Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 1ª SECÇÃO | ||
Relator: | FÁTIMA GOMES | ||
Descritores: | CONSUMIDOR DEFESA DO CONSUMIDOR VEÍCULO AUTOMÓVEL DEFEITOS DIREITO A REPARAÇÃO | ||
Data do Acordão: | 09/10/2019 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
Área Temática: | DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS. DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS EM ESPECIAL / COMPRA E VENDA / VENDA A CONTENTO E VENDA SUJEITA A PROVA. | ||
Doutrina: | - António Pinto Monteiro e Jorge Morais Carvalho, Direitos do consumidor em caso de falta de conformidade do bem com o contrato, Comentário ao Acórdão de 17 de Dezembro de 2015 do Supremo Tribunal de Justiça, RLJ, Coimbra, a.145 n.3997 (Mar.-Abr. 2016), p. 237-248. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 635.º, N.º4 E 639.º, N.º1. CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 923.º E SEGUINTES. VENDA DE BENS DE CONSUMO E DAS GARANTIAS A ELA RELATIVAS, APROVADO PELO DL N.º 67/2003, DE 8 DE ABRIL: - ARTIGO 4.º, N.º 1. | ||
Sumário : | Sumário elaborado pela relatora I - Segundo o entendimento mais corrente na actualidade, as faculdades indicadas no art. 4º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, republicado pelo Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21 de Maio, não obedecem a uma hierarquia, competindo ao consumidor escolher a opção que melhor satisfaz os seus interesses, mas na certeza de que, optando pela reparação e sendo esta efectuada, não pode posteriormente pretender a substituição do bem pela desconformidade já reparada. II - Dos factos provados resulta, por um lado, que as intervenções efectuadas com a viatura não têm todas a gravidade que a recorrente lhe pretende imputar em termos de se entender que a viatura foi vendida com defeitos/desconformidades, e, por outro, que se possa afirmar que estão relacionadas com defeitos do veículo cobertos pelo sistema de garantia. III - Mesmo que a viatura tivesse os defeitos indicados e tivesse tido 11 intervenções, cada vez que a A. encontrou um problema e o reportou, solicitou a sua reparação e a mesma foi efectuada. Não pode, assim, exigir o direito à substituição da viatura, pois este direito é alternativo ao direito à reparação. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I. Relatório 1. AA propôs contra BB, , SA e CC, SA acção pedindo a condenação das RR., face às deficiências de funcionamento no mesmo detectadas, na substituição de veículo objecto de contrato de locação celebrado entre o A. e a 2ª R., bem como no pagamento de indemnização pelos danos sofridos. Contestaram ambas as RR., impugnando a responsabilidade a si imputada - concluindo pela improcedência da acção. Efectuado julgamento, foi proferida sentença, na qual se considerou a acção improcedente, absolvendo-se as RR. do pedido. Inconformado, o A. interpôs recurso de apelação, pedindo que fosse revogada a decisão e substituída por outra que altere a matéria de facto e condene as RR. no pedido, tendo as RR. pugnado pela confirmação do julgado. Conhecendo do recurso, o Tribunal da Relação de Lisboa, confirmou a decisão recorrida, com fundamentação que não é essencialmente diversa, mas sem que a decisão fosse unânime. 2. O A. veio, assim, a apresentar recurso de revista, no qual formula as seguintes conclusões: “I. O âmago da divergência face à decisão proferida reside no facto de ali não se entender que o veículo não apresenta as qualidades esperadas quando dos factos provados n.°s 15 a 43 resulta o contrário, só nos primeiros 30 meses de contrato e de vida daquele (novo), foi alvo de, pasme-se, 11 intervenções (FP n.°s 15 a 40), designadamente e conforme FP n.°41, o veículo contínua a apresentar defeitos. II. Também a Veneranda Desembargadora Alexandrina Branquinho concordou com o recurso interposto entendendo que o objeto do contrato não cumpre nem satisfaz, criando desconfiança sobre o seu funcionamento e segurança. III. Entende o recorrente, com o superior respeito, que andou mal o tribunal a quo ao negar provimento ao recurso, violando assim o disposto no contrato celebrado entre as partes, art.°s 406°, n.°1, 483°, 496° CC, n.°1 do art.°4o do Decreto-Lei n.°67/2003, de 8 de Abril republicado pelo DL n.