Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
09P0395
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SANTOS CABRAL
Descritores: ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
ACORDÃO DA RELAÇÃO
QUESTÃO INTERLOCUTÓRIA
DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO
ORGÃOS DE POLÍCIA CRIMINAL
COMPETÊNCIA
MEDIDA CAUTELAR
PROVA
MÉTODOS PROIBIDOS DE PROVA
EFEITO À DISTÂNCIA
PROVA INDICIÁRIA
REGRAS DA EXPERIÊNCIA COMUM
ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA
HOMICÍDIO
Nº do Documento: SJ200903120003953
Data do Acordão: 03/12/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :
I - Na parte em que recaiu sobre as matérias da nulidade da busca domiciliária e da irregularidade das gravações o acórdão do Tribunal da Relação é insusceptível de recurso, pois que se trata de decisão que não pôs termo à causa e, como tal, abrangida pela regra da irrecorribilidade imposta pela al. c) do n.º 1 do art. 400.°, por referência da al. b) do art. 432.º, ambos do CPP.
II - Tratando-se de questões interlocutórias, e apesar de o acórdão recorrido conter outras decisões que puseram termo à causa e susceptíveis de recurso para o STJ, o facto de não terem sido objecto de recurso autónomo não lhes confere recorribilidade fundamentada na circunstância de as restantes admitirem recurso para este Tribunal. Como se considerou, por ex., no Ac. do STJ de 22-09-2005, Proc. n.º 1752/05 - 5.ª, embora a questão interlocutória acompanhe a decisão final, pode e deve ser dela cindida, sendo que sobre ela até já se formou dupla conforme.
III - Este entendimento, respeitando a garantia constitucional do duplo grau de jurisdição, está em perfeita consonância com o regime dos recursos traçados pela Reforma de 1998 para o STJ, que obstou, de forma clara, ao segundo grau de recurso, terceiro grau de jurisdição, relativo a questões processuais ou que não tenham posto termo à causa. A excepção é a prevista na al. c) do art. 432.º do CPP, à qual não é subsumível a hipótese em apreço.
IV -De igual modo a Reforma introduzida pela Lei 48/2007 consagra, no art. 432.º, n.º 1, al. d), a regra de que as decisões interlocutórias que devem ser apreciadas pelo STJ são unicamente as que devam subir com os das als. b) e c).
V - O CPP consagra agora a possibilidade de medidas cautelares visando a obtenção de prova que, de outra forma, poderia perder-se, provocando danos irreparáveis nas finalidades do processo. É exactamente esse o campo de aplicação do art. 249.º do CPP ao atribuir aos órgãos de policia criminal, mesmo antes de receberem ordem da autoridade judiciária competente para procederem a investigações, competência para praticar os actos cautelares necessários e urgentes para assegurar os meios de prova.
VI - Para Damião da Cunha (in O Ministério Público e os Órgãos de Polícia Criminal, pág. 143) não pode haver qualquer tipo de dúvida quanto à clara integração processual penal das medidas cautelares e de polícia, pelo menos na sua maioria. Elas são a consequência lógica do conceito «actos com relevância processual penal», enquanto actos decorrentes da actividade de luta contra a criminalidade que ganham relevância para a descoberta de um crime.
VII - Por outro lado, sendo estas medidas actos de iniciativa própria dos órgãos de polícia criminal, não significa isto que a responsabilização funcional seja a estes imputada. É que, por um lado, aqueles actos perdem qualquer significado autónomo, na medida em que, integrando-se na posterior tramitação processual concreta, serão, por isso, sujeitos a uma avaliação ex post dos titulares das competências, e, por outro, serão também pressupostos das decisões finais a tomar pelos órgãos coadjuvados.
VIII - Sendo actos de iniciativa própria dos órgãos de polícia criminal, são ainda praticados na dependência funcional das autoridades judiciárias. Isto é, falte embora um comando das autoridades judiciárias, ainda assim os órgãos de polícia criminal devem actuar com a específica intencionalidade que os torna órgãos auxiliares da administração de justiça: também a este nível lhes impende, tanto quanto possível, não só descobrir circunstâncias fundamentadoras ou agravantes da responsabilidade criminal, como todas aquelas que, porventura, dirimam ou diminuam essa responsabilidade. Só assim estes actos de iniciativa própria são compatíveis com uma competência de coadjuvação e com a dependência funcional.
IX - São pressuposto de aplicação do art. 249.º do CPP a necessidade e a urgência, o que se reconduz à possibilidade de contaminação da prova ou de deterioração do meio de prova, bem como à impossibilidade da sua reprodução noutro momento que não aquele em que efectivamente é produzida.
X - Integra-se perfeitamente no âmbito desta prova antecipada a actuação da PJ quando, nos momentos imediatos à morte de uma pessoa, examina o local onde os factos ocorreram, tentando determinar as circunstâncias em que a mesma ocorreu. Independentemente do consentimento do arguido, a circunstância de tal acto obter uma ratificação pela autoridade judiciária é suficiente para conferir a necessária legalidade à actuação.
XI - É inequívoca a conclusão de que o conteúdo normativo do direito fundamental previsto no art. 32.º, n.º 8, da CRP inclui no seu âmbito o efeito remoto da utilização de métodos proibidos de prova.
XII - O efeito à distância da prova proibida nunca poderá alcançar uma abrangência que congregue no seu efeito anulatório provas que só por uma mera relação colateral, e não relevante, se encontram ligadas à prova proibida ou que sempre se produziriam, ou seria previsível a sua produção, independentemente da existência da mesma prova proibida.
XIII - Nada obsta a que as provas mediatas possam ser valoradas quando provenham de um processo de conhecimento independente e efectivo, uma vez que não há nestas situações qualquer relação de causalidade entre o comportamento ilícito inicial e a prova mediatamente obtida. Pode afirmar-se que o efeito metastizante da violação das regras de proibição de prova apenas tem razão de ser em relação à prova que se situa numa relação de conexão de ilicitude.
XIV - Não está abrangida pela conexão de ilicitude a prova produzida quando os órgãos de investigação criminal dispõem de um meio alternativo de prova, ou seja, de um processo de conhecimento independente e efectivo, nem nas situações em que a “mancha” do processo é apagada pelas próprias autoridades judiciárias ou através da actuação livre do arguido ou de um terceiro.
XV - O mesmo se dirá em relação à prova produzida através de uma prova ilícita pela sua proibição quando for imperativa a conclusão de que o mesmo resultado probatório seria sempre atingido por outro meio de obtenção de prova licitamente conformado.
XVI - Fundamentando-se a condenação na prova indiciária, a interpretação da prova e a fixação dos factos concretos terá, também, como referência as regras gerais empíricas ou as máximas da experiência que o juiz tem de valorar nos diversos momentos de julgamento.
XVII - Como refere Jaime Torres (Presunción de Inocencia y Prueba en el Proceso Penal, pág. 65), importa distinguir dois tipos diferentes de regras de experiência: as de conhecimento geral ou, dito por outra forma, as regras gerais empíricas cujo conhecimento se pressupõe existente em qualquer pessoa que tenha um determinado nível de formação geral e, por outro lado, as máximas de experiência especializada cujo conhecimento só se pode supor em sujeitos que tenham uma formação especifica num determinado ramo de ciência, técnica ou arte.
XVIII - O juiz pode utilizar livremente, sem necessidade de prova sobre elas, as regras de experiência cujo conhecimento se pode supor numa pessoa com a sua formação (concretamente formação universitária no campo das ciências sociais). O próprio ordenamento jurídico parte da liberdade do juiz para utilizar estas máximas da experiência de conhecimento geral, sem que as mesmas se inscrevam no processo através da produção de prova.
XIX - As razões que fundamentam a liberdade do juiz para a utilização dos seus conhecimentos de máxima da experiência são as mesmas que impõem a desnecessidade de fixação de factos notórios. Em qualquer um destes casos o que se pede ao juiz é que utilize os seus conhecimentos sobre máximas da experiência comum sem que importe a forma como os adquiriu.
XX - O princípio da normalidade, como fundamento que é de toda a presunção abstracta, concede um conhecimento que não é pleno mas sim provável. Só quando a presunção abstracta se converte em concreta, após o sopesar das contraprovas em sentido contrário e da respectiva valoração judicial, se converterá o conhecimento provável em conhecimento certo ou pleno.
XXI - Só este convencimento baseado numa sólida estrutura de presunção indiciária – quando é este tipo de prova que está em causa – pode alicerçar a convicção do julgador. Num hipotético conflito entre a convicção em consciência do julgador no sentido da culpabilidade do arguido e uma valoração da prova que não é capaz de fundamentar tal convicção será esta que terá de prevalecer. Para que seja possível a condenação não basta a probabilidade de que o arguido seja autor do crime nem a convicção moral de que o foi. É imprescindível que, por procedimentos legítimos, se alcance a certeza jurídica, que não é desde logo a certeza absoluta, mas que, sendo uma convicção com génese em material probatório, é suficiente para, numa perspectiva processual penal e constitucional, legitimar uma sentença condenatória. Significa o exposto que não basta a certeza moral mas é necessária a certeza fundada numa sólida produção de prova.
XXII - A forma como se explana aquela prova fundando a convicção do julgador tem de estar bem patente, o que se torna ainda mais evidente no caso da prova indiciária, pois que aqui, e para além do funcionamento de factores ligados a um segmento de subjectividade que estão inerentes aos princípios da imediação e oralidade, está, também, presente um factor objectivo, de rigor lógico, que se consubstancia na existência daquela relação de normalidade, de causa para efeito, entre o indício e a presunção que dele se extrai.
XXIII - Como tal, a enunciação da prova indiciária como fundamento da convicção do juiz tem de se expressar no catalogar dos factos base ou indícios que se considere provados e que vão servir de fundamento à dedução ou inferência, sendo necessário, ainda, que na sentença se explicite o raciocínio através do qual, partindo de tais indícios, se concluiu pela verificação do facto punível e da participação do arguido no mesmo. Esta explicitação, ainda que sintética, é essencial para avaliar da racionalidade da inferência.
XXIV - A compreensão e a possibilidade de acompanhamento do percurso lógico e intelectual seguido na fundamentação de uma decisão sobre a matéria de facto, quando respeite a factos que só podem ter sido deduzidos ou adquiridos segundo as regras próprias das presunções naturais, constitui um elemento relevante para o exercício da competência de verificação da (in)existência dos vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP, especialmente do erro notório na apreciação da prova, referido na al. c) – cf. os Acs. deste STJ de 07-01-2004, Proc. n.º 3213/03, e de 24-03-2004, Proc. n.º 4043/03.
XXV - O facto de uma testemunha vislumbrar o arguido no átrio do prédio às 09h25 não tem a virtualidade de permitir a conclusão de que nos momentos anteriores, e nomeadamente no momento da queda, o mesmo se encontrava em casa. Todavia, já uma diferente perspectiva é permitida a partir do momento em que o mesmo arguido nega a existência de uma discussão cuja prova de existência se verificou, ou apresenta uma versão do seu percurso na altura dos factos que não corresponde com a que se considerou provada, como é o facto de negar a sua permanência naquele átrio.
XXVI - Numa situação em que a convicção expressa do tribunal parte da premissa de que o arguido estava em casa e discutiu com a vítima, para daí inferir que está de acordo com as regras de experiência comum concluir que, de tal discussão, resultou o facto de o mesmo arguido ter atirado voluntariamente a mesma vítima para o vazio, dando-lhe a morte, o salto lógico é demasiado evidente para que seja admissível acriticamente, sem qualquer outro contributo probatório. Na verdade, o facto de se provar a presença do arguido na casa, e a discussão com a vítima, necessita de coadjuvação de outros contributos indiciários para permitir, sem qualquer dúvida, fundamentar uma convicção probatória solidamente alicerçada.
XXVII - Mas existem esses outros elementos que corroboram o juízo lógico, ou seja, o silogismo elaborado, que se inscrevem na fundamentação de facto da decisão recorrida, embora de forma esparsa, pois que foi considerado provado que «a ausência de impressões digitais naquela janela indica claramente a mesma ilação, já que é incompatível com a transposição de parapeito medindo 88,5 cm, com o auxílio, ou não, de qualquer móvel».
XXVIII - Assim, partindo do pressuposto de que o tribunal de 1.ª instância se convenceu, pela circunstância de existir um exame lofoscópico realizado com todas as garantias, de que, a haver impressões digitais, as mesmas sempre ficariam registadas, cabe na lógica comum a conclusão de que, não podendo a vítima transpor o obstáculo físico da janela unicamente pelos seus meios sem deixar impressões digitais, teria existido a intervenção de terceiro – do arguido – na sua projecção no vazio e sequente morte.
XXIX - Ou seja, a ausência de impressões digitais na janela e as notas espalhadas no chão do quarto de onde a vítima caiu, conjuntamente com a apresentação de uma versão inverídica pelo arguido, permitem concluir que não estão violadas regras de experiência comum na avaliação da prova indiciária e que, consequentemente, a decisão não enferma de erro notório na apreciação da prova.
XXX - Sendo sempre objecto da mais viva reprovação jurídico criminal, o homicídio pode ter na sua origem uma situação que, face à experiência comum, poderia conduzir àquele desenlace (v.g. o confronto extremo para desagravo da honra, a defesa de bens que se consideram essenciais).
XXXI - Porém, casos existem em que o homicídio surge numa situação em que de todo não era expectável porquanto os motivos que lhe estão na causa são mínimos, são razões menores. A prática do crime surge aqui como resultado de um processo pautado pela ilógica, ou de plena irracionalidade, em que uma culpa do agente acentuada por um alto grau de censurabilidade leva a tirar a vida a alguém por razões fúteis.
XXXII - Estando em causa a prática de um crime de homicídio na sequência de uma discussão entre arguido e vítima, desconhecendo-se a forma sequencial como se processou e os motivos que estariam subjacentes, e tendo em consideração que as circunstâncias de o casal ter um filho, de viver na mesma casa ou de a vítima ter sido lançada para a morte da janela do quarto do filho não têm qualquer virtualidade para se afirmar uma culpa qualitativamente situada num patamar superior, é de concluir que o crime praticado foi o de homicídio simples p. e p. pelo art. 131.º do CP.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


