Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
140/19.2YHLSB-B.L2.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: OLIVEIRA ABREU
Descritores: ACESSO À JUSTIÇA
RECURSO AO RECURSO
INCONSTITUCIONALIDADE
PROCEDIMENTOS CAUTELARES
RECURSO DE REVISTA
PRESSUPOSTOS
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
REJEIÇÃO DE RECURSO
ADMISSIBILIDADE
EXECUÇÃO
LEI ESPECIAL
Data do Acordão: 03/21/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA (PROPRIEDADE INTELECTUAL)
Decisão: NEGADA
Sumário :
I. A previsão expressa dos tribunais de recurso na Lei Fundamental, leva-nos a reconhecer que o legislador está impedido de eliminar a faculdade de recorrer em todo e qualquer caso, ou de a inviabilizar na prática, todavia, já não está impedido de regular, com larga margem de liberdade, a existência dos recursos e a recorribilidade das decisões.

II. O direito adjetivo estabelece regras quanto à admissibilidade e formalidades próprias de cada recurso, reconhecendo-se que a admissibilidade dum recurso depende do preenchimento cumulativo de três requisitos, a saber: a legitimidade de quem recorre, ser a decisão proferida recorrível e ser o recurso interposto dentro do prazo legalmente estabelecido.

III. A decisão cautelar é uma verdadeira decisão judicial que, por isso, goza da garantia da coercibilidade e da executoriedade, pois, a provisoriedade não é sinónimo de inexequibilidade.

IV. Em regra, não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão do Tribunal da Relação proferido no âmbito de procedimentos cautelares, sendo o respetivo limite recursório a Relação, importando, porém, anotar que esta regra de irrecorribilidade é excecionada se invocada alguma das situações elencadas no direito adjetivo civil - art.º 629º n.º 2 do Código de Processo Civil - .

V. Esta limitação recursória abrange não só a fase declarativa dos procedimentos cautelares, incluindo todos seus incidentes, mas também a sua fase executiva, nas situações em que haja lugar à mesma, a par daquela que determina a inversão do contencioso, pois, não faria sentido, nomeadamente, que a decisão sobre o decretamento de uma providência cautelar não admitisse recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, mas a decisão sobre a Oposição à sua execução já o admitisse, ademais, quando sabemos que a ponderação sobre a solução da intentada Oposição à execução bule, ou pode contender, com a interpretação da sentença exequenda, proferida nos autos de providência cautelar, donde, importará concluir que, nas execuções das providências cautelares, o art.º 370º n.º 2 do Código de Processo Civil, funciona como uma norma especial, relativamente ao genericamente disposto no art.º 854º do Código de Processo Civil.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



I. RELATÓRIO

1. O Clube de Futebol “Os Belenenses” intentou um procedimento cautelar contra Os Belenenses Sociedade Desportiva de Futebol SAD, tendo em 25.10.2018 sido proferida sentença decidindo:

“a) Que a Requerida cesse de imediato, sob toda e qualquer forma de utilização das marcas e dos símbolos, incluindo o Lema e o Hino do Requerente;

b) Que a Requerida se abstenha, de imediato, de imitar as marcas do Requerente, cessando, sob toda e qualquer forma, o uso dos símbolos, marcas ou de quaisquer outros elementos que, pela sua semelhança, sejam susceptíveis de criar confusão aos consumidores;

c) Que a Requerida proceda, no prazo de, 30 dias, à remoção dos sinais referidos em a) e b) a suas expensas, em quaisquer suportes, incluindo dentro ou fora de estabelecimento comercial, em toldos, tabuletas, letreiros, montras, viaturas, em quaisquer artigos, sacos, vestuário, embalagens, rótulos, em qualquer tipo de documentos, brochuras na Internet, redes sociais, em publicidade de qualquer tipo ou por quaisquer meios de divulgação;

d) Condena-se a Requerida no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória, no valor de €3.000,00 por cada dia, posterior aos 30 dias supra concedidos para o efeito, a contar da data da notificação desta decisão, em que não cumpra algumas das injunções acima decretadas.

e) Absolve-se a Requerida dos demais pedidos formulados pelo Requerente.

f) Indefere-se a substituição das medidas cautelares supra decretadas pela prestação de caução”.

A sentença condenou ainda a Requerida, relativamente ao “Incidente de substituição das medidas cautelares por caução”, em “Custas do incidente anómalo a cargo da Requerida, que se fixa em 3 UC’s, nos termos do disposto no art. 7º, 4 e 8, do RCP”.

2. Por despacho de 12.11.2018 a sentença foi retificada nos seguintes termos: “A alínea d) do segmento decisório passará a ter a seguinte redacção:

d) Condena-se a Requerida no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória no valor de €3.000,00 por cada dia em que não cumpra algumas das injunções acima decretadas, a contar da data da notificação desta sentença nos que respeita às alíneas a) e b), e nos 30 dias a contar da notificação desta sentença no que respeita à alínea c).”

3. Interposto recurso da sentença, por acórdão de 7.03.2019 (apenso A) foi revogada a sentença na parte em que condenou a apelante a pagar as custas do incidente para a prestação da caução, confirmando, no mais, a sentença recorrida.

4. Por requerimento de 19.01.2019, O Clube de Futebol Os Belenenses instaurou uma acção executiva contra Os Belenenses Sociedade Desportiva de Futebol SAD, alegando, em síntese, que a Executada não deu até essa data cumprimento ao que determinou a sentença, continuando a apresentar-se ao público como “Belenenses”, a usar a Cruz de Cristo como seu principal símbolo e, por vezes, o emblema do Exequente, mantendo ainda, nas redes sociais Twitter e Linkedin, todo o registo de violação dos direitos do Exequente.

