Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1499/07.0TAMAI.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÂO
Relator: PIRES DA GRAÇA
Descritores: BURLA QUALIFICADA
MODO DE VIDA
CONCURSO DE INFRACÇÕES
CÚMULO JURÍDICO
PENA ÚNICA
MEDIDA CONCRETA DA PENA
SENTENÇA
FUNDAMENTAÇÃO
FÓRMULAS TABELARES
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
NULIDADE
MATÉRIA DE FACTO
SUPRIMENTO
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
ANTECEDENTES CRIMINAIS
ILICITUDE
DOLO
CULPA
IMAGEM GLOBAL DO FACTO
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO
Data do Acordão: 05/07/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO EM PARTE
Área Temática:
DIREITO PENAL - CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / PENAS / ESCOLHA E MEDIDA DA PENA / PUNIÇÃO DO CONCURSO DE CRIMES.
DIREITO PROCESSUAL PENAL - SENTENÇA - RECURSOS.
Doutrina:
- Faria Costa, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo lI, p. 70 e seguintes.
- Figueiredo Dias, Direito Penal Português -As consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, § 278, pp. 211, 246, 290-292.
- Hans-Heinrich Jescheck, Tratado de Derecho Penal, Parte General, 4ª Ed., da versão espanhola, p. 807.
- M. Miguez Garcia e J.M Castela Rio, “Código Penal”, Parte Geral e Especial, Com Notas E Comentários, de Almedina 2014, p. 927, nota 3.
- Maia Gonçalves (Código Penal Português Anotado e comentado 18ª ed, p. 295, nota 5.
- Oliveira Mendes, in “Código de Processo Penal” comentado, 2014, Almedina , p. 1183.
- Victor de Sá Pereira e Alexandre Lafayette, “Código Penal” Anotado e Comentado, Legislação Conexa e Complementar, Quid Juris, Sociedade Editora, p. 543, nota 17, p. 582, nota 3.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 379.º, N.º2, 412.º, N.ºS 1 E 2.
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 71.º, N.ºS 2 E 3, 77.º, N.ºS 1 E 2.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 27-03-2003, PROC. Nº 4408/02, DA 5ª SECÇÃO;
-DE 11-10-2006 E DE 15-11-2006, PROC. N.º 1795/06 E PROC. N.º 3268/04, DA 3.ª SECÇÃO;
-DE 15-11-2006, PROC. N.º 2555/06, 3.ª SECÇÃO;
-DE 22-11-2006, PROC. N.º 3126/96 - 3.ª SECÇÃO;
-DE 18-04-2007, PROCESSO N.º338/03.5JELSB, RECURSO Nº 5/07;
-DE 09-01-2008 IN PROC. N.º 3177/07, 3.ª SECÇÃO;
-DE 06-02-2008, IN PROC. N.º 4454/07.
Sumário :
I - Os arguidos praticaram crimes de burla, desde 2004 a 2008, de maneira a, durante todo esse tempo obterem à custa dos ofendidos bens essenciais à sua vida e de sua família, fazendo dessa sua actuação modo de vida, actuando os arguidos, sempre de forma deliberada, livre e consciente, em comunhão de esforços e desígnios, sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei. Está, assim, presente a qualificativa do crime de burla resultante da circunstância de fazerem daquele crime «modo de vida».

II - O acórdão recorrido, ao efectuar o cúmulo jurídico das penas parcelares, relativas aos diversos crimes, não elucida, porque não descreve, o raciocínio dos julgadores que orientou e decidiu a determinação da medida da pena do cúmulo, ou seja, o acórdão recorrido é omisso quanto ao dever de especial fundamentação, imposto pelo critério legal, na fixação da pena conjunta. A decisão que efectua o cúmulo jurídico de penas não se pode reconduzir à invocação de fórmulas genéricas ou conclusivas sem apoio factual de significação concreta. Tem, antes, de demonstrar a relação de proporcionalidade que existe entre a pena conjunta a aplicar e a avaliação conjunta dos factos e da personalidade.

III - Acresce que a decisão recorrida não efectuou qualquer correlato com as exigências de prevenção especial, uma vez que nada analisou sobre os efeitos previsíveis da pena sobre o comportamento futuro do condenado. Ao omitir esta avaliação o tribunal omite pronúncia sobre questão que tinha de apreciar e decidir, o que determinaria a nulidade da respectiva decisão – art. 379.º do CPP.

IV - Porém, constando da matéria de facto os elementos necessários à realização do cúmulo, pode o tribunal de recurso suprir a nulidade nos termos do n.º 2 do art. 379.º do CPP.

V - Da matéria fáctica provada, conjugada com a vida pregressa do arguido, resulta que os factos, têm a sua génese em tendência criminosa do arguido, que começando por assumir-se e repetir-se na prática de crime de emissão de cheque sem provisão – sendo condenado em penas de multa – sedimentou-se depois em crimes de burla e falsificação, sendo elevada a gravidade dos ilícitos, pela sua natureza, modo de execução e domínio abrangido (contratos de arrendamento, e de fornecimento visando benefícios em bens primários, alcançados de forma ilícita – habitação, gás, água e electricidade), a reclamar fortes exigências de prevenção geral e também especial, na dissuasão de condutas idênticas, atenta ainda a forte intensidade do dolo, e o tempo em que perdurou, tendo ainda em conta, a gravidade das consequências para os ofendidos, e a falta de preparação do arguido para manter conduta lícita.

VI - Tendo em conta ainda o limite da culpa que é intenso, os limites legais concretos da pena aplicável que se situam entre 4 anos de prisão e 16 anos e 6 meses de prisão (art. 77.º, n.º 2, do CP), o efeito previsível da pena no comportamento futuro do arguido, face às exigências de socialização, sendo que arguido tem hoje 76 anos de idade, e os factos ocorreram há já alguns anos, e valorando o ilícito global perpetrado, na ponderação conjunta dos factos e personalidade manifestada, julga-se adequada e proporcional uma pena única de 5 anos e 6 meses de prisão (em substituição da pena de 8 anos de prisão fixada na decisão recorrida).

Decisão Texto Integral:


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
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No processo comum nº 1499/07.0TAMAI do 1º Juízo Criminal da Maia, foram julgados pelo tribunal colectivo, os arguidos AA, -----, filho de ------ e de ------, natural da freguesia de ----, ----, onde nasceu a ----, e residente em ----, ---, ---, e BB, ----, filha de ---- e de ----, natural de ----, ----, onde nasceu a ---, com ultima residência conhecida na ---.

Era-lhes imputado pelo Ministério Público, conforme acusação, a prática, em co-autoria e concurso efectivo, de:
· Um crime de falsificação, p. e p. pelo art.º 256.º, n.º 1, als. a), c) e e), do C.Penal (situação descrita em I).
· Um crime de burla, p. e p. pelos art.ºs 217.º e 218º, n.º 2, al. b), do C.Penal (situação descrita em I).
· Um crime de falsificação, p. e p. pelo art.º 256.º, n.º 1, als. a), c) e e), do C.Penal (situação descrita em II).
· Um crime de burla, p. e p. pelos art.ºs. 217.º e 218º, n.º 2, al. b) (situação descrita em II).
· Um crime de falsificação, p. e p. pelo art.º 256.º, n.º 1, al. c) (situação descrita em III).
· Um crime de burla, p. e p. pelos art.ºs 217.º e 218.º, n.º 2, al. b) (situação descrita em III);

Foi deduzido pedido de indemnização civil:
- Pela ofendida CC., id. nos autos reclamando dos arguidos o pagamento da quantia de € 750,00 a titulo de danos patrimoniais e o pagamento da quantia de € 2.500,00, a titulo de danos não patrimoniais, acrescido de juros, à taxa legal, até efectivo pagamento.
- Pelo ofendido DD, pedindo a condenação dos arguidos no pagamento da quantia de € 2.000,00 a título de danos patrimoniais.
- Pelo ofendido EE., pedindo a condenação dos arguidos no pagamento da quantia de € 750,00 a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora desde a data da condenação e até efectivo e integral pagamento.
- Pelos Serviços Municipalizados da ----., reclamando dos arguidos o pagamento da quantia de € 2.946,10 a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento, e ainda um montante não inferior a € 500,00as por danos não patrimoniais que diz ter sofrido .

Realizado o julgamento, o Tribunal Colectivo proferiu acórdão em 8 de Julho de 2013, que decidiu:

I – Quanto à parte crime:
- Condenar o arguido AA na pena de 4 (quatro) anos de prisão pela prática de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos art.ºs 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 2, al. b), do C.Penal (situação descrita em I).
- Condenar o arguido AA na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão pela prática de um crime de falsificação de documentos, p. e p. pelo art.º 256.º, n.º 1, als. a), c), e e), do C.Penal (situação descrita em I).
- Condenar o arguido AA na pena de 4 (quatro) anos de prisão pela prática de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos art.ºs 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 2, al. b), do C.Penal (situação descrita em II).
- Condenar o arguido AA na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão pela prática de um crime de falsificação de documentos, p. e p. pelo art.º 256.º, n.º 1, als. a), c), e e), do C.Penal (situação descrita em II).
- Condenar o arguido AA na pena de 4 (quatro) anos de prisão pela prática de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos art.ºs 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 2, al. b), do C.Penal (situação descrita em III).
- Condenar o arguido AA na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão pela prática de um crime de falsificação de documentos, p. e p. pelo art.º 256.º, n.º 1, al. c), do C.Penal (situação descrita em III).
- Operando o cúmulo das referidas penas, condenar o arguido AA na pena única de 8 (oito) anos de prisão.

- Condenar a arguida BB na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão pela prática de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos art.ºs 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 2, al. b), do C.Penal (situação descrita em I).
- Condenar a arguida BB na pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão pela prática de um crime de falsificação de documentos, p. e p. pelo art.º 256.º, n.º 1, als. a), c), e e), do C.Penal (situação descrita em I).
- Condenar a arguida BB na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão pela prática de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos art.ºs 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 2, al. b), do C.Penal (situação descrita em II).
- Condenar a arguida BB na pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão pela prática de um crime de falsificação de documentos, p. e p. pelo art.º 256.º, n.º 1, als. a), c), e e), do C.Penal (situação descrita em II).
- Condenar a arguida BB na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão pela prática de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos art.ºs 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 2, al. b), do C.Penal (situação descrita em III).
- Condenar a arguida BB na pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão pela prática de um crime de falsificação de documentos, p. e p. pelo art.º 256.º, n.º 1, als. a), c), e e), do C.Penal (situação descrita em IIII).
- Operando o cúmulo das referidas penas, condenar a arguida BB na pena única de pena única de 7 (sete) anos de prisão.

