Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
06B3798
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SALVADOR DA COSTA
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
LESÃO
INCAPACIDADE FUNCIONAL
DANOS FUTUROS
INDEMNIZAÇÃO
CÁLCULO
Nº do Documento: SJ20061109037987
Data do Acordão: 11/09/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA.
Sumário : 1. A indemnização por dano patrimonial futuro deve corresponder à quantificação da vantagem que, segundo o curso normal das coisas, ou de harmonia com as circunstâncias especiais do caso, o lesado teria obtido não fora a acção e ou a omissão lesiva em causa.
2. Quando a afectação da pessoa do ponto de vista funcional antecede a profissionalização do lesado, deve relevar para o efeito o designado dano biológico, porque determinante de consequências negativas a nível da actividade geral do lesado, mas as regras de cálculo da indemnização por via de tabelas não se ajustam a essa situação, que deve ser perspectivada face ao circunstancialismo de facto envolvente e segundo de juízos de equidade.
3. À luz dos referidos critérios, justifica-se a fixação da indemnização no montante de € 55 000 por danos futuros sofridos por um estudante do segundo ano do curso engenharia, nascido em 1981, afectado de incapacidade permanente de vinte e cinco por cento, traduzida na diminuição funcional de uma perna, de dificuldades na marcha e na corrida e no exercício da sua futura profissão de engenheiro civil.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


I

"AA" intentou, no dia 17 de Abril de 2002, contra Empresa-A, acção declarativa de condenação, com processo ordinário, pedindo a sua condenação no pagamento de € 101 986,53, acrescidos de juros à taxa legal desde a citação e no que se liquidasse em execução de sentença relativamente às despesas com a operação cirúrgica para remoção do material de osteosíntese.
Fundou a sua pretensão em danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos em acidente de viação ocorrido no dia 3 de Março de 2000, na Guarda, com o veículo automóvel com a matrícula QW, pertencente a BB, conduzido pelo filho desta CC, onde seguia como passageiro, e em contrato de seguro celebrado entre a primeira e a ré.
A ré, em contestação, negou que CC conduzisse o veículo automóvel sob as ordens e instruções da dona, desconhecer as sequelas invocadas pelo autor, ser aleatório o valor por ele indicado como perda de ganho futuro, por não indicar o salário em que se baseia, ser exagerada a quantia pedida a título de danos não patrimoniais e não ser indemnizável o custo da certidão policial.
Houve parcial deferimento da reclamação da base instrutória, o autor ampliou o pedido para o montante de € 124 450,53 e, realizado o julgamento, por sentença proferida no dia 21 de Abril de 2005, foi a ré condenada a pagar àquele € 32 510,23, acrescidos de juros de mora desde a data da citação, sobre a quantia de € 10,23, à taxa de 7% até 30 de Abril de 2003 e à taxa de 4%, a partir de 1 de Maio de 2003, e desde a data da sentença sobre € 32 500, à taxa de 4%, e no que viesse a liquidar-se em execução de sentença relativamente ao custo da intervenção cirúrgica a que o autor venha a submeter-se para remoção do material de osteosíntese.
Apelou o autor, e a Relação, por acórdão proferido no dia 21 de Março de 2006, alterou a sentença do tribunal da 1ª instância, condenando a ré a pagar ao autor € 77 010,23, mantendo-a no restante.

A apelada e o apelante interpuseram recursos de revista, o último subordinadamente, formulando a primeira, em síntese, as seguintes conclusões de alegação:
- partindo das premissas adoptadas no acórdão recorrido - tempo de vida activa de 44 anos e o ficcionado rendimento líquido mensal médio de € 500, o valor do dano patrimonial futuro oscila entre € 35 000 e € 46 200, consoante a fórmula de Sousa Dinis ou a da reserva matemática;
- não havendo cálculo rigoroso e definido para a atribuição da indemnização numa prestação única e imediata por danos patrimoniais futuros, tem o tribunal de se socorrer dos juízos de equidade a que se reporta o artigo 566º, nº 3, do Código Civil;
- a incapacidade de que o recorrido é portador determina-lhe esforços acrescidos se como futuro engenheiro for vocacionado para o acompanhamento de obras, mas tal não acontecerá se for vocacionado para o gabinete de cálculos e análise de projectos;
- em ambos os casos, a incapacidade concretizada na limitação do joelho direito não tem qualquer significado na redução da capacidade de ganho;
- a incapacidade do recorrido como futuro engenheiro é mais funcional do que profissional, e esta é mais determinada pelas qualidades intelectuais do desempenho do que pela sua capacidade física motora;
- pouco ou nada releva profissionalmente a limitação da flexão do joelho do recorrido e, usando da justa e ponderada equidade, a indemnização concreta deve ser de € 20 000, tendo sido violados os artigos 563º e 566º, nº 3, do Código Civil.