Concluindo e requerendo a final que:

“Assim, à data de hoje, 07 de Janeiro de 2019, a Executada está obrigada a pagar uma sanção pecuniária compulsória no montante global de €201.000,00 (duzentos e um mil euros), correspondente a €3.000,00 (três mil euros) por cada dia de incumprimento das injunções da Sentença. Ao valor da sanção há que acrescentar a obrigação de pagamento de juros calculados à taxa de 5% ao ano (artigo 829.º - A n.º 4 do Código Civil). Posto que, a Executada se encontra em frontal e deliberado incumprimento da Sentença, motivo pelo qual a presente Execução é procedente, ordenando-se o efetivo pagamento da sanção pecuniária compulsória no valor de €3.000,00 (três mil euros) por cada dia de violação da Sentença, acrescidos dos juros de mora calculados, desde a data do trânsito em julgado da Sentença, montante que, na presente data, ascende a €201.000,00 (duzentos e um mil euros), acrescidos de juros à taxa automática de 5% (829º-A/4).”

5. A Os Belenenses Sociedade Desportiva de Futebol SAD deduziu embargos na execução que lhe foi movida pelo Clube de Futebol Os Belenenses, em 26.02.2019, concluindo com os seguintes pedidos:

A) Devem os presentes embargos ser julgados procedentes e extinta a execução;

B) Deve condenar-se o Exequente em multa correspondente a 10 % do valor da execução é objeto de oposição, mas não inferior a 10 UC, nem superior ao dobro do máximo da taxa de justiça;

C) Deve ainda ser condenado em indemnização a favor da Embargante pelos danos culposamente causados e a causar, a liquidar futuramente, por não poderem ser liquidados desde já;

D) Deve o Exequente ser condenado em multa e em indemnização a favor da Embargante como litigante de má-fé, consistindo a indemnização no reembolso das despesas a que a má-fé causou e venha a causar à Embargante, incluindo os honorários dos mandatários escolhidos por esta.

6. Foi proferida sentença que julgou procedente a oposição e declarou extinta a execução.

7. Interposto recurso da sentença, por decisão singular proferida na Relação, em 8.03.2021, foi declarada a nulidade da sentença recorrida e julgado prejudicado o conhecimento das restantes questões jurídicas suscitadas pelas partes na Instância recursória.

8. A aludida decisão singular identificou como nulidades invocadas pelo Clube de Futebol Os Belenenses:

a) a nulidade incorrida pela Sentença Recorrida ao omitir a prolação de despacho com o convite de esclarecimento do pedido junto do Exequente e/ou de eventual aperfeiçoamento desse pedido;

b) a nulidade por violação da Sentença Recorrida da Sentença Exequenda e do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, ao não considerar os incumprimentos cometidos pela Executada entre os dias 07.11.2018 e 16.11.2018;

c) a nulidade incorrida pela Sentença Recorrida ao conhecer do comportamento da Executada após o dia 07.01.2018, “... [porquanto, estando] em causa nos embargos a conduta da Executada entre 02.11.2018 e 07.01.2019 e a sua compatibilidade com a Sentença Exequenda, o facto provado número 84 da Sentença Recorrida (comportamento da Executada após 07.01.2019) é uma questão fora do horizonte temporal dos embargos, não integra o objeto do processo e, portanto, trata-se de uma questão sobre a qual a Sentença Recorrida não deveria tomar conhecimento, sendo a mesma nula nessa parte, nos termos do artigo 615.º n.º 1 d) do Código de Processo Civil, devendo o mesmo ser eliminado” (s/c).

Dessas nulidades, julgou apenas parcialmente procedente a referida na al. c), determinando a eliminação do ponto 84 do elenco da matéria de facto provada.

Procedendo a idêntico escrutínio quanto ao peticionado em recurso subordinado pela sociedade apelada Os Belenenses Sociedade Desportiva de Futebol SAD, decidiu que, “o Mmº Juiz a quo, apesar de as referir/enunciar no texto dessa decisão cujo mérito aqui se sindica, não apreciou qualquer das questões jurídicas (que não meros argumentos) que a Executada/embargante suscitou na sua oposição à execução, a saber:

a) Inexequibilidade da sentença relativamente à parte da sanção pecuniária compulsória pertencente ao Estado;

b) Inexequibilidade do título relativamente à utilização pela embargante da expressão "Belenenses”;

c) Inexequibilidade do título relativamente a actos não descritos no mesmo (utilização da expressão ‘Belenenses’ de hashtags ou referência a antigos treinadores);

d) Incerteza da obrigação exequenda;

e) Invocação de factos não imputáveis à executada;

f) Omissões de pronúncia na sentença exequenda e consequente não violação das providências aí ordenadas;

g) A inexequibilidade do título relativamente às pretensas violações das providências cautelares até 16.11.2018.

E essa situação, sem sombra para qualquer dúvida, consubstancia, à luz do estatuído no já citado n.º 2 do art.º 608° do CPC 2013, uma clara e inequívoca omissão de pronúncia por parte do Tribunal recorrido.

Por outro lado, também não tomou o Mmº Juiz a quo posição, para os declarar ou provados ou não provados, os factos descritos nas conclusões 47. e 62. das contra-alegações de recurso da apelada.

E, como bem alega essa litigante, tais factos são relevantes para a construção da solução jurídica a dar à lide submetida ao julgamento do Tribunal.