AA veio interpor recurso da decisão do Tribunal da Relação de Évora que confirmou o acórdão condenatório proferido em primeira instância que, pela prática de um crime de homicídio qualificado p.p. no nº2 do artigo 132 do Código Penal e posse de arma p.p. artigo 86 da Lei 5/2006 o condenou, respectivamente, nas penas de dezanove anos de prisão e quarenta e cinco dias de prisão e na pena conjunta de dezanove anos e um mês de prisão.
As razões de discordância encontram-se expressas nas conclusões da respectiva motivação de recurso onde se refere que:
1. O acórdão de que se ora recorra do tribunal a quo, viola claramente e de grosseira as normas jurídico processuais penais bem como as normas jurídico Constitucionais, normas essa não só de suporte do nosso Estado de Direito, mas de suporte e defesa dos direitos e interesses constitucionalmente consagrados do arguido ora recorrente.
2. Verifica-se no acórdão de que ora se recorre uma excessiva e descabida valoração da prova, assim como o erro notório e flagrante na apreciação da mesma, bem como as interpretações descabidas de fundamentação na livre apreciação da prova,
3.bem como uma nítidas e flagrantes as violações quanto ao errado julgamento de pontos da matéria de DIREITO e de FACTO provada em objecção aos princípios Constitucionais da "in dubio pro reo" e da Presunção da Inocência.
4. É flagrantemente ilegal por inconstitucional, violando claramente o Princípio da presunção da inocência e o princípio "in dubio pro reo" a “reconstrução" ( a título de tese condenatória aquando a (in)justificação da mesma para condenar) dos depoimentos de das testemunhas de defesa, como é o caso do depoimento da testemunha BB que é ele mesmo corrigido pelo douto tribunal a quo, para coincidir com a aludida cabala acusatória.
5. As normas constantes dos artigos 127.°, 368.°, 374.° do Código de Processo Penal, conforme interpretação do tribunal a quo é inconstitucional, por derrogação do princípio in dubio pro reo ainda que, sendo um princípio geral do direito processual penal, é a expressão, em matéria de prova, do princípio constitucional da presunção de inocência do arguido (art. 32.°, 11.02, da CRP), como tal objecto de controle por parte deste Tribunal,
6. Termos em que ignora o acórdão ora recorrido toda a prova produzida pela defesa, nomeadamente a prova testemunhal, interpretando de forma descabida, abusiva, irreal e desconexa as declarações da testemunha CC e BB,
7. não se dignando a fundamentar o porquê de desconsiderar as testemunhas de defesa (7)em detrimento da testemunha de acusação (1 ), CC.
8. Não faz sentido nenhuma a presunção proferida pelo tribunal a quo, senão vejamos a título de exemplo o que se menciona em sede do acórdão ora recorrido:
a) fls ... do acórdão recorrido" Como os factos ocorreram em Abril é fácil concluir que o seu vizinho não estaria no local nessa altura." -fácil ??? que diligências foram efectuadas junto do vizinho para concluir tal facto ??? A falta de justificação e fundamentação para tal conclusão é Gritante e ofensiva de todas as normas jurídico tal como nós as conhecemos bem como tal interpretação roça a perigosidade de colocar o próprio Estado de Direito como o mesmo foi concebido em vias de exterminação.
Recorde-se que as declarações do arguido foram de:
"00:09:20 - Argnido: Naquele instante apercebi-me que se passava alguma coisa porque:: no último andar quem mora sou eu e o meu vizinho."
Recorde-se que as declarações da testemunha CC, foram de:
00:57:24 - M.P: A Sra. Na discussão que ouviu prévia sabia de onde vinha a discussão?
00:57:24 - Testemunha: É assim da casa de banho, dava para ouvir. 00:57:32 - M.P: Seriam do andar de cima?
00:57:33 - Testemunha: Sim, no andar de cima.
00:57:36 - M.P: Vivia mais alguém no andar de cima?
00:57;37 - Testemunha: não sei
b) fls. _. do acórdão recorrido'" ... concluir, com acervo, que o arguido quis matar a EE. Nenhuma outra conclusão é possível face à prova produzida." - Qual a fundamentação ??? Onde estão as provas ??? Qual a prova produzida ??? Esclareça o douto tribunal a quo UMA UNIC4 PROVA DE TAL FACTO …Condena-se um inocente com base em palpites ???
9. Além de ser ilegal por Inconstitucional, violando claramente o Princípio da presunção da inocência e o princípio "in dubio pro reo" a "reconstrução/Presunção" do Tribunal a quo a mesma é precipitada e desconexa com a realidade dos factos é totalmente feita à revelia das regras da experiência e da ciência, excedendo claramente o Princípio da Livre Valorização da Prova,
10. termos em que deve o Tribunal Valorar a Prova com base na experiência ... mas não deve NUNCA o julgador INVENTAR,
11. Com o devido e douto respeito ... o douto Tribunal de que ora se recorre não presume ... IMAGINA, termos em. que as deduções efectuadas pelo douto tribunal são suportados por um subjectivismo tal, que não se comporta aos olhos da justiça e do direito.
12. Viola nestes termos de forma flagrante o tribunal a quo os artigos 28 e 32 da Constituição da República Portuguesa, bem como os artigos 127.°, 368º e 374.° do Código Processo penal.
13.Acresce ainda que viola igualmente o tribunal a quo as normas processuais previstas nos artigos 171.° a 177.° do Código Processo Penal, quando disfarça uma Busca Domiciliária em Exame, violando claramente não só dos direitos processuais e constitucionais do arguido ora recorrente, como igualmente omite uma ilicitude processual, que comina com a NULIDADE da prova obtida no âmbito da aludida Busca Domiciliária.
14. O Venerando Tribunal da Relação de Évora. interpreta de forma inconstitucional quando considera Legal a busca domiciliária, disfarçando-a de Exame, sendo que conforme o Douto Tribunal afirma" O que se verifica é que a entrada da polícia na residência do arguido ocorreu logo a seguir à ocorrência de um facto com fortes probabilidades de constituir crime", esquecendo-se que conforme fls ... o arguido encontra-se fora da sua residência e foi ai bordado pelos agentes policiais, esquecendo-se por completo dos pressupostos legais impostos no n.o 2 , 3 e 4 do n.o 171. o do CPP que não foram cumpridos, nem justificando o incumprimento dos mesmos, que tomam inválidas todas as provas ai obtidas;
15. As BUSCAS e revistas são autorizadas ou ordenadas por despacho pela autoridade judiciária competente, devendo esta, sempre que possível, presidir à diligência, conforme decorre do nº 3 do Art. 174 do CPP, sendo que enquanto excepção ressalva o nº5 do artigo 174.° do CPP, as BUSCAS efectuadas por órgão de polícia criminal, nos seguintes casos:
d) .... , criminalidade violenta .... Quando haja fundados indícios da prática iminente de crime que ponha em grave risco a vida ou u integridade de qualquer pessoa;
e) .... Visados consintam, desde que o consentimento prestado fique. por qualquer forma. documentado, ou;
f) Aquando de detenção em flagrante por crime.
16. Acresce que ... não existiam fundados indícios da prática iminente de crime que colocasse em grave risco a vida ou a integridade de qualquer pessoa, até porque conforme fls ... o arguido foi abordado antes da aludida busca em frente à casa da ama com seu filho menor ao colo, senão vejamos o depoimento da testemunha DD, agente da PSP Portimão, afirmou, na 1 ° sessão da audiência de julgamento, também que:
01 :21 :24 - Testemunha: Quando lá chegamos à rua de Timor, encontramos o Sr. AA com o filho ao colo.
01:21:59 - Juiz: Encontraram-no (arguido) junto ao edifício onde estava o corpo? 01:22:02 - Testemunha: Não. Encontramo-lo junto do edifício. onde tinha a ama. 01:22:29 - Juiz: Qual a reacção dele (arguido)?
01:22:38 - Testemunha: Perguntei é o Sr. AA? Respondeu que sim. Então caminhamos para a porta do edifício, mas como estava muita gente fomos para a esquadra. "
17.Decorre claramente, que não se verificou detenção em flagrante, bem como decorre claramente dos autos a folhas ..... arguido não consentiu na aludida busca, termos em que não existe nenhum documento nos autos que faça alusão a tal consentimento, conforme .... m do aludido Cd.
18. Acresce que também não consta dos autos, conforme do nº 6 do Art.174º e do nº 4 do Art.177.° ambos do CPP, comunicação imediata ao Juiz de Instrução, não tendo por este último sido apreciada nem validade, sob pena de NULIDADE.
19. Pelo exposto a aludida Busca Domiciliária encontra-se ferida de ilegalidade, nomeadamente, NULIDADE com a consequência da mesma.
20. Termos em que conforme fls .... do douto acórdão de que ora se recorre, ignora o tribunal a quo os mesmo toda a tramitação legal, constante dos me 174.° a 177.° que os agentes de autoridades estavam legalmente incumbidos de cumprir.
21. Termos em que pelo exposto viola claramente o acórdão ora recorrido as seguintes normas legais:
-28.° da CRP
- 32.° da CRP
- 1.°da CRP
- 18.º da CRP
- 20.° da CRP
- 127.° CPP
- 368.° CPP
- 374.º Cpp
-171º a 177º CPP
22. Acresce ainda. que o tribunal a quo, conforme acórdão que ora se recorre a folhas. . .. Dos presentes autos ignora que o aludido Cd. Da gravação da audiência de julgamento, não reproduz na íntegra a audiência de discussão e julgamento, nomeadamente em alguns momentos verifica-se deficiência na gravação.
23. Ignora o acórdão ora recorrido a folhas ... a interrupção da respectiva gravação aquando o inquirição da testemunha de acusação CC aquando segunda inquirição em 23 de Janeiro de 2008 ( II Secção ), precisamente dos 08 minutos e 14 segundos aos 10 minutos e 19 bem como ignora interrupção da respectiva gravação aquando o inquirição da testemunha de acusação CC aquando segunda inquirição em 23 de Janeiro de 2008 ( II Secção ), precisamente dos 14 minutos e 32 segundos aos 15 minutos e 28 segundos, quando à
24. Mais grave ainda, o douro tribunal a quo demonstra claramente que proferiu acórdão em ERRO NOTÓRIO conforme decorre a fls .... do douto acórdão de que ora ,se recorre que " Quanto ao depoimento da testemunha CC, esse não se encontra a 8 m e 14 s, mas sim a partir dos 53 m e 38 s e é perfeitamente audível.", IGNORANDO POR COMPLETO que a testemunha CC prestou duas vezes declarações e o douto acórdão de que ora se recorre somente aborda o período das segundas declarações.
25. Uma questão se coloca: E as primeiras declarações ?7? Onde: estão elas ??? Ouve-se ou não 17? No entendimento do arguido ora recorrente não se ouve nada, aquando as primeiras declarações da aludida testemunha, facto esse que certamente induziu o Tribunal a quo em erro.
26. Termos em que conforme supra descrito e fundamentado a motivação e fundamentação do acórdão ora recorrido e respectivas conclusões, apontam para a manifesta falta de razão e ciência do Douto Tribunal a quo em relação a todos os pontos acima sintetizados, porque derivados de confusão conceptual e de uma errada argumentação sobre os princípios da livre apreciação da prova e da atipicidade na respectiva produção estão em contradição com a lei e o Direito.
27. É manifesto por grosseiro e notório o ERRO na valoração da prova e consequente condenação do arguido ora recorrente, conjugado com a total desvalorização da prova apresentada pela defesa, que necessariamente originaria uma ABSOLVIÇÃO.
28. Correcto será afirmar que os vícios referidos e previstos no artigo 410°, 11.° 2, als. a) e c) do CPP, sendo como são reportados à própria decisão, dela e do seu texto e contexto devendo resultar directamente ou conjugada com as regras da experiência comum, não ocorrem "in casu", mas sim derivam de urna conclusão precipitada, não fundamentada e incoerente do acórdão de que ora se recorre.
29. "erro notório na apreciação da prova" constitui uma insuficiência que só pode ser verificada no texto e no contexto da decisão recorrida, quando existam e se revelem distorções de ordem entre os factos provados e não provados, ou que traduza uma apreciação manifestamente ilógica, arbitrária, de todo insustentável, e por isso incorrecta, e que, em si mesma, não passe despercebida imediatamente à observação e verificação comum do homem médio», como acontece no acórdão recorrido
30. Termos em que estamos claramente perante ERRO NOTÓRIA aquando a valoração da prova verificando-se que acórdão recorrido padece dos vícios das alíneas a) e c) do nº 2 do artigo 410° do CPP, resultando do seu texto, por si e conjugado com as regras da experiência, colossal distorção da prova produzida, bem como omissão e desconsideração de elementos de facto indispensáveis ao apuramento dos elementos típicos dos crimes em causa e da responsabilidade do seu agente.
31. Carecendo o acórdão recorrido de uma gritante FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO, a que está Constitucionalmente obrigado, nos termos do art 97.°, 205.° da CRP e nos termos do art. 374.° e 375.° do CPP, não se verificando uma clara e concisa enumeração dos factos provados e não provados, bem como uma exposição dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, com a respectiva indicação do exame critico das provas que serviram para formar a convicção, ERRADA, do douto tribunal, bem como não especifica os fundamentos que presidiram à escolha e à medida da sanção aplicada.
32. Acs. Da Relação de Coimbra de 89.02.15 - BMJ 384-674 e de 89.07.12, BMJ 389-64, da Relação do Porto de 91.10.16:
" Sofre de nulidade insuprível a sentença na qual não se faz a indicação das provas que serviram para formar a convicção do julgador. "
33. Ac. do STJ de 91.12.18, BMJ 412-383
" A decisão, em processo crime, (em de obedecer, sob pena de nulidade, as seguintes requisitos: 1) O relatório;
11) A fundamentação abrange: a) a enumeração dos factos provados e não provados; b) a enumeração, dos motivos de facto e de direito, que fundamentam a decisão; c) a indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
34. Ac. Relação do Porto de 92.04.01-Proc. Nº 138/92
" A sentença penal, para obedecer às exigências de fundamentação, tem de concretizar o meio probatório gerador da convicção do julgador acerca de cada facto, devendo ainda, na medida do possível, indicar as razões de credibilidade, ou de força decisiva, reconhecida aos meios de prova. " -. O que efectivamente não se afigura no acórdão ora recorrido.
35. Decorre do nº 127.° do CPP (Livre Apreciação da Prova) que o princípio da livre apreciação da prova não liberta o julgador das provas que :se produzem. nos autos, pois é com elas e com base nelas que terá. que decidir, já que quod non est in acris non est tn mundo. A sua liberdade circunscreve-se, assim, á livre apreciação dessas mesmas provas dentro dos parâmetros legais, não podendo, porém, estender essa liberdade até ao ponto de cair no puro arbítrio, como sucede no acórdão ora recorrido.
36. Na verdade, a regra da livre apreciação da prova em processo penal não se confunde com a apreciação arbitrária, discricionária ou caprichosa da prova, de todo em todo imotivável. O julgador, ao apreciar livremente a prova, ao procurar através dela atingir a verdade material, deve observância a regras de experiência comum utilizando como método de avaliação e aquisição do conhecimento critérios objectivos, genericamente susceptíveis de motivação e controlo, o que salvo melhor opinião não se afigura no acórdão ora recorrido.
37. A propósito da livre apreciação da prova, impõe-se uma referência ao Princípio in dubio pro reo, um princípio geral que estabelece que, na decisão de factos incertos, a dúvida favorece o réu.
38. O Princípio in dubio pro reo, que foi enunciado no século XIX por Stubel, emerge que perante a dúvida em relação à prova da matéria de facto, tem que ser sempre valorada favoravelmente ao réu.
39. termos em que requer igualmente o arguido ora recorrente que o Venerando Supremo Tribunal de Justiça à luz do art. 434.° do Código Processo Penal, se pronuncie igualmente acerca da:
a) Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) Contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) Erro notório na apreciação da prova;
40. Termos em que conforme norma constante do art. 434.° do CPP: O recurso interposto vara o Supremo tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame de matéria de direito. Sem prejuízo do disposto nos nº 2 e 3 do art 410. do CPP.
Termina pedindo que:
A) Declarar a inconstitucionalidade da excessiva e descabida valoração da prova. A interpretação do acórdão ora recorrido nas normas constantes dos artigos 127.°, 368.°, 374.° do Código de Processo Penal, assim interpretada é inconstitucional, por derrogação do princípio in dubio pro reo ainda que sendo um princípio geral do direito processual penal, é a expressão, em matéria de prova, do princípio constitucional da presunção de inocência do arguido (art. 32.°,nº 2, da CRP).
B) Declarar erro notório, excessivo e flagrante na apreciação da prova bem como declarar as interpretações descabidas de fundamentação na livre apreciação da prova, com as violações apontadas quanto ao errado julgamento de alguns pontos da matéria de DIREITO e de FACTO provada, ABSOLVENDO O ARGUIDO ORA RECORRENTE, nos termos do art. 434.° e 410.° nº2 e 3 do CPP.
C) Ordenar a transcrição da prova produzida nas sucessivas sessões de audiência de julgamento, nos termos do nº 4 do artº412 do CPP e nos termos do Assento nº 2/2003, 30 Janeiro do STJ, publicado no D.R nº25-I A série e consequentemente a ABSOLVIÇÃO do arguido ora recorrente.
D) Ordenar Ilegal a aludida Busca Domiciliária e consequente Nulidade de toda a prova obtida e respectivo desentranhamento dos autos e consequente ABSOLVIÇÃO do arguido ora recorrente.