II– Quanto à parte cível:
Julgar integralmente procedente por integralmente provado o pedido de indemnização civil formulado pela ofendida CC e, consequentemente:
- Condenar os arguidos AA e BB a pagar à ofendida a quantia de € 750,00, a título de danos patrimoniais, e a quantia de € 2.500,00, a titulo de danos não patrimoniais, tudo acrescido de juros de mora calculados, à taxa legal, desde a data da notificação do pedido e até integral pagamento.

Julgar parcialmente procedente por parcialmente provado o pedido de indemnização civil formulado pelo ofendido DD e, consequentemente:
- Condenar os arguidos AA e BB a pagar ao ofendido a quantia de € 779,56, a título de danos patrimoniais.

Julgar improcedente por não provado o pedido de indemnização civil formulado pelo ofendido EE e, consequentemente, absolver os arguidos AA e BB do pedido contra eles formulado.

Julgar parcialmente procedente por parcialmente provado o pedido de indemnização civil formulado pelo ofendido SERVIÇOS MUNICIPALIZADOS DA ... e, consequentemente:
- Condenar os arguidos AA e BB a pagar ao ofendido a quantia de € 1.500,00, a título de danos patrimoniais, quantia acrescida de juros de mora calculados à taxa legal desde a notificação do pedido e até integral pagamento.
*
Custas na parte crime a cargo dos arguidos AA e BB, com 5 UC de taxa de justiça, e do assistente, com 5 UC de taxa de justiça (art.ºs 513.º, 515.º e 516.º, n.º 1, al. a), do C.P.P., 1º, 2º, 3º, 8º, nº 5, do Reg. das Custas Processuais, e Tabelas III e IV anexas ao mesmo).
Custas na parte civil, quanto ao pedido formulado pela ofendida FF, a cargo dos arguidos AA e BB, na proporção do decaimento quanto aos pedidos formulados pelos ofendidos DD e Serviços Municipalizados da ---, e a cargo do ofendido EE quando ao pedido por ele formulado.
*
Remetam-se Boletins.
Notifique e proceda ao depósito.”
-
Inconformados recorreram os arguidos para o Tribunal da Relação do Porto, mas por despacho de 16 de Janeiro de 2014, não foi admitido o recurso da arguida BB, “por extemporâneo”, e foi admitido o recurso interposto pelo arguido AA, a ser apreciado por este Supremo.

“ O arguido termina a motivação do recurso, com as seguintes conclusões:
I. O presente recurso tem como objeto a matéria de direito do acórdão proferido nos presentes autos, a qual condenou o arguido na pena única de 8 (oito) anos de prisão, pela prática de três crimes de burla qualificada e três crimes de falsificação de documento, p. e p. pelos artigos 217°, n.º 1, 218°, n.º 1, 256.° n.º 1 al.. a), c), d), e) e f) e nº 3 do Código Penal.
II. - O Tribunal a quo deu, como provados os factos que constam no Douto Acórdão e que aqui se dão por reproduzidos para todos os efeitos legais.
III -. A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
IV. A medida da pena há-de ser dada pela medida da necessidade de tutela de bens jurídicos face ao caso concreto, sendo a prevenção especial de socialização que a vai determinar em último termo. - Ac. STJ, de 25 de Maio de 1995, Proc. 47386/3a•
v. Não foi atendido de que apesar da moldura penal o possibilitar, a culpa do arguido foi ultrapassada ao ser aplicada esta pena em concreto,
VI. Não foi levado em conta a circunstância de todos os ilícitos terem sido praticados num curto espaço de tempo.
VII. Não foi tido em consideração o facto de nesta data ter 75 ANOS de idade.
VIII. Não foi consideração na pena aplicada a sua baixa instrução.
IX. Não foi levada em conta a sua condição económica.
X. Não foi, portanto, feita uma correta interpretação e aplicação do disposto no n.º 1 e n.º 2 do art.º 40 e no artigo 71º n.º 2 alíneas a) e d) ambos do C.P. o que levaria à aplicação de uma pena inferior à aplicada.
XI. Sendo que ao arguido não seria de enjeitar condenação em pena suspensa.
XII Mas, mesmo que assim não se entendesse e fosse aplicada pena de prisão efetiva, nunca 8 anos de prisão lhe deveriam ser sentenciados.
XIII. Aplicando - se pena de prisão efetiva~ esta nunca deverá ser superior a 3 anos.
Termos em que requer
Seja a pena de prisão reduzida a três anos de prisão ordenando-se a sua suspensão na execução.
Sem prescindir,
Seja a pena de prisão efetiva reduzida para três anos.

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Respondeu o Ministério Público à motivação do recurso, apresentando as seguintes conclusões:
1- O presente recurso tem como objeto o acórdão de fls.1345 a 1389 que condenou, além mais, o arguido AA, ora recorrente, pela prática de três crimes de burla qualificada, previstos e punidos pelos artigos 217º, nº1 e 218º, nº2, alínea b), do Código Penal e ainda três crimes de falsificação de documento, previstos e punidos pelo artigo 256º, nº1, alíneas a), c) e e), do Código Penal, na pena única de oito anos de prisão.
2- Face às conclusões da motivação de recurso, o recorrente pretende apenas impugnar a pena única de oito anos de prisão em que foi condenado e que, segundo ele, deveria ser reduzida para três anos e suspensa na sua execução.
3- Considerando a especial gravidade dos factos, a personalidade do arguido traduzida, além do mais, na falta de confissão, ausência de arrependimento e pedido de desculpas às pessoas cujas assinaturas foram falsificadas e cujos documentos foram abusivamente utilizados, bem como a ausência de reparação dos prejuízos causados e ainda aos seus antecedentes criminais, parecem-nos completamente justas, adequadas e proporcionais as penas parcelares e a pena única em que o arguido foi condenado, as quais deverão ser mantidas, na íntegra.
4- A manter-se a condenação do arguido, ora recorrente, na pena única de oito anos de prisão, não se verifica, desde logo, o pressuposto formal do instituto da suspensão concretizado na pena não poder ser superior a cinco anos de prisão (cfr. artigo 50º, nº1, do Código Penal).
5- Mesmo que a pena única seja reduzida a cinco anos ou menos, o que apenas se concede por mera hipótese teórica, sempre seria de afastar a aplicação do referido instituto da suspensão face às circunstâncias acima referidas, as quais não permitem formular um juízo de prognose favorável relativamente ao arguido no sentido de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
6- Tanto as penas parcelares como a pena única em que o arguido foi condenado são completamente justas, adequadas e proporcionais, atendendo às circunstâncias enunciadas no acórdão recorrido e aos critérios previstos nos artigos 40º, 70º e 71º, do Código Penal e 18º, nº2, da Constituição da República Portuguesa.

Nestes termos, julgamos que o recurso não merece provimento e, em consequência, deverá ser mantido, na íntegra, o douto acórdão recorrido, ou seja, a condenação do arguido, ora recorrente, AA na pena única de oito anos de prisão.
Porém, V. Exas., como sempre, farão a costumada
JUSTIÇA

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Neste Supremo, a Digma Magistrada do Ministério Público emitiu douto Parecer onde assinala:
“1- Questão prévia que, segundo nos parece, deverá ser conhecida oficiosamente.
O acórdão recorrido condena o arguido AA e a co-arguida BB pela co-autoria de três crimes de burla por ter sido considerada que a matéria de facto enquadrava a sua qualificação porque os arguidos fizeram “da burla modo de vida” ao terem obtido desde 2004 a 2008 bens essenciais à sua vida e da sua família.
1.1 Embora este enquadramento seja conseguido através da interpretação do defendido doutrinalmente pelo Prof. Faria Costa no Comentário Conimbricense, sobre o fazer do furto modo de vida quando pretende defender que “as pessoas tendem a fazer várias coisas ao mesmo tempo, …e tendo uma vida normal, podem não se dedicar exclusivamente ao furto … e mesmo assim, poder considerar-se que a serie de furtos que pratica seja factor determinante para que … faça também modo de vida”.
Previamente, no entanto, o Prof. Faria Costa também defende no § 42 que a prática de furtos (aplicável à burla) numa série mínima só se apreenderá quando as envolvermos em uma intencionalidade que possa dar substância, em termos de apreciação pelo comum dos cidadãos, o modo de vida.
Seguindo o mesmo Professor, mas a fls. 71 do mesmo Comentário então parece-nos que eventualmente se poderiam enquadrar os factos na habitualidade e não no modo de vida, porque apenas têm um elemento em comum uma serie reiterada de modelos de comportamentos… sendo as representações sociais radicalmente diversas pois para a habitualidade basta uma forma de conduta reiterada, embora no caso concreto sem perigosidade, atendendo aos valores atingidos em 4 anos.
1.2 Também não podemos deixar de invocar o mesmo Comentário Conimbricense, nas anotações ao crime de burla qualificada de Almeida Costa quando sublinha dois aspetos quanto às circunstâncias qualificativas que coincidem com as consagradas no crime de furto do artº 204º, um dos quais de interesse no presente crime de burla – a incongruência manifesta da lei porque a circunstância de o agente fazer do crime “modo de vida” ou eventualidade da vitima ficar em “difícil situação económica”, no furto a pena de prisão vai até 5 anos ou multa até seiscentos dias (als. h) e i), nº 1 do artº 204º) e na burla passa a uma pena de 2 a 8 anos de prisão.
1.3 Por tudo isto e sendo o modo de vida a maneirapela qual quer que seja consegue os proventos necessários à própria vida em comunidade, quanto a nós as quantias monetárias que as vítimas arrendatárias sofreram – duas 750 €, e uma 2.000 € e os montantes não pagos de água, luz e eletricidade, não se poderão considerar uma forma do arguido AA obter os proventos necessários à vida em sociedade, nem que o arguido fez da burla o modo de vida.

Por todas estas circunstâncias os crimes de burla cometidos pelo arguido, segundos cremos, não poderão ser qualificados nem pelo disposto no nº 1, nem pelo disposto no nº 2 b) do artº 218º do CP, devendo por isso ser reconhecido este enquadramento jurídico e o arguido ser condenado apenas pelo disposto no artº 217º, nº 1 do C. Penal.
E se esta questão levantada vier a ser conhecida e decidida neste sentido então a co-arguida BB terá de aproveitar o recurso segundo o disposto no artº 402º nº 2 a) do CPP e a mesma ser condenada por co-autora do crime de burla p. e p. pelo nº 1 do artº 217º do CP e por isso serem-lhe diminuídas as penas que não poderão, segundo nos parece ser superiores a 2 anos de prisão.