O que significa que, também quanto a esta matéria, ocorreu uma (outra) clara e inequívoca omissão de pronúncia por parte do tribunal recorrido.” Antes de determinar a remessa dos autos à 1ª instância “para que aí se proceda ao suprimento da nulidade antes decretada”, decidiu ainda ser “indispensável sublinhar que o que se encontra escrito nos números 78 e 79 do ponto III (com o título “Fundamentação de facto”) dessa sentença proferida em T1 instância não corresponde a “factos” propriamente ditos. O que consta de pareceres jurídicos feitos juntar pelas partes nada mais constitui que um conjunto de opiniões fundamentadas, às quais o Julgador (singular ou colectivo) dará a devida e merecida atenção.

Mas nunca por nunca poderão essas opiniões ser consideradas factos, nos termos e para os efeitos previstos nos n°s 3, 4 e 5 do art.° 607° do CPC 2013. E feita que está esta clarificação, importa proceder à oportuna remessa do processo ao Tribunal recorrido.

O que, sem que se mostre necessária a apresentação de qualquer outra argumentação lógica justificativa, aqui se declara e decreta.”

Conclui a referida decisão decretando o seguinte:

“a) julgam-se improcedentes as conclusões H) a O) e procedente a conclusão P) das alegações de recurso apresentadas pelo apelante, e, consequentemente, declara-se que, salvo no que respeita à inclusão do número 84 no elenco de factos nela declarados provados, número esse cuja eliminação aqui se decreta, a sentença recorrida não é nula pelos fundamentos invocados por esse recorrente;

b) julgam-se procedentes as conclusões 35. a 46. e 63. das contra-alegações de recurso apresentadas pela apelada, e, consequentemente, declara-se nula a sentença recorrida;

c) declara-se prejudicado o conhecimento das restantes questões jurídicas suscitadas pelas partes nesta instância recursória.”

9. Após reabertura da audiência de julgamento na sequência do decidido no acórdão de 26.01.2021 proferido no apenso H, foi proferida nova sentença que julgou procedente a oposição e, em consequência, declarou extinta a execução.

10. Inconformado com a sentença, dela apelou o Clube de Futebol Os Belenenses, outrossim, “Os Belenenses” – Sociedade Desportiva de Futebol, SAD, apresentou recurso subordinado.

11. Conhecendo dos interpostos recursos, a Relação proferiu acórdão, com voto de vencido, em cujo dispositivo enunciou: “Pelo exposto, acordam em julgar parcialmente procedentes o recurso interposto pelo Clube de Futebol “Os Belenenses” bem como o recurso subordinado da “Os Belenenses - Sociedade Desportiva de Futebol, SAD e, em consequência, revogar a sentença recorrida, a qual deve ser substituída por outra que:

. tenha em conta a alteração da matéria de facto ora decidida;

. proceda à motivação da decisão de facto no que respeita aos pontos I e J da matéria de facto não provada;

. conheça das questões jurídicas invocadas pela Embargante e identificadas na decisão singular proferida nesta Secção em 8.03.2021;

. tenha em conta o decidido relativamente ao pedido formulado pelo Exequente.

Custas do recurso por ambas as Apelantes, em partes iguais (art. 527.º, n.º 1 e 2 do CPC).”

12. O voto de vencido tem o seguinte teor:

“Pese embora compreenda e respeite os fundamentos invocados no Acórdão, decidiria de forma diversa quanto a duas das questões invocadas pela apelante, uma das quais com reflexo diverso na decisão final.

A primeira questão prende-se com a impugnação da matéria de facto no segmento em que a apelante pretende a eliminação dos pontos 78 e 79 da decisão de facto.

Reconhecendo que, do ponto de vista técnico, o parecer é um meio de prova e não facto em si, a circunstância de terem sido emitidos pareceres, conforme resulta nos aludidos pontos, é ainda factual, sem prejuízo de inconsequente para a decisão final. Assim, em obediência ao princípio da utilidade e da proporcionalidade manteria aqueles pontos.

A segunda questão prende-se com o erro de julgamento, reconhecido no Acórdão, quanto à interpretação que o tribunal a quo fez do pedido executivo, conclusão que acompanho. Retiraria dela, porém, a consequência de decidir que, mesmo com o sentido dado ao pedido executivo, pelo apelante, a sanção pecuniária compulsória não lhe permitiria obter pagamento pelo período anterior à data do trânsito em julgado da decisão que a fixou.

Em termos materiais, decidiria pela procedência dos embargos e extinção da execução.

A razão para tal advém, em suma, do reconhecimento da função e objetivos da sanção pecuniária compulsória. Esta é essencialmente coativa, visando o cumprimento da obrigação determinada pelo tribunal. Como se refere na decisão proferida no Ac. 34503/15.8T8LSB.L1-7, do Tribunal da Relação de Lisboa, trata-se de uma sanção umbilicalmente ligada a uma sentença de condenação transitada em julgado; que se equipara, ressalvadas as devidas proporções, à previsão penal quanto a determinado comportamento, devendo o visado ficar bem ciente das consequências do seu incumprimento.

Ora, uma tal condenação, com tal carga punitiva só pode ser eficaz com o trânsito em julgado da decisão, e não antes, sob pena de se comprometer a certeza jurídica e a garantia de consolidação de uma tal decisão na ordem jurídica

A circunstância de a decisão exequenda mencionar que a sanção é devida desde a data da sua notificação não invalida este pressuposto, já que a notificação a considerar, neste caso, terá que se reportar necessariamente à da decisão final que venha a transitar.