Respondeu o Ministério Público pedindo a manutenção da decisão recorrida.
Nesta instância a ExªMª Srª Procuradora Geral adjunta emitiu parecer no sentido de que o arguido deve ser condenado embora admita a desqualificação do crime de homicídio pelo qual foi condenado.
Os autos tiveram os vistos legais.
Cumpre decidir
Em sede de decisão recorrida encontram-se provados os seguintes factos:
1. No dia 4 de Abril de 2007, cerca das 9 horas, num dos quartos do apartamento do edifício onde, num 8º andar, residiam o arguido e a sua esposa, EE, travou o casal uma discussão;
2. No decurso da discussão, o arguido lançou EE para o exterior da janela, de modo aquela cair desamparada no pátio traseiro, ficando o corpo prostrado a curta distância da parede do prédio;
3. Como consequência directa e necessária da queda de oito andares, sofreu a vítima traumatismos crâneo-encefálico, toráxico e abdominal, lesões estas que foram causa adequada da sua morte imediata;
4. Ao agir assim, tinha o arguido o propósito de causar a morte de EE , resultado este que quis como efeito da queda que provocou do 8º andar do prédio;
5. No mesmo dia 4 de Abril de 2007 e no interior da residência do arguido, tinha este guardadas em cima do armário da cozinha treze munições de calibre 9 mm;
6. O arguido conhecia a natureza e calibre das referidas munições e que não era permitida a sua posse;
7. Agiu o arguido voluntária, livre e conscientemente, tendo perfeito conhecimento de que tais condutas não eram permitidas por lei;
8. O arguido negou em audiência ter atirado a sua esposa pela janela, admitindo ter consigo as munições. Foi condenado, em 13.12.2006, em pena de 30 dias de multa, pela prática de crime de burla para obtenção de alimentos, bebidas ou serviços, cometido em 20.11.2005. Foi condenado, em 27.2.2007, em pena de 45 dias de multa, pela prática de crime de condução de veículo em estado de embriaguez, cometido em 6.7.2006;
9. Oriundo de um agregado com um estrato socio-económico e cultural mediano, o arguido nasceu e estudou em Lisboa, até aos 18 anos de idade, não tendo concluído o 11º ano, numa ambiência familiar caracterizada pela normalidade de recursos e de afectos, destacando-se a progenitora como a figura centralizadora em termos de autoridade e imposição de regras, norteando-se pelos valores tradicionais;
10. Durante a sua adolescência foi jogador de voleibol no Sporting Club de Portugal e no Sport Lisboa e Benfica, acumulando com funções de treinador da mesma modalidade, de jovens alunos na Escola Secundária Fernando Pessoa, onde estudava. Aos dezoito anos e na sequência de uma atitude de desmotivação relativamente à actividade escolar, deslocou-se para o Algarve, onde ingressou no mercado de trabalho, no ramo da hotelaria e da restauração;
11. Dos 18 aos 26 anos de idade, vivenciou várias relações maritais, algumas efémeras, outras com alguma consistência, de que resultou o nascimento de uma filha, hoje com 6 anos de idade. Durante este período de tempo, manteve-se sempre activo, ligado ao mesmo sector de actividade, com passagens por Inglaterra e a bordo de cruzeiros turísticos nas Caraíbas, América do Norte e do Sul;
12. Aos 26 anos de idade contraiu matrimónio com a vítima, cidadã brasileira, que tinha no início, uma relação profissional de “streaper” em casas de diversão nocturna, a qual viria posteriormente a abandonar por vontade de AA Desta relação nasceu um filho, actualmente com 2 anos de idade, que se encontra a cargo dos progenitores do arguido;
13. Profissionalmente geria, juntamente com outro sócio, três espaços ligados à hotelaria e restauração - um bar, um bar de apoio a piscina e um restaurante - inseridos num complexo turístico, denominado Vale Costa, na Praia do Vau, em Portimão, resultando desta gestão proveitos económicos na ordem dos três mil e quinhentos euros por mês, sendo ainda o arguido dono de um automóvel BMW e uma moto Kawasaki;
14. Em Abril de 2007 o arguido integrava o agregado constituído pelo cônjuge e pelo filho de ambos, num apartamento de tipologia T4, entretanto adquirido através de empréstimo bancário e situado na Rua ........, ... - A , Portimão;
15. A situação económica era equilibrada, uma vez que o arguido exercia a sua actividade como empresário do ramo da hotelaria e restauração, em Portimão e a partir de determinada altura o cônjuge voltou a trabalhar como “streaper”, em espaços nocturnos;
16. Beneficiava de algum apoio familiar, nomeadamente dos progenitores, que com regularidade se deslocavam ao Algarve para acompanhar o processo de desenvolvimento do neto e apoiar o arguido, em situações pontuais e em termos logísticos ;
17. Em meio prisional tem mantido um comportamento estável e equilibrado, adequado às normas vigentes no mesmo;
Prova-se ainda que:
18. A vítima tinha ingerido álcool e cocaína;
19. O arguido foi conduzido às instalações da esquadra da P.S.P. de Portimão.

E como não provados os seguintes:
1. Os respeitantes a anteriores desentendimentos, discussões ou agressões entre o casal, incluindo no próprio dia 4.4.2007, não se sabendo ainda a que horas e em que circunstâncias chegou a vítima a casa e o que sucedeu antes da discussão que precedeu a queda;
2. Que a vítima tivesse por hábito mentir;
3. Que o arguido tivesse pago à vítima passagens aéreas para o Brasil;
4. Que no dia 4.4.2007 o casal tenha ou não discutido por motivos relacionados com dinheiro;
5. Que o arguido tenha atirado notas para o chão, ou que estas estivessem manchadas;
6. Que CC tenha tido algum desacato com o arguido;
7. Que estivesse à distância de 47 cm. da janela a secretária do quarto do filho do arguido;
8. Que o arguido estivesse fora de casa quando se deu a queda da vítima;
9. Que o sócio do arguido, FF, fosse fornecedor de cocaína, ou que o arguido consumisse, ou não, este produto;
10. Que a Rua de .......seja paralela à Rua de .................. a porta do prédio da casa da ama do filho do arguido fique a mais de cerca de 50 metros da porta do edifício onde este mora;
11. Que o arguido tenha tido outro tipo de movimentações ou encontros entre o momento em que tocou à campainha da ama e a abordagem que lhe foi feita por GG e DD, agentes da P.S.P.;
12. Que o arguido não tenha dado autorização aos agentes da autoridade para entrarem em sua casa;
13. Outros factos atinentes às condições do arguido e do casal, bem como às respectivas personalidades;
14. Que a vítima andasse desiludida, deprimida e amargurada ou que tenha falado em suicidar-se.

I
Nulidade da busca domiciliaria e irregularidade das gravações
A)
Entendemos que, na parte que recaiu sobre estas matérias o acórdão do Tribunal da Relação de Évora é insusceptível de recurso.
Com efeito, trata-se de decisão que não pôs termo à causa e, como tal, abrangida pela regra da irrecorribilidade imposta pela alínea c) do nº 1 do art° 400°, por referência da alínea b) do art° 432°, ambos do CPP.
É evidente que o acórdão recorrido contém outras decisões que puseram termo à causa e susceptíveis de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça. Todavia, tratando-se, sem dúvida, de uma questão interlocutória, a circunstância de não ter sido objecto de recurso autónomo não lhe confere recorribilidade fundamentada na circunstância de as restantes poderem ser objecto de recurso para este Tribunal. Como se considerou, por exemplo, no Ac. de 22.09,05, p. nº 1752/05-5, embora a questão interlocutória acompanhe a decisão final, pode e deve ser dela cindida, sendo que sobre ela até já se formou dupla conforme.
Este entendimento, respeitando a garantia constitucional do duplo grau de jurisdição, está em perfeita consonância com o regime dos recursos traçados pela Reforma de 1998 para o Supremo Tribunal de Justiça que obstou, de forma clara, ao segundo grau de recurso, terceiro grau de jurisdição, relativo a questões processuais ou que não tenham posto termo à causa. A excepção é a prevista na alínea c) do art° 432° do Código de Processo Penal, á qual não é subsumível a hipótese em apreço.
Por igual forma a reforma introduzida pela Lei 48/87 consagra no artigo 432 nº1 alínea d) a regra de que as decisões interlocutórias que devem ser apreciadas pelo Supremo tribunal de Justiça são unicamente as que devam subir com as alíneas b) e c)
Nesta parte, encontra-se o recurso interposto incurso no condicionalismo apto a declarar a sua rejeição.

B)
Lateralmente, importa, ainda, referir que o recorrente, ao pronunciar-se sobre aquela “busca”, ultrapassa a invocação da mera nulidade para invocar a existência de eventual prova proibida valorada em sede decisão recorrida com a inevitável referência de inconstitucionalidade.
Aceitando-se como dogma o principio de que é no direito processual penal que vão convergir as virtudes e defeitos constitucionais-sismógrafo da Constituição afirmam alguns- é sem dúvida no artigo 32 da Constituição da República Portuguesa que ganham corpo os princípios materiais do processo criminal ou de constituição processual criminal (nas palavras de Gomes Canotilho e Vital Moreira).
Assumindo uma configuração de verdadeiras "garantias de processo criminal" as denominadas "proibições de prova" constituem verdadeiras concretizações processuais de direitos fundamentais - e não meras limitações à actividade dos órgãos de polícia criminal e das autoridades judiciárias - como o direito à integridade pessoal, o direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar e o direito à liberdade, consagrados nos artigos 25.°, nº1, 26.°, nº1, e 27.°, nº 1, respectivamente, da Constituição. Em última instância, está em causa a tutela de direitos pessoais recondutiveis à essencial dignidade da pessoa humana - princípio transversal da ordem jurídica com raiz na consciência colectiva.
Assim, prescreve o nº8 do referido artigo 32, que são nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicilio, na correspondência ou nas telecomunicações. Por tal forma se fulmina com a nulidade qualquer prova que tenha sido obtida em contravenção com aqueles direitos com assento constitucional e se comina a impossibilidade de tais elementos serem valorados no processo. Estamos, assim, perante o núcleo essencial das proibições de prova que veio a conformar e determinar o legislador ordinário ao consagrar no artigo 126 do Código de Processo Penal, os denominados métodos proibidos de prova.
Todavia, é nítido o diferente recorte que assumem, no preceito citado, e em termos de tonalidade ético normativa, a proibição de provas obtidas mediante tortura, coação ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas em relação àquelas que têm por fundamento a intromissão na vida privada, no domicilio, na correspondência ou nas telecomunicações. Se, na primeira hipótese, estamos perante uma proibição absoluta, insusceptível de qualquer concessão, pois que está em causa o próprio cerne dos direitos de personalidade, já no segundo caso é a própria norma -ao admitir os casos ressalvados na lei- que admite a compressão de direitos constitucionais, porquanto tal é razoável e admissível numa lógica de proporcionalidade e exigido pelo próprio interesse do Estado no funcionamento da justiça penal.
As proibições de prova dão lugar a provas nulas (artigo 32, nº 8, da Constituição da República). Porém, a nulidade das provas proibidas obedece a um regime próprio, distinto da nulidade insanável e da nulidade sanável. Como se referiu trata-se de um regime complexo, que distingue dois tipos de proibições de provas consoante atinjam a integridade física e moral ou a privacidade da pessoa humana. Como refere Paulo Pinto Albuquerque “ a nulidade da prova proibida que atinge o direito à integridade física e moral previsto no artigo 126, nº 1 e 2 do CPP é insanável; a nulidade da prova proibida que atinge os direitos à privacidade previstos no artigo 126, nº 3 é sanável pelo consentimento do titular do direito. A legitimidade para o consentimento depende da titularidade do direito em relação ao qual se verificou a intromissão ilegal. O consentimento pode ser dado ex ante ou ex post facto. Se o titular do direito pode consentir na intromissão na esfera jurídica do seu direito, ele também pode renunciar expressamente à arguição da nulidade ou aceitar expressamente os efeitos do acto, tudo com a consequência da sanação da nulidade da prova proibida. Em síntese, o artigo 126, nº 1 e 2, prevê nulidades absolutas de prova e o nº 3 prevê nulidades relativas de prova”.
Poderíamos, assim, sintetizar, dizendo que a interdição de prova é absoluta no caso do direito à integridade da pessoa e relativa nos restantes casos, devendo ter-se por abusiva a intromissão quando efectuada fora dos casos previstos na lei e sem intervenção judicial (art. 34°-2 e 4), quando desnecessária ou desproporcionada ou quando aniquiladora dos próprios direitos ( art. 18°-2 e 3). Nos casos restantes, em que se elencam as provas obtidas mediante intromissão na vida privada; no domicílio ou na correspondência, a interdição é relativa e conformada pela ausência de consentimento do respectivo titular.
Aqui, surge uma primeira indicação da ausência de razão do recorrente ao omitir que a entrada no apartamento onde ocorreram os factos só foi possível porque o mesmo entregou aos investigadores a respectiva chave. Tal acto de forma tácita, quando não expressa, implica um consentimento.