°84/2008, de 21 de Maio, sendo que, mais que uma correta análise e aplicação do Direito, designadamente daqueles normativos, a JUSTIÇA!, conduziria a uma solução conforme preconizada pelo recorrente, a procedência da ação pela desconformidade do automóvel com o contrato. IV. Na verdade não se pode deixar de realçar a anormalidade que é um Mercedes Benz Classe C novo, nos primeiros 30 meses e apenas com 30 mil km ao fim deste tempo sofrer 11 intervenções, com colocação de 2 bombas de água, substituição do termostato também do mesmo sistema de refrigeração, mudança de injectores, substituição de disco da embraiagem, rolamento da bomba de embraiagem, volante do motor, amortecedores, adaptador da cablagem de injetores e não obstante tudo isto, e todas estas intervenções, hoje mantém no arranque da marcha uma vibração e constatou-se ainda que em aceleração em subida, é notório o patinar da embraiagem (o número de rotações do motor aumenta sem o correspondente aumento de velocidade do veículo). V. E os próprios peritos escreverem no relatório de peritagem na resposta à questão adicional 2, página 12 que as anomalias detetadas serão de considerar fora dos padrões de qualidade da Marca Mercedes-Benz, dado o tempo de vida da viatura na data de cada ocorrência bem como o total de quilómetros que o automóvel tinha em cada uma das reclamações. VI. Por conseguinte, nos termos da alínea d) do n.° 2 do art.° 2° do Decreto-Lei n.° 67/2003, de 8 de Abril republicado pelo DL n.° 84/2008, de 21 de maio, existe falta de conformidade do automóvel dos autos com o contrato celebrado pelas partes, pelo que, às RR. cabia responder nos termos do art.° 4° do mesmo diploma e em conformidade com o n.° 1 deste normativo, substituir o bem por outro. VII. Não obstante o profundo gosto e orgulho neste país, na Alemanha este processo não chegaria a tribunal e o consumidor seria naturalmente protegido... Mas continuamos a crer que aqui também se faz e fará JUSTIÇA! Nestes termos e nos melhores de Direito que os Colendos Conselheiros mui sabiamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência deve o Acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que julgue a acção intentada pelo ora recorrente procedente e ainda em consequência, condene as RR. no pedido, assim se fazendo a tão costumada e desejada JUSTIÇA!” As RR. apresentaram (ambas) contra-alegações, mas só a Ré, BB, S.A. (MBP), apresentou conclusões, que se transcrevem: A) “Não se referem, no voto vencido que permitiu o presente recurso, quaisquer fundamentos, de facto ou de direito, que pudessem considerar-se na presente resposta. B) Andou bem, o Tribunal da Relação de Lisboa, ao manter a decisão proferida, em primeira instância, sobre a matéria de facto. C) Resulta, inequivocamente, dos autos que o veículo não apresenta qualquer defeito ou desconformidade. D) Na data da realização da primeira perícia, em Abril de 2015, não foi detectada qualquer avaria ou anomalia no veículo dos autos. E) Na data da realização da segunda perícia, em Setembro de 2017, verificou-se que a embraiagem do veículo dos autos patinava, nada mais se tendo detectado de anormal ou irregular, no funcionamento do veículo dos autos. F) Os factos acima, conjugados com o facto de a trepidação verificada poder ter várias causas, de entre as quais o desgaste pelo uso, permitem concluir que a referida trepidação não é um defeito ou desconformidade originário. G) Não foi produzida qualquer prova que contrariasse as conclusões do relatório pericial. H) O A. não provou a existência de qualquer defeito ou desconformidade o veículo dos autos, I) Andou bem, o Tribunal da Relação de Lisboa, ao confirmar a decisão de direito proferida em primeira instância. J) A reparação do veículo ao abrigo da garantia e sem custos para o A. Recorrente, quando este apresentou avarias, corresponde ao cumprimento dos deveres que emergem da garantia, tal como consagrados no DL 67/2003. K) Não assiste ao consumidor, após a reparação do Bem, o direito à sua substituição, desde logo porque, com a reparação, deixa de existir o direito a reclamar o que quer que seja. L) Não se provando a existência de quaisquer defeitos ou desconformidades, não poderia ter-se provado quaisquer danos causados ao A., por defeitos ou desconformidades do veículo. M) Embora não se tenha conhecido, por desnecessidade, da excepção da caducidade invocada pela MBP, provaram-se factos no sentido da sua procedência. N) O Acórdão recorrido interpretou correctamente a prova produzida e aplicou correctamente a lei, em particular o regime constante do DL 67/2003, de 8 de Abril. 44. 45. 