A improcedência do recurso da apelante levaria à desnecessidade de apreciação do recurso subordinado.”

13. Irresignada, a Embargante/Executada/“Os Belenenses” - Sociedade Desportiva de Futebol, SAD, interpôs revista, aduzindo as seguintes conclusões:

“1. O título executivo em que se funda a execução de que estes embargos de executado dependem e em que é pedida a sua extinção é uma sentença proferida num procedimento cautelar que determina uma sanção pecuniária compulsória;

2. A presente execução foi instaurada antes do trânsito em julgado dessa sentença;

3. A condenação em sanção pecuniária compulsória, com a carga punitiva de que se reveste, só pode ser eficaz com o trânsito em julgado da decisão, e não antes, sob pena de se comprometer a certeza jurídica e a garantia de consolidação de uma tal decisão na ordem jurídica;

4. A circunstância de a sentença exequenda mencionar que a sanção é devida desde a data da sua notificação não invalida este pressuposto, já que a notificação a considerar, neste caso, terá de se reportar necessariamente à da decisão final que venha a transitar em julgado;

5. O douto acórdão recorrido, ao não julgar procedentes os embargos, com a consequente extinção da execução, viola o disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 829.º- A do CC.

Termos em que, julgando procedente a presente revista, devem julgar-se procedentes os embargos de executado, com a consequente extinção integral da execução, V. Exas. farão a costumada Justiça”

14. O Recorrido/Embargado/Exequente/Clube de Futebol “Os Belenenses” apresentou contra-alegações, formulando as seguintes conclusões.

“I. A matéria sobre a data concreta em que o dispositivo da Sentença respeitante à sanção pecuniária compulsória deve produzir os seus efeitos já foi objeto de discussão contraditória e de decisão judicial transitada em julgado: foi decidido que a sanção pecuniária compulsória é eficaz desde a data em que a Sentença, com o seu texto inicial, foi notificada às Partes.

II. No Recurso, a Recorrente discutiu a matéria da data de produção de efeitos imediatos do dispositivo respeitante à sanção pecuniária compulsória: se deveria ser a data da notificação da Sentença ou, como era o seu entendimento, a data de notificação do Despacho de Retificação.

III. No ponto 10 das alegações (páginas 39 a 41) e nas conclusões 93 a 99 (páginas 55 e 56) do Recurso, a Recorrente expressou que o Despacho de Retificação “fixa como termo inicial da condenação em sanção pecuniária compulsória a data da notificação da sentença, o dia 28 de outubro”, pugnando para que essa data fosse corrigida para a data da notificação do Despacho de Retificação, alegando a impossibilidade de a decisão ter efeitos retroativos.

IV. O Acórdão (página 52) decidiu que a referida parte do recurso da Recorrente era improcedente e que o dispositivo respeitante à sanção pecuniária compulsória (o único que foi objeto de retificação) produz efeitos à data em que a Sentença com o texto inicial foi notificado às Partes.

V. Nos Embargos (artigos 136 a 144, páginas 34 a 36), a Recorrente continuava a interpretar a Sentença, na parte da sanção pecuniária compulsória, como apenas produzindo efeitos desde a data da sua notificação da Sentença com o texto original, pugnando pela produção de tais efeitos desde a data da notificação do Despacho de Retificação - agora, mudou de ideias.

VI. Com este recurso, apresentado mais de 4 anos depois da Sentença, a Recorrente pretende apresentar um novo recurso sobre o mérito da Sentença, pugnado agora por uma outra data de produção de efeitos - não o pode fazer.

VII. As decisões judiciais não podem ser objeto de sucessivos recursos ao longo dos anos, suscitados em função das sucessivas interpretações que a parte destinatária das mesmas se vai lembrado de ter, sob pena de se desrespeitar a força vinculativa das decisões judiciais.

VIII. O desrespeito pelo caso julgado, nomeadamente reabrindo uma matéria já decidida, viola o valor da Sentença transitada em julgado (artigo 619.º n.º 1 do CPC), o princípio da obrigatoriedade das decisões judiciais (artigo 205.º n.º 2 da CRP) e o princípio da segurança jurídica inerente ao Estado de Direito (artigo 2.º da CRP).

IX. Sem prejuízo do que acima está referido, o sentido literal e o sentido real da vontade subjacente à decisão da Sentença sobre a data em que a sanção pecuniária compulsória se tornaria eficaz apontam de uma forma segura e inequívoca para a data da notificação da Sentença e não para a data do seu trânsito em julgado.

X. No que diz respeito ao sentido literal, a Sentença condenou a Recorrente no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória a partir da data da sua notificação (o que está escrito) e não a partir da data do seu trânsito em julgado (o que não está escrito); por outro lado, inexiste qualquer elemento de facto que permita considerar que a Meritíssima Juiz confundiu ou utilizou com imprecisão duas realidades processuais completamente distintas: a notificação de uma decisão e a data do seu trânsito em julgado.

XI. No que diz respeito ao apuramento do sentido real da Sentença, existem elementos suficientes para perceber que foi efetivamente pretendido que a sanção pecuniária compulsória se deveria tornar eficaz na data da notificação da notificação da Sentença às Partes e não na data do seu trânsito em julgado.