*
Num segundo plano, importa salientar que o recorrente confunde meios de produção de prova de conteúdo totalmente distinta. É assim em relação ao exame-artigo 171- ou em relação á busca a que se refere o artigo 174 do Código de Processo Penal.
Importa, aliás, salientar que o Código de Processo Penal consagra agora a possibilidade de medidas cautelares visando a obtenção de prova que, de outra forma, poderia perder-se provocando danos irreparáveis nas finalidades do processo. É exactamente esse o campo de aplicação do artigo 249 do Código de Processo Penal ao atribuir aos órgãos de policia criminal, mesmo antes de receberem ordem da autoridade judiciária competente para procederem a investigações, praticar os actos cautelares necessários e urgentes para assegurar os meios de prova.
Repescando a opinião de Anabela Miranda Rodrigues (1) o que se observa é, pois, que através da sua consagração, se prefere a eficácia da acção conseguida ao rigor dos princípios. Esta opção representa, entretanto, por parte do legis­lador, a consciência clara de que a realização de uma investigação criminal necessita, para ser eficaz, de ter ao seu dispor certos meios que são afinal, na prática, os meios "normais" de actuação naquelas fases em que a prova se estrutura. Assim, respeita-se, por um lado, a nova filosofia do futuro Código assente na legalização dos meios de actuação que até aqui se encontravam numa zona de semi­-clandestinidade; por outro lado, a consciência muito nítida de que a sua consagração representa um risco, assumido pelo Código, de utilização abusiva dessas medidas, levou a apertar os critérios que legiti­mam a intervenção das polícias nesses casos - restringe-se a tomada de medidas a "actos urgentes" (artigo 251.°, nº1 e 252.°, nº 2) - e a introduzir o limite da intervenção homologadora da autoridade judi­ciária (art. 251.°, nº 2 e 252.° nº 3).
O que interessa fazer ressaltar é que a consagração destas medi­das cautelares e de polícia só se justifica à luz de uma ideia de con­cordância prática reguladora das finalidades em conflito nos concre­tos problemas do processo penal. Sendo particularmente chocante qualquer solução que absolutizasse ou a finalidade de realização da justiça e descoberta da verdade material, ou a protecção dos direitos fundamentais das pessoas, a solução encontrada representa, sem dúvida, na situação concreta, a salvaguarda do máximo de conteúdo de cada uma daquelas finalidades.
Para Damião da Cunha (2) não pode haver qualquer tipo de dúvida quanto à clara integração processual penal das medidas cautelares e de polícia, pelo menos na sua maioria. Elas são a consequência lógica do conceito «actos com rele­vância processual penal», enquanto actos decorrentes da actividade de luta contra a criminalidade que ganham relevância para a descoberta de um crime.
Por outro lado sendo estas medidas actos de inicia­tiva própria dos órgãos de polícia criminal, não significa isto que a responsabilização funcional seja a estes imputada. É que, por um lado, aqueles actos perdem qualquer signifi­cado autónomo, na medida em que, integrando-se na poste­rior tramitação processual concreta, serão, por isso, sujeitos a uma avaliação «ex post» dos titulares das competências, por outro, e em segundo lugar, serão também pressupostos das decisões finais a tomar pelos órgãos coadjuvados.
Mas, daqui pode porém retirar-se outra importante conclusão: sendo actos de iniciativa própria dos órgãos de polícia criminal, são ainda praticados na dependência funcional das autoridades judiciárias. Isto é, falte embora um comando das autoridades judiciárias, ainda assim os órgãos de polícia criminal devem actuar com a específica intencio­nalidade que os torna órgãos auxiliares da Administração de Justiça - também a este nível lhes impende, tanto quanto possível, não só descobrir circunstâncias fundamentadoras ou agravantes da responsabilidade criminal, como todas aquelas que, porventura, dirimam ou diminuam essa respon­sabilidade. Só assim, estes actos de iniciativa própria são compatíveis com uma competência de coadjuvação e com a dependência funcional.
São pressuposto de aplicação do normativo em causa a necessidade e urgência o que se reconduz á possibilidade de contaminação da prova ou de deterioração do meio de prova bem como á impossibilidade da sua reprodução noutro momento que não aquele em que efectivamente é produzida
Integra-se perfeitamente no âmbito desta prova antecipada a actuação da polícia Judiciária quando, nos momentos imediatos á morte de uma pessoa, examina o local onde os factos ocorreram, tentando determinar as circunstâncias em que a mesma ocorreu.
Independentemente do consentimento do arguido, que, no caso, até ocorreu, a circunstância de tal acto obter uma ratificação pela autoridade judiciária é suficiente para conferir a necessária legalidade da actuação

C)
Acompanha-se a opinião de Helena Mourão (3) quando sublinha o efeito á distância da prova proibida como um factor que reforça a ideia da autonomia total entre o instituto das nulidades processuais e o das proibições de prova e, ainda, que tal efeito tem génese na própria norma.
Como sublinha a mesma Autora alguma doutrina portuguesa entende que este problema não encontra qualquer resposta na Constituição e apenas poderá encontrar soluções jurisprudenciais e doutrinárias. Porém, estamos em crer, pelo contrário, que é inequívoca a conclusão de que o conteúdo nor­mativo do direito fundamental previsto no artigo 32 nº8 da Constituição da República Portuguesa inclui no seu âmbito o efeito remoto da utili­zação de métodos proibidos de prova.
Um primeiro argumento que se pode invocar neste sentido encon­tra-se no teor literal da própria norma constitucional citada, uma vez que esta declara nulas "todas as provas obtidas mediante tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações", sem introduzir qualquer diferenciação ao nível do grau ime­diato ou mediato da sua obtenção. (4) Para além deste argumento literal, é ainda possível encontrar um argumento, retirado da hermenêutica jurídico-constitucional proveniente da teoria da interpretação das normas constitucionais que aponta também para a ideia de que o efeito á distância das proibições de prova se encontra dentro do âmbito normativo do artigo 32 nº8 da Constituição.
Desde logo, como refere aquela Autora, tal conclusão é, também, imposta pelo principio de interpretação constitucional que se consubstancia no princípio da máxima efectividade ou seja quando o teor de uma norma da Lei Fundamental possibilitar mais do que uma interpretação, o intérprete deve considerar as consequências a que conduz cada interpretação e escolher aquela que melhor realize os fins que a Constituição tem em vista ao prever tal norma. (5)

Considerando por tal forma é liminar a conclusão de que a interpretação que assume um papel mais abrangente na finalidade protectora dos direitos elencados no artigo 32 nº8 da Constituição é aquela que não conduz à destrinça entre prova directa e indirectamente obtida através de métodos proibidos, uma vez que quanto menor for a possibilidade de aproveitamento do material probatório obtido na sequência de um meio ilícito, maior será, inequivocamente, a eficácia dissuasora da norma relativamente a comportamentos contrários à sua lógica de protecção.
Conclui-se pois, na esteira da mesma Autora, que o efeito-à-dis­tância se encontra abrangido pela esfera normativa do artigo 32/8 da Constituição.

Assumido tal pressuposto importa precisar a orientação que, especifica­mente virada para o campo dos direitos, liberdades e garantias, e à dia­léctica que se estabelece entre eles e a lei, considera estes direitos fundamentais verdadeiras normas de decisão e não meras normas de acção
Decorre de tal assunção que estamos perante normas que se impõem na concreta e directa actuação dos órgãos jurisdicionais e os órgãos de investigação criminal. Consequentemente, os direitos, liberdades e garantias não são apenas medidas de acção, conformadoras do processo, ou normas de controlo da validade das normas jurídicas, mas também normas de decisão para a aplicação e interpretação do 'direito da lei. Resulta do exposto que é proibida a concretização das normas legais nos casos concretos de modo contrá­rio aos direitos, liberdade e garantias o que se complementa com a imposição de que as autoridades judiciárias concretizem as suas actuações concretas do modo que melhor se conforma com tais direitos.
Consequentemente, o intérprete, de acordo com a vinculação que sobre ele impende, está obrigado a erigir o efeito-à-distância em direito de decisão e a concretizar as normas legais probatórias reguladoras do processo penal do modo mais conforme aos direitos, liberdades e garantias constantes da Lei Fundamental.

Porém, uma visão redutora e fundamentalista do normativo em causa ignora o delicado equilíbrio que é necessário desenhar entre a defesa das regras que consubstanciam valores fundamentais e aqueles valores que derivam da imposição resultante de outros campos de concretização da pessoa com é o seu direito á segurança e realização da vida em sociedade.
Concretamente, o efeito á distância da prova proibida nunca poderá alcança uma abrangência que congregue no seu efeito anulatório provas que só por uma mera relação colateral, e não relevante, se encontram ligadas á prova proibida ou que sempre se produziriam, ou seria previsível a sua produção, independentemente da existência da mesma prova proibida. (6) .
O enumerar dos caminhos que visam a criação de espaços de equilíbrio que contrabalancem uma aplicação fundamentalista da regras de proibição de prova a todas as provas que se encontrem encadeadas com aquela que foi produzida e era proibida, clarifica uma opção mais ou menos densificada por um dos campos em redor do qual se trava o debate. Assim e desde logo a excepção da prova independente que tem a sua origem na jurisprudência norte americana (independent source) e no em concreto no caso Wong Sun de 1963. Segundo a mesma, e pouco é o lastro que concede á solução da questão em apreço, a existência da ilicitude da proibição não teria qualquer consequência a nível da formação da convicção do tribunal a partir do momento em que esta se pudesse firmar em função de prova obtida de forma legal e autonomamente. A questão reside na descodificação no caso concreto do conceito de autonomia.
Para a excepção da descoberta inevitável (inevitable source), surgida como um aperfeiçoamento da teoria da prova independente (7) o fundamento reside na circunstância de que é possível chegar validamente a uma conclusão probatória, obtida de forma licita de que um determinado facto aconteceu, ainda que se tenha conhecido esse mesmo facto através de forma ilícita, sempre que a prova válida seja independente, ou seja, sem conexão causal com a prova ilícita directa ou derivada. Se pela prova licita se chega inevitavelmente ao conhecimento do facto delitivo está eliminada a eficácia reflexa da prova proibida(8) (9)
Como refere Helena Mourão (10) em ambas as excepções é necessário que exista um clean path, um caminho lícito, que conduza às provas secundárias, mas, enquanto neste último caso esse percurso é actual, no primeiro revela-se meramente hipo­tético ("imminent, but in fact unrealized source of evidence").
Em nosso entender nada obsta a que as provas mediatas possam ser valoradas, quando provenham de um processo de conhecimento independente e efectivo, uma vez que não há nestas situações qualquer relação de causalidade entre o comportamento ilícito inicial e a prova mediatamente obtida. Pode-se afirmar que o efeito metastizante da violação das regras de proibição de prova apenas têm razão de ser em relação á prova que se situa numa relação de conexão de ilicitude.

Para além desta situação, adianta a mesma Autora, cabe ainda analisar o caso da chamada purged taint exception ou attenuation.Segundo tal limitação, poderá ser utilizada no processo toda a prova secundária a que os órgãos de investigação criminal não teriam chegado, de uma perspectiva de relação causal, sem a violação da proibição de prova, mas relativamente à qual se pode dizer que já nenhum nexo causal efectivo subsiste entre tal prova mediata e a violação inicial.
Há duas situações paradigmáticas em que tal pode suceder.
É, desde logo, esse o caso, quando a nódoa do processo é "limpa" pelas próprias autoridades judiciárias, mediante a prossecução da investigação através do recurso a meios lícitos e alternativos de inda­gação, da continuação da recolha de outros meios de prova, desta vez independentes e não "manchados".
Por seu turno, pode a mácula do processo ser apagada através da actuação livre do arguido ou de um terceiro. É o caso da testemunha que, tendo prestado um depoimento, que havia sido invalidado por força da violação de urna proibição de prova, volta a prestar as mesmas declarações, desta vez de livre vontade E o caso do arguido que é levado a confessar determinados factos de modo auto-ncriminatório, por força de urna anterior violação de proibição de prova, mas que, mais tarde, após ter sido convenientemente informado de que tais pro­vas não podem ser utilizadas, opta por confessar os mesmos factos espontaneamente.
Em todas estas situações de limpeza do processo nenhum obstáculo se coloca também à possibilidade de utilização da prova indirectamente obtida através da violação de uma proibição de prova, uma vez que, mediante um acontecimento superveniente, traduzido numa actuação dos órgãos de investigação, do próprio arguido ou de um terceiro, e dotado da capacidade de interferir na relação causal que se estabelece entre a primitiva conduta violadora e o resultado probatório secundário, a prova mediata cessa de poder ser perspectivada como tendo sido obtida através do comportamento ilícito inicial.

Perfilha-se o entendimento de que se coaduna com os critérios da norma constitucional, e se enquadra numa perspectiva teleológica do regime das regras de proibição de prova, a conclusão de que não está abrangida pela conexão de ilicitude a prova produzida quando os órgãos de investi­gação criminal dispõem de um meio alternativo de prova, ou seja, de um processo de conhecimento independente e efectivo, quer nas situa­ções em que a "mancha" do processo é apagada pelas próprias autori­dades judiciárias ou, através de uma actuação livre do arguido ou de um terceiro, nem se verifica realmente uma interrupção ou quebra do nexo de imputação entre a primitiva conduta violadora e o resultado proba­tório secundário, nem, muito menos, uma sanação na nódoa do pro­cesso, como defende alguma doutrina
Por igual forma se dirá em relação á prova produzida através de uma prova ilícita pela sua proibição quando for imperativa a conclusão de que o mesmo resultado probatório seria sempre atingido por outro meio de obtenção de prova licitamente conformado. Seria inevitável que a autoridade judiciária atingisse a mesma conclusão probatória utilizando os meios legais ao seu alcance.


