Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
| Relator: | FARIA ANTUNES | ||
| Descritores: | CONTRATO DE MANDATO PROCURAÇÃO ADVOGADO RESPONSABILIDADE CONTRATUAL | ||
| Nº do Documento: | SJ200611210032491 | ||
| Data do Acordão: | 11/21/2006 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA. | ||
| Decisão: | NEGADA A REVISTA. | ||
| Sumário : | 1- O contrato de mandato é sempre um negócio independente da procuração. 2- A procuração não é um contrato mas um acto de atribuição voluntária de poderes representativos, um negócio jurídico unilateral por intermédio do qual uma pessoa é nomeada procurador. 3- No âmbito do mandato forense pode ser atribuída responsabilidade civil contratual ao mandatário no caso de incumprimento, presumidamente culposo, dos deveres deste para com o cliente. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: Empresa-A intentou acção ordinária contra a Drª AA pedindo a condenação desta a pagar-lhe as quantias de € 46.210,66, a título de danos patrimoniais, e de € 15.000,00, a título de danos não patrimoniais, bem como os respectivos juros até total ressarcimento. Na 1ª instância a acção foi julgada improcedente. A autora recorreu para a Relação do Porto, que, revogando a sentença recorrida no que tange à decisão relativa ao pedido indemnizatório por danos patrimoniais (única parte da sentença objecto da apelação), condenou a ré a pagar à autora, a título de danos patrimoniais sofridos pelo cumprimento defeituoso do mandato que esta àquela conferiu, a quantia de € 46.210,66, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a citação e até efectivo e integral pagamento. Inconformada, recorre agora a ré de revista, concluindo: 1º- No caso vertente não existe mandato, com representação ou sem representação. Para haver mandato é pressuposto que uma das partes se obrigue à prática de um ou mais actos jurídicos por conta de outrem, e no presente caso em parte alguma se refere o preenchimento dessa condição. O que resulta dos autos é que à recorrente lhe foi apresentado um cenário, ao que esta disse que assistiria à autora o direito de anular o negócio e de pedir uma indemnização pelos danos, mormente pelos danos emergentes e pelos lucros cessantes. Para que houvesse mandato, tornava-se necessário a aceitação da ré em se obrigar a praticar actos jurídicos por conta da autora ou esta teria que outorgar procuração forense para o mandato judicial, sendo esta última que veio a verificar-se já em 2000, ou seja, muito depois dos factos relatados pela ré e mencionados no acórdão. Não existiu qualquer mandato até à constituição da ré como mandatária judicial da autora. É a procuração que legitima o mandatário. Não havendo mandato, não há incumprimento contratual. Quando a recorrente foi constituída mandatária da recorrida já há muito tinha passado o prazo de caducidade para intentar a acção. E esse prazo tinha passado, porque, embora ficasse provado a ré se prontificou a entregar os documentos para instruir a acção, certo é que não o fez em tempo, não constando sequer dos autos quando foi entregue tal documentação. 2º- O advogado incorre em responsabilidade contratual, quando não cumpre ou cumpre defeituosamente as obrigações que lhe advêm do exercício do mandato que firmou com o seu constituinte. Ora o mandato foi firmado entre recorrente e recorrida com a entrega da procuração forense, não existindo qualquer outro contrato de mandato anteriormente. Não pode ser imputada qualquer responsabilidade à recorrente pelo incumprimento de mandato, uma vez que até 2000 não existiu, e quando lhe foi conferido foi exercido na medida do espaço e tempo dessa entrega. 3º- Está provado que "apresentado este cenário à ré pelo representante legal da autora, a ré respondeu que assistiria à autora o direito de anular o negócio celebrado entre aquela e a sociedade vendedora Empresa-B (vide contrato de compra e venda de fls. 66 e 67 do documento número 1) e de pedir uma indemnização por todos os danos, mormente pelos danos emergentes e pelos lucros cessantes". O acórdão concluiu erradamente que a ré aceitou o contrato de mandato que lhe foi proposto ou oferecido pela autora, mas na verdade nada foi proposto ou oferecido, foi uma apresentação de cenário à ré. Refere o acórdão que de imediato a autora se prontificou a entregar os referidos documentos e tudo quanto mais a ré solicitou, mas não resulta da matéria dada como provada quando ocorreu essa entrega, se em 1998 ou em 2000. O facto da ré se prontificar a entregar, não quer dizer que tenha entregue, aliás é indiciador que tal entrega só teria ocorrido aquando da entrega da procuração. Não estamos em face de responsabilidade contratual, pois para esta existir, teria que existir um contrato de mandato com referência a 1998, e tal não existe. 