2- A medida da pena por autoria do crime de burla qualificada dos artºs 217º e 218º nº 1 e 2 al. b) teria de ser encontrado entre os 2 e os 8 anos de prisão se se mantiver o crime qualificado ou/e pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa se vier a ser condenado pelo crime de burla simples; e a de falsificação de documento do artº 256º nº 1, prisão até 3 anos ou pena de multa.
O acórdão condenatório recorrido estabeleceu as três penas de 4 anos de prisão e de 1 ano e 6 meses de prisão invocando os critérios do artº 71º nº 1 e 2 do C.P., através da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça e da doutrina
2.1 Todas estas medidas das penas ficaram estabelecidas a meio da moldura penal aplicável mas ainda que seja mantida a qualificação parece-nos também ser excessiva devido à culpa, ao grau não muito elevado do ilícito, da relativa gravidade das consequências, da idade do arguido e da sua situação económica que não terão sido completamente avaliadas.
2.2 A determinação da medida da pena, nos termos do artº 71º, nº 1, do Código Penal “far-se-á em função da culpa do agente, tendo ainda em conta as exigências de prevenção de futuros crimes”, mas dentro dos limites definidos na lei.
Existe, um critério legal para a determinação da pena que se baseia na culpa e na prevenção, graduando-se com as circunstâncias atenuantes e agravantes.
A questão da medida correcta da pena tem a ver com a problemática dos fins das penas, muito debatido na doutrina.
Se por um lado a pena é uma reacção prática que, no dizer de Anabela Rodrigues (in a Determinação da Medida da Preventiva de Liberdade, fls. 151):
é o meio mais enérgico ao dispor do poder instituído para assegurar a convivência pacífica dos cidadãos em sociedade, mas é simultaneamente o que toca de mais perto a sua libertação, segurança e dignidade”.
Os direitos, liberdades e garantias estão constitucionalmente previstos e por isso as suas restrições estão limitadas necessariamente à salvaguarda e de outros direitos e interesses igualmente protegidos (artº 18º nº 2 da Constituição)
E segundo Figueiredo Dias (As consequências do crime, 277 e ss) e a doutrina, “as finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela dos bens jurídicos e, na medida do possível, na reinserção social do agente na comunidade – em concreto a pena terá como limite superior a medida óptima de tutela dos bens jurídicos com atenção às normas comunitárias, e como limite inferior o “quantum” abaixo do qual já não é comunitariamente suportável fixação da pena sem pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar” (Ac. STJ de 8/10/2011).
2.3A pena a encontrar para o arguido AA, tem de ter em conta a prevenção geral quando se deve atender ao sentimento comunitário mas já quanto a prevenção especial haverá que ter em atenção que o arguido, nasceu em ..., atualmente com ... anos de idade e por isso a “neutralização – afastamento” no cometimento deste tipo de crimes já se mostra minimizado para tentar agora moldar a sua personalidade, embora as condenações anteriores por outro tipo de crime, essencialmente emissão de cheque sem provisão de 1996 a 2003, depois de deixar --- e constituir uma empresa na ---.
2.3.1 Assim a pena por autoria dos crimes de burla p. no art.217º nº1 poderiam ficar fixados entre 1 ano e 6 meses e os 2 anos, bem como a medida da pena pelos crimes de falsificação de documentos que não tiveram todos a mesma gravidade que poderiam ficar mais próximos de 1 ano de prisão.
A medida das penas de burla qualificada – 4 anos de prisão, pelas razões já atrás referidas, também não deverão ser mantidas, podendo vir a situar-se próximo dos 3 anos de prisão.
3- Como na determinação concreta correspondente ao concurso dos três crimes de burla qualificada ou” simples” e aos três crimes de falsificação de documento deverão ser levados em conta, em conjunto com os factos e a personalidade do arguido, parece-nos que a medida da pena única também não poderá ser alterada quaisquer que sejam as penas parcelares fixadas.
3.1 E a pena única aplicável teria de ser encontrada eventualmente entre a pena máxima aplicada (próxima dos 2 anos de prisão) e a soma de todas as penas de prisão que não deverá chegar aos 10 anos, podendo ficar próxima dos três anos e 9 meses como o arguido defende.
3.2 Porém se fôr mantida a qualificação dos crimes de burla, também a pena única poderá/deverá ser alterada de acordo com as penas parcelares podendo ficar próxima dos 5 anos de prisão.
Assim parece-nos que préviamente deverá ser conhecida a questão prévia sobre a qualificação dos crimes de burla resultante da matéria de facto provada, o que se poderá repercutir na co-arguida BB (artºs 217º nº 1 do CP e 402º nº 2 a) CPP) e depois o recurso do arguido AA que poderá obter provimento quanto às medidas das penas parcelares e única a que foi condenado (artºs 71º nºs 1 e 2 e 77 do CP).”
-
Cumpriu-se o disposto no artº 417º nº 2 do CPP
-
Não tendo sido requerida audiência, seguiu o processo para conferencia, após os vistos legais