Reconduzindo o exposto ao caso vertente, e sendo certo que não se vislumbra a violação de qualquer uma das regras do artigo 126 do Código de Processo Penal. Porém, mesmo que tal violação existisse, subsistindo a citada confusão sobre meios de obtenção de prova, o certo é que não se vislumbra a existência de qualquer prova que não pudesse ser obtida de forma autónoma e perfeitamente legal.

II

A
Relativamente ao vício decorrente da violação do artigo 374 nº2 do Código de Processo Penal é patente a falta de razão do recorrente.
A decisão recorrida é exaustiva na indicação do processo lógico pelo qual concluiu pela forma como o fez. O recorrente discorda de tal conclusão mas, então, o que está em casa não é a falta de fundamentação, mas sim a discordância em relação á matéria de facto o que é algo de perfeitamente distinto.
Improcede, assim, o vício apontado.

B
In dubio pro reo

Invoca, ainda, o recorrente a sua discordância em relação á forma como foi abordada a questão da aplicação do princípio “in dubio pro reo”.
Estamos em crer que a questão foi indevidamente colocada. Na verdade, o princípio in dubio pro reo, constitucionalmente fundado no princípio da presunção de inocência até ao trânsito em julgado da sentença de condenação (artigo 32º, nº 2, da Constituição), vale só, evidentemente, em relação à prova da questão de facto e já não a qualquer dúvida suscitada dentro da questão de direito. Aqui, a única solução correcta residirá em escolher não o entendimento mais favorável ao arguido, mas sim aquele que juridicamente se reputar mais exacto.
Relativamente, porém, ao facto sujeito a julgamento o princípio aplica-se sem qualquer limitação e, portanto, não apenas aos elementos fundamentadores e agravantes da incriminação, mas também às causas de exclusão da ilicitude e da culpa, às condições objectivas de punibilidade, bem como às circunstâncias modificativas atenuantes e, em geral, a todas as circunstâncias relevantes em matéria de determinação da medida da pena que tenham por efeito a não aplicação da pena ao arguido ou a diminuição da pena concreta, Em todos estes casos, a prova tem de actuar em sentido favorável ao arguido e, por conseguinte, conduzir à consequência imposta no caso de se ter logrado a prova completa da circunstância favorável ao arguido
Conforme refere Figueiredo Dias a sindicância do respeito pelo principio em causa configura uma questão de direito pois que se trata de um princípio geral do processo penal, pelo que a sua violação conforma uma autêntica questão de direito que cabe, como tal, na cognição do Supremo Tribunal de Justiça e das Relações ainda que estas conheçam apenas de direito. Nem contra isto está o facto de dever ser considerado como princípio de prova:- mesmo que assente na lógica e na experiência (e por isso mesmo), conforma ele um daqueles princípios que devem ter a sua revisibilidade assegurada, mesmo perante o entendimento mais estrito e ultrapassado do que seja uma "questão de direito" para efeito do recurso de revista.
Pronunciando-se sobre questão em apreço este Supremo Tribunal tem assumido, genericamente, o entendimento de que tal principio se encontra, intimamente ligado ao da livre apreciação da prova (artº 127º, do C.P.Penal) do qual constitui faceta e este último apenas comporta as excepções integradas no princípio da prova legal, ou tarifada, ou as que derivem de uma apreciação arbitrária, discricionária ou caprichosa da prova produzida e ofensiva das regras da experiência comum.
De tal pressuposto emerge a conclusão de que o aludido princípio "in dubio pro reo” se situa em sede estranha ao domínio cognitivo do Supremo Tribunal de Justiça enquanto tribunal de revista (ainda que alargada) por a sua eventual violação não envolver questão de direito (antes sendo um princípio de prova que rege em geral ou seja quando a lei, através de uma presunção, não estabelece o contrário), o que conduz a esta outra asserção de que o Supremo Tribunal de Justiça tão só está dotado do poder de censurar o não uso do falado princípio se, da decisão recorrida, resultar que o tribunal "a quo' chegou a um estado de dúvida patentemente insuperável e que perante ele, e mesmo assim, optou por entendimento decisório desfavorável ao arguido. Este Supremo Tribunal de Justiça só pode sindicar a aplicação do princípio in dubio pro reo quando da decisão recorrida resulta que o Tribunal a quo ficou na dúvida em relação a qualquer facto e que, nesse estado de dúvida, decidiu contra o arguido.
Não se verificando a hipótese referida resta a aplicação do mesmo princípio enquanto regra de apreciação da prova no âmbito do dispositivo do art. 127.º do CPP que escapa ao poder de censura do Supremo Tribunal de Justiça, enquanto tribunal de revista. (Ac. de 23/01/2003, proc. n. 4627/02-5).
Como se viu, a primeira instância não ficou em estado de dúvida quanto à ocorrência de qualquer facto, afastando decididamente a invocação do arguido em relação a uma detenção para consumo pessoal. E não tendo ficado em estado de dúvida, não cabe a invocação do princípio in dubio pro reo.


III
Prova indiciária
A
Um ponto de discordância dos recorrente alinha-se pela forma como se aplicaram os critérios inerentes á produção de prova indiciária A percepção de eventuais patologias na argumentação impõe que precisemos aquilo de que falamos quando falamos de prova indiciária.
A actividade probatória é constituída pelo acto ou complexo de actos que tendem a formar a convicção da entidade decidente sobre a existência ou inexistência de uma determinada situação factual.
Ultrapassada a fase histórica da plenitude da prova tarifada, é manifesto que, hoje, a convicção do julgador apenas terá de obedecer ao requisito de ser recondutível a critérios objectivos. Conforme refere Germano Marques da Silva ((11)é clássica a distinção entre prova directa e prova indiciária. Aquela refere-se aos factos probandos, ao tema da prova, enquanto a prova indirecta ou indiciária se refere a factos diversos do tema da prova, mas que permitem, com o auxilio de regras da experiência, uma ilação quanto ao tema da prova.
Assim, se o facto probatório (meio de prova) se refere imediatamente ao facto probando fala-se de prova directa, se o mesmo se refere a outro do qual se infere o facto probando fala-se em prova indirecta ou indiciária. O indício não tem uma relação necessária com o facto probando, pois pode ter várias causas ou efeitos, e, por isso, o seu valor probatório é extremamente variável. Na prova indiciária, mais do que em qualquer outra, intervém a inteligência e a lógica do juiz. Porém, qualquer um daqueles elementos intervém em momentos distintos.
Em primeiro lugar é a inteligência que associa o facto indicio a uma máxima da experiência ou uma regra da ciência; em segundo lugar intervém a lógica através da qual, na valoração do facto, outorgaremos á inferência feita maior ou menor eficácia probatória.
A associação que a prova indiciária proporciona entre elementos objectivos e regras objectivas leva alguns autores a afirmar a sua superioridade perante outro tipo de provas, nomeadamente prova directa e testemunhal, pois que aqui também intervém um elemento que ultrapassa a racionalidade e que será muito mais perigoso de determinar, como é o caso da credibilidade do testemunho.
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Conforme refere Marieta (12)são dois os elementos da prova indiciária:
a)-Em primeiro lugar o indício que será todo o facto certo e provado com virtualidade para dar conhecer outro facto que com ele está relacionado. (Delaplane define-o como todo o resto vestígio, circunstancia e em geral todo o facto conhecido, ou melhor devidamente comprovado, susceptível de levar, por via da inferência ao conhecimento de outro facto desconhecido)
O indício constitui a premissa menor do silogismo que, associado a um princípio empírico ou a uma regra da experiência, vai permitir alcançar uma convicção sobre o facto a provar. Este elemento de prova requer em primeiro lugar que o indício esteja plenamente demonstrado, nomeadamente através de prova directa (v.g. prova testemunhal no sentido de que o arguido detinha em seu poder objecto furtado ou no sentido de que no local foi deixado um rasto de travagem de dezenas de metros).
O que não se pode admitir é que a demonstração do facto indicio que é a base da inferência seja também ele feito através de prova indiciária atenta a insegurança que tal provocaria.
b)- Em segundo lugar é necessária a existência da presunção que é a inferência que obtida do indício permite demonstrar um facto distinto. A presunção é a conclusão do silogismo construído sobre uma premissa maior: a lei baseada na experiência; na ciência ou no sentido comum que apoiada no indicio-premissa menor- permite a conclusão sobre o facto a demonstrar.
A inferência realizada deve apoiar-se numa lei geral e constante e permite passar do estado de ignorância sobre a existência de um facto para a certeza, ultrapassando os estados de dúvida e probabilidade.
A prova indiciária realizar-se-á para tanto através de três operações. Em primeiro lugar a demonstração do facto base ou indício que, num segundo momento faz despoletar no raciocínio do julgador uma regra da experiência ou da ciência que permite, num terceiro momento, inferir outro facto que será o facto sob julgamento.
A lógica tratará de explicar o correcto da inferência e será a mesma irá outorgar á prova capacidade de convicção.
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Não faz a nossa lei processual penal qualquer referência a requisitos especiais em sede de demonstração dos requisitos da prova indiciária.
O funcionamento e creditação desta está dependente da convicção do julgador que, sendo uma convicção pessoal, deverá ser sempre objectivável e motivável.
Conforme refere Marques da Silva o juízo sobre a valoração da prova tem vários níveis. Num primeiro aspecto trata-se da credibilidade que merecem ao tribunal os meios de prova e depende substancialmente da imediação e aqui intervêm elementos não racionais explicáveis. Num segundo nível inerente á valoração da prova intervêm as deduções e induções que o julgador realiza a partir dos factos probatórios e, agora já as inferências não dependem substancialmente da imediação, mas hão-de basear-se na correcção do raciocínio que há-de fundamentar-se nas regras da lógica, principio da experiência e conhecimentos científicos, tudo se podendo englobar na expressão regras da experiência.
Porém, o facto de também relativamente á prova indirecta funcionar a regra da livre convicção não quer dizer que na prática não se definam regras que, de forma alguma se poderão confundir com a tarifação da prova. Assim, os indícios devem ser sujeitos a uma constante verificação que incida não só sobre a sua demonstração como também sobre a capacidade de fundamentar uma lógica dedutiva; devem ser independentes e concordantes entre si
Nada impedirá, porém, que devidamente valorada a prova indiciária a mesma por si, na conjunção dos indícios permita fundamentar a condenação.
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Fundamentando-se a condenação na prova indiciária a interpretação da prova e a fixação dos factos concretos terá, também, como referência as regras gerais empíricas ou as máximas da experiência que o juiz tem de valorar nos diversos momentos de julgamento
Como refere Jaime Torres(13)importa distinguir dois tipos diferentes de regra de experiência: as regras de experiência de conhecimento geral ou, dito por outra forma, as regras gerais empíricas cujo conhecimento se pressupõe existente em qualquer pessoa que tenha um determinado nível de formação geral e, por outro lado, as máximas de experiência especializada cujo conhecimento só se pode supor em sujeitos que tenham uma formação especifica num determinado ramo de ciência, técnica ou arte.
Usando tais regras de experiência entendemos que o juiz pode utilizar livremente, sem necessidade de prova sobre elas, as regras de experiência cujo conhecimento se pode supor numa pessoa com a sua formação (concretamente formação universitária no campo das ciências sociais). O próprio ordenamento jurídico parte da liberdade do juiz para utilizar estas máximas da experiência de conhecimento geral sem que as mesmas se inscrevam no processo através da produção de prova.
As razões que fundamentam a liberdade do juiz para a utilização dos seus conhecimentos de máxima da experiência são as mesmas que impõem a desnecessidade de fixação de factos notórios. Em qualquer um destes casos o que se pede ao juiz é que utilize os seus conhecimentos sobre máximas da experiência comum sem que importe a forma como os adquiriu

A necessidade de controle dos instrumentos através dos quais o juiz adquire a sua convicção sobre a prova visa assegurar que os mesmos se fundamentam em meios racionalmente aptos para proporcionar o conhecimento dos factos e não em meras suspeitas ou intuições ou em formas de averiguação de escassa ou nula fiabilidade. Igualmente se pretende que os elementos que o julgador teve em conta na formação do seu convencimento demonstrem a fidelidade as formalidades legais e as garantias constitucionais.
As regras da experiência ou regras de vida como ensinamentos empíricos que o simples facto de viver nos concede em relação ao comportamento humano e que se obtem mediante uma generalização de diversos casos concretos tendem a repetir-se ou reproduzir-se logo que sucedem os mesmos factos que serviram de suporte efectuar a generalização. Estas considerações facilitam a lógica de raciocínio judicial porquanto se baseia na provável semelhança das condutas humanas realizadas em circunstâncias semelhantes a menos que outra coisa resulte no caso concreto que se analisa ou porque se demonstre a existência de algo que aponte em sentido contrário ou porque a experiência ou perspicácia indicam uma conclusão contrária.
Como afirma Duran(14) o princípio da normalidade torna-se assim o fundamento de toda a presunção abstracta. Tal normalidade deriva da circunstância de a dinâmica das forças da natureza e, entre elas, das actividades humanas existir uma tendência constante para a repetição dos mesmos fenómenos. O referido principio está intimamente ligado com a causalidade: as mesmas causas produzem sempre os mesmos efeitos e tem justificação na existência de leis mais ou menos imutáveis que regulam de maneira uniforme o desenvolvimento do universo.
O princípio da causalidade significa formalmente que a todo o efeito precede uma causa determinada, ou seja, quando nos encontramos face a um efeito podemos presumir a presença da sua causa normal. Dito por outra forma, aceite uma causa, normalmente deve produzir-se um determinado efeito e, na inversa, aceite um efeito deve considerar-se como verificada uma determinada causa. O princípio da oportunidade fundamenta a eleição da concreta causa produtora do efeito para a hipótese de se apresentarem como abstractamente possíveis várias causas. A análise das características próprias do facto permitirá excluir normalmente a presença de um certo número de causas pelo que a investigação fica reduzida a uma só causa que poderá considerar-se normalmente como a única produtora do efeito. Provado no caso concreto tal efeito deverá considerar-se provada a existência da causa.
Do exposto resulta que o princípio da normalidade, como fundamento que é de toda a presunção abstracta, concede um conhecimento que não é pleno mas sim provável. Só quando a presunção abstracta se converte em concreta, após o sopesar das contraprovas em sentido contrário e da respectiva valoração judicial se converterá o conhecimento provável em conhecimento certo ou pleno.
Só este convencimento alicerçado numa sólida estrutura de presunção indiciária-quando é este tipo de prova que está em causa- pode alicerçar a convicção do julgador. Num hipotético conflito entre a convicção em consciência do julgador no sentido da culpabilidade do arguido e uma valoração da prova que não é capaz de fundamentar tal convicção será esta que terá de prevalecer. Para que seja possível a condenação não basta a probabilidade de que o arguido seja autor do crime nem a convicção moral de que o foi. É imprescindível que, por procedimentos legítimos, se alcance a certeza jurídica, que não é desde logo a certeza absoluta, mas que, sendo uma convicção com géneses em material probatório, é suficiente para, numa perspectiva processual penal e constitucional, legitimar uma sentença condenatória. Significa o exposto que não basta a certeza moral mas é necessária a certeza fundada numa sólida produção de prova.
A forma como se explana aquela prova fundando a convicção do julgador tem de estar bem patente o que se torna ainda mais evidente no caso da prova indiciária pois que aqui, e para alem do funcionamento de factores ligados a um segmento de subjectividade que estão inerente aos principio da imediação e oralidade, está, também, presente um factor objectivo, de rigor lógico que se consubstancia na existência daquela relação de normalidade, de causa para efeito, entre o indicio e a presunção que dele se extrai.
Como tal a enunciação da prova indiciária como fundamento da convicção do juiz tem de se expressar no catalogar dos factos base ou indícios que se considere provados e que vão servir de fundamento á dedução ou inferência e, ainda, que na sentença se explicite o raciocínio através do qual e partindo de tais indícios se concluiu pela verificação do facto punível e da participação do arguido no mesmo. Esta explicitação ainda que sintética é essencial para avaliar da racionalidade da inferência.