4. Discutida a causa, julgaram-se não provados os seguintes factos: 1. A ora primeira Ré entregou ao Autor o "Livro de manutenção do veículo", com páginas agora reproduzidas a fls. 30 a 42 dos autos. 2. Em Novembro de 2009, de imediato, o Autor deu conhecimento do sucedido (aparecimento, no computador de bordo do veículo, da indicação "verificar líquido de refrigeração") à ora primeira Ré. "BB, , S.A.". 3. A ora primeira Ré não detectou nenhum problema em especial que tivesse originado a diminuição do líquido de refrigeração e corrigiu o nível desse líquido no respectivo reservatório. 4. A seguir ao evento de Junho de 2010 (entrada em "modo de segurança") de imediato, o Autor telefonou ao Sr. EE que lhe transmitiu que este se trata de um problema recorrente que se tem vindo a verificar em todas as viaturas idênticas à destes autos. 5. E que tal problema se trata de um problema de concepção que está relacionado com o facto do veículo, por ser um classe C com caixa de velocidades manual, vir equipado com bombas injectoras destinadas a viaturas de caixa automática. 6. Não obstante essa circunstância, a ora primeira Ré, não procedeu à recolha, concretamente, da viatura dos autos. 7. Argumentando que se tratava de um problema de somenos importância, porquanto a viatura poderia sempre continuar a circular, embora a uma velocidade de 50/60 Km/h. 8. Por causa daqueles estragos (amolgadela na tampa da mala, um pequeno toque na frente e pintura picada) o veículo sofreu uma desvalorização monetária. 9. Após a sobredita intervenção de 26/11/2010, o motor do veículo continuava a não imprimir ao veículo a velocidade devida. 10. E, por vezes, tinha dificuldade em pegar. 11. Concretamente, em matéria de ultrapassagens, o motor do veículo não dava resposta às acelerações. 12. O recepcionista FF disse ao Autor, quanto às queixas deste, relativas ao veículo, não haver motivo de preocupação, pois o carro precisava era de andar e fazer quilómetros. 13. Em 27-1-2011, o Autor aproveitou para, novamente, se queixar do comportamento do motor do automóvel, que continuava a fazer o chamado efeito de "poço de ar". 14. Ao que a primeira Ré, aquando do levantamento da viatura, respondeu, na pessoa do seu recepcionista, que voltaram a colocar o veículo na máquina e que não apresentava quaisquer problemas. 15. Após esta intervenção, os sobreditos problemas no veículo continuaram a subsistir. 16. E a caixa de velocidades começou a "arranhar". 17. E o pedal da embraiagem, o do acelerador e a manete das mudanças começaram a vibrar. 18. E surgiu um "chiar" dos travões. em particular, sempre que se virava à esquerda. 19. E um "chiar" dos espelhos retrovisores, sempre que se abria e fechava o veículo. 20. Durante o teste à viatura (na companhia do Eng. HH) foi verificado que esta continuava a apresentar as patologias descritas pelo Autor na sua petição inicial. 21. Questionado o Eng. HH sobre os problemas que a viatura continuava a apresentar, este foi peremptório e disse que mais nada poderia ser feito para corrigir tais problemas. 22. Em consequência da sobredita acção (acção de serviço n. 0792125, consistente na aplicação do adaptador na cablagem dos injectores) o sobredito comportamento do veículo piorou. 23. As sobreditas anomalias no veículo dos autos provocaram ao Autor forte desgosto e arrependimento pelo dinheiro despendido no negócio relativo ao veículo. 24. O conteúdo do contrato cuja cópia se mostra junta aos autos a fls. 21/22 foi lido e explicado ao Autor por um funcionário da segunda Ré, em 15 de Maio de 2009. 25. Após a leitura e explicação do teor das cláusulas aí insertas pelo mencionado funcionário, o Autor afirmou expressamente que as tinha compreendido. 26. Por causa de todos os defeitos que a viatura apresenta, o Autor deixou praticamente de a usar. 27. Desde 2014 que a viatura quase não tem circulado, só o fazendo de 3 em 3 meses porque a Ré informou o Autor que teria que circular de vez em quando para lubrificar o motor e restantes componentes sob pena de danificar os mesmos. 28. Desde a ordem de reparação n.º ... que a viatura está guardada em garagem devido aos defeitos na mesma, não podendo o A. dar-lhe o devido uso. 6. Na decisão recorrida, tal como na sentença, entendeu-se que o A. não conseguiu demonstrar que o veículo não apresentava as qualidades esperadas, em bem dessa natureza. Mais entendeu o tribunal que foi feito a prova de que as desconformidades ou anomalias detectadas na viatura foram objecto de reparações, as quais se apresentaram como as necessárias ao seu funcionamento.