"AA" - alegou, em síntese de conclusão, o seguinte:
- o acórdão partiu da falsa premissa do salário mensal de € 500, mas o salário de um engenheiro numa câmara municipal ou no ensino é sempre superior a € 1 000 durante catorze vezes por ano e que aumentará progressivamente ao longo dos anos com a progressão na carreira;
- como não está a receber salário, deverá atender-se ao salário médio, sempre superior a € 1 000 mensais, e que vai, com a máxima probabilidade, exercer a profissão de engenheiro durante 44 anos;
- é justa e equitativa a indemnização de € 112 500, que representará o capital que se extingue na vida activa do recorrente, susceptível de garantir prestações periódicas daquele montante, pelo que a Relação fez incorrecta aplicação dos artigos 564º, nºs 1 e 3, e 566º, nºs 1 e 3, do Código Civil.

"AA" respondeu à alegação de Empresa-A, em síntese de conclusão:
- a recorrente olvida nos seus cálculos que no acórdão foi considerado metade do salário previsível;
- a taxa de juro de 5% a que a recorrente faz apelo é irrealista, porque nas operações financeiras mais favoráveis o juro líquido não vai além de 3,5%.

II
É a seguinte a matéria de facto declarada provada no acórdão recorrido:
1. Representantes da ré, por um lado, e BB, por outro, declararam por escrito, consubstanciado na apólice nº 505467707, antes de 3 de Março de 2000, a primeira assumir, mediante prémio a pagar pela última, a responsabilidade civil por danos causados a terceiros com o veículo automóvel com a matrícula nº QW.
2. O veículo automóvel ligeiro de passageiros, com a matrícula QW, de BB, conduzido por CC, em que o autor, nascido no dia 11 de Fevereiro de 1981, era transportado, como passageiro, circulava, no dia 3 de Março de 2000, cerca das 5.30 horas, pela Av. Monsenhor Mendes do Carmo, sentido ascendente, para a Rua 31 de Janeiro.
3. No local, a via desenhava uma curva para a direita, atento o sentido de marcha daquele veículo, com 7,7 metros de largura, e CC, ao efectuar a referida curva, perdeu o controle da viatura e, por isso, despistou-se e foi invadir o passeio do lado direito, atento o sentido em que seguia, embatendo, depois, no portão da garagem com o nº 64 C e numa caixa da EDP, provocando-lhes estragos.
4. Após o despiste, foi conduzido ao Hospital Distrital da Guarda, onde ficou internado, e, no dia 6 de Março de 2000, foi transferido para o Hospital Distrital de Viseu, onde ficou internado até 22 de Março de 2000.
5. Em consequência do referido despiste, o autor sofreu fractura articular da tíbia direita e lesões menisco-ligamentares - ligamento cruzado posterior - no joelho direito, o que lhe provocou incapacidade temporária geral parcial de trezentos e trinta e cinco dias.
6. Após a alta dada pelo Hospital Distrital de Viseu, o autor fez fisioterapia para recuperação, e, no dia 18 de Setembro de 2000, foi operado na Casa de Saúde de Coimbra, às lesões menisco-ligamentares do joelho direito, onde esteve internado entre 18 e 26 de Setembro de 2000, e continuou em tratamento e fez fisioterapia durante vários meses e teve alta em 23 de Março de 2001.
7. As lesões por ele sofridas deixaram como sequelas limitação da flexão do joelho, ligeira atrofia muscular da coxa direita, rigidez articular, meniscose residual e sub-luxação posterior da tíbia em relação ao fémur, laxidez ligamentar, cicatriz cirúrgica com vinte centímetros de comprimento desde cinco centímetros acima do joelho direito, contornando a face interna, até ao prato interno da tíbia, e a perna direita foi-lhe imobilizada com gesso durante cerca de seis semanas.
8. As mencionadas sequelas poderão evoluir para artrose, importam para o autor diminuição funcional do membro inferior direito, nomeadamente dificuldades na marcha e na corrida, causam-lhe incapacidade permanente de 25%, acarretar-lhe-ão dificuldades no exercício da profissão de engenheiro civil, e é previsível a necessidade de extracção do material de osteosíntese - grampos.
9. Na data do acidente, o autor era saudável, frequentava o 1º ano do Curso de Engenharia Civil do Instituto Politécnico da Guarda, curso que continua a frequentar, agora no 2º ano, no Instituto Politécnico de Viseu.
10. O autor gastou, em deslocações em carro de aluguer, a quantia de € 189,09, quantia que a ré lhe reembolsou, e pagou ao Hospital da Guarda a quantia de € 10,23, e despendia, com a sua estadia, na Guarda, a quantia equivalente a € 299, 27, e pagou € 5,59 pela certidão da participação do acidente.
11. Em consequência das lesões, intervenções cirúrgicas e tratamentos, o autor sofreu dores - fixáveis no grau 3 de 7 - e incómodos.