XII. A Sentença foi proferida pela Meritíssima Juiz Maria João Calado, no Tribunal da Propriedade Intelectual (1.º Juízo); foi a mesma Meritíssima Juiz que proferiu  Despacho de Retificação, onde alude aos “efeitos imediatos da decisão”; foi a mesma Meritíssima Juiz que olhou para o Requerimento Executivo e, sabendo que a Sentença não tinha transitado em julgado, não indeferiu liminarmente o requerimento executivo (artigo 726.º n.º 1 do CPC) e ordenou a citação da Recorrente (726.º n.º 6 do CPC).

XIII. Se o entendimento da Meritíssima Juiz sobre o verdadeiro sentido da decisão vertida na Sentença por si elaborada fosse aquele que, hoje, a Recorrente se lembrou de preconizar (que, por sua vez, é diferente daquele pelo qual a Recorrente pugnou no passado), a mesma teria indeferido liminarmente o Requerimento Executivo, ao abrigo do artigo 726.º n.º 1 do CPC - não o fez.

XIV. Assim, para além de ser claro o bastante o texto da Sentença (a sanção é devida “a contar da data da notificação desta decisão”), também é evidente a vontade real do Tribunal que esteve subjacente a esse texto - a própria Meritíssima Juiz que produziu a Sentença não teve dúvidas em dar imediato prosseguimento à execução num momento em que estava pendente o Recurso.

XV. Acresce que a Recorrente, que era a principal declaratária das injunções e da decisão sobre a sanção pecuniária compulsória, também compreendeu perfeitamente o texto da Sentença e a vontade subjacente ao mesmo, de tal forma que tanto no Recurso, como nos próprios Embargos, pugnou para que os efeitos imediatos fossem corrigidos para a data da notificação do texto retificado da Sentença, em vez da data da notificação da Sentença com o seu texto original.

XVI. Depois de já ter recorrido uma vez sobre o mérito da Sentença, a Recorrente procura encontrar, neste recurso apresentado 4 anos depois, um novo expediente para apresentar um segundo recurso sobre o mérito da Sentença, ainda para mais com fundamentos contraditórios aos que declarou anteriormente, o que não deve ser aceite.

XVII. Em todo o caso, o Recorrido entende, tal como o entenderam a Sentença e o Acórdão que a confirmou, que os interesses concretos que as injunções decretadas visam acautelar careciam de tutela imediata e eficaz, não continuando os mesmos, na pendência do recurso, à mercê da conduta “assaz lesiva dos interesses do requerente” (cfr. página 50 do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa).

XVIII. A situação sub judice confrontava-se com uma férrea vontade da Recorrente em não cumprir a lei e em não respeitar o património industrial do Recorrido, pelo que não se compadecia com a espera pelo trânsito em julgado da Sentença, sob pena de perder grande parte do seu efeito útil.

XIX. É perfeitamente legítimo que um Tribunal, em sede de procedimento cautelar, decida que a sanção pecuniária compulsória seja eficaz a partir do momento em que a sua decisão é notificada, assim compelindo o infrator a adotar uma prestação de facto adequada a não lesar os interesses em causa que, estando gravemente ameaçados, importa preservar com urgência.

XX. O Recurso teve efeitos devolutivos para todo o seu dispositivo; não teve efeitos meramente devolutivos para todas as suas alíneas, exceto a que diz respeito à sanção pecuniária compulsória, onde teria efeitos suspensivos, resultado material aqui visado pela Recorrente.

XXI. Também aqui vale o efeito do trânsito em julgado da decisão que admitiu o recurso que interpôs da Sentença e que fixou os seus efeitos (devolutivos), pelo que não pode ser proferida outra decisão sobre a mesma matéria já anteriormente decidida (artigo 619.º n.º 1 do CPC), sob pena de se violar a obrigatoriedade das decisões judiciais (artigo 205.º n.º 2 da CRP) e o princípio da segurança jurídica inerente ao Estado de Direito (artigo 2.º da CRP).

XXII. A Recorrente é incapaz de manter uma conduta processual minimamente coerente, entendendo e arguindo tudo e o seu absoluto contrário, assim entorpecendo a ação dos Tribunais. Mais de 4 anos depois, aqui e agora, a Recorrente pretende recorrer novamente do mérito da Sentença e, ainda para mais, utilizando fundamentos manifestamente incompatíveis com as posições processuais que anteriormente tinham sido por si assumidas - essa pretensão deve ser liminarmente rejeitada e a conduta processual da Recorrente deveria ser exemplarmente reprimida.

Termos em que o recurso deve improceder, mantendo-se o Acórdão recorrido, assim sendo feita Justiça.”

15. Entretanto, foi intentada ação principal pela requerente da providência cautelar, Clube de Futebol Os Belenenses contra, Os Belenenses - Sociedade Desportiva de Futebol, SAD, a que o presente procedimento está apenso, pedindo a condenação da Ré nos seguintes termos:

a) Ser a Ré condenada a não utilizar, sob toda e qualquer forma de utilização, o nome, as marcas, os símbolos, incluindo o lema e o hino, e as cores do Autor, incluindo o uso dos elementos nominativos/linguísticos ‘Belenenses’, ‘Os Belenenses’, ‘CFB’ e ‘Belém’ e o elemento figurativo correspondente à Cruz de Cristo.

b) Ser a Ré condenada a abster-se de imitar, sob toda e qualquer forma, o nome, as marcas, os símbolos, incluindo o lema e o hino, e as cores do Autor.

c) Ser a Ré condenada a não utilizar, sob toda e qualquer forma, elementos que, pela sua semelhança com o nome, as Marcas, os símbolos e as cores do Autor, sejam susceptíveis de criar confusão aos consumidores e ao público em geral.