4º- Refere o acórdão que para que um advogado seja responsabilizado pelos danos resultantes da perda de uma determinada causa, se torna necessária a alegação e prova de nexo de causalidade entre aquela conduta omissiva ou negligente e os invocados danos. Admitindo, por mero exercício de patrocínio, que existiu o incumprimento do mandato e o dano, necessário se tomaria que se provasse o nexo de causalidade entre ambos, sendo à autora que competia provar esse nexo de causalidade (artº 342º, nº 1 do Código Civil), que teria de ser real, estribado na prova, não em meras suposições ou cenários virtuais. Os vícios para serem redibitórios têm que ser graves, anteriores ao negócio e ocultos. Ora, da forma como está descrita a gravidade dos danos no acórdão, todos os vícios são redibitórios. Os vícios não são anteriores, ou pelo menos, não se pode concluir dessa forma com base nos elementos dos autos, e não é o simples facto do comprador não realizar o negócio se soubesse da sua existência que lhe dá anterioridade, pois nenhum comprador adquiria coisas sabendo antecipadamente que tinham vícios, e não é também pela gravidade dos vícios e pela sua amplitude que se consegue saber e muito menos concluir que são anteriores ao negócio. O acórdão refere que os vícios do objecto da acção que alegadamente deveria ter sido intentada eram ocultos, e no entanto vem seguidamente dizer que "e não cremos que fosse necessário um exame muito minucioso feito por um técnico para serem descobertos vários, enormes e graves problemas...", ou seja, não existiam vícios ocultos. Não existem quaisquer vícios redibitórios. O acórdão fundamenta a existência de nexo de causalidade com expressões "em principio, seria anulável por erro ...", ou "... será difícil aceitar que quem vende uma viatura no estado daquela que a autora adquiriu, desconheça "sem culpa" os aludidos vícios da coisa, tal a sua extensão!" . O Tribunal não tem que aceitar nada, tem que decidir de acordo com a prova constante dos autos. Para além de não haver facto (incumprimento de mandato), dever ser imputada à recorrida a ocorrência, ou conformação com o dano, se fosse de admitir a existência de ambos, nunca existiria ou seria possível tirar qualquer ilação da existência de nexo de causalidade entre ambos. 5º- Foram violados os artºs 262º, 1157º, 1180º e 342º, nº 1 do Cód. Civil e 32º, nº 1 do Cód. Proc. Civil. Contra-alegou a autora, em apoio do decidido. Após os vistos, cabe decidir. Na Relação foram dados como provados os seguintes factos: A autora é uma Sociedade Comercial por Quotas, que se encontra matriculada na Conservatória do Registo Comercial da Maia sob o número 09767, cujo objecto é o comércio por grosso de materiais de construção e equipamento sanitário (A)); A ré exerce a profissão liberal de Advogada, estando inscrita no Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados, sendo portadora da Cédula Profissional nº 5556 P (B)); Atendendo a que a autora necessitava de aconselhamento jurídico, socorreu-se da experiência da ré, tendo-lhe apresentado a seguinte situação (C)): A autora em 06 de Abril de 1998 havia comprado à ..... (Empresa-B .), um tractor de mercadorias, Marca MAN, Modelo FO2TI0FB2, com a Matrícula JU (tractor JU), pelo preço de 4.095.000$00 = 20.425,77 Euros (vide factura nº 034, de fls. 6, da certidão que se junta e se dá por inteiramente reproduzida para todos os efeitos legais sob o doc. nº 1), e o pagamento do preço supra, foi efectuado mediante a entrega de 24 letras na quantia de 170.625$00 = 851,07 Euros, à Soc. Empresa-B , com início de vencimento em 06/05/98 e termo em 06/04/2000 (vide fls. 66 e 67 do doc. nº 1) (C1)) Atenta a forma de pagamento, a venda daquele tractor foi efectuada pela dita sociedade mediante a reserva de propriedade a seu favor até efectivo e integral pagamento (vide fls. 66 e 67 do doc. nº 1) (C2)); Naquele mesmo dia 06 de Abril de 1998 a autora também comprou àquela sociedade uma galera de Marca Fruehauf - Benne, com a Matrícula P -, pelo valor de Esc. 585.000$00 = 2.917,00 Euros (vide fls. 7 do doc. nº 1) (C3)); Logo após a celebração do aludido contrato de compra e venda, o tractor JU supra referido foi imediatamente utilizado no exercício do objecto social da autora (C4)); Em 08 de Maio de 1998, após a aquisição e colocação