III
A questão decidenda é a de saber se a indemnização a atribuir a AA por perda de capacidade de ganho deve ser fixada no montante de € 112 500 ou no montante de € 20 000.
Tendo em conta o conteúdo do acórdão recorrido e das conclusões de alegação dos recorrentes, a resposta à referida questão pressupõe a análise da seguinte problemática:
- delimitação do objecto do recurso;
- critério legal de cálculo da indemnização por danos decorrentes de incapacidade permanente;
- cálculo do quantum indemnizatório decorrente da incapacidade permanente do recorrente;
- síntese da solução para o caso espécie decorrente dos factos provados e da lei.

Vejamos de per se, cada uma das referidas sub-questões.

1.
Comecemos pela delimitação do objecto dos recursos em função do conteúdo das respectivas conclusões de alegação.
Os recorrentes não põem em causa no recurso a exclusiva imputabilidade do acidente a CC, a título de culpa, o nexo de causalidade entre a condução automóvel ilícita e culposa dele e as lesões sofridas pelo recorrente, o montante da indemnização por danos não patrimoniais por este último sofridos, nem o valor da indemnização pelos danos patrimoniais não reportados à perda de capacidade de ganho, nem a cobertura pelo contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel da indemnização em causa.
O objecto do recurso em análise é delimitado pelo conteúdo das alegações da recorrente (artigos 664º, nº 3, e 690º, nº 1, do Código de Processo Civil).
Consequentemente, porque a recorrente não a suscitou, não nos pronunciaremos no recurso sobre essa problemática.
O que essencialmente está em causa no recurso de revista é o quantitativo indemnizatório e compensatório devido ao recorrente a título de danos patrimoniais decorrentes da sua incapacidade permanente.