Consta do acórdão recorrido_
**
2. Fundamentação.
2.1. Matéria de facto provada.
Da discussão da causa, resultaram provados os seguintes factos:
I
1. Em data não apurada, anterior a Novembro de 2004, os arguidos, na altura a viverem em união de facto, decidiram passar a abastecer a residência que habitassem com água, electricidade e gás, sem pagar tais bens.
2. Para concretização desse desígnio, os arguidos resolveram forjar contratos de arrendamento relativamente ao imóvel onde residiam, nos quais faziam constar como arrendatários outras pessoas ou empresas.
3. Depois, apresentavam esses contratos no SMAS da ---, EDP e Portgás, entidades que, assumindo serem essas pessoas singulares ou colectivas os beneficiários dos bens e serviços que prestavam, lhes cobravam os mesmos.
4. No dia 16 de Novembro de 2004, o arguido AA, de comum acordo com a companheira, a arguida BB, tomou de arrendamento a fracção designada pela letra ---., com entrada pelo n.º ---, constituída por um apartamento do tipo T3, destinado à habitação, pertencente a GG.
5. Nesse apartamento, os arguidos residiram com a família até Novembro de 2007, apesar de terem deixado de pagar as respectivas rendas a partir de Agosto de 2006.
6. No referido mês de Novembro de 2004, na sequência do plano por si formulado, os arguidos forjaram um contrato de arrendamento relativo à fracção por si arrendada a GG, no qual apuseram como senhoria esta última e como arrendatária a empresa “...– Materiais Inoxidáveis e Fixação”, empresa da qual a arguida BB era, formalmente, sócia gerente e que nunca teve efectivas instalações no aludido imóvel, o qual se destinava única e exclusivamente a habitação.
7. Nesse contrato, os arguidos colocaram uma assinatura a imitar a de GG, no lugar destinado à assinatura do senhorio, e apuseram a própria assinatura no sítio destinado à assinatura do arrendatário.
8. A seguir, os arguidos apresentaram tal documento às empresas “Portgás, EDP” e “SMAS” da Maia, tendo celebrado com as mesmas contratos de fornecimento de gás, electricidade e água, respectivamente, em nome da referida “... – Materiais Inoxidáveis e Fixação”.
9. Desta forma os arguidos lograram obter na fracção designada pela letra A – R/C esq., com entrada pelo n.º 327, do prédio sito na Rua ..., os seguintes bens cobrados à “...”:
· gás, entre 23.11.2004 e 23.08.2005, data em que foi denunciado o contrato;
· água entre 19.11.2004 e 9.5.2007, data em que foi interrompido o fornecimento por falta de pagamento, encontrando-se em dívida o valor de 381,52€;
· electricidade entre 19.11.2004 e 11.01.2007, encontrando-se em dívida 200,07€.
10. Em Agosto de 2005, para conseguirem o reabastecimento de gás no imóvel onde habitavam, os arguidos elaboraram um contrato de arrendamento relativo à mesma fracção, onde fizeram constar como senhoria GG e como arrendatária a empresa “.... – Máquinas, Ferramentas e Acessórios, Ld.ª”, da qual o arguido AA era, formalmente, sócio gerente e que nunca teve instalações no aludido imóvel.
11. Nesse contrato, os arguidos colocaram uma assinatura a imitar a de GG, no lugar destinado à assinatura do senhorio, e apuseram a própria assinatura no sítio destinado à assinatura do arrendatário.
12. Depois, ainda em Agosto de 2005, os arguidos apresentaram cópia de tal documento à “Portgás”, tendo celebrado com a mesma empresa contrato de fornecimento de bens e serviços em nome da referida “...”.
13. Desta forma os arguidos lograram obter gás na sua residência, entre 30.08.2005 e 21.07.2006, no valor de 414,19€, o qual foi cobrado à empresa “...”, mas que nunca foi pago.
14. A 21.07.2006, o contrato de fornecimento de gás foi rescindido por divida e os arguidos, para continuarem a usufruir desse bem sem o pagarem, forjaram novo contrato de arrendamento, datado de 1 de Agosto de 2006, relativo à mesma fracção, no qual apuseram o nome de GG como senhoria e como arrendatária HH.
15. Esta última havia sido casada durante cerca de 20 anos com o arguido AA e, em data não apurada, no período de vida em comum, ele tirou cópia dos documentos pessoais da sua esposa, para os poder utilizar quando e como quisesse, à revelia da mesma.
16. Nesse contrato, os arguidos colocaram assinaturas a imitar as de GG e HH, no lugar destinado às assinaturas do senhorio e arrendatário, respectivamente.
17. Depois, em Setembro de 2006, os arguidos apresentaram cópia de tal documento à “Portgás” e levaram dessa empresa contrato de fornecimento de gás canalizado no qual apuseram uma assinatura a imitar a de HH.
18. Seguidamente, entregaram na Portgás tal contrato, juntamente com cópia do bilhete de identidade e cartão de contribuinte de HH, tendo desta forma conseguido que lhes fosse fornecido tal bem, entre 25 Setembro de 2006 e 11 Maio de 2007, encontrando-se em dívida, por tal fornecimento, o valor de 317,81€, o qual foi cobrado a HH e nunca foi pago.
19. Depois dessa data, ainda em Maio de 2007, sempre com intenção de continuarem a ser abastecidos de gás sem efectuarem o respectivo pagamento, os arguidos, elaboraram um outro contrato de arrendamento relativo ao imóvel em que habitavam, no qual figurava como senhorio EE e como arrendatária a II.
20. Esta última é irmã de HH, tendo, em data anterior, entregue a seu ex-cunhado e ora arguido cópia do seu BI e cartão de contribuinte para que ele tratasse da aquisição de uma viatura automóvel.
21. Depois, o arguido AA manteve-se na posse da cópia dos documentos dessa ofendida, sem o conhecimento da mesma, para à revelia dela os usar como e quando quisesse.
22. Tal como acontecera com HH e II, os arguidos lograram, também, obter cópias do bilhete de identidade e cartão de contribuinte de EE, desta feita de forma não apurada.
23. Nesse contrato de arrendamento, datado de 1 de Abril de 2007, os arguidos colocaram assinaturas a imitar as de EE e II, no lugar destinado às assinaturas do senhorio e arrendatário, respectivamente.
24. Depois, em Maio de 2007, os arguidos apresentaram cópia de tal documento na Portgás e levaram dessa empresa um contrato para fornecimento de gás no qual apuseram uma assinatura a imitar a de II.
25. Após, os arguidos entregaram esse contrato, juntamente com cópia do bilhete de identidade e cartão de contribuinte de II na “Portgás”, tendo desta forma conseguido lhes fosse fornecido gás, entre 11 de Maio e 20 de Julho de 2007, no valor de 195,62€ o qual foi cobrado a II e nunca foi pago.
26. No início de Maio de 2007, para conseguirem que lhes fosse novamente fornecida água, os arguidos elaboraram um contrato de arrendamento relativo à mesma fracção, datado de 28 de Dezembro de 2006, no qual fizeram constar como senhorio EE e como arrendatária HH.
27. Assim, nesse contrato de arrendamento, os arguidos colocaram assinaturas a imitar as de EE e HH, no lugar destinado às assinaturas do senhorio e arrendatário, respectivamente, sem conhecimento dos mesmos.
28. Depois, ainda em Maio de 2007, os arguidos apresentaram cópia de tal documento ao SMAS e levaram dessa empresa um boletim de requisição de águas que preencheram, apondo, depois, uma assinatura a imitar a de HH, no local destinado ao requisitante.
29. A seguir, entregaram tal boletim de requisição de água, juntamente com cópia do bilhete de identidade e cartão de contribuinte de HH no SMAS da ..., tendo desta forma conseguido lhes fosse fornecida água entre 9 de Maio de 2007 e Fevereiro de 2008, no valor de 707,57€, o qual foi cobrado a HH e que nunca foi pago.
30. Em Janeiro de 2007, para conseguirem o reabastecimento de electricidade no imóvel onde habitavam, os arguidos elaboraram um contrato de arrendamento relativo à mesma fracção, onde fizeram constar como senhoria EE e como arrendatária a arguida BB.
31. Nesse contrato, os arguidos colocaram uma assinatura a imitar a de EE, no lugar destinado à assinatura do senhorio, e BB apôs a própria assinatura no sítio destinado à assinatura do arrendatário.
32. Depois, em 11 de Janeiro de 2007, os arguidos apresentaram cópia de tal documento à EDP, tendo celebrado com a mesma empresa contrato de fornecimento de electricidade.
33. Desta forma os arguidos lograram obter tal bem na sua residência, entre 12.01.2007 e 08.01.2008, em valor não apurado, que nunca foi pago.
34. HH e II jamais foram arrendatárias da residência sita na Rua ... e ignoravam que os arguidos tinham usado da sua identidade para, de forma fraudulenta, enganar as empresas acima referidas, distribuidoras de bens essenciais, as quais, através de seus funcionários, ficaram erroneamente convencidas terem sido tais ofendidas, assim com as empresas “...” e “...” as beneficiárias desses bens e serviços.
35. Também o ofendido EE ignorava que os arguidos dispunham dos seus elementos de identificação e os usaram na fabricação de contratos de arrendamento falsos.
36. Em Novembro de 2007, os arguidos, sabendo que estava pendente uma acção de despejo intentada por GG, abandonaram o apartamento em que viviam, sem pagarem qualquer montante dos acima referidos relativos a gás, água e electricidade que consumiram.
II
37. Quando abandonaram o apartamento sito na Rua ..., os arguidos resolveram arrendar novo apartamento, sem procederem ao pagamento das respectivas rendas, só o fazendo no momento inicial por forma a garantirem a celebração do contrato e formularam, novamente, o propósito de usufruírem de água, luz e gás sem pagarem tais bens.
38. Em Novembro de 2007, os arguidos contactaram DD, manifestando interesse em tomar de arrendamento um apartamento pertencente ao mesmo, sito na ....
39. Nessa altura, DD solicitou aos arguidos a indicação de um fiador, tendo os mesmos garantido que tal não era necessário, já que eles pagariam pontualmente as rendas, pois tinham capacidades económicas para tal, sendo empresários de sucesso, o que era falso, pois nenhum exercia efectiva e regularmente a actividade de empresário.
40. Convencido de que os arguidos tinham intenção e capacidade de pagar pontualmente as rendas, a 26 de Novembro de 2007, DD e esposa, JJ, celebraram com os mesmos um contrato de arrendamento relativo ao apartamento acima referido, sito na ..., que se manteve até Junho de 2008, tendo os arguidos pago apenas duas rendas aquando da celebração do contrato e a renda de Fevereiro de 2008.
41. Aquando da assinatura desse contrato, os arguidos asseguraram ao ofendido DD que iriam, imediatamente, celebrar novos contratos de fornecimento de água, energia eléctrica e gás para a fracção arrendada, pelo que o mesmo não precisava de pôr termo aos contratos por si anteriormente assinados com a EDP, EDP gás e SMAS da ....
42. Porém, os arguidos, que pretendiam obter tais bens sem os pagarem, nunca tiveram efectiva intenção de celebrar qualquer contrato com a EDP, EDP gás e SMAS da ... relativo ao fornecimento desses bens para a residência sita na ..., só o fazendo quando viram o abastecimento desses bens interrompido por falta de pagamento.
43. Assim, entre Dezembro de 2007 e Maio de 2008 os arguidos lograram abastecer-se de água, electricidade e gás, nos montantes de 199,60€, 208,60€ e 371,36€ respectivamente, os quais foram cobrados a DD, que os pagou.
44. No inicio de Maio de 2008, o contrato de fornecimento de gás foi rescindido por divida, e os arguidos, para continuarem a usufruir desse bem sem o pagarem, forjaram novo contrato de arrendamento, datado de 27 de Abril de 2008, relativo à mesma fracção sita na ..., no qual apuseram o nome de JJ como senhoria e como arrendatária CC.
45. Esta ofendida é casada com um irmão de BB, tendo vivido com o marido, na casa da mãe do mesmo e da arguida, em período não concretamente apurado, mas que se manteve, pelo menos, até Abril de 2008.
46. De forma não concretamente apurada, arguidos conseguiram fotocopiar o BI e cartão de contribuinte da CC, sem que esta se apercebesse.
47. No contrato de arrendamento forjado em nome de MM e CC, os arguidos colocaram assinaturas a imitar as destas ofendidas, no lugar destinado às assinaturas do senhorio e arrendatário, respectivamente, sem que as mesmas disso tivessem conhecimento.
48. Na mesma altura (Abril ou Maio de 2008) os arguidos elaboraram uma declaração datada de 9 de Maio de 2008 com o seguinte teor: “Eu, CC (…) declaro autorizar AA (…) a assinar, em meu nome, o contrato com a EDP para fornecimento de energia e gás para a sua habitação” e apuseram na mesma uma assinatura a imitar a de CC, sempre sem conhecimento desta.
49. Depois, nessa mesma data, os arguidos entregaram nas instalações da Portgás cópia do contrato de arrendamento por si forjado, cópia do BI e cartão de contribuinte de CC, da declaração acima mencionada e, nas instalações dessa empresa, o arguido assinou o contrato para fornecimento de gás canalizado para o apartamento em que residia, na ....
50. Desta forma os arguidos conseguiram que a sua residência fosse abastecida de gás canalizado entre Maio e Setembro de 2008, encontrando-se em dívida por tal abastecimento 82,71€, valor cobrado a CC e que nunca foi pago.
51. Posteriormente, no dia 12 de Maio de 2008, os arguidos entregaram nas instalações da EDP, cópia do mesmo contrato de arrendamento por si forjado, de BI e cartão de contribuinte de CC, da declaração acima mencionada e, nas instalações dessa empresa, o arguido assinou o contrato para fornecimento de electricidade para o apartamento sito na ....
52. Conseguiram, assim, os arguidos que a sua residência fosse abastecida de electricidade, entre Maio e Setembro de 2008, encontrando-se em dívida por tal abastecimento 86,95€ valor cobrado a CC e que a mesma nunca pagou.
53. Tal ofendida, que jamais foi arrendatária da residência sita na ..., ignorava que os arguidos tinham usado da sua identidade e falsificado a sua assinatura para, de forma fraudulenta, enganar as empresas acima referidas, distribuidoras de bens essenciais, as quais também desconheciam que os contratos assinados em nome de CC não eram do conhecimento desta, nem era ela a beneficiária desses bens e serviços.
III
54. Quando, na sequência de acção judicial intentada por falta de pagamento de rendas (processo sumário n.º 6791/08.3TBMAI, do 2.º Juízo de Competência Cível do Tribunal Judicial da Maia, intentada pelo ofendido DD), os arguidos deixaram o apartamento sito na Travessa de Brandinhães, Maia, e formularam, novamente, o propósito arrendar um imóvel, sem procederem ao pagamento das respectivas rendas, só o fazendo no momento inicial por forma a garantirem a celebração do contrato.
55. Assim, em Junho de 2008, os arguidos contactaram LL, manifestando interesse em tomar de arrendamento um apartamento pertencente à mesma, sito na Rua LLL.
56. Aquando desse contacto, LL solicitou aos arguidos a indicação de um fiador, tendo o mesmo indicado para tal CC, ofendida que desconhecia a intenção dos arguidos de celebrarem contrato de arrendamento e que não anuíra assumir essa qualidade de fiadora.
57. A 25.06.2008, data agendada para assinatura do documento, só os arguidos se encontraram com LL para o efeito, tendo o arguido AA invocado que CC vivia em Cinfães e que lhe causava muito transtorno deslocar-se à ..., pelo que pediu a LL que o autorizasse a levar o original do contrato de arrendamento consigo até ,,,, onde afirmou que a fiadora o assinaria.
58. Acreditando na boa fé do arguido e na explicação dada, LL cedeu ao pedido do mesmo, pelo que o arguido levou consigo o original do contrato e colocou no lugar destinado à assinatura do fiador uma assinatura a imitar a de CC.
59. Depois, os arguidos entregaram o documento à ofendida LL que ficou convencida de que tinha sido CC a assiná-lo na qualidade de fiadora.
60. Nessa altura, os arguidos entregaram à ofendida 1.100€ correspondentes ao pagamento do valor mensal de duas rendas, tendo pago uma outra renda em Agosto de 2008, não mais tendo pago qualquer valor a esse título, apesar de terem usufruído do apartamento até, pelo menos, Novembro de 2009.
61. Os arguidos quiseram usar da identificação dos ofendidos EE, “...”, “...”, HH, II e CC e quiseram falsificar as assinaturas destes ofendidos para forjarem contratos de arrendamentos e contratos de abastecimento de água, luz e electricidade da forma acima descrita, com intuito de fazer a “Portgás/EDP Gás”, “EDP” e “SMAS”, acreditarem erroneamente, como acreditaram, serem essas ofendidas as beneficiárias da água, luz e gás que os arguidos e família consumiram.
62. Com o mesmo intuito, os arguidos apuseram pelo seu punho assinatura a imitar a de CC, na declaração inverídica pela qual esta declarava autorizar o arguido AA a assinar em seu nome contratos com a EDP e EDP/gás.
63. Os arguidos actuaram da forma descrita sem o conhecimento dos ofendidos, por forma a enganar os “SMAS”, “EDP” e “EDP gás”, como enganaram e causar aos mesmos, como causaram, de forma ilegítima, prejuízo correspondente aos bens fornecidos e não pagos, com a correspectiva obtenção de um enriquecimento patrimonial não devido.
64. Só por terem sido enganados e convencidos de que os contratos de arrendamento e declaração que lhes foram exibidos eram verdadeiros e que os arrendatários que deles constavam é que assinaram os contratos de fornecimento da água, luz e electricidade que lhes foram apresentados, é que o “SMAS”, “EDP” e “EDP Gás” acederam a efectuar o fornecimento de tais bens.
65. Através da fabricação artificiosa e falsa do conteúdo dos documentos acima referidos e seu uso, foi posta em crise a credibilidade que aos mesmos deve estar inerente, bem como o seu valor probatório e a confiança nas relações jurídicas e económicas que ao Estado cabe tutelar.
66. Os arguidos quiseram também enganar, como enganaram, o ofendido DD, criando artificiosa representação da realidade e garantindo ao mesmo terem rendimentos que permitiam o pagamento da renda negociada o que não correspondia à verdade, nunca tendo tido eles intenção de fazer esse pagamento.
67. Os arguidos, também por meio do logro, levaram o ofendido DD a crer que tratariam de celebrar contratos de fornecimento de electricidade, gás e água relativos ao imóvel sito na ..., o que nunca tiveram intenção de fazer, antes pretendendo obter tais bens sem os pagar, como obtiveram, já que os mesmos foram cobrados e pagos por tal ofendido, que dessa forma foi prejudicando patrimonialmente.
68. Só por ter sido falsamente convencido pelos arguidos de que estes tinham capacidade e vontade de cumprir pontualmente as suas obrigações é que este acedeu assinar o contrato de arrendamento sito na ... e não procedeu à denúncia dos contratos que havia celebrado com a EDP, EDP Gás e SMAS relativo a tais imóveis.
69. Finalmente, os arguidos quiseram também ludibriar, como ludibriaram a ofendida LL, fazendo-a acreditar que CC assumira a qualidade de fiadora no contrato de arrendamento da fracção sita na Rua ..., o que não correspondia à realidade.
70. Tal convencimento foi determinante para que a ofendida desse de arrendamento aos arguidos o referido imóvel, com o que teve um prejuízo correspondente, pelo menos, ao valor das rendas vencidas e não pagas.
71. Para tal, os mesmos assinaram no documento uma assinatura a imitar a da ofendida NN, sem conhecimento desta, pondo em crise a credibilidade que deve estar inerente aos documentos e a confiança nas relações jurídicas e económicas que ao Estado cabe tutelar.
72. Os arguidos actuaram da forma descrita desde 2004 a 2008, de maneira a, durante todo esse tempo obterem à custa dos ofendidos bens essenciais à sua vida e de sua família, fazendo dessa sua actuação modo de vida.
73. Os arguidos actuaram, nas três situações acima descritas, sempre de forma deliberada, livre e consciente, em comunhão de esforços e desígnios, sabendo as suas condutas proibidas e punidas por lei.
74. A ofendida CC nas deslocações efectuadas a este Tribunal e junto das entidades policiais a fim de proceder à defesa do bom-nome e da sua reputação, gastou quantia nunca inferior € 750,00.
75. Sentiu-se durante muito tempo, e ainda se sente, magoada, revoltada, humilhada, triste, abatida e angustiada, em consequência dos prejuízos, preocupações e desgaste físico e psicológico causado pelas condutas dos arguidos.
76. A situação foi comentada na aldeia onde reside, provocando um abalo emocional que não conseguia esconder.
77. Actualmente o prejuízo dos Serviços Municipalizados da ... em virtude da conduta dos arguidos AA e BB cifra-se em € 1.500,00.
78. A arguida BB é a terceira de cinco descendentes de um casal de lavradores.
79. O agregado residia numa casa de lavoura, vivenciando carências económicas, tendo a arguida tido uma educação tradicional, católica e rígida.
80. Frequentou a escolaridade até cerca dos 14 anos, mas face às dificuldades de aprendizagem apenas frequentou o 2º ano em função da idade.
81. Abandonou a escola aos 14 anos para auxiliar os progenitores na actividade agrícola.
82. Com cerca de 21 anos de idade, engravidou na sequência de relacionamento com indivíduo casado, sendo que o descendente, ..., foi perfilhado pelo arguido AA.
83. Trabalhou num residencial como empregada de limpeza e ajudante de cozinha, em Resende.
84. Posteriormente contraiu matrimónio com o arguido AA, tendo dessa relação dois descendentes, .... e ..., actualmente com 17 e 16 anos respectivamente.
85. Há cerca de 18 anos, mudou-se com o cônjuge e filhos para a ..., tendo o cônjuge constituído uma empresa de venda de máquinas e ferramentas de construção civil, “...Maq. Ferram. Acess. Lda.”, localizada na zona industrial da..., desenvolvendo aí a arguida actividade profissional apenas como telefonista/recepcionista, ainda que estivesse constituída como gerente da mesma empresa.
86. Manteve essa actividade de telefonista/recepcionista até há cerca de 6/7 anos, altura em que a empresa encerrou.
87. À data dos factos, tratando-se de um período alongado no tempo, residia com o cônjuge e os três filhos, na ....
88. Presentemente, e desde há cerca de 7 anos, BB encontra-se desempregada, não revelando efectuar diligências no sentido de se reintegrar laboralmente, encontrando-se inscrita no Centro de Emprego desde 8 de Maio de 2013.
89. O agregado é composto pela arguida, os três filhos e um jovem, ---, de 17 anos.
90. No agregado pernoitaram frequentemente também os namorados das filhas (de 16 e 17 anos).
91. O ambiente familiar é disfuncional e desestruturado, não revelando a arguida capacidade de ascendência sobre as filhas menores, havendo alguma conflitualidade e desrespeito da figura materna.
92. Residem em apartamento arrendado, tipologia 3, com condições de habitabilidade, inserida em zona residencial urbana de elevada densidade populacional.
93. No entanto, face ao facto de se encontrarem com um atraso de cerca de 5 meses no pagamento da renda (500€/mês), despesas que anteriormente assumida pelo ex-cônjuge, ponderam abandonar a habitação brevemente.
94. Encontra-se em incumprimento relativamente ao pagamento da água e electricidade.
95. Não dispõe de rendimentos próprios, subsistindo o agregado da prestação de abono das menores (cerca de 124€) e do contributo mensal que o filho --- presta, uma vez que é o único elemento laboralmente activo no agregado (auferindo cerca de 500€).
96. As filhas, ambas estudantes, recebem bolsas de apoio ao nível do transporte e alimentação.
97. Ao nível da saúde, padece de hipertensão, tendo sido operada à tiroide.
98. No meio, a família detém uma imagem negativa, sobretudo porque alguns dos elementos do agregado adoptam um comportamento desajustado e por vezes perturbador da paz pública, nomeadamente fazendo barulho e desrespeitando alguns elementos vicinais.
99. Por sentença de 15.11.2000 foi o arguido AA condenado na pena de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de € 5,00, pela prática, em 17.05.1996, de um crime de emissão de cheque sem provisão, p. e p. pelo art.º 11.º, n.º 1, do DL 454/91, de 28/12; por sentença de 24.05.2002 foi condenado na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa, à taxa diária de € 1,00, pela prática de um crime de emissão de cheque sem provisão, p. e p. pelo art.º 11.º, n.º 1, do DL 454/91, de 28/12; por sentença de 5.07.2002 foi condenado na pena de 90 (noventa) dias de multa, à taxa diária de € 5,00, pela prática, em 3.10.1997, de um crime de emissão de cheque sem provisão, p. e p. pelo art.º 11.º, n.º 1, do DL 454/91, de 28/12; por sentença de 18.03.2003 foi condenado na pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa, pela prática, em 27.09.2000, de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelo art.º 291.º, n.º 1, al. a), do C.Penal; por sentença de 30.01.2003 foi condenado na pena de 60 (sessenta) dias de multa, à taxa diária de € 3,00, pela prática, em 9.04.1998, de um crime de emissão de cheque sem provisão, p. e p. pelo art.º 11.º, n.º 1, do DL 454/91, de 28/12; por sentença de 24.10.2002 foi condenado na pena de 40 (quarenta) dias de multa, à taxa diária de € 3,00, pela prática, em 21.01.1996, de um crime de emissão de cheque sem provisão, p. e p. pelo art.º 11.º, n.º 1, do DL 454/91, de 28/12; por sentença de 17.02.2004 foi condenado na pena de 200 (duzentos) dias de multa, à taxa diária de € 3,00, pela prática, em 21.02.1996, de um crime de emissão de cheque sem provisão, p. e p. pelo art.º 11.º, n.º 1, do DL 454/91, de 28/12; por sentença de 5.07.2007 foi condenado na pena de 210 (duzentos e dez) dias de multa, à taxa diária de € 3,00, pela prática, em 21.02.1996, de um crime de emissão de cheque sem provisão, p. e p. pelo art.º 11.º, n.º 1, do DL 454/91, de 28/12; por sentença de 18.01.2005 foi condenado na pena de 130 (cento e trinta) dias de multa, à taxa diária de € 1,50, pela prática, em 4.05.2003, de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art.º 143.º, do C.Penal; por sentença de 28.09.2005 foi condenado na pena de 80 (oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 4,00, pela prática, em 26.06.2003, de um crime de emissão de cheque sem provisão, p. e p. pelo art.º 11.º, n.º 1, do DL 454/91, de 28/12; por sentença de 14.06.2010 foi condenado na pena de 90 (noventa) dias de multa, à taxa diária de € 5,00, pela prática, em 17.02.2003, de um crime de desobediência, p. e p. pelo art.º 348.º, do C.Penal; por sentença de 30.07.2008 foi condenado na pena de 300 (trezentos) dias de multa, à taxa diária de € 4,00, pela prática, em 10.2004, de um crime de falsificação de boletins, actas ou documentos, p. e p. pelo art.º 256.º, n.ºs 1, als. a) e c), e n.º 3, do C.Penal; por sentença de 19.05.2010 foi condenado na pena de 160 (cento e sessenta) dias de multa, à taxa diária de € 5,00, pela prática, em 12.02.2008, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3.º, do DL 2/98, de 3/01; por sentença de 2.11.2010 foi condenado na pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de € 7,00, pela prática, em 5.05.2008, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3.º, n.ºs 1 e 2, do DL 2/98, de 3/01.
100. Por sentença de 3.10.2000 foi a arguida BB condenada na pena de 90 (noventa) dias de multa, à taxa diária de 300$00, pela prática, em 16.04.1999, de um crime de emissão de cheque sem provisão, p. e p. pelo art.º 11.º, n.º 1, do DL 454/91, de 28/12; por sentença de 12.02.2002 foi condenada na pena de 60 (sessenta) dias de multa, à taxa diária de € 5,00, pela prática, em 22.12.1999, de um crime de emissão de cheque sem provisão, p. e p. pelo art.º 11.º, n.º 1, do DL 454/91, de 28/12; por sentença de 18.01.2005 foi condenada na pena de 130 (cento e trinta) dias de multa, à taxa diária de € 1,50, pela prática, em 4.05.2003, de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art.º143.º, do C.Penal; por sentença de 14.12.2005 foi condenada na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa, à taxa diária de € 6,00, pela prática, em 26.05.2004, de um crime de emissão de cheque sem provisão, p. e p. pelo art.º 11.º, n.º 1, do DL 454/91, de 28/12; por sentença de 2.10.2007 foi condenada na pena única de 300 (trezentos) dias de multa, à taxa diária de € 5,00, pela prática, em 1.09.2002, de dois crimes de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art.º143.º, do C.Penal; por sentença de 23.02.2012 foi condenada na pena de 7 (sete) meses de prisão, substituída por 220 (duzentos e dez) dias de multa, à taxa diária de € 5,00, pela prática, em 06.2009, de 4 crimes de difamação agravada, p. e p. pelos art.ºs 180.º e 184.º, do C.Penal.
*
2.2. Matéria de facto não provada.
Não se provou que:
1. Quando se encontravam de visita à mãe de BB, os arguidos conseguiram retirar da mochila de CC o BI e cartão de contribuinte da mesma, voltando a colocá-los no local de onde os tinham retirado.
2. A conduta dos arguidos afectou a credibilidade da ofendida CC junto de pessoas e instituições.
3. Os arguidos causaram a EE forte receio, pois temeu e teme que aqueles venham a atentar novamente contra a sua pessoa, falsificando a sua assinatura.
4. Ainda hoje tem vários problemas junto da “EDP” e “SMAS”.
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O que tudo visto, cumpre apreciar e decidir:

