Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
52/19.0T8VCT.G1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃOJSTJ000
Relator: AMÉLIA ALVES RIBEIRO
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
SEGURO AUTOMÓVEL
DEVER DE INFORMAÇÃO
INCUMPRIMENTO
SEGURADO
LEI APLICÁVEL
DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA
REVOGAÇÃO
OPONIBILIDADE
TERCEIRO
Data do Acordão: 01/16/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: REVISTA IMPROCEDENTE.
Sumário :

I- Perante o incumprimento doloso, pelo segurado, do dever de informação previsto no artº 24º/1 e 2 do DL72/2008, de 16.04 (vulgo LCS), a fim de aferir se o artigo 22º do DL 291/2007, de 21.08 (vulgo SORCA - regime exclusivo do seguro automóvel) foi tacitamente revogado pelo artigo 25º/3 da LCS (lei geral), há que ponderar quer a relação de especialidade dos diplomas quer o Direito da UE vigente sobre a matéria (diretrizes de política legislativa) e a jurisprudência do TJUE e atender também à relevante doutrina e jurisprudência constante dos Tribunais superiores.

II- Nessa ponderação, não se podendo considerar aquele normativo tacitamente revogado pela LCS, a anulação do contrato de seguro com ela celebrado é inoponível a terceiros lesados.

Decisão Texto Integral:


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


Proc. n.º 52/19.0T8VCT.G1


6ª Secção

I. RELATÓRIO


I.1. AA, BB e CC instauraram ação declarativa de condenação contra Generali – Companhia de Seguros, S.A. e Fundo de Garantia Automóvel, pedindo a condenação da primeira R. a pagar às AA. a quantia global de € 271.861,25, sendo € 241.861,25 à primeira A., € 15.000,00 à segunda A., e € 15.000,00 à terceira A., acrescida dos juros de mora, contabilizados, à taxa legal, desde a citação e até efetivo e integral pagamento, ou, se se provar que a viatura identificada no artigo 2º da petição inicial não beneficiava, na data do acidente, de seguro válido e eficaz e a condenação da segunda R. nos termos peticionados relativamente à primeira R..


As AA. alegaram ter ocorrido um acidente de viação causado por veículo, cujo proprietário havia transferido a sua responsabilidade para a R. seguradora e do qual resultou a morte de DD, filho, irmão e tio, respetivamente, das aqui primeira, segunda e terceira AA. e que no mesmo seguia como passageiro.


Regularmente citados, a R. seguradora veio contestar por impugnação e por exceção perentória, de direito material, invocando a anulação do seguro celebrado relativamente ao veículo acidentado e requerendo a intervenção nos autos de EE.


O R. Fundo veio defender-se, invocando exceções dilatórias e por impugnação.


Admitida a intervenção principal do chamado, EE, como associado do R. Fundo de Garantia Automóvel, não apresentou contestação.


Em sede de audiência prévia, foi proferido despacho saneador que julgou a ilegitimidade passiva do R. Fundo de Garantia Automóvel sanada, em virtude da intervenção do chamado, e improcedente a ilegitimidade processual ativa das AA. BB e CC, relegando-se para final a decisão das exceções perentórias de direito material. Foi ainda fixado o objeto do litígio e os temas de prova.


Realizado que foi o julgamento, foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, consequentemente condenou a R. Generali – Companhia de Seguros, S.A. a pagar à A. AA a quantia global líquida de € 156.861,25 acrescida de juros contados desde data da citação sobre a quantia de € 1.861,25, e desde a data da prolação da presente decisão sobre a quantia de € 155.000,00, à taxa legal de 4%, até integral e efetivo pagamento.


A R. foi absolvida do restante peticionado e absolvidos o R. Fundo de Garantia Automóvel e o Interveniente EE do peticionado.


Inconformada com a sentença, a R