em circulação daquela viatura ao serviço da autora, a mesma veio a avariar, tendo a mesma sido reparada no local onde havia avariado (vide fls. 8 do doc. nº 1), tendo aquela reparação importado em 11.402$00 = 56,87 Euros, custo esse pago pela aqui autora (C5)); Tal avaria, respectivo custo e a origem da avaria - problemas ao nível do motor, foram prontamente denunciadas aos legais representantes da sociedade vendedora Empresa-B (C6)); Só que, ao contrário do que seria de esperar, aquele tractor veio a apresentar vários, enormes e graves problemas, que se indicam exemplificativamente, ao nível do motor, distribuidor, caixa de velocidades, embraiagem, escape, turbos, injectores, colaças, cruzetas de transmissão, termóstato, fugas de óleo, etc. (C7)); Inicialmente e até inícios de Julho de 1998, a sociedade vendedora Empresa-B aceitou proceder ao pagamento das reparações dos problemas que iam surgindo naquele tractor JU (C8)); Foi este cenário que o representante legal da autora apresentou à ré. Ao que esta respondeu que assistiria à autora o direito de anular o negócio celebrado entre aquela e a sociedade vendedora Empresa-B (vide contrato de compra e venda de fls. 66 e 67 do documento nº 1) e, ainda o de pedir uma indemnização por todos os danos, mormente pelos danos emergentes e pelos lucros cessantes (D)); Por sua vez, a ré, para instruir o processo a apresentar em tribunal, solicitou à autora o fornecimento de vários documentos que julgou necessários para a instrução do referido processo, tendo em vista o ressarcimento dos direitos da autora, nomeadamente facturas, recibos comprovativos das reparações e do custo das mesmas, referentes ao tractor JU (E)); De imediato a autora se prontificou a entregar os referidos documentos e tudo quanto mais a ré solicitou (F)); O legal representante da autora, mediante o envio de carta registada com aviso de recepção, enviada no dia 03/04/2000 e recepcionada no dia 04/04/2000, comunicou-lhe que exigia o agendamento de uma reunião para o dia 07/04/2000 pelas 16h30m, a fim desta lhe exibir as duas acções judiciais que teria proposto em tribunal e esclarecendo-o do andamento das mesmas e entregando-lhe fotocópia das mesmas (G)); Mais lhe comunicou que, se a ré não pudesse estar presente na indica da hora, teria que apresentar hora alternativa, mas sempre naquele dia, a combinar através dos números de telefone que aquele indicou (H)); Sucede que a ré voltou a faltar à reunião supra, ao não ter comparecido no escritório daquela no dia e hora fixado (I)); Muito mais tarde, a autora veio a saber que aquele processo havia sido transferido para o tribunal de Paredes, por ordem do Tribunal Judicial da Comarca da Maia e, por fim, tomou conhecimento do teor da sentença (de fls. 91 a 98 do doc. nº 1) que aqui se dá por reproduzida, na qual foi julgada procedente a alegada excepção da caducidade do direito de propor aquela acção (a sociedade vendedora do tractor JU, alegou em sede de contestação a dita excepção e a aqui Ré nada disse em relação à aludida caducidade) (J)); O relato referido na alínea C) ocorreu em meados do mês de Julho de 1998 (1º); Nessa altura, a ré informou a autora que a apresentação em juízo da referida acção de anulação daquele negócio e o indicado pedido de indemnização apenas poderia ocorrer depois do pagamento integral do preço de aquisição do tractor JU, ou seja, depois do dia 06/04/2000 (2º); A autora, apesar de contrariada, uma vez que se encontrava a pagar pontualmente as prestações mensais acordadas com a referida sociedade, confiou no saber e experiência da ré, acabou por aceder ao conselho daquela (3º); O custo da reparação das avarias enunciadas a título meramente exemplificativo nas alíneas C4 a C7 ascendeu à quantia de 3.504.406$00 (17.749,90 euros) (9º); A viatura em apreço ficou imobilizada cerca de 120 dias a fim de ser objecto das várias reparações o que impossibilitou a autora de realizar, pelo menos, três cargas de areia que efectuava diariamente, numa média de 16.000$00 = 79,81 euros cada carga (9º); No dia 7 de Abril de 2000, a ré telefonou ao subscritor da carta referida na alínea g) da MF A e marcou reunião para o dia 13 de Abril de 2000 (11º e 12º); No dia 19 de Abril de 2000, a ré ligou para o telemóvel do representante da autora (15º); Num sábado de manhã, no dia 20 de Maio de 2000, o representante da autora acompanhado do seu pai, levou os documentos em falta para a instrução do processo, e nessa altura, outorgou procuração, rasurando o ano (de 2001 para 2000). A Relação procedeu à