Na sentença tinha-se já indicado que, face ao pedido do A. – substituição do veículo por um novo – com base nas deficiências inultrapassáveis que a mesma apresenta, se poderia convocar o regime da venda de coisa defeituosa – art.º 923.º e ss do CC., admitindo-se que o locador pudesse demandar o vendedor, sem que lhe fosse possível opor a excepção de terceiro no contrato de compra e venda; foi convocada a jurisprudência do TR de Lisboa, através do acórdão de 8-5-2014, relativo a um caso paralelo, com contrato de ALD como o dos autos e feita a explicação do sentido da vinculação das partes do referido contrato, tal como a relação entre locatário e vendedor; foi também convocada a jurisprudência deste STJ (Ac. de 10-9-2015); foi também referida a aplicação analógica do art.º 13.º do DL. 149/95 ao ALD. Enquadrando a situação como um problema a resolver convocando o regime da venda de coisa defeituosa – 913.º e ss do CC – conjugado com o regime do DL 84/2008, de 21 de Maio (venda de bens de consumo) – o tribunal concluiu que caberia ao locatário o ónus da prova da existência de vício, da gravidade do defeito da coisa prestada ou da sua desconformidade com o que resulta do contrato. Mais disse: considerando que o locatário solicitou reparações ao vendedor – reparações que foram efectuadas – sem que tivesse demonstrado (como resulta dos factos não provados, sendo seu o ónus da prova) que os vícios da viatura o tornavam impróprio para o fim a que o mesmo se destina, ou que tivesse desconformidades em face do contrato celebrado, não há motivos para a resolução do contrato, nem motivos para a exigência de que a viatura adquirida seja substituída por uma nova. Ainda acrescentou que não foi demonstrada a prática de facto ilícito e culposo que fundamentasse qualquer pretensão indemnizatória (nem por danos morais, nem por impossibilidade de uso do veículo). Que dizer? Como se sabe o STJ aplica o direito aos factos provados, não podendo imiscuir-se na fixação dos mesmos. Por isso, cumpre deixar claro que a justiça do caso concreto apenas se pode fazer dentro das referidas balizas, impostas pelo legislador.