B
Partindo do exposto uma outra questão se suscita directamente ligada com a apreciação de tal racionalidade ou seja o saber a que patologias estamos reconduzidos quando for manifesto que não existe tal racionalidade ou, dito por outra forma, quando estamos perante uma inferência que não é permitida pela aplicação das regras da experiência
Estamos em crer que a análise de tal questão se conexiona directamente com os vícios da sentença. Na verdade, directamente ligado ás exigências formais da decisão penal e da necessidade de fundamentação, na sua relevância endoprocessual e extraprocessual encontram-se os vícios cominados no artigo 410 do Código de Processo Penal.
Aqui assume papel fulcral o momento de fundamentação permitindo ao juiz demonstrar o processo lógico pelo qual adquiriu a convicção de que a realidade factual assume determinada conformação. Tal discurso tem de ser exaustivo, elencando o catálogo de provas que fundamentaram a convicção e a razão porque conduziram a tal convencimento e tem de ser linear no plano argumentativo sem quaisquer descontinuidades ou fracturas lógicas que apontem a existência de traços de ruptura na compreensão do processo de aquisição da mesma verdade processual.
Como se refere em decisão deste Supremo Tribunal de Justiça de 4/02/2005 (15) “O "erro notório na apreciação da prova" constitui uma insuficiência que só pode ser verificada no texto e no contexto da decisão recorrida, quando existam e se revelem distorções de ordem lógica entre os factos provados e não provados, ou que traduza uma apreciação manifestamente ilógica, arbitrária, de todo insustentável, e por isso incorrecta, e que, em si mesma, não passe despercebida imediatamente à observação e verificação comum do homem médio.
A incongruência há-de resultar de uma descoordenação factual patente que a decisão imediatamente revele, por incompatibilidade no espaço, de tempo ou de circunstâncias entre os factos, seja natural e no domínio das correlações imediatamente físicas, ou verificável no plano da realidade das coisas, apreciada não por simples projecções de probabilidade, mas segundo as regras da "experiência comum".
Na dimensão valorativa das "regras da experiência comum" situam-se, por seu lado, as descontinuidades imediatamente apreensíveis nas correlações internas entre factos, que se manifestem no plano da lógica, ou da directa e patente insustentabilidade ou arbitrariedade; descontinuidades ou incongruências ostensivas ou evidentes que um homem médio, com a sua experiência da vida e das coisas, facilmente apreenderia e delas se daria conta. (16)
O conceito de erro notório tem de ser interpretado, como o tem sido o de facto notório em processo civil, mormente para os efeitos do artigo 514 nº1 do respectivo Código, isto, é um facto de que todos se apercebem directamente, ou como um facto que adquire carácter notório por via indirecta, isto é, mediante raciocínios formados sobre factos observados pela generalidade dos cidadãos. Erro notório existirá, assim, sempre que se revelem distorções de ordem entre os factos provados e não provados, ou que traduza uma apreciação manifestamente ilógica, arbitrária, fora de qualquer contexto racional, e por isso incorrecta, e que, em si mesma, não passe despercebida imediatamente à observação e verificação comum do homem médio.


A compreensão e a possibilidade de acompanhamento do percurso lógico e intelectual seguido na fundamentação de uma decisão sobre a matéria de facto, quando respeite a factos que só podem ter sido deduzidos ou adquiridos segundo as regras próprias das presunções naturais, constitui um elemento relevante para o exercício da competência de verificação da (in)existência dos vícios do artigo 410º, nº 2, do CPP, especialmente do erro notório na apreciação da prova, referido na alínea c). - cfr. os acórdãos deste STJ, de 7 de Janeiro de 2004, proc.3213/03, e de 24 de Março de 2004, proc. 4043/03..
Partindo de tal pressuposto importa agora sindicar a sua aplicação ao caso vertente.