Sobre a questão prévia suscitada pela Digma Magistrada do Ministério Público, a mesma não procede, pois que como bem fundamenta o acórdão recorrido:
“Importa, pois, apurar o que deve entender-se por "fazer da burla modo de vida". "Modo de vida", considerado numa perspectiva objectiva e portanto, axiologicamente neutra, é a forma pela qual um cidadão obtém os proventos necessários à vida em sociedade. Como nota o Prof. Faria Costa (Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo lI, pág. 70 e seguintes), nos dias de hoje os modos de vida são multifacetados, as pessoas tendem a fazer várias coisas ao mesmo tempo, tendem a trabalhar em diferentes domínios ao mesmo tempo, e isso é o seu modo de vida. Por isso. não é necessário que o agente se dedique exclusivamente à prática de burlas para que se possa concluir que faz dessa prática modo de vida, podendo desenvolver até uma ou mais actividades profissionais visíveis, e entender-se que a repetição de burlas praticadas determina que deste crime faz também modo de vida. Como refere o Mestre citado, mesmo nas situações ilegais ou criminosas os modos de vida devem ser compreendidos de maneira plural e susceptíveis de se cruzarem com modos de vida assumidamente legitimados pela sociedade ".
Seguindo a doutrina do referido Mestre, entendemos que no caso concreto, os arguidos fazem de facto, "da burla modo de vida", considerando os factos dados como provados.
Com efeito, desde 2004 a 2008, que vêm obtendo, à custa dos ofendidos, bens essências à sua vida e da sua família, não pagando, designadamente, através de engano que provocaram astuciosamente, fornecimentos de àgua, luz e electricidade.
Está, pois, verificada a referida circunstância qualificativa do crime de burla. “