Dispõe o art. 4º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, republicado pelo Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21 de Maio, que “em caso de falta de conformidade do bem com o contrato, o consumidor tem direito a que esta seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, à redução adequada do preço ou à resolução do contrato”. Segundo o entendimento mais corrente na actualidade, as faculdades indicadas não obedecem a uma hierarquia, competindo ao consumidor escolher a opção que melhor satisfaz os seus interesses, mas na certeza de que, optando pela reparação e sendo esta efectuada, não pode posteriormente pretender a substituição do bem pela desconformidade já reparada[1]. Vejamos então se, in casu, tal dispositivo legal pode ser usado para reconhecer à A. o direito à peticionada substituição da viatura. Em defesa desta posição invoca o A. que o bem tem defeitos, que colocam em causa a sua confiança no bem e na segurança que o mesmo tem de oferecer, pois desde que foi comprado já teve 11 reparações e ainda apresenta defeitos. Quanto à questão de saber se as 11 intervenções a que o veículo adquirido foi submetido permitem concluir que o mesmo veículo não apresenta as qualidades esperadas – e contratualizadas, sempre importaria ver que intervenções foram essas e se as mesmas resolveram o problema detectado. Vejamos, então, o que se demonstrou/não demonstrou nos autos. Veio provado que: Dos factos provados resulta, por um lado, que as intervenções efectuadas com a viatura não têm todas a gravidade que a recorrente lhe pretende imputar em termos de se entender que a viatura foi vendida com defeitos/desconformidades, e, por outro, que se possa afirmar que estão relacionadas com defeitos do veículo cobertos pelo sistema de garantia. É facto notório, para qualquer utilizado de carros, em conjugação com a falta de prova (a cargo do A.): i) que a substituição das pastilhas dos travões – ocorrida em 27/1/2011 – tendo a viatura sido adquirida em 14/5/2009 (FP 13.), apresentando em 26/11/2010 já ter andado 33.533 km (FP 21.), mas ainda não tendo perfazido os 40.000 kms (FP 27. – em 15/3/2011 tinha 39.616 Km), pode estar relacionada com os kms percorridos e com o tipo de condução efectuada, não estando necessariamente relacionada com qualquer defeito da viatura; ii) que as viaturas têm de periodicamente substituir as pastilhas dos travões, as quais vão permanecer em bom estado por algum tempo, mas não vão ser eternas; iii) a substituição dos amortecedores é uma reparação dos veículos automóveis que pode estar igualmente relacionada com o uso efectuado pelo seu utilizados, não sendo estranho que os mesmos tenham sido substituídos em 15/3/2011, quando a viatura tinha já percorrido 39.616 Km (FP 27), e sem que se demonstrasse que tinha havido um defeito dos mesmos; iv) a substituição do disco da embraiagem é igualmente reparação que pode surgir em face da utilização que o condutor faz do veículo, não sendo estranho que quase dois anos depois da aquisição tal reparação fosse necessária e não estivesse relacionada com defeito de construção da viatura; v) que a substituição de uma lâmpada de médios (FP 28) em 25/11/2011 é uma reparação absolutamente normal em qualquer viatura – nova ou não – com mais ou menos tempo de uso – e que a mesma só tendo sido solicitada mais de 2 anos após a venda só pode significar que o problema da Lâmpada não foi relativo a defeito de construção, ou quanto muito, que a A. não demonstrou que estava relacionada com defeito de construção. vi) Que o aparecimento, no computador de bordo, da indicação de verificação do nível do líquido de refrigeração, não está necessariamente relacionado com defeito da viatura, podendo resultar de “falta da manutenção”, por não se operar uma revisão periódica dos níveis apresentados – que constitui “ónus” do condutor; vii) Que por a viatura ter apresentado em 26/11/2010, então com 33.533 Km, um alerta de “verificar líquido de refrigeração” (FP21 e 22), substituindo-se o termostato integrante da refrigeração, vindo mais tarde a revelar novos problemas de refrigeração, conforme indicado no FP 39, não permite pode concluir que os segundos estejam relacionados com os primeiros, ou que um eventual defeito inicial existisse e nunca tivesse sido reparado; viii) Que o aparecimento, no computador de bordo, da indicação de verificação do nível do líquido de refrigeração pode conduzir a que a bomba de água tenha de ser substituída – como parece ter sucedido (FP 40), em 11/1/2012, ficando a situação regularizada; ix) Que a segunda substituição da bomba de água (a primeira ocorrera em Maio de 2010 – FP 15.) esteja relacionada com defeito da viatura, da peça ou da anterior reparação.
Ainda que se apresentem como indiciadoras de possível falta de qualidade da viatura – ou existência de defeitos/desconformidades – na medida em que não existe prova inequívoca de que ocorreu essa falta e se mantém (por não ter sido reparado o defeito/desconformidade), não se podem invocar as indicadas reparações/idas à oficina como demonstração inequívoca da venda de bem defeituoso/desconforme, ou de venda de bem defeituoso/desconforme não reparado que permita solicitar a atribuição de uma nova viatura, nos termos do art.º 4.º do Decreto-Lei nº 67/2003, de 8 de Abril, alterado pelo Decreto-Lei nº 84/2008, de 21 de Maio. Nas situações indicadas não há factos provados inequívocos de que esteve sempre em causa um defeito/desconformidade a reparar, podendo as reparações efectuadas terem sido solicitadas/e concretizadas no âmbito de uma manutenção necessária de viatura em uso (pelo menos tal como a questão veio apresentada ao tribunal e este veio a considerar provados os factos). A A. não conseguiu demonstrar que a viatura tinha defeitos/desconformidades que justificassem o direito que invocou em juízo. E esses defeitos/desconformidades, a terem sido provados, tanto se apresentariam num carro de gama alta, como num de gama baixa, pois estariam relacionados com a finalidade e aptidão da coisa para o fim que lhe era destinado. Os factos não provados (que aqui se dão por reproduzidos) não deixam margem para outra resposta.
Mas ainda que assim não se entendesse: A A. pretende a substituição da viatura adquirida por entender que a mesma apresenta defeitos – ainda hoje – e que a lei lhe oferece esta possibilidade, não obstante apenas ter solicitado a reparação dos defeitos/desconformidades identificados (conforme doc. junto aos autos) até ao momento da entrada da acção em juízo. A situação da A. não é muito diferente da situação que se veio a julgar no Ac do STJ de 17/12/2015, no qual se afirmou o seguinte (aplicável, com adaptação dos factos providos no caso sob escrutínio): … Em síntese, considera-se que: (i) a A. denunciou, sucessivamente, ao longo dos anos 2010 e 2011, situações de falta de conformidade do veículo automóvel com o contrato; (ii) que o fez de forma tácita, entregando o automóvel em oficina ou oficinas da rede Mercedes para que fosse reparado; (iii) que todas as reparações foram feitas, e o respectivo custo foi suportado pela R. DD; (iv) que a situação de desconformidade detectada em 10 de Maio de 2012 foi denunciada e reparada da mesma forma. Assim sendo, todos os direitos da A, encontram-se extintos pelo cumprimento da R. DD.”
Na verdade, mesmo que a viatura tivesse os defeitos indicados e tivesse tido 11 intervenções, não se pode deixar de considerar que: a A. foi sucessivamente colocando a viatura em oficinas autorizadas, que identificaram eventuais anomalias e as corrigiram, por a tal terem sido solicitadas, seguindo-se o levantamento da viatura (já reparada), sem que a A. tivesse algum comportamento que permitisse ao vendedor aperceber-se de que pretendia não a reparação da viatura, mas a sua substituição por uma nova; as intervenções efectuadas pelas oficinas resolveram as “anomalias” encontradas, sempre sem custos para a A., quando a Ré considerou que a anomalia estava coberta pela garantia. Cada vez que a A. encontrou um problema e o reportou, solicitou a sua reparação e a mesma foi efectuada. Não pode, assim, exigir o direito à substituição da viatura, pois este direito é alternativo ao direito à reparação. Efectuada a reparação (sem motivos para a dar por não correctiva do problema), tem-se entendido que já não assiste ao consumidor o direito (alternativo) à exigência da substituição do bem[2]. Quanto à indicação da recorrente que se transcreve–“relatório de peritagem na resposta à questão adicional 2, página 12 [indica] que as anomalias detetadas serão de considerar fora dos padrões de qualidade da Marca Mercedes-Benz, dado o tempo de vida da viatura na data de cada ocorrência bem como o total de quilómetros que o automóvel tinha em cada uma das reclamações” – sempre se diria ainda que tal referência não veio a constar dos factos provados, motivo pelo qual não pode este STJ considerar o seu teor, o que nunca seria possível por não haver julgamento da matéria de facto no STJ e por os relatórios dos peritos serem base de apuramento de factos sujeitos a livre apreciação do tribunal, dependendo da convicção que o mesmo deles retira.
III. Decisão
Pelos motivos indicados, é negada a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.
Custas pelo recorrente.
Lisboa, 10 de Setembro de 2019
Fátima Gomes Acácio Neves Fernando Samões -------------------------- |