IV

É a seguinte a fundamentação da decisão recorrida no que concerne á indicação dos meios de prova que fundamentaram a convicção do tribunal:
“A convicção do tribunal quanto ao facto nuclear, a forma como ocorreu a morte de EE, formou-se com base nos testemunhos deHH, CC e BB, conjugados com as declarações do arguido e com o relatório da autópsia.
Assim, CC, vizinha do andar de baixo relativamente ao apartamento onde morava o casal formado por EE e o arguido (dando testemunho isento e dos factos revelando conhecimento os relatou em audiência, depondo por forma sincera, com postura espontânea, gestos tranquilos, semblante franco e sereno, dando pormenores congruentes, de maneira a não deixar qualquer tipo de dúvida sobre a veracidade do seu depoimento e da ocorrência daqueles) relatou que no dia 4.4.2007 se levantou cerca das 8.40/8.45 horas, apercebendo-se por essa altura de uma violenta discussão naquele apartamento, no andar acima do seu (o arguido, por seu turno, declarou que no respectivo andar apenas o seu apartamento, o ...... , estava habitado, por si, sua mulher e filho de ambos). Depois de sair da casa de banho, onde a testemunha esteve cerca de 10 minutos e na sequência da mesma discussão, ouviu um grito de mulher de aflição ou medo, após o que nada mais escutou. Passados alguns minutos e já depois de ter ido para a cozinha, verificou que estava uma senhora caída nas traseiras do prédio.
Este testemunho é, no essencial, corroborado desde logo pelo de BB, moradora do 6º andar do mesmo edifício, que afirmou ter reparado, quando estava na cozinha, num vulto a passar pela janela daquele compartimento, tendo-se assomado à mesma janela para verificar o que se passava, logo após o estrondo que também ouviu, deparando então com o corpo caído nas traseiras do prédio, altura em que esta testemunha gritou.
O corpo era o EE, caído na vertical do quarto do seu filho, cuja janela se encontrava aberta quando foi feito o exame do local, factos que resultam do conjunto de fotografias feitas logo após.
O conjunto de fotos tiradas no local e naquela ocasião (todas elas, incluindo as impressas e as que se encontram apensas em suporte informático) também indicam muito claramente que o corpo (depois de partir pelo menos 3 estendais – do 8º e 6º andares e do rés-do-chão) se encontrava naquela vertical (há duas fotos, impressas, que têm incorrectamente assinalado, a vermelho, o local onde se encontra o corpo, as fotos 2 e 4 , a fls. 32 e 34, já que assinalam um lençol - com toda a probabilidade arrastado na queda e que depois terá servido para cobrir o cadáver – vejam-se as fotos 6 e 7. Todavia, das mesmas fotos 2 e 4 resulta que o corpo ficou ao lado do lençol – nelas é visível, nomeadamente, o verde das calças envergadas por EE).
Do relatório da autópsia resulta claro que foi aquela queda que causou as lesões de que adveio a morte de EE.
Podemos então concluir, com toda a segurança, que na sequência de uma discussão entre o casal que ocorreu ou cessou no quarto do filho de ambos, o corpo de EE se precipitou no vazio pela respectiva janela.
Isto porque também sabemos já que na sequência de tal discussão ocorreu um grito Quer o mesmo tenha sido dado por EE, quer por BB (caso o terror tenha tolhido tal faculdade àquela), certo é que antecedeu imediatamente a queda ou se deu logo após a mesma.
O que nos diz então o arguido (que assim necessariamente presenciou a queda)?
Que não ouve qualquer discussão (ao menos àquela hora - terá, segundo disse, havido anterior troca de palavras mais azeda entre o casal, mas cerca das 7 horas).
E que quando, entre as 9.05 e as 9.10 horas, saiu de casa para levar o filho à ama e viu pela última vez a sua mulher, estava esta na cama do casal, onde ficou depois de, emocionada, se despedir do filho de ambos.
Referiu o arguido que terá então esperado algum tempo na rua onde mora a ama, com o filho, pois aquela, que reside em edifício situado no mesmo quarteirão e a cerca de 50 metros, não respondeu ao seu toque de campainha.
Tal versão é desmentida pelo testemunho de CC, que asseverou em audiência que quando saiu do edifício onde então morava, entre as 9.25 e as 9.35 horas, no hall de entrada do mesmo, ao nível do rés-do-chão, deparou com o arguido, parado a um canto daquele hall com um bebé ao colo. A testemunha saiu do prédio e olhando para trás reparou que o arguido também saiu, dirigindo-se então para o lado do estabelecimento “Capas Negras”(o lado para onde fica a casa da ama do filho do arguido, do que o tribunal se pode aperceber quando do exame que levou a cabo ao local).
Sabemos pois que as coisas não sucederam como o arguido as conta. Ele estava em casa quando se deu a queda, apenas abandonando o edifício entre as 9.25 e as 9.35 horas e depois de ter sido visto, pelo que à luz de elementares regras de experiência comum, foi o arguido (homem corpulento e possante, conforme o tribunal pode observar) quem empurrou a sua mulher pela janela do quarto do filho de ambos.
O teor do testemunho de HH, inspector da Polícia Judiciária que após o sucedido levou a cabo o exame do local (e não uma busca) reafirma tal conclusão, já que, como em audiência esclareceu e como resulta ainda daquelas fotos, o corpo caiu em perpendicular rente à parede do prédio, não se vislumbrando no respectivo quarto e com a necessária proximidade, qualquer móvel onde EE se pudesse ter apoiado para se deixar cair da janela, na qual, conforme esta testemunha referiu ainda, inexistiam vestígios digitais(de resto, a queda em semelhante perpendicular, partindo o corpo logo o estendal do próprio 8º andar, afasta claramente o suicídio, , incompatível com o permissão da queda voluntária para cima de obstáculo à mesma – por outro lado, a ausência de impressões digitais naquela janela indica claramente a mesma ilação, já que é incompatível com a transposição de parapeito medindo 88,5 cm. com o auxílio, ou não, de qualquer móvel).
Ou seja, mesmo que EE se tivesse deixado cair para cima do seu estendal, teria deixado necessariamente vestígios na janela onde inevitavelmente se apoiaria para tanto.
Assim, EE não se suicidou (de resto, note-se, nem o arguido, que o insinuou nas suas declarações, pretende que aquela o haja feito quando ele se encontrava em casa – e já sabemos que o arguido ali se encontrava quando se deu a queda).
A discussão entre o casal é ainda plenamente confirmada pela anormal presença de notas espalhadas no chão do quarto do filho de ambos, como referiu ainda a insuspeita testemunha HH (é insuficiente para se apurar o motivo da altercação, mas é indício que confirma a sua existência, tanto mais que sobre este pormenor, mais uma vez, o arguido nada explicou em declarações).
Toda a demais prova recolhida (salvo alguns pormenores relativos às horas das ocorrências e que de seguida serão analisados) é solidamente consistente com o que se acaba de concluir, ou seja, de que foi o arguido quem provocou a queda de vítima.
Por isso fixemos, com a precisão possível, as horas dos eventos.
Voltando ao depoimento de CC, recordemos que a mesma relatou que, entre as 9.25 e as 9.35 horas, quando ia sair do edifício onde então habitava, no hall de entrada do mesmo e no rés-do-chão, deparou com o arguido, parado a um canto daquele hall com um bebé ao colo, o que infirma as declarações daquele, dando ainda noção da respectiva atrapalhação e indecisão sobre o que deveria fazer na situação.
O arguido, negou estar naquele local, pelo que nem sequer é concebível a possibilidade de ali ter permanecido depois de ter saído do seu apartamento antes da queda (e que estaria ali a fazer no momento em que já tinha chegado o socorro?).
Afirmou então o arguido em audiência que, cerca das 9.05/9.10 horas, deixou a sua residência e ao sair da sua porta encontrou o rapaz. Obviamente a testemunha Jason Burges, empregado do arguido que disse em audiência tê-lo encontrado às 9.10 horas, estando com ele cerca de 5 minutos quando vinha da Praia da Rocha e dirigindo-se o arguido, com o bebé ao colo, para o supermercado, em data que, acha, foi no dia 4.4.2007.
Este encontro é corroborado pela testemunh a II que, afirmando ter estado presente no mesmo (o que de resto também tinha sido dito por JJ) esclareceu ter aquele ocorrido, não à porta de casa do arguido, mas na Av........... em Portimão, junto ao supermercado Alisuper.
O tribunal, no exame que fez ao local, pode constatar que o supermercado Alisuper fica efectivamente naquela Av. ......, pela qual passa também o caminho entre a Praia da Rocha e o centro de Portimão. Todavia, aquele suposto local de encontro fica já a cerca de 300 metros para trás da porta do edifício onde residia o arguido, em quarteirão diverso e afastado e com a Av.......de permeio. Acresce que para lá se dirigir, o arguido teria de se ter deslocado logo para sul (virando à sua esquerda), o lado contrário àquele que diz ter tomado (para casa da ama do seu filho que, como o tribunal também verificou, fica no mesmo quarteirão, para o norte e a cerca de 50 metros de quem vira para a sua direita, para a Rua ......., perpendicular à Rua de ....). Apenas duas conclusões são possíveis: o encontro relatado pelas duas testemunhas II e JJ não ocorreu, ou, o que dá no mesmo, não ocorreu naquele dia 4.4.2007.
Ainda no que respeita às horas, há que desde logo dar o devido desconto às correspondentes indicações. Numa situação desta natureza e a acrescer ao normal desencontro dos respectivos relógios, é natural que as pessoas não tenham a preocupação de registar com precisão o tempo dos eventos, pelo que os correspondentes relatos têm de ser sempre entendidos com alguma margem de erro quanto a esse detalhe.
Especialmente no que respeita à correspondente discrepância entre os testemunhos de CC e BB. Enquanto o depoimento de CC denuncia que a queda terá ocorrido entre as 8.50 e as 9 horas, já o testemunho de BB revela a mesma como tendo sucedido cerca das 9.30 horas (hora a que da janela da cozinha de sua casa se apercebeu da tragédia, tendo o tribunal verificado no local que as janelas dos andares 7º-B e 6º-B, correspondentes às respectivas cozinhas, ficam exactamente debaixo da janela por onde foi empurrada a vítima - o que explica ainda a patente incapacidade de precisão da testemunha CC na correspondente descrição, na sala de audiências e perante a planta da casa do arguido, do mesmo passo que se torna noutro precioso elemento de solidez e veracidade do seu testemunho – é que o apartamento onde então morava, tal como o de BB, ficando em baixo do arguido, não tem a mesma disposição).
Todavia, a testemunha BB ainda esclarece ter chamado por socorro, para o INEM, depois de alguma hesitação, pois não sabia a morada que teria de indicar, o que teve de ir perguntar a sua irmã. Acrescenta ainda que se vestiu antes de descer para a rua, tendo ali esperado também pela chegada do socorro. A equipe que ali compareceu ainda perdeu o tempo necessário para chegar ao corpo, pois que como esta testemunha também referiu, estava em local de difícil acesso, contabilizando cerca de 20 minutos entre a sua descida e o seu regresso a casa, ainda com os elementos dos bombeiros presentes no local.
Podemos pois concluir, com segurança, que entre a queda e a chegada do socorro terão mediado cerca de 20/25 minutos.
Sobre este ponto, hora de chegada do socorro, já temos vários testemunhos.
Desde logo o de CC (que referiu já estarem presentes os bombeiros quando, entre as 9.25 e as 9.35, saiu de casa – presença de que o arguido portanto também se apercebeu, nada fazendo e afastando-se depois para o lado da casa da ama do filho).
Temos ainda os testemunhos de DD e GG, agentes da P.S.P. que, conforme relataram em audiência, procederam à abordagem do arguido entre as 9.15/9.20 e as 9.30 horas, junto da porta da casa da ama do filho do casal e quando aquele socorro já se encontrava junto ao edifício onde o arguido residia.
A testemunha DD confirmou ainda ter recebido pelo menos duas chamadas telefónicas da testemunha CC (de que é amigo) tendo-lhe esta transmitido, numa delas que a sua vizinha tinha caído do 8º andar e na outra que o arguido estava no rés-do-chão do seu edifício com o bebé e uma bolsa (a testemunha CC em audiência referiu ter feito estas duas chamadas e ainda uma outra, anterior, após ter ouvido o grito, que a assustou).
A testemunha GG relatou que foi a testemunha CC quem lhes indicou o arguido (que estava perto do prédio da ama do seu filho), confirmando ainda que quando chegaram ao local já ali estava o socorro. Todavia o arguido apenas demonstrava curiosidade no que os agentes ali estavam a fazer relativamente a si próprio, sem dar qualquer atenção ou mostrar qualquer tipo de interesse na ambulância, no CODU e na P.S.P. à porta do seu prédio.
A testemunha SS, graduado de serviço da P.S.P. no dia do evento, confirmou em audiência ter recebido três chamadas, num espaço de cerca de 10 minutos e de seguida às 9.35 horas. Uma do CODU, solicitando a presença da polícia no local já que tinha havido uma queda do 8º andar. Outra do colega que havia recebido chamada de pessoa amiga que estranhava estar a senhora caída e o marido ir estrada abaixo com uma criança ao colo (sem dúvida, contacto do agente DD referindo-se à última chamada de CC). Outra ainda de uma senhora que aparentava estar a chorar, muito nervosa, identificando-se como sendo a mãe do marido da senhora que teria caído, perguntando o que se havia passado e relatando que o filho, nervoso, a havia contactado há minutos, pois não sabia bem da mulher e quando saiu de casa deu com o aparato de ambulâncias e carros da polícia, sem saber o que teria ali acontecido.
A testemunha RR refere ter visto o arguido à porta da ama, com o menino ao colo, entre as 9.20 e as 9.30 horas, quando a testemunha foi ao supermercado (justamente o Alisuper da Av. 25 de Abril, para o qual habitualmente tomava o caminho mais directo, da praceta onde reside, passando pela porta do prédio do arguido e seguindo em frente, para o lado contrário ao prédio da ama do filho do arguido, por onde naquele dia teve de fazer desvio, para levantar dinheiro na caixa multibanco ali existente, o que é inteiramente lógico, como o tribunal pode também observar).
A testemunha KK afirma que, da sua marquise, viu o arguido à porta da ama, com o menino ao colo, entre as 9.30 e as 10 horas (refere que depois avistou o arguido, ainda com o bebé ao colo, subir as escadinhas do café, ou seja, dirigir-se para o lado de sua casa já que ali existem efectivamente umas escadas no passeio, o que é também corroborado pela testemunha DD, que em audiência afirmou que juntamente com GG e antes de conduzirem o arguido para a esquadra da P.S.P. , se deslocaram com o mesmo ao pé da porta do prédio onde residia o casal. A testemunha KK, do mesmo passo que afirmou ter ido a dada altura para o interior de sua casa, ainda refere apenas ter dado conta das ambulâncias horas depois, o que sabemos não ter sucedido assim e o que apenas se explica por aquela deslocação para o interior da residência, de resto, já muito afastada da do arguido).
A este propósito, ou a qualquer outro, não merece o mínimo de crédito o testemunho prestado por LL, já que começou por referir ter avistado o arguido junto à pastelaria “Sabores”, ainda assim às 9.20 horas (como o tribunal pode constatar no exame que fez ao local, esse estabelecimento fica já na esquina da Av. ..... com a........., em local onde nem sequer o arguido refere ter estado naquela manhã, resultando das suas declarações, conjugadas com os demais testemunhos das pessoas que o avistaram que ele, sempre com o filho ao colo, apenas se deslocou entre a porta do seu prédio e a do prédio da ama, a meio da ....... Acresce que a testemunha LL, claramente envolvida e comprometida com o arguido, relatou uma detenção imediata e feita por desconhecidos quando se encontrava junto do arguido, não só não corresponde ao relatado pelos agentes que a levaram a cabo e que nenhum interesse têm na causa, como ainda colide frontalmente com o relato da testemunha KK, que confirma a deslocação do arguido da porta da ama para ao lado do prédio em que morava – obviamente antes de ser levado para a esquadra).
Como também nada ajudou o depoimento de MM a ama do filho do arguido, pois não foi capaz de esclarecer que horas seriam quando ouviu o toque constante na campainha de sua casa, que não atendeu (refere ainda que telemóvel de sua mãe teria registada uma chamada do telemóvel do arguido às 9 horas, estando combinado que ele também poderia deixar o filho com a mãe da ama, moradora noutro apartamento do mesmo edifício desta. Ora, nem sequer o arguido afirma ter saído a essa hora e qualquer chamada na sequência da frustração da entrega teria de ter ocorrido muito depois).
Por fim sabemos ainda que o óbito foi confirmado às 9.48 horas (impresso do INEM-CODU de fls. 9, lavrado logicamente depois de chegada ao local, da transposição das dificuldades de acesso e depois do necessário exame - do mesmo se inferindo logo o erro evidente de BB relativamente à hora que relata como a da queda – aquele óbito, nas circunstâncias descritas, nunca seria verificado apenas 18 minutos depois da queda).
Assim, é possível reconstituir os acontecimentos com a seguinte fita do tempo e com a possível precisão:
Entre as 8.45 e as 8.50 horas inicia-se a discussão entre o arguido e a vítima;
A altercação termina com um grito, no momento da queda, entre as 9 e as 9.05 horas;
O socorro é chamado por BB e chega entre as 9.20 e as 9.30 horas;
A testemunha CC sai de casa entre as 9.25 e as 9.35 horas e, após ver o arguido abandonar o prédio, onde estava a um canto do hall, telefona à testemunha DD;
O graduado de serviço da P.S.P. é contactado pelo CODU e por DD, cerca das 9.35 horas, quando o arguido já se encontra à porta da casa da ama.
Poucos minutos depois, o arguido é abordado e após é conduzido à esquadra da P.S.P.;
Às 9.48 horas é certificado o óbito.
Ou seja, a conjugação dos testemunhos essenciais de CC e de BB (sabendo nós agora que esta apenas se enganou na hora a que viu o corpo cair) corroborados por todos os demais elementos de prova referidos, colocam o arguido em sua casa no momento da discussão e da queda, sem qualquer margem para dúvida.
A versão deste (de que inexistiu discussão e que quando saiu de casa a vítima estava deitada) é assim totalmente incompatível com o suicídio, pois a queda dá-se com o arguido ainda em casa, o que ainda se alia e é perfeitamente harmónico com a circunstância de não haver qualquer evidência objectiva de suicídio.
Foi pois o arguido quem matou EE.
O provado relativamente às munições resulta das declarações do arguido, que reconheceu ter em sua casa as mesmas, que lhe foram entregues pelo seu pai (o que este, em audiência também confirmou).
O mais apurado, relativo às condições pessoais, profissionais e de personalidade do arguido resulta do correspondente C.R.C e do relatório do I.R.S., conjugados com os documentos juntos pelo arguido com a sua contestação, confirmando ainda passagem desse relatório, no que respeita à actividade desenvolvida em cruzeiros turísticos nas Caraíbas, a informação da Interpol de fls. 476 e seguintes.
O que a vítima tinha ingerido antes da tragédia resulta do relatório de exame toxicológico de fls. 365 e seguintes. Trata-se contudo de factualidade sem qualquer tipo de relevo relativamente ao sucedido.
Que o arguido era sócio de FF resulta do documento de fls. 833.
Quanto aos factos não provados, para além do que já foi sendo referido, cumpre dizer que tal se fica a dever à circunstância de sobre os mesmos não ter sido produzida prova em audiência, o que é válido para o anterior relacionamento do casal e menos não o é ainda em relação ao que terá acontecido antes da discussão que antecedeu a queda.
O arguido contou em audiência a sua versão, mas a mesma não é apoiada por qualquer outro meio de prova e, como vimos, em relação a todo o sucedido as declarações do arguido merecem as maiores reservas, já que foram sempre orientadas para esconder a sua actuação (o que é ainda válido para os factos atinentes à sua condição e personalidade não resultantes do relatório social e dos documentos que juntou).
De resto e em relação à sua actuação posterior as mesmas reservas têm de ser válidas, excepto para o facto, confirmado por outros meios de prova, de se ter dirigido a casa da ama e ter tocado à respectiva campainha.
O tribunal não pode ter como boas, também por essa razão e pela mais elementar cautela, as medições apresentadas pela defesa, feitas em momento posterior e sem qualquer controlo de entidade isenta e imparcial.
Também em relação às condições do arguido e do casal, bem como às respectivas personalidades, o tribunal levou em conta apenas o que resulta do relatório social, conjugado com os documentos juntos pela defesa do arguido, não considerando os testemunhos dos respectivos familiares e amigos. NN, OO, PP e QQ nada adiantaram relativamente ao teor do relatório do I.R.S..
RR, demonstrando simpatia pelo arguido, referiu, sem qualquer tipo de solidez e de forma dubitativa e imprecisa, uma eventual depressão da vítima, encaminhado depois que foi o seu depoimento para a referência a uma ameaça de suicídio feita em confidência pela vítima a alguém que denotou não ter com ela grande intimidade, 3 semanas antes do sucedido, (já com a forma de escolha da morte – atirando-se da varanda – e até com o pormenor de o ir fazer de maneira a incriminar o arguido). A falta de consistência deste testemunho levou o tribunal a não considerar sequer indiciada aquela depressão (quanto ao suicídio, trata-se, como se viu, de referência totalmente descabida).
Maria Cristina Almeida, irmã do arguido, denotando forte predilecção pelo mesmo, começou o seu depoimento por reprovar a vítima, logo se quedando por tal desiderato as suas declarações, no que respeitou à caracterização daquela pessoa, dirigindo-se ansiosamente e a despropósito (pois apenas lhe foi perguntado como é que a vítima se encontrava nos últimos dias) para a ameaça de suicídio com consequências para o arguido feita pela vítima, o que então não acarretou qualquer tipo de reacção ou interrogação da testemunha, a mesma que a dado passo se referiu ao casal como normal. Não mereceu também qualquer crédito nos elogios que teceu ao seu irmão.
Acresce que o depoimento de PP, pai do arguido, é susceptível de deitar por terra qualquer tipo de atitude depressiva ou suicidária da vítima, sobretudo na véspera da respectiva morte, quando a mesma se dirigiu, como relatou em audiência, a uma escola de inglês, língua que pretendia aprender.
Há que dizer que nos autos existem indícios da existência de agressões e desentendimentos entre o casal (autos de notícia juntos a tal propósito). Contudo e como se disse, em audiência não foi feita qualquer prova a esse propósito.
Finalmente, resultou bem claro do testemunho isento e insuspeito do inspector da Polícia Judiciária,HH, que o arguido autorizou aquela polícia a entrar no seu apartamento ainda na manhã daquele dia 4.4.2007, não se vislumbrando qualquer interesse pessoal ou outro motivo para que a testemunha tenha faltado à verdade”.

Aqui chegados é este o momento para formular a questão nuclear, ou seja, a de saber se a prova indiciária considerada provada permite a inferência, em face das regras de experiência comum, de que o arguido se encontrava em casa no momento da queda e, num segundo momento, se esta foi voluntariamente provocada por aquele. Estas duas questões probatórias concretas não podem, nem devem, ser decompostas e analisadas segmentadamente, mas objecto de uma compreensão global e unitária. Na verdade, o facto de uma testemunha vislumbrar o arguido no átrio do prédio ás 9 horas e 25 minutos não tem a virtualidade para poder permitir a conclusão de que nos momentos anteriores, e nomeadamente no momento da queda, o mesmo se encontrava em casa.
Todavia, já uma diferente perspectiva é permitida a partir do momento em que o mesmo arguido nega a existência de uma discussão cuja prova de existência se verificou, ou apresenta uma versão do seu percurso na altura dos factos que não corresponde com a que se considerou provada, como é o facto de negar a sua permanência naquele átrio.