Houve na verdade, durante vários anos, uma prática reiterada, do mesmo modo de delinquir, traduzindo um modo de vida ‘normal’ na prática com regularidade da actuação delituosa, do arguido, conjuntamente com outrem, na adequação ao fim ilícito (burla) pretendido, pois que formaram plano de passar a abastecer a residência que habitassem com água, electricidade e gás, sem pagar tais bens., e para concretização desse desígnio, os arguidos resolveram forjar contratos de arrendamento relativamente ao imóvel onde residiam, nos quais faziam constar como arrendatários outras pessoas ou empresas. Depois, apresentavam esses contratos no SMAS da Maia, EDP e Portgás, entidades que, assumindo serem essas pessoas singulares ou colectivas os beneficiários dos bens e serviços que prestavam, lhes cobravam os mesmos.
Como salientam Victor de Sá Pereira e Alexandre Lafayette, Código Penal Anotado e Comentado, Legislação Conexa e Complementar, Quid Juris, Sociedade Editora, pág. 543, nota 17, a propósito de tal qualificativa modo de vida , por remissão (ibidem, pág. 582, nota 3 , e com referência ao furto, “não tem de ser o furto perpetrado por quem ainda nada mais faz do que furtar. O agente pode ter e pôr em prática uma profissão socialmente reconhecida como normal, visível e adequada – por vezes até se serve dela para melhor levar a cabo actividades ilícitas. Como a de se apropriar do alheio – que nem por isso deixará de incorrer nesta qualificativa, se a série de furtos a seu cargo for de tal ordem que nela se reconheça um processo (ainda que subterrâneo) de realizar proventos destinados à sustentação da sua vida em comunidade..”
Aliás, como se refere no Código Penal, Parte Geral e Especial, Com Notas E Comentários, de M. Miguez Garcia e J.M Castela Rio, Almedina 2014, p. 927, nota 3:
“Faz da burla modo de vida quem com a intenção de conseguir uma fonte contínua de rendimentos com a repetição mais ou menos regular de factos dessa natureza. Embora a lei não contenha elementos para avaliar o tempo necessário à definição do que seja o modo de vida, a agravação não se coaduna com a simples ocasionalidade, podendo até haver repetição. O rendimento do crime não tem que ser a única fonte nem a maior fatia dos proventos do burlão que, com sorte, pode até viver do produto de uma só burla durante uma larga temporada sem que isso constitua caso de agravação. Note-se que este modo de vida criminoso acarreta o perigo de especialização e do domínio de certas “artes” e inculca a ideia de vadiagem e de marginalidade, aproximando-se duma característica pessoal de pendor subjectivo. Está mais perto da noção de “profissionalidade” do que da “habitualidade” ou de simples “dedicação”. A habitualidade é diferente do “modo de vida “, assenta num inclinação para a prática do correspondente delito adquirida com a repetição, Jeschek, 1998,p.651[….]”

Com vem provado: Os arguidos actuaram da forma descrita desde 2004 a 2008, de maneira a, durante todo esse tempo obterem à custa dos ofendidos bens essenciais à sua vida e de sua família, fazendo dessa sua actuação modo de vida, actuando os arguidos, sempre de forma deliberada, livre e consciente, em comunhão de esforços e desígnios, sabendo as suas condutas proibidas e punidas por lei.

O objecto do presente recurso, perante as conclusões e o disposto no artº 412º nº 1 e 2 do CPP, cinge-se exclusivamente à medida da pena única, pretendendo o recorrente que “Seja a pena de prisão reduzida a três anos de prisão ordenando-se a sua suspensão na execução.” alegando na concusao V que “Não foi atendido de que apesar da moldura penal o possibilitar, a culpa do arguido foi ultrapassada ao ser aplicada esta pena em concreto”

Se porventura com a citação das normas legais vertidas na conclusão X “Não foi, portanto, feita uma correta interpretação e aplicação do disposto no n.º 1 e n.º 2 do art.º 40 e no artigo 71º n.º 2 alíneas a) e d) ambos do C.P. o que levaria à aplicação de uma pena inferior à aplicada. “o recorrente pretendesse a abrangência das penas parcelares, as mesmas pelas razões assinaladas no acórdão recorrido de páginas 30 a 35, não seriam de alterar, pois que, como se sabe, todos estão hoje de acordo em que é susceptível de revista a correcção do procedimento ou das operações de determinação, o desconhecimento pelo tribunal ou a errónea aplicação dos princípios gerais de determinação, a falta de indicação de factores relevantes para aquela, ou, pelo contrário, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis. Não falta, todavia, quem sustente que a valoração judicial das questões de justiça ou de oportunidade estariam subtraídas ao controlo do tribunal de revista, enquanto outros distinguem: a questão do limite ou da moldura da culpa estaria plenamente sujeita a revista, assim como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, para controlo do qual o recurso de revista seria inadequado. Só não será assim, e aquela medida será controlável mesmo em revista, se, v.g., tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada. ( Figueiredo Dias in Direito Penal Português -As consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, § 278, p. 211, e Ac. de 15-11-2006 deste Supremo, , Proc. n.º 2555/06- 3ª)

E, atentas as molduras penais dos ilícitos provados e a fundamentação explanada no acórdão recorrido, verifica-se que as penas parcelares aplicadas não se revelam desproporcionadas, ou desadequadas,.
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Relativamente à pena única:

Como se sabe, o artigo 77º nº 1 do Código Penal, ao estabelecer as regras da punição do concurso, dispõe: “Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.”