correcta subsunção jurídica dos factos provados, não sendo o acórdão recorrido passível da censura que lhe vem dirigida. Em meados de Julho de 1998 (1º) a autora, necessitando de aconselhamento jurídico, socorreu-se da experiência da ré, que exerce a profissão de Advogada [C) e B)], relatando-lhe a situação descrita em C1), C2), C3), C4), C5), C6), C7) e C8). A ré disse então à autora que lhe assistia o direito de anular o negócio celebrado com a vendedora Empresa-B (contrato de compra e venda de fls. 66 e 67 - doc. nº 1) e de pedir uma indemnização pelos danos emergentes e pelos lucros cessantes (D)). Para instruir o processo a apresentar em tribunal, a ré solicitou à autora o fornecimento de vários documentos que julgou necessários, nomeadamente facturas, recibos comprovativos das reparações e do custo das mesmas, referentes ao tractor JU (E)), tendo-se a autora de imediato prontificado a entregar tais documentos e tudo quanto mais a ré solicitou (F)). Nessa mesma altura, a ré informou a autora de que a apresentação em juízo da acção de anulação daquele negócio e do pedido de indemnização apenas poderia ocorrer depois do pagamento integral do preço de aquisição do tractor JU, ou seja, depois do dia 06/04/2000 (2º), e a autora, apesar de contrariada, uma vez que se encontrava a pagar pontualmente as prestações mensais acordadas com a referida sociedade, confiou no saber e experiência da ré, acabando por aceder ao conselho daquela (3º), tendo no dia 20 de Maio de 2000 levado à ré os documentos em falta para a instrução do processo e outorgado a necessária procuração à ré. Embora a consulta tenha ocorrido em meados de 1998, o certo é que a ré informou a autora de que a acção só poderia ser intentada depois de 6.4.2000, isto é após o pagamento integral das prestações da compra a prestações com reserva e propriedade a favor da vendedora, tendo a autora, confiando na ré, aceitando isso, embora um pouco contrariada, disponibilizando-se de imediato a fornecer-lhe os documentos e demais elementos necessários à propositura da acção. Terminado o pagamento das prestações do preço de aquisição, em 6.4.2000, foram os documentos entregues à ré no dia 20.5.2000, data em que foi também outorgada a respectiva procuração, tendo em vista a instauração da acção há muito acordada entre as aqui demandante e demandada. Não pode destarte a ré alegar em sua defesa que a autora lhe não outorgou tempestivamente a procuração nem entregou em devido tempo a necessária documentação. Tendo o contrato de mandato ocorrido em meados de Julho de 1998, se o mandato não foi mais cedo conferido pela procuração (artº 35º a,) do CPC), e a documentação não chegou à posse da ré ainda em 1998 foi porque esta o não exigiu, pois a autora disponibilizou-se de imediato (em meados de Julho de 1998) a entregar os documentos e tudo o mais que a ré entendesse ser necessário para a instauração da acção judicial. Mas o contrato de mandato teve lugar em Julho de 1998, havendo que distinguir entre ele e a procuração. A recorrente confunde o contrato de mandato com a procuração, mas o contrato de mandato é sempre um negócio independente da procuração/representação voluntária. A procuração é o acto pelo qual alguém atribui a outrem, voluntariamente, poderes representativos (artº 262º, nº 1 do CC). Não é um contrato mas um acto de atribuição, um negócio jurídico unilateral por intermédio do qual uma pessoa é nomeada procurador. No caso vertente teve como relação jurídica de base (cfr. artº 265º, nº 1, 2ª alternativa) o contrato de mandato celebrado em Julho de 1998, que, por definição, é aquele pelo qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais actos jurídicos por conta de outra (artº 1157º do CC), tratando-se de uma modalidade particular do contrato de prestação de serviços. A ré obrigou-se pois, perante a autora, em Julho de 1998, a desenvolver a necessária actividade intelectual e a praticar todos os actos materiais tendentes à obtenção para a autora, pela via judicial, do resultado que lhe disse ser alcançável, apenas não tendo obtido desde logo o meio adequado para exercer o mandato (a procuração), e a pertinente documentação, por ter assegurado à autora que a acção só poderia ser interposta depois de 6.4.2000. Tendo-lhe a ré dito que a acção só podia ser proposta depois de 6.4.2000, é óbvio que a autora não sentiu necessidade de outorgar desde logo a procuração e de entregar de imediato os documentos. Podendo e devendo propor tempestivamente a acção que sugeriu à autora e esta aceitou fosse intentada, deixou