Porém, se tal inferência é admissível, embora com alguma ousadia, já nos parece sem suporte suficiente em qualquer regra ou experiência de vida a afirmação de que
A versão deste (de que inexistiu discussão e que quando saiu de casa a vítima estava deitada) é assim totalmente incompatível com o suicídio, pois a queda dá-se com o arguido ainda em casa, o que ainda se alia e é perfeitamente harmónico com a circunstância de não haver qualquer evidência objectiva de suicídio. -Foi pois o arguido quem matou EE.
A convicção do tribunal, expressa neste segmento da decisão, parte da premissa de que o arguido estava em casa, e discutiu com a vítima, para daí inferir que está de acordo com as regras de experiência comum concluir que, de tal discussão, resultou o facto de o mesmo arguido ter atirado voluntariamente a mesma vítima para o vazio, dando-lhe a morte.
Tal como está escrito pensamos que o salto lógico é demasiado evidente para que seja admissível acriticamente, sem qualquer outro contributo probatório. Na verdade, o facto de se provar a presença do arguido na casa, e a discussão com a vítima, necessita de coadjuvação de outros contributos indiciários para permitir, sem qualquer dúvida, fundamentar uma convicção probatória solidamente alicerçada.
Então, a questão será a de saber se tais elementos existem e se inscrevem na fundamentação de facto constante da decisão recorrida, embora de forma esparsa, e corroboram o juízo lógico, ou seja, o silogismo elaborado.
A resposta é, quanto a nós, positiva e reside, essencialmente, no facto de se ter considerado provado que “a ausência de impressões digitais naquela janela indica claramente a mesma ilação, já que é incompatível com a transposição de parapeito medindo 88,5 cm. com o auxílio, ou não, de qualquer móvel”
Arrancando do pressuposto de que o tribunal de primeira instância se convenceu pela circunstância de existir um exame lofoscópico realizado com todas as garantias e de que, a haver impressões digitais, as mesmas sempre ficariam registada, cabe na lógica comum a conclusão de que, não podendo a vítima transpor o obstáculo físico da janela unicamente pelos seus meios sem deixar impressões digitais, teria existido a intervenção de terceiro, ou seja, do arguido na sua projecção no vazio e sequente morte. Por outro lado, considera a mesma decisão que A discussão entre o casal é ainda plenamente confirmada pela anormal presença de notas espalhadas no chão do quarto do filho de ambos, como referiu ainda a insuspeita testemunha PP (é insuficiente para se apurar o motivo da altercação, mas é indício que confirma a sua existência, tanto mais que sobre este pormenor, mais uma vez, o arguido nada explicou em declarações).

Assim, se é certo que a afirmação da decisão recorrida de que a conjugação dos testemunhos essenciais de CC e de BB (sabendo nós agora que esta apenas se enganou na hora a que viu o corpo cair) corroborados por todos os demais elementos de prova referidos, colocam o arguido em sua casa no momento da discussão e da queda, sem qualquer margem para dúvida necessita de ser esclarecida com a indicação concreta e precisa de quais são aqueles elementos de prova, igualmente é exacto que tais elementos existem
Na verdade, e conforme se referiu, a mesma decisão contem aquela indicação embora de forma algo dispersa. A mesma consubstancia-se na ausência de impressões digitais na janela ,e nas notas espalhas no chão do quarto de onde a vítima caiu, as quais, conjuntamente com a apresentação de uma versão inverídica pelo arguido, e nos termos supra expostos, permitem concluir que não estão violadas regras de experiência comum na avaliação da prova indiciária e que, consequentemente, a mesma decisão não encerra aquele vício do artigo 410 do Código de Processo Penal.
V-
A qualificação do homicídio tem como fundamento a culpa agravada que o agente revela com a sua actuação sendo um tipo de culpa. Seguindo Roxin por tipo de culpa entende-se aquele que na descrição típica da conduta contem elementos da culpa que integra factores relativos á actuação do agente que estão relacionados com a culpa mais grave ou mais atenuada. A culpa consiste no juízo de censura dirigido ao agente pelo facto deste ter actuado em desconformidade com a ordem jurídica quando podia, e devia, ter actuado em conformidade com esta, sendo uma desaprovação sobe a conduta do agente. O juízo de censura, ou desaprovação, é susceptível de se revelar maior ou menor sendo, por natureza, graduável e dependendo sempre das circunstâncias concretas em que o agente desenvolveu a sua conduta traduzindo igualmente um juízo de exigibilidade determinado pela vinculação de cada um a conformar-se pela actuação de acordo com as regras estipuladas pela ordem jurídica superando as proibições impostas. Em suma, o agente actua culposamente quando realiza um facto ilícito podendo captar o efeito de chamada de atenção da norma na situação concreta em que desenvolveu a sua conduta e, possuindo uma capacidade suficiente de auto controlo, e poderia optar por uma alternativa de comportamento.
O especial tipo de culpa do homicídio qualificado é conformado através da especial censurabilidade ou perversidade do agente Como refere Figueiredo Dias a lei pretende imputar á especial censurabilidade aquelas condutas em que o especial juízo de culpa se fundamenta na refracção ao nível da atitude do agente de formas de realização do acto especialmente desvaliosas e á especial perversidade ou seja aquelas em que o juízo de culpa se fundamenta directamente na documentação no fato de qualidades do agente especialmente desvaliosas.
Enumera o normativo em análise um catálogo dos exemplos padrão e o seu significado orientador como demonstrativo do especial tipo de culpa que está associado á qualificação.
*
Dentro de tal enumeração aquele que é especificamente chamado á colação no caso vertente é a denominada especial censurabilidade ou censurabilidade..
O crime de homicídio constitui uma violação do bem mais precioso de qualquer pessoa que é a própria vida e, como tal, será sempre inadmissível. Porém, o processo causal que leva á consumação de tal crime, isto é, a dinâmica de emoções e sentimentos que lhe esta associada assume uma policromia por tal forma plurifacetada que, necessariamente, terá de lhe corresponder uma maior, ou menor, compreensão da sua génese. Por outras palavras dir-se-á que, sendo sempre o objecto da mais viva reprovação jurídico criminal, o homicídio pode ter na sua origem uma situação que face á experiência comum poderia conduzir àquele desenlace (v.g. o confronto extremo para desagravo da honra: a defesa de bens que se consideram essenciais)
Porém, casos existem em que o homicídio surge numa situação em que de todo não era expectável porquanto os motivos que lhe estão na causa são mínimos; são razões menores. A prática do crime surge aqui como resultado de um processo pautado pela ilógica, ou de plena irracionalidade, em que uma culpa do agente acentuada por um alto grau de censurabilidade leva a tirar a vida a alguém por razões fúteis.
No caso concreto está em causa a prática de um crime de homicídio na sequência de uma discussão entre arguido e vítima, desconhecendo-se a foram sequencial como se processou e os motivos que estariam subjacentes.
As circunstâncias que a decisão recorrida aponta como reveladoras de especial censurabilidade não têm qualquer relação com a culpa mas são antes elementos objectivos que como tal são insusceptíveis de suportar uma maior censura do agente. Afirmar que o casal tinha um filho; que viviam na mesma casa ou que a morte ou que a vítima foi lançada para a morte da janela do quarto do filho não têm qualquer virtualidade para se afirmar uma culpa qualitativamente situada num patamar superior.

O crime praticado foi, assim, o crime de homicídio simples previsto e punido no artigo 131 do Código Penal pelo qual, considerados os factores de medida da pena elencados na decisão recorrida, se entende por adequada a pena de quatorze anos de prisão.
Operando o cumulo jurídico com a restante pena parcelar em que o arguido foi condenado entende-se que esta, pela sua diminuta dimensão, não tem qualquer virtualidade para alterar a pena supracitada que passa, assim, a assumir-se como a pena conjunta relativa aos dois crimes praticados
Termos em que,
Se julga improcedente o recurso interposto mas se altera a qualificação jurídica do crime praticado nos supracitados termos e, em consequência, pela prática de um crime de homicídio p.p. no artigo 131 do Código Penal e posse de arma p.p. artigo 86 da Lei 5/2006, se condena o arguido AA na pena conjunta de quatorze anos de prisão
.
Custas pelo recorrente
Taxa de justiça 8 UC

Lisboa, 12 de Março de 2009

Santos Cabral (Relator)
Oliveira Mendes
____________________________
(1) - O inquérito no novo Código de Processo Penal in Jornadas de Direito Processual pagina 71 e seguintes

(2) O Ministério Público e os órgãos de Policia Criminal pag 143
(3) Revista citada
(4) Para alguns Autores a circunstância de no artigo 126 da lei processual portuguesa se proclamar que "são nulas ( ... ) as provas" obtidas por meios ilícitos, enquanto no § 136 a) do StGB apenas se prescreve a proibição de vaIoração das "declarações" conseguidas mediante métodos proibidos, revela uma intencional idade normativa do legislador português no sentido de não condicionar a impossibilidade de utilização às provas directamente obtidas através da violação de uma proibição de prova, mas de a propagar a todas as provas que só foram descobertas por força da violação inicial
(5) Segundo Jorge Miranda "a uma norma fundamental tem de ser atribuído o sentido que mais eficácia lhe dê; a cada norma constitucional é preciso conferir ( ... ) o máximo de capacidade de regulamentação. Interpretar a Constituição é ainda realizar a Constituição. ( ... ) Os preceitos constitucionais devem ser interpretados não só no que expli­citamente ostentam como também no que implicitamente deles resulta" .

(6) Numa síntese da questão suscitada refere o acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 20 de Fevereiro de 2008 (Juiz Conselheiro Santos Monteiro) que: Historicamente o “ efeito à distância “ , já reconhecido como vigente entre nós por Figueiredo Dias , antes do CPP actual –cfr. Para uma Reforma Global do Processo Penal , in Para uma Nova Justiça Penal , Coimbra , 1983 , 208- aparece pela primeira vez proclamado na sentença do juíz Oliver Wendell Holmes, em 1920 , a propósito do caso Silverthorne Lumber Co .v. United States ( 251 U . S . , 385) dela se extraindo que foi pensamento cristalino o de que se o conhecimento de factos obtidos ilegalmente o Governo não os pode aproveitar ,já , e ,diversamente , se “ o conhecimento deles é adquirido por uma fonte independente ( independent source ) podem ser provados , como quaisquer outros …” . Em torno desta ideação construiu , em 1939 , o Juíz Félix Frankfurter , do Supremo Tribunal Federal dos Estados Unidos , no caso Nardone v. United States , ( 308, U S , 338 ) a metáfora , não mais abandonada , irradiando , desde logo para os direitos continentais , do “ fruto da árvore venenosa “ ( Fruit of the poisonus tree ) , podendo dizer-se constituir o meio de prova inválido a árvore venenosa , importando saber se flui dela a prova ulterior , como “ fruto “ envenenado “ ou são .IX Uma longa evolução jurisprudencial , de que dá nota o Ac. do TC , n.º 198/04 , de 24/3/2004 , in DR , II Série, de 2.6.2004 ,exemplificou os casos em que aquele efeito à distância se não projecta , os casos em que a indissolubilidade entre as provas é de repudiar , por não verificação da árvore venenosa , reconduzindo-os a três hipóteses que o limitam : a chamada limitação da fonte independente , a limitação da descoberta inevitável e a limitação da mácula “ ( nódoa) dissipada” -cfr. Criminal Procedure , Jerold H .Israel e Wayne R. Lafave , 6.ª Ed., St . Paul , Minnesota , 2001 , págs. 291 a 301 .A fonte independente respeita a um recurso probatório destacado do inválido , usualmente com recurso a meio de prova anterior que permite induzir , probatoriamente , aquele a que originário tendia , mas foi impedido ; ou seja quando a ilegalidade não foi “ conditio sine qua “ da descoberta de novos factos O segundo obstáculo ao funcionamento da doutrina da “ árvore envenenada “ tem lugar quando se se demonstre que uma outra actividade investigatória , não levada a cabo , seguramente iria ocorrer na concreta situação , não fora a descoberta através da prova proibida , conducente inevitavelmente ao mesmo resultado , ou seja quando inevitavelmente , apesar da proibição , o resultado seria inexoravelmente alcançado . É sintomático desta limitação o caso Williams II , de 1983 , em que o interrogatório do arguido não foi precedido da leitura dos Miranda Warnings , todavia aquele localizou o cadáver da vítima , que viria , porque simultâneamente , corriam buscas , mais tarde , a ser descoberto . Estando em causa meios legais de descoberta de crimes , então a dissuasão para não uso dos meios ilegais , pela preponderância de outros meios , tendo os ilegais uma base tão reduzida , não justifica o seu afastamento .A terceira limitação da “ mácula dissipada “ ( purged taint limitation ) leva a que uma prova , não obstante derivada de outra prova ilegal , seja aceite sempre que os meios de alcançar aquela representem uma forte autonomia relativamente a esta , em termos tais que produzam uma decisiva atenuação da ilegalidade precedente . Foi o caso Wong Sun e al.v. United States ( 371 , US ., 471 , em 1962 ) , resumindo situações em que a ilegalidade de uma prova anterior se não projecta numa actividade posterior porque assente em decisões autónomas e produto de livre vontade em que se quebra o nexo de antijuridicidade entre a prova ilegal e a confissão . X Estes critérios provindos do direito anglo -saxónico , mais norte-americano , nem por isso deixam de servir de caminhos de orientação no direito europeu , que apontam para um esforço cuidado de interpretação dos factos com vista à fixação do “ efeito à distância “ , com consagração entre nós , como dito , no art.º 122.º n.º 2 , do CPP , cuja não aceitação equivaleria a neutralizar “ a expressividade cultural e jurídica da proscrição dos meios proibidos de prova “ e a “ compelir o arguido a cooperar na sua própria condenação “ – cfr . , ainda , Prof. Costa Andrade , op . cit . , pág. 315.
(7) Tendo como ponto de referência a “inevitable discovery” do caso Nix v Wiliams de 1984
(8) Por último uma alusão á teoria da descoberta casual segundo a qual tal casualidade na descoberta elimina a conexão de ilicitude e, como tal converte a prova descoberta casualmente em prova válida para condenar
(9)Prueba y Proceso Penal, coordenação de Juan Luís Gómez Colomer pag128 e seg
(10)Artigo citado pag 619
(11)Curso de Processo Penal pag 82)
(12) La Prueba em Processo Penal pag 59)
(13) Presuncion de incencia y prueba en el processo penal pag 65
(14) Carlos Climent Duran “La Prueba Penal” pag 611
(15) Juiz Conselheiro Henriques Gaspar
(16) cfr., v. g., acórdãos deste Supremo Tribunal, no BMJ nºs. 476, pág. 82; 477, pág, 338; 478, pág. 113; 479, pág. 439, 494, pág. 207 e 496, pág. 169).