O sistema de punição do concurso de crimes consagrado no art. 77.º do CP, aplicável ao caso de conhecimento superveniente do concurso, adoptando o sistema da pena conjunta, «rejeita uma visão atomística da pluralidade de crimes e obriga a olhar para o conjunto – para a possível conexão dos factos entre si e para a necessária relação de todo esse bocado de vida criminosa com a personalidade do seu agente». Por isso, determinadas definitivamente as penas parcelares correspondentes a cada um dos singulares factos, cabe ao tribunal, depois de estabelecida a moldura do concurso, encontrar e justificar a pena conjunta, cujos critérios legais de determinação são diferentes dos propostos para a primeira etapa.
Nesta segunda fase, «quem julga há-de descer da ficção, da visão compartimentada que [esteve] na base da construção da moldura e atentar na unicidade do sujeito em julgamento. A perspectiva nova, conjunta, não apaga a pluralidade de ilícitos, antes a converte numa nova conexão de sentido.
Aqui, o todo não equivale à mera soma das partes e, além disso, os mesmos tipos legais de crime são passíveis de relações existenciais diversíssimas, a reclamar uma valoração que não se repete, de caso para caso. A este novo ilícito corresponderá uma nova culpa (que continuará a ser culpa pelo facto) mas, agora, culpa pelos factos em relação. Afinal, a valoração conjunta dos factos e da personalidade, de que fala o CP.
Por outro lado, afastada a possibilidade de aplicação de um critério abstracto, que se reconduz a um mero enunciar matemático de premissas, impende sobre o juiz um especial ónus de determinar e justificar quais os factores relevantes de cada operação de formação de pena conjunta, quer no que respeita à culpa em relação ao conjunto dos factos, quer no que respeita à prevenção, quer, ainda, no que concerne à personalidade e factos considerados no seu significado conjunto.
Um dos critérios fundamentais em sede deste sentido de culpa, numa perspectiva global dos factos, é o da determinação da intensidade da ofensa e dimensão do bem jurídico ofendido, sendo certo que assume significado profundamente diferente a violação repetida de bens jurídicos ligados à dimensão pessoal em relação a bens patrimoniais. Por outro lado, importa determinar os motivos e objectivos do agente no denominador comum dos actos ilícitos praticados e, eventualmente, dos estados de dependência, bem como a tendência para a actividade criminosa expressa pelo número de infracções, pela sua permanência no tempo, pela dependência de vida em relação àquela actividade. Na avaliação da personalidade expressa nos factos é todo um processo de socialização e de inserção, ou de repúdio pelas normas de identificação social e de vivência em comunidade, que deve ser ponderado. Ac. deste Supremo e desta 3ª Secção, de 09-01-2008 in Proc. n.º 3177/07
Como supra se referiu. o concurso de crimes tanto pode decorrer de factos praticados na mesma ocasião, como de factos perpetrados em momentos distintos, temporalmente próximos ou distantes. Por outro lado, o concurso tanto pode ser constituído pela repetição do mesmo crime, como pelo cometimento de crimes da mais diversa natureza. Por outro lado ainda, o concurso tanto pode ser formado por um número reduzido de crimes, como pode englobar inúmeros crimes.
Não tendo o legislador nacional optado pelo sistema de acumulação material (soma das penas com mera limitação do limite máximo) nem pelo da exasperação ou agravação da pena mais grave (elevação da pena mais grave, através da avaliação conjunta da pessoa do agente e dos singulares factos puníveis, elevação que não pode atingir a soma das penas singulares nem o limite absoluto legalmente fixado), é forçoso concluir que com a fixação da pena conjunta se pretende sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo respectivo conjunto, não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, visto que a lei manda se considere e pondere, em conjunto (e não unitariamente), os factos e a personalidade do agente: como doutamente diz Figueiredo Dias (Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, págs. 290-292), como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado.
Importante na determinação concreta da pena conjunta será, pois, a averiguação sobre se ocorre ou não ligação ou conexão entre os factos em concurso, a existência ou não de qualquer relação entre uns e outros, bem como a indagação da natureza ou tipo de relação entre os factos, sem esquecer o número, a natureza e gravidade dos crimes praticados e das penas aplicadas, tudo ponderando em conjunto com a personalidade do agente referenciada aos factos, tendo em vista a obtenção de uma visão unitária do conjunto dos factos, que permita aferir se o ilícito global é ou não produto de tendência criminosa do agente, bem como fixar a medida concreta da pena dentro da moldura penal do concurso. Ac. deste Supremo e desta Secção de 06-02-2008, in Proc. n.º 4454/07
Será, assim, o conjunto dos factos que fornece a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é recondutível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, não já no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização). Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993,; . Acs de 11-10-2006 e de 15-11-2006 deste Supremo e 3ª Secção in Proc. n.º 1795/06, e Proc. n.º 3268/04.

Tal concepção da pena conjunta obriga a que do teor da sentença conste uma especial fundamentação, em função de um tal critério, da medida da pena do concurso, só assim se evitando que a medida da pena do concurso surja como fruto de um acto intuitivo – da «arte» do juiz – ou puramente mecânico e portanto arbitrário», embora se aceite que o dever de fundamentação não assume aqui nem o rigor nem a extensão pressupostos pelo art. 71.º.
Só assim se evita que a medida da pena do concurso surja consequente de um acto intuitivo, da apregoada e, ultrapassada, arte de julgar, puramente mecânico e, por isso arbitrário.
Note-se que o artigo 71º nº 3 do Código Penal determina que na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena.
Embora não seja exigível o rigor e a extensão nos termos do nº 2 do mesmo artº 71º, nem por isso tal dever de fundamentação deixa de ser obrigatório, quer do ponto de vista legal, quer do ponto de vista material, e, sem prejuízo de que os factores enumerados no citado nº 2, podem servir de orientação na determinação da medida da pena do concurso. (Figueiredo dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, p. 291)
A determinação da pena do cúmulo, exige pois um exame crítico de ponderação conjunta sobre a interligação entre os factos e a personalidade do condenado, de molde a poder valorar-se o ilícito global perpetrado, nos termos expostos.
Aliás salienta Maia Gonçalves (Código Penal Português Anotado e comentado 18ª ed, pág. 295, nota 5) “na fixação da pena correspondente ao concurso entra como factor a personalidade do agente, a qual deve ser objecto de especial fundamentação na sentença.
Ela é mesmo o aglutinador da pena aplicável aos vários crimes e tem, por força das coisas, carácter unitário”

Refere a propósito a decisão recorrida:
“Consideremos agora as circunstâncias relevantes em termos de medida da pena concreta:
[…]
consideram-se adequadas as seguintes penas:
I – Quanto ao arguido AA:
- a pena de 4 (quatro) anos de prisão para o crime de burla qualificada, p. e p. pelos art.ºs 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 2, al. b), do C.Penal (situação descrita em I).
- a pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão para o crime de falsificação de documentos, p. e p. pelo art.º 256.º, n.º 1, als. a), c), e e), do C.Penal (situação descrita em I).
- a pena de 4 (quatro) anos de prisão para o crime de burla qualificada, p. e p. pelos art.ºs 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 2, al. b), do C.Penal (situação descrita em II).
- a pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão para o crime de falsificação de documentos, p. e p. pelo art.º 256.º, n.º 1, als. a), c), e e), do C.Penal (situação descrita em II).
- a pena de 4 (quatro) anos de prisão para o crime de burla qualificada, p. e p. pelos art.ºs 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 2, al. b), do C.Penal (situação descrita em III).
- a pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão para o crime de falsificação de documentos, p. e p. pelo art.º 256.º, n.º 1, al. c), do C.Penal (situação descrita em III).

Nos termos do disposto no art.º 77.º, do C.Penal, há que proceder ao cúmulo jurídico destas penas aplicadas ao arguido.
Na determinação concreta da pena unitária devem ser considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do arguido.
No caso em presença, tendo em conta o conjunto dos factos praticados pelo arguido e os elementos da sua personalidade evidenciados com a prática destes, opera-se o cúmulo jurídico das penas de prisão acima referidas, e acha-se adequado condenar o arguido na pena única de 8 (oito) anos de prisão.”

É evidente que a decisão recorrida não efectua uma ponderação em conjunto, interligada, quer da apreciação dos factos, nos termos expostos, de forma a poder avaliar-se globalmente a gravidade destes, quer da personalidade neles manifestada, de forma a concluir sobre a sua motivação subjacente (se oriunda de tendência para delinquir ou de pluri ocasionalidade não fundamentada na personalidade), nem sobre os efeitos previsíveis das pena aplicada no comportamento futuro do agente.

O acórdão recorrido, ao efectuar o cúmulo jurídico das penas parcelares, relativas aos mencionados crimes, não elucida, porque não descreve, o raciocínio dos julgadores que orientou e decidiu a determinação da medida da pena do cúmulo, ou seja, o acórdão recorrido é omisso quanto ao tal dever de especial fundamentação, imposto pelo critério legal, na fixação da pena conjunta.
A decisão que efectua o cúmulo jurídico de penas não se pode reconduzir à invocação de fórmulas genéricas ou conclusivas sem apoio factual de significação concreta.
Tem, antes, de demonstrar a relação de proporcionalidade que existe entre a pena conjunta a aplicar e a avaliação conjunta dos factos e da personalidade.

Acresce que a decisão recorrida não efectuou qualquer correlato com as exigências de prevenção especial, uma vez que nada analisou sobre os efeitos previsíveis da pena sobre o comportamento futuro do condenado.
Ao omitir esta avaliação o tribunal omite pronúncia sobre questão que tinha de apreciar e decidir, o que determinaria a nulidade da respectiva decisão - art. 379.º do CPP. -Ac. deste Supremo, de 22-11-2006, Proc. n.º 3126/96 - 3.ª Secção
Na verdade, a omissão de pronúncia significa, na essência, ausência de posição ou de decisão do tribunal em caso ou sobre matérias em que a lei imponha que o juiz tome posição expressa sobre questões que lhe sejam submetidas: as questões que o juiz deve apreciar são todas aquelas que os sujeitos processuais interessados submetam à apreciação do tribunal (art. 660.º, n.º 2, do CPC), e as que sejam de conhecimento oficioso, isto é, de que o tribunal deva conhecer independentemente de alegação e do conteúdo concreto da questão controvertida, quer digam respeito à relação material, quer à relação processual.