d) Ser a Ré condenada a remover todos os sinais referidos em a), b) e c) acima, a expensas da Ré, em quaisquer suportes, incluindo dentro e fora de estabelecimento comercial, em toldos, tabuletas, letreiros, montras, viaturas, em quaisquer artigos, sacos, vestuário, embalagens, rótulos, em qualquer tipo de documentos, brochuras, na internet, redes sociais, em publicidade de qualquer tipo ou por quaisquer meios de divulgação, ficando ainda a Ré obrigada a intimar e diligenciar activamente junto de terceiros com os quais se relacione no âmbito da sua actividade (incluindo Liga Portuguesa de Futebol Profissional, Federação Portuguesa de Futebol, Associação de Futebol de Lisboa, entre outras organizações ou associações, comunicação social) para que cessem de se reportar à sua identidade e actividade usando o nome, marcas e símbolos do Autor ou elementos confundíveis.

e) Ser declarada a perda do direito ao uso da firma, do nome e da denominação do Autor por parte da Ré a partir do dia 30 de Junho de 2018.

f) Ser a Ré proibida de utilizar a firma, o nome e a denominação do Autor.

g) Ser anulada a firma e a denominação da Ré e anulado o artigo 1º nº 1 do contrato de sociedade da Ré.

h) Ser a Ré condenada a alterar a sua firma e denominação para outras que não contenham o nome do Autor ou elementos que integrem os símbolos e as marcas do Autor ou elementos confundíveis com o nome, símbolos e marcas do Autor.

i) Ser ordenado o cancelamento do registo da firma e denominação da Ré no ficheiro central das pessoas colectivas e na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa.

j) Ser a Ré condenada a publicar, a expensas suas, a sentença proferida nos presentes autos nos três jornais desportivos de maior tiragem em Portugal e nos três jornais generalistas de maior tiragem em Portugal, no prazo de 3 dias após o trânsito em julgado da sentença.

k) Ser a Ré condenada a pagar uma sanção pecuniária de valor não inferior a € 9.000,00 (nove mil euros), a ser paga pela Ré por cada dia de atraso no cumprimento de cada uma das condenações requeridas supra e, dentro de cada dia, por cada incumprimento que no mesmo ocorra.

l) Ser declarado que a Ré teve uma conduta ilícita violadora dos direitos de propriedade industrial do Autor e que a mesma constitui uma prática reiterada e especialmente gravosa, para efeitos da aplicação do disposto no artigo 338º L nº 6 do CPI.

m) Ser a Ré condenada a indemnizar o Autor por todas as perdas e danos, patrimoniais e não patrimoniais, que o Autor sofreu e venha a sofrer pela violação dolosa dos direitos de propriedade industrial do Autor, sendo o montante da indemnização a liquidar em execução de sentença, acrescidos dos juros de mora, calculados à taxa legal e contados desde a data da citação.

n) Ser a Ré condenada a pagar ao Autor todas as despesas pelo mesmo incorridas para fazer valer os seus direitos e interesses legítimos.”

16. Foi proferida sentença onde se consignou, com utilidade:

“IV- Decisão

Por todo o exposto, e nos termos das disposições citadas, julga-se parcialmente procedente e provada a presente acção que o A. Clube de Futebol “Os Belenenses” move contra a R. “Os Belenenses” Sociedade Desportiva de Futebol SAD e, em consequência, condena-se a R. a abster-se de usar as referidas marcas do A.

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Descrição gerada automaticamente , , OS BELENENSES e BELÉM TV em competições desportivas de carácter não profissional, sem prejuízo do direito ao uso da sua denominação social ‘Os Belenenses’ Sociedade Desportiva de Futebol SAD.

Improcede o demais peticionado.”

17. Interposta apelação da aludida sentença, foi proferida decisão singular pela Relação, onde se enunciou: “Em suma, a Apelação interposta do despacho interlocutório de não admissão do Articulado Superveniente (que constituiu o Apenso J), ao ser julgada procedente, revela-se prejudicial em relação à Apelação interposta da sentença final, inutilizando-a supervenientemente ( art. 277º al. e) do CPC).

III – DECISÃO

Assim, ao abrigo do disposto nos artigos 652º, n. 1, al. h) do CPC, julgo extinta a presente instância recursiva, não conhecendo do seu objecto, por força da decisão proferida no Apenso J.”

18. O mandatário da Recorrente/Embargante/Executado/“Os Belenenses” - Sociedade Desportiva de Futebol, SAD, renunciou ao respetivo mandato.

19. Foi proferido despacho em 20.12.2022 com o seguinte teor “Dê cumprimento ao disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 47.º do Código de Processo Civil.”

20. Foi junta aos autos procuração forense pela Recorrente/Embargante/Executado/“Os Belenenses” - Sociedade Desportiva de Futebol, SAD.

21. Foram dispensados os vistos.  

22. Cumpre decidir.


II. FUNDAMENTAÇÃO


II. 1. O conhecimento das questões a resolver, recortadas das conclusões apresentadas pela Recorrente/Embargante/Executada/“Os Belenenses” - Sociedade Desportiva de Futebol, SAD, tem, necessariamente, como pressuposto a admissibilidade da interposta revista, importando, assim, o conhecimento da questão prévia, atinente à respetiva admissibilidade.


II. 2. Da Matéria de Facto


A facticidade relevante para apreciação da questão prévia atinente à admissibilidade da revista, enquanto pressuposto do conhecimento do objeto do recurso, consta do precedente relatório.

