Relação indicou a prova testemunhal. Defende o autor que nos termos dos arts. 787º, 393º, nº 1 e 395º do Cód. Civil, a resposta àquele artigo não poderia ser fundamentada em prova testemunhal. O nº 1 do citado art. 787º, integrado subsecção de “imputação do cumprimento”, do capítulo geral de “cumprimento e não cumprimento das obrigações”, estipula que quem cumpre tem direito de exigir quitação daquele a quem a prestação é feita, devendo essa quitação constar de documento (…), se aquele que cumpre tiver nisso interesse legítimo. Daqui resulta que a quitação, em geral, não está submetida a qualquer forma especial e pode ser provada por qualquer meio de prova, nos termos do art. 219º do Cód. Civil. O art. 393º nº 1 referido impede a produção de prova testemunhal para prova de declaração negocial que por disposição da lei, ou estipulação das partes houver de ser reduzida a escrito ou necessitar de ser provada por escrito. Ora do citado art. 787º nº 1 não resulta a referida obrigatoriedade, mas tão somente um direito ou faculdade do devedor-pagador. Já assim decidiu o ac. deste Supremo de 15-11-95, in BMJ 451º, pág. 378, dizendo que a validade da declaração de quitação não depende da observância de forma especial, salvo se o devedor-pagador ou terceiro-pagador exigir documento ou reconhecimento notarial(…) Desta forma, a referida alteração da decisão da matéria de facto versa matéria probatória de apreciação livre e, por isso, se não verifica nenhuma das excepções à regra da insindicabilidade da decisão da matéria de facto prevista no nº 2 do art. 722º. Soçobra, assim, este fundamento do recurso. B) Nesta segunda questão defende o recorrente que o acórdão recorrido fez um uso incorrecto do disposto no nº 4 do art. 712º, ao considerar haver contradição entre as respostas dadas aos quesitos 1º e 8º da base instrutória. Esta questão não pode ser objecto deste recurso, pois o nº 6 do citado art. 712º - introduzido na reforma do Cód. de Proc. Civil do Dec-Lei nº 375-A/99 de 20/09 -, veda a interposição de recurso da decisão da Relação sobre a matéria de facto nos termos dos demais números do citado artigo. Pelo exposto, nega-se a revista pedida. Custas pelo recorrente. Lisboa, 29-05-2007. João Camilo ( Relator ) Fonseca Ramos Azevedo Ramos. |