Porém, constando da matéria de facto os elementos necessários à realização do cúmulo, pode o tribunal de recurso suprir a nulidade nos termos do nº 2 do artº 379º do CPP.
Como bem observa Oliveira Mendes, Código de Processo Penal comentado, 2014, Almedina , pág. 1183:
“Por efeito da alteração introduzida ao texto do nº 2 pela Lei nº 20/203, de 21 de Fevereiro, passou a constituir um dever do tribunal de recurso o suprimento das nulidades da sentença recorrida (é o que decorre da actual letra da lei «as nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, devendo o tribunal supri-las…»), razão pela qual sobre o tribunal de recurso impende a obrigação de suprir as nulidades de que padeça a sentença recorrida, a menos, obviamente, que a nulidade ó seja susceptível de suprimento pelo tribunal recorrido […]”
Para tanto é necessário que a decisão que efectue o cúmulo, descreva ou resuma todos os factos pertinentes de forma a habilitar os destinatários da decisão e o tribunal superior, a conhecer a realidade concreta dos crimes cometidos, bem como os factos provados, que demonstrem qual a personalidade, modo de vida e inserção social do agente, com vista a poder compreender-se o processo lógico, o raciocínio da ponderação conjunta dos factos e personalidade do mesmo que conduziu o tribunal à fixação da pena única.(v. Ac. deste Supremo de 27 de Março de 2003, proc. nº 4408/02 da 5ª secção)

Ora a decisão recorrida descreve os factos integrantes dos crimes, e factos sobre a personalidade do arguido.
Respiga-se com efeito, da decisão recorrida e do que consta por referência à arguida BB, que o arguido AA, contraiu matrimónio com a a arguida BB, tendo dessa relação dois descendentes, --- e ---, actualmente com 17 e 16 anos respectivamente., tendo há cerca de 18 anos, ido residir com o cônjuge e filhos para a ---, e constituído uma empresa de venda de máquinas e ferramentas de construção civil, “--- Maq. Ferram. Acess. Lda.”, localizada na zona industrial da---
À data dos factos, tratando-se de um período alongado no tempo, residia com o cônjuge e os três filhos, na ---
O ambiente familiar é disfuncional e desestruturado,
Por sentença de 15.11.2000 foi o arguido AA condenado na pena de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de € 5,00, pela prática, em 17.05.1996, de um crime de emissão de cheque sem provisão, p. e p. pelo art.º 11.º, n.º 1, do DL 454/91, de 28/12; por sentença de 24.05.2002 foi condenado na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa, à taxa diária de € 1,00, pela prática de um crime de emissão de cheque sem provisão, p. e p. pelo art.º 11.º, n.º 1, do DL 454/91, de 28/12; por sentença de 5.07.2002 foi condenado na pena de 90 (noventa) dias de multa, à taxa diária de € 5,00, pela prática, em 3.10.1997, de um crime de emissão de cheque sem provisão, p. e p. pelo art.º 11.º, n.º 1, do DL 454/91, de 28/12; por sentença de 18.03.2003 foi condenado na pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa, pela prática, em 27.09.2000, de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelo art.º 291.º, n.º 1, al. a), do C.Penal; por sentença de 30.01.2003 foi condenado na pena de 60 (sessenta) dias de multa, à taxa diária de € 3,00, pela prática, em 9.04.1998, de um crime de emissão de cheque sem provisão, p. e p. pelo art.º 11.º, n.º 1, do DL 454/91, de 28/12; por sentença de 24.10.2002 foi condenado na pena de 40 (quarenta) dias de multa, à taxa diária de € 3,00, pela prática, em 21.01.1996, de um crime de emissão de cheque sem provisão, p. e p. pelo art.º 11.º, n.º 1, do DL 454/91, de 28/12; por sentença de 17.02.2004 foi condenado na pena de 200 (duzentos) dias de multa, à taxa diária de € 3,00, pela prática, em 21.02.1996, de um crime de emissão de cheque sem provisão, p. e p. pelo art.º 11.º, n.º 1, do DL 454/91, de 28/12; por sentença de 5.07.2007 foi condenado na pena de 210 (duzentos e dez) dias de multa, à taxa diária de € 3,00, pela prática, em 21.02.1996, de um crime de emissão de cheque sem provisão, p. e p. pelo art.º 11.º, n.º 1, do DL 454/91, de 28/12; por sentença de 18.01.2005 foi condenado na pena de 130 (cento e trinta) dias de multa, à taxa diária de € 1,50, pela prática, em 4.05.2003, de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art.º 143.º, do C.Penal; por sentença de 28.09.2005 foi condenado na pena de 80 (oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 4,00, pela prática, em 26.06.2003, de um crime de emissão de cheque sem provisão, p. e p. pelo art.º 11.º, n.º 1, do DL 454/91, de 28/12; por sentença de 14.06.2010 foi condenado na pena de 90 (noventa) dias de multa, à taxa diária de € 5,00, pela prática, em 17.02.2003, de um crime de desobediência, p. e p. pelo art.º 348.º, do C.Penal; por sentença de 30.07.2008 foi condenado na pena de 300 (trezentos) dias de multa, à taxa diária de € 4,00, pela prática, em 10.2004, de um crime de falsificação de boletins, actas ou documentos, p. e p. pelo art.º 256.º, n.ºs 1, als. a) e c), e n.º 3, do C.Penal; por sentença de 19.05.2010 foi condenado na pena de 160 (cento e sessenta) dias de multa, à taxa diária de € 5,00, pela prática, em 12.02.2008, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3.º, do DL 2/98, de 3/01; por sentença de 2.11.2010 foi condenado na pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de € 7,00, pela prática, em 5.05.2008, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3.º, n.ºs 1 e 2, do DL 2/98, de 3/01.
Por outro lado como dá conta a mesma decisão:
“Começando pelo grau de ilicitude do facto típico, entendemos que se situa num nível acima do médio, tendo em conta, desde logo, a repetição das condutas dos arguidos e o longo período de tempo em que o fizeram.
No que diz respeito à intensidade do dolo, ao actuar como actuaram, os arguidos agiram com dolo directo, sendo, nessa medida, particularmente intensa a sua vontade criminosa Fala aqui Figueiredo Dias na intensidade da vontade no dolo, loc. cit., pag. 246.
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Relativamente à sua conduta posterior ao crime, a mesma deverá ser tomada em conta, na medida em que apresentaram uma versão dos acontecimentos que não corresponde à realidade, não assumindo a sua responsabilidade nos termos dados como provados, procurando, antes, desresponsabilizar-se.
Com efeito, sendo certo que o tribunal não pode valorar o silêncio do arguido, ou seja o facto de este não prestar declarações, que é um direito que lhe assiste, o mesmo já não acontece quando ele prescinde desse direito e vem apresentar uma versão dos factos que não corresponde à realidade. Aqui, estamos perante um comportamento processual do arguido que, umas vezes mais, outras vezes menos, permite tirar importantes conclusões sobre a medida da sua culpa e sobre o grau da sua perigosidade vide, Hans-Heinrich Jescheck, in Tratado de Derecho Penal, Parte General, 4ª Ed., da versão espanhola, pag. 807; Como se decidiu no Ac. STJ, de 18.04.2007(recurso nº 5/07, pag. 59, proferido no âmbito do processo comum colectivo 338/03.5JELSB, da 2ª Vara Criminal de Lisboa), a posição processual adoptada pelo arguido de não assumir a sua responsabilidade (…) – nos termos regularmente apurados no processo – depõe negativamente contra ele no ponto em que se valorem as exigências de prevenção especial e da necessidade da pena..
Ponderadas todas estas circunstâncias, bem como as exigências de prevenção geral e especial, muito elevadas, e levando ainda em conta a apurada situação pessoal e familiar da arguida BB,”

Da matéria fáctica provada, conjugada com a vida pregressa do arguido, resulta que os factos, têm a sua génese em tendência criminosa do arguido, que começando por assumir-se e repetir-se na prática de crime de emissão de cheque sem provisão – sendo condenado em penas de multa - sedimentou-se depois em crimes de burla e falsificação, nos termos supra descritos, sendo elevada a gravidade dos ilícitos, pela sua natureza, modo de execução e domínio abrangido (contratos de arrendamento, e de fornecimento visando benefícios em bens primários, alcançados de forma ilícita (habitação, gás, água e electricidade), a reclamar fortes exigências de prevenção geral e também especial, na dissuasão de condutas idênticas, atenta ainda a forte intensidade do dolo, e o tempo em que perdurou (cerca de quatro anos), tendo ainda em conta, a gravidade das consequências para os ofendidos, e a falta de preparação do arguido para manter conduta lícita,
Note-se o facto de o arguido e BB, se encontrarem com um atraso de cerca de 5 meses no pagamento da renda (500€/mês), encontrando-se em incumprimento relativamente ao pagamento da água e electricidade, e não dispõe de rendimentos próprios, subsistindo o agregado da prestação de abono das menores (cerca de 124€) e do contributo mensal que o filho --- presta, uma vez que é o único elemento laboralmente activo no agregado (auferindo cerca de 500€).
No meio, a família detém uma imagem negativa, sobretudo porque alguns dos elementos do agregado adoptam um comportamento desajustado e por vezes perturbador da paz pública, nomeadamente fazendo barulho e desrespeitando alguns elementos vicinais.

Tendo em conta todo o exposto, e ainda:
- O limite da culpa que é intensa.
- Os limites legais concretos da pena aplicável que se situam entre 4 anos de prisão e 16 anos e 6 meses de prisão, nos termos do nº 2 do artº 77º do CP..
- O efeito previsível da pena no comportamento futuro do arguido, face às exigências de socialização, sendo que arguido tem hoje --- anos de idade, (ocorrendo os factos quando se encontrava entre os 66 e 69 anos de idade mais que suficiente “para ter juízo”, e respeitar os valores comunitários, mormente os bens jurídico-criminalmente tutelados), e os factos ocorreram há já alguns anos..

Valorando o ilícito global perpetrado, na ponderação conjunta dos factos e personalidade manifestada, julga-se adequada e proporcional uma pena única de cinco anos e seis meses de prisão.

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Termos em que, decidindo:

Acordam os deste Supremo – 3ª Secção – em dar parcial provimento ao recurso e, consequentemente, reduzem a pena única aplicada nos autos ao arguido AA, a 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses, de prisão.


Supremo Tribunal de Justiça, 7 de Maio de 2014
Elaborado e revisto pelo Relator
Pires da Graça
Raul Borges