II. 3. Da Questão prévia

1. As decisões judiciais são impugnáveis por meio de recurso, porém, a insuficiência dos meios disponibilizados para administrar a Justiça, a par da exigida racionalização dos mesmos, importa que se atente a determinados pressupostos, com vista à admissibilidade recursos, concretamente, para o Supremo Tribunal de Justiça, daí que o princípio geral da recorribilidade das decisões judiciais, admita várias exceções.

2. A previsão expressa dos tribunais de recurso na Lei Fundamental, leva-nos a reconhecer que o legislador está impedido de eliminar pura e simplesmente a faculdade de recorrer em todo e qualquer caso, ou de a inviabilizar na prática, porém, já não está impedido de regular, com larga margem de liberdade, a existência dos recursos e a recorribilidade das decisões.

3. A este propósito o Tribunal Constitucional sustenta que “Na verdade, este Tribunal tem entendido, e continua a entender, com A. Ribeiro Mendes (Direito Processual Civil, III - Recursos, AAFDL, Lisboa, 1982, p. 126), que, impondo a Constituição uma hierarquia dos tribunais judiciais (com o Supremo Tribunal de Justiça no topo, sem prejuízo da competência própria do Tribunal Constitucional - artigo 210º), terá de admitir-se que “o legislador ordinário não poderá suprimir em bloco os tribunais de recurso e os próprios recursos” (cfr., a este propósito, Acórdãos nº 31/87, Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 9, pág. 463, e nº 340/90, id., vol. 17, pág. 349).

Como a Lei Fundamental prevê expressamente os tribunais de recurso, pode concluir-se que o legislador está impedido de eliminar pura e simplesmente a faculdade de recorrer em todo e qualquer caso, ou de a inviabilizar na prática.

Já não está, porém, impedido de regular, com larga margem de liberdade, a existência dos recursos e a recorribilidade das decisões (…)”. (Acórdão n.º 159/2019 de 13 de março de 2019).

4. Como direito adjetivo, a lei processual estabelece regras quanto à admissibilidade e formalidades próprias de cada recurso, podendo dizer-se que a admissibilidade de um recurso depende do preenchimento cumulativo de três requisitos fundamentais, quais sejam, a legitimidade de quem recorre, ser a decisão proferida recorrível e ser o recurso interposto no prazo legalmente estabelecido para o efeito.

Na verdade, não se discute que o recurso deve cumprir os pressupostos da legitimidade, decorrente do art.º 631º do Código de Processo Civil, a par da respetiva tempestividade estabelecida no art.º 638° do Código de Processo Civil, bem como, a recorribilidade, tendo em atenção o estatuído no art.º 671º do Código de Processo Civil.

5. No caso que nos ocupa é pacífica a legitimidade da Recorrente/Embargante/Executada/“Os Belenenses” - Sociedade Desportiva de Futebol, SAD, outrossim, a tempestividade do recurso apresentado em Juízo, encontrando-se a dissensão em saber se a decisão é recorrível.

6. Notificadas a Recorrente/Embargante/Executada/“Os Belenenses” - Sociedade Desportiva de Futebol, SAD e Recorrido/Embargado/Exequente/Clube de Futebol “Os Belenenses”, para os termos dos artºs. 655º n.º 1 ex vi art.º 679º, ambos do Código de Processo Civil, continua aquela a pugnar pela admissibilidade da revista, ao passo que o Recorrido/Embargado/Exequente/Clube de Futebol “Os Belenenses”, nada disse.

7. Tenhamos em atenção estarmos perante uma Oposição à execução, cujo título exequendo é uma sentença proferida nos autos de procedimento cautelar, entendido como medida provisória que corresponde à necessidade efetiva e atual de remover o receio de um dano jurídico, implicando, por isso, uma antecipação de providência, sendo emitida com vista a uma decisão definitiva, cujo resultado garante provisoriamente.

8. Como adiantamos, o princípio geral da recorribilidade das decisões judiciais sofre várias exceções, impondo-se sublinhar, a este respeito, que o acórdão que a Recorrente/Embargante/Executada/“Os Belenenses” - Sociedade Desportiva de Futebol, SAD pretende impugnar, foi proferido em Oposição à execução da sentença exequenda, proferida nos autos de procedimento cautelar, que corre seus termos a esta providência cautelar, e esta à ação principal, entretanto instaurada.

9. Estando em causa, como está, a admissibilidade do recurso, cujo objeto contende com apenso à providência cautelar, respeitante à sua fase executiva, não temos reserva que há que convocar, a este propósito, as regras recursivas adjetivas civis, concretamente, o art.º 370º n.º 2 do Código de Processo Civil.

10. Tendo em consideração a apreciação da questão prévia enunciada, abrimos um parêntesis para anotar que na interpretação das leis o julgador não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e o tempo em que é aplicada, não podendo ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso, presumindo que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.

Assim, com vista à exegese do enunciado normativo que nos permitirá uma ajustada aplicação ao caso dos autos, interessando saber qual a limitação recursiva ditada pela aludida norma adjetiva, temos por avisado que, na interpretação da mesma, não nos cinjamos apenas à letra da lei, mas, acentuamos, reconstituir, a partir dos textos, o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições do tempo em que é aplicada, não podendo ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.

11. O nosso direito adjetivo civil ao prevenir sobre os recursos nos procedimentos cautelares (Livro II Titulo IV do Código de Processo Civil) teve a preocupação de estatuir regras próprias reguladoras dos recursos, conforme se colhe do art.º 370º do Código de Processo Civil ao estabelecer “Das decisões proferidas nos procedimentos cautelares, incluindo a que determine a inversão do contencioso, não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível”.