2.
Atentemos agora no critério legal de cálculo da indemnização por danos patrimoniais decorrente de incapacidade permanente.
O ressarcimento dos danos futuros, como é o caso vertente, por cálculo imediato, depende da sua previsibilidade e determinabilidade (artigo 564º, n.º 2, 1ª parte, do Código Civil).
Assim, na fixação da indemnização devem ser atendidos os danos futuros - sejam danos emergentes, sejam lucros cessantes - desde que previsíveis.
No caso de os danos futuros não serem imediatamente determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior (artigo 564º, nº 2, 2ª parte, do Código Civil).
Os danos futuros previsíveis, a que a lei se reporta, são essencialmente os certos ou suficientemente prováveis, como é o caso, por exemplo, da perda ou diminuição da capacidade produtiva de quem trabalha e, consequentemente, de auferir o rendimento inerente, por virtude de lesão corporal.
A regra é no sentido de que quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que se verificaria se não tivesse ocorrido o evento que obriga à reparação, a fixar em dinheiro, no caso de inviabilidade de reconstituição em espécie (artigos 562º e 566º, n.º 1, do Código Civil).
A indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que ele teria então se não tivesse ocorrido o dano, e, não podendo ser determinado o seu valor exacto, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados (artigo 566º, n.ºs 2 e 3, do Código Civil).
A incapacidade permanente é susceptível de afectar e diminuir a potencialidade de ganho por via da perda ou diminuição da remuneração ou da implicação para o lesado de um esforço acrescido para manter os mesmos níveis de ganho ou exercer as várias tarefas e actividades gerais quotidianas.
No primeiro caso, procurando atingir a justiça do caso, têm os tribunais vindo a acolher a solução de a indemnização do lesado por danos futuros dever representar um capital que se extinga no fim da sua vida activa e seja susceptível de lhe garantir, durante ela, as prestações periódicas correspondentes à sua perda de ganho.
Têm sido utilizadas, para o efeito, pela jurisprudência, fórmulas e tabelas financeiras várias, na tentativa de se conseguir um critério tanto quanto possível uniforme.
Mas as referidas fórmulas não se conformam com a própria realidade das coisas, avessa a operações matemáticas, certo que não é possível determinar o tempo de vida útil, a evolução dos rendimentos, da taxa de juro ou do custo de vida.
Acresce que não existe uma relação proporcional entre a incapacidade funcional e o vencimento auferido pelo exercício profissional em termos de se poder afirmar que ocorre sempre uma diminuição dos proventos na medida exactamente proporcional à da incapacidade funcional em causa.
Assim, nesse caso, as mencionadas tabelas só podem ser utilizadas como meramente orientadoras e explicativas do juízo de equidade a que a lei se reporta.
Como se trata de dano futuro no âmbito de um longo período de previsão, a solução mais ajustada é a de conseguir a sua quantificação imediata, embora, face à inerente dificuldade de cálculo, com a ampla utilização de juízos de equidade.
A partir dos pertinentes elementos de facto, independentemente do seu desenvolvimento no quadro das referidas fórmulas de cariz instrumental, deve calcular-se o montante da indemnização em termos de equidade, no quadro de juízos de verosimilhança e de probabilidade, tendo em conta o curso normal das coisas e as particulares circunstâncias do caso.
Apesar do longo período de funcionamento da previsão, a quantificação deve ser imediata, sob a atenuação da fluidez do cálculo, no confronto da referida previsibilidade, no âmbito da variável inatingível da trajectória futura do lesado, quanto ao tempo de vida e de trabalho e à espécie deste, por via dos referidos juízos de equidade.
Devem, pois, utilizar-se juízos lógicos de probabilidade ou de verosimilhança, segundo o princípio id quod plerumque accidit, com a equidade a impor a correcção, em regra por defeito, dos valores resultantes do cálculo baseado nas referidas fórmulas de cariz instrumental.
No fundo, a indemnização por dano patrimonial futuro deve corresponder à quantificação da vantagem que, segundo o curso normal das coisas, ou de harmonia com as circunstâncias especiais do caso, o lesado teria obtido não fora a acção e ou a omissão lesiva em causa.
Mas na segunda das supracitadas hipóteses, em que a afectação da pessoa do ponto de vista funcional não se traduz em perda de rendimento de trabalho, deve todavia relevar o designado dano biológico, porque determinante de consequências negativas a nível da actividade geral do lesado.
O referido dano biológico, de cariz patrimonial, justifica, com efeito, a indemnização, para além da valoração que se imponha a título de dano não patrimonial. Mas as regras de cálculo da indemnização por via das mencionadas tabelas não se ajustam, como é natural, a essa situação.

3.