no entanto a ré transcorrer o prazo de propositura, dando azo a que viesse a ser declarada procedente a peremptória da caducidade da demanda, arguida pela ré vendedora na acção intempestivamente intentada e contra a qual a ré, no exercício do mandato que lhe fora conferido pela autora, não exerceu o contraditório. É patente ter a ré cometido um acto ilícito (omissão da tempestiva instauração da demanda). Esse facto ilícito foi culposo, pois a ré podia e devia logo em meados de Julho de 1998 exigir à autora a entrega dos documentos e a procuração e instaurar a projectada acção no mais curto espaço de tempo possível e de qualquer modo sempre antes de caducar o direito de accionar. A culpa neste caso encontra-se demonstrada, e sempre seria de presumir por se estar no domínio da responsabilidade contratual (artºs 487º e 799º do Código Civil). A autora sofreu um dano patrimonial traduzido na diferença entre a situação real actual em que se encontra e a situação hipotética em que se encontraria se não tivesse sofrido o dano (artº 566º, nº 2 do Código Civil). Os danos de natureza patrimonial ascendem ao montante global de € 46.210,66 [o custo da reparação das avarias discriminadas em C4 a C7, foi de 3.504.406$00 (€ 17.749,90), e o tractor JU ficou imobilizado cerca de 120 dias a fim de ser objecto das várias reparações, impossibilitando a autora de realizar pelo menos três cargas de areia que efectuava diariamente numa média de 16.000$00 (€ 79,81) cada carga, no montante de € 28.730,76]. Não tendo a ré, culposamente, cumprido em tempo útil a obrigação a que se achava vinculada contratualmente, deve reconstituir a situação que hipoteticamente existiria caso não se tivesse verificado o comportamento omissivo que obriga à reparação por ter sido causa adequada dos danos. A circunstância relatada de, passado apenas cerca de um mês sobre a compra, o tractor apresentar vários, enormes e graves problemas ao nível do motor, distribuidor, caixa de velocidades, embraiagem, escape, turbos, injectores, cruzetas de transmissão, termóstato e fugas de óleo, prontamente denunciados à vendedora, levou a Relação a concluir que no momento da compra já esse veículo padeceria de graves e ocultos vícios, que o tornavam impróprio para o uso a que se destinou ou lhe reduziam de tal modo a aptidão para esse uso que, se a autora o soubesse, não o teria adquirido ou não teria dado por ele o mesmo preço. Ao concluir desse modo, a Relação moveu-se ainda na fixação da matéria de facto, tarefa para que está legalmente fadada (o que não sucede com o STJ, que em princípio apenas julga de direito), não sendo tal inferência sindicável por este tribunal de revista por não padecer abertamente de qualquer ilogismo (um veículo é adquirido para andar sem avarias graves e numerosas, não apenas durante um mês... os extensos e graves problemas identificados nos autos não nascem normalmente pelo simples uso durante um mês!). O escrupuloso e atempado cumprimento da obrigação pela ré teria tornado altamente expectável - face aos vícios redibitórios do veículo adquirido e suposto o curso normal das coisas - a anulação do contrato e o ressarcimento da autora pela firma vendedora (artºs 905º e segs. e 913º e segs. do Código Civil). Tanto basta para se dar também como provado o requisito do nexo de causalidade adequada entre o facto omissivo ilícito e culposo (incumprimento do contrato de mandato) e o dano (não obtenção do resultado que previsivelmente seria alcançado se a ré tivesse cumprido pontualmente a sua obrigação como advogada da autora). Como ainda recentemente expendeu o STJ na revista nº 2.768/06-1 (relatada pelo aqui 1º adjunto e em que foi 1º adjunto o ora 2º adjunto), o advogado deve aconselhar o cliente sobre o merecimento do seu direito de forma conscienciosa e zelosa, facultando-lhe o melhor dos seus conhecimentos e recursos da sua experiência e actividade, podendo ser-lhe assacada responsabilidade contratual - no âmbito do mandato forense - se incumpre qualquer dos deveres para com o cliente. Não se mostram violadas as normas jurídicas indicadas no conclusório da revista, fazendo a autora jus ao ressarcimento dos referidos danos emergentes e lucros cessantes (artºs 564º, nº 1 e 798º do Código Civil). Termos em que, remetendo ainda para a fundamentação do proficiente acórdão recorrido no que não contradiga o supra expendido, acordam em negar a revista, confirmando o acórdão recorrido e condenando a recorrente nas custas. Lisboa, 21 de Novembro de 2006 Faria Antunes Sebastião Póvoas Moreira Alves |