12. Esta limitação ao acesso ao Supremo Tribunal de Justiça foi introduzida no Código de Processo Civil de 1961 (art.º 387º-A) pelo Decreto-lei n.º 375-A/99, de 20 de setembro, e manteve-se no Código de Processo Civil de 2013, tendo visado, por um lado, racionalizar a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, dispensando-o de intervir em procedimentos em que estavam em causa medidas meramente provisórias, e, por outro lado, tendo em conta a urgência das medidas cautelares, procurou estabilizar o maís célere possível a sua adoção e execução.

13. Assim, em regra, não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão do Tribunal da Relação proferido no âmbito de procedimentos cautelares, sendo o respetivo limite recursório a Relação, importando, porém, anotar que esta regra de irrecorribilidade é excecionada se invocada alguma das situações elencadas no direito adjetivo civil - art.º 629º n.º 2 do Código de Processo Civil - daí que, não se verificando qualquer uma destas situações excecionais permissivas da revista “atípica”, é inadmissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, quando está em causa acórdão proferido pelo Tribunal da Relação, no âmbito de procedimentos cautelares, sublinha-se, qualquer decisão proferida no âmbito da providência cautelar, nomeadamente, aquelas prolatadas na sua fase de execução, proferidas em apenso à providência, como é o caso da Oposição à execução da sentença decretada em procedimentos cautelares, destacando-se que a decisão cautelar é uma verdadeira decisão judicial que, por isso, goza da garantia da coercibilidade e da executoriedade (artºs. 703º, 704º, alínea a), e 705º, todos do Código de Processo Civil), pois, a provisoriedade não é sinónimo de inexequibilidade.

Na verdade, esta limitação recursória abrange não só a fase declarativa dos procedimentos cautelares, incluindo todos seus incidentes, mas também a sua fase executiva, nas situações em que haja lugar à mesma, como sucede neste caso, pois, não faria sentido, salvo o devido respeito por opinião contrária, que a decisão sobre o decretamento de uma providência cautelar não admitisse recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, mas a decisão sobre a Oposição à sua execução já o admitisse, ademais, quando sabemos que a ponderação sobre a solução da intentada Oposição à execução bule ou pode contender com a interpretação da sentença exequenda, proferida nos autos de providência cautelar.

14. Outrossim, diga-se, a técnica legislativa usada na enunciação do art.º 370º n.º 2 do Código de Processo Civil (pressupondo a orientação assumida pela reforma processual civil de racionalizar a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, dispensando-o, em principio, de intervir em procedimentos em que estavam em causa medidas meramente provisórias, e, por outro lado, tendo em conta a urgência das medidas cautelares, procurando-se estabilizar o maís célere possível a sua adoção e execução) vai no sentido de adotar uma enunciação aberta e não taxativa (o legislador teve o cuidado de enunciar que o conhecimento do procedimento da inversão do contencioso está, em principio, vedado ao STJ, dada a singularidade do mesmo, com vista a acautelar exegese que não esta interpretação ampla da limitação recursiva), dispensando o legislador de enunciar que estão arredados do conhecimento de revista, todos os incidentes da providência cautelar, a par dos apensos processados na sua fase executiva, nas situações em que haja lugar à mesma.

15.  Daqui decorre que a limitação recursória estabelecida no aludido art.º 370º n.º 2 do Código de Processo Civil, tem, necessariamente, a amplitude que vimos de discretear e definir, donde, também importará concluir que, nas execuções das providências cautelares, este enunciado preceito adjetivo civil funciona como uma norma especial, relativamente ao genericamente disposto no art.º 854º do Código de Processo Civil.

16. Salvaguardando putativas criticas à orientação exegética acabada de expor, impõe-se desde já adiantar que esta interpretação do disposto no art.º 370º n.º 2 do Código de Processo Civil, limitativa do acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, não só à decisão cautelar, incluindo todos seus incidentes, mas também a sua fase executiva, nas situações em que haja lugar à mesma, não desrespeita a exigência constitucional de um processo civil justo equitativo (art.º 20º n.º 4 da Constituição da Républica Portuguesa), uma vez que, conforme já adiantamos, o Tribunal Constitucional tem repetidamente afirmado que se o legislador está impedido de eliminar pura e simplesmente a faculdade de recorrer em todo e qualquer caso, ou de a inviabilizar na prática, já não está, porém, impedido de regular, com larga margem de liberdade, a existência dos recursos e a recorribilidade das decisões.

17. Revertendo ao caso sub iudice que encerra um apenso ao procedimento cautelar, processado na sua fase executiva, e, cotejado o requerimento de interposição do recurso, distinguimos que a Recorrente/Embargante/Executada/“Os Belenenses” - Sociedade Desportiva de Futebol, SAD não indica quaisquer das situações excecionais permissivas da revista “atípica”, impondo-se concluir que não estamos perante qualquer um dos casos em que o recurso é sempre admissível, donde, não se admite a revista.


III. DECISÃO

Pelo exposto, os Juízes que constituem este Tribunal não conhecem do objeto da revista, por inadmissibilidade do interposto recurso.

Custas pela Recorrente/Embargante/Executada/“Os Belenenses” - Sociedade Desportiva de Futebol, SAD.

Notifique.

Lisboa, Supremo Tribunal de Justiça, 21 de março de 2023  

                                                         

Oliveira Abreu (Relator)

Nuno Pinto Oliveira

Ferreira Lopes