Vejamos agora a questão do cálculo do quantum indemnizatório devido ao recorrente por virtude da incapacidade permanente de que ficou afectado.
Está assente que as sequelas de que o recorrente ficou a padecer geram-lhe diminuição funcional do membro inferior direito, nomeadamente dificuldades na marcha e na corrida, causando-lhe incapacidade permanente de 25%, determinando-lhe dificuldades no exercício da profissão de engenheiro civil.
A referida vertente do dano foi calculada no tribunal da 1ª instância no montante de € 17 500, a Relação elevou-a para € 62 000, o recorrente pretende ela seja fixada em € 112 500 e a recorrente em € 20 000.
Aquando da sentença proferida no tribunal da 1ª instância, tinha o recorrente vinte e quatro anos de idade e, face à sua frequência do Curso de Engenharia Civil, é provável que, no futuro, venha a exercer a profissão de engenheiro civil.
Não há, porém, elementos de facto relativos ao futuro mercado de trabalho de engenharia e fica, naturalmente, a dúvida sobre a data em que o recorrente começará a sua actividade profissional e sobre qual o salário que irá perceber.
Não estamos perante uma situação de incapacidade para o trabalho em geral, nem para o exercício da profissão de engenheiro que o recorrente se propõe exercer, porque do que se trata é de uma incapacidade funcional geral, embora com repercussões naquela eventual actividade, na medida em que lhe vai exigir maior esforço do que aquele que lhe seria exigido se não fosse essa incapacidade.
Admitindo que o recorrente vai ser profissionalizado sob o título de engenheiro civil, fica também a dúvida sobre se as dificuldades no respectivo exercício irão ou não afectar negativamente o seu nível de vencimento normal.
Não há, pois, elementos de facto reveladores de que o recorrente vai ser concretamente afectado no nível de vencimento pelo seu trabalho nem que justifique a consideração, na espécie, de algum salário médio ou de € 1 000 mensais propostos pelo recorrente.
Na realidade, como o recorrente ainda não exerce actividade profissional e, consequentemente, inexiste factualidade que permita um juízo sobre a perda previsível de rendimento de trabalho, não tem justificação o uso da fórmula referida no acórdão recorrido, designadamente a utilização de um salário mensal de € 500 ou o exercício da profissão de engenheiro civil entre os 26 e os 70 anos de idade.
Mas a incapacidade funcional do recorrente é susceptível de o forçar a exercer a sua actividade, designadamente a de engenheiro, com maior esforço e, consequentemente, com maior dispêndio de energia, para superar as acrescidas dificuldades resultantes da mencionada incapacidade.
Com efeito, considerando a situação de incapacidade em que o recorrente ficou, a sua idade, o curso de engenharia que está a frequentar, bem como as regras da probabilidade normal do devir das coisas, a conclusão deve ser no sentido de que, na espécie, se está apenas perante um dano futuro previsível em razão do maior esforço no desenvolvimento da actividade em geral, incluindo a vertente profissional de engenheiro civil.
Mas o cálculo da indemnização devida pelo referido dano funcional que afecta o recorrente terá que ser essencialmente determinado à luz dos referidos factos e com base nos juízos de equidade a que se reporta o artigo 566º, nº 3, do Código Civil.
Tendo em conta os referidos elementos, julga-se adequada a fixação desta vertente de indemnização no montante de € 55 000.

4.
Vejamos finalmente a síntese da solução para o caso espécie decorrente dos factos provados e da lei.
Os factos provados, vistos à luz de juízos de equidade, justificam a fixação do montante indemnizatório por danos patrimoniais futuros no montante de € 55 000.
Improcede, por isso, o recurso interposto por AA, e procede parcialmente o recurso interposto Empresa-A.
No caso vertente estamos perante uma sentença proferida no dia 21 de Abril de 2005 em acção intentada no dia 17 de Abril de 2002.
Como a referida sentença foi proferida depois de 15 de Setembro de 2003, embora em processo pendente nessa data, o regime aplicável é o decorrente da alteração da lei processual pelo Decreto-Lei nº 38/2003, de 8 de Março (artigo 21º, nº 3).
Em consequência, o tribunal deve condenar no que vier a ser liquidado, mas a liquidação a ocorrer já não o pode ser em execução de sentença, mas no incidente a implementar no próprio processo da acção declarativa (artigos 378º, nº 2 e 661º, nº 2, do Código de Processo Civil).
Vencidos no recurso, AA totalmente, e Empresa-A são responsáveis pelo pagamento das custas respectivas na proporção do vencimento, de harmonia com o princípio da causalidade (artigo 446º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
O valor para efeito de custas do recurso interposto por AA é de € 50 500 e o do recurso interposto por Empresa-A é do montante de € 42 000 (artigo 11º do Código das Custas Judiciais, redacção anterior, e 14º, nº 1, do Decreto-Lei nº 324/2003, de 27 de Dezembro).
Mas como AA beneficia do apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de custas, tendo em conta o disposto nos artigos 15º, alínea a), 37º, nº 1 e 54º, nºs 1 a 3, da Lei nº 30-E/2000, de 20 de Dezembro, e 51º, nº 2, da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, inexiste fundamento legal para que seja condenado no pagamento das referidas custas.

IV
Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso interposto por AA e dá-se parcial provimento ao recurso interposto por Empresa-A, revoga-se parcialmente o acórdão recorrido, fixa-se a compensação pelo dano patrimonial derivado do dano biológico no montante de cinquenta e cinco mil euros, substitui-se o segmento decisório condenação no que se liquidar em execução de sentença pelo segmento condenatório no que se liquidar posteriormente, mantêm-se o restante das decisões das instâncias, e condena-se Empresa-A no pagamento das custas respectivas, conforme o vencimento.

I - Inadmissibilidade da junção de documento

1.
a) AA juntou, com o instrumento de alegação no recurso de revista, no dia 29 de Junho de 2006, a folhas 410, uma certidão emitida pela Escola Superior de Tecnologia de Viseu tendente à comprovação das disciplinas do curso de engenharia em que teve aprovação.
b) Consta do referido documento ter sido emitido no dia 8 de Maio de 2006 e que a últimas disciplinas em que ele foi aprovado ocorreram nos dias 26 de Janeiro, 20 de Fevereiro e 9 de Março de 2006.
c) Os vistos aos juízes da Relação começaram no dia 10 e terminaram no dia 17 de Janeiro de 2006.
d) Ao recorrente foi concedido, por despacho dos serviços da segurança social, proferido no dia 21 de Fevereiro de 2002, o apoio judiciário na modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça e dos demais encargos com o processo.

2.
Os recorrentes em geral têm direito a juntar documentos no recurso de apelação até ao início dos vistos aos juízes adjuntos (artigo 706º, nº 2, do Código de Processo Civil).
Em consequência, para efeitos de junção de documentos no âmbito do recurso de revista, devem considerar-se supervenientes os que não podiam ser apresentados até ao início dos vistos aos juízes adjuntos no recurso de apelação.
Assim, não podia AA, até ao início dos vistos dos juízes da Relação, apresentar o referido documento comprovativo da sua aprovação nas mencionadas disciplinas.
Todavia, expressa a lei que às alegações de recurso de revista podem os recorrentes e os recorridos juntar os documentos supervenientes, mas sem prejuízo do disposto no n.º 2 dos artigos 722º e 729º do Código de Processo Civil (artigo 727º do Código de Processo Civil).
A ressalva consignada no artigo 727º do Código de Processo Civil reporta-se aos casos excepcionais em que o Supremo Tribunal de Justiça pode alterar a decisão da matéria de facto, ou seja, na situação de ofensa de disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova (artigo 727º do Código de Processo Civil).
Ora, este Tribunal não tem competência funcional para fixar a matéria de facto da causa, ainda que ela resulte de documentos autênticos, porque a mesma se inscreve nas instâncias, incluindo a Relação (artigo 729º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
Como este Tribunal não pode considerar, na decisão do recurso, o facto que o recorrente pretende provar com a certidão que juntou, a conclusão é no sentido de que ela nele não assume, nesta sede, qualquer utilidade.
Em consequência, ela não pode continuar no processo, impondo-se que seja desentranhada e entregue ao apresentante (artigos 706º, nº 3 e 726ºdo Código de Processo Civil).
Vencido no incidente a que deu causa, seria o recorrente AA responsável pelo pagamento das custas respectivas (artigos 706º, nº 3, 726º e 727º do Código de Processo Civil).
Todavia, como ele beneficia do apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de custas, tendo em conta o disposto nos artigos 15º, alínea a), 37º, nº 1 e 54º, nºs 1 a 3, da Lei nº 30-E/2000, de 20 de Dezembro, e 51º, nº 2, da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, inexiste fundamento legal para que seja condenado no pagamento das referidas custas.

4.
Pelo exposto, determina-se o desentranhamento e a entrega ao recorrente AA do documento inserto a folhas 410.


II - Admissibilidade do recurso

1.

O recurso é o próprio e tempestivo, com efeito atribuído nos termos da lei, nada obstando ao conhecimento do respectivo mérito.

2.
Aos vistos - logo após a notificação deste despacho.

3.
Logo após, diligencie-se pela inscrição do processo na tabela.

Lisboa, 12 de Outubro de 2006.
Salvador da Costa
Ferreira de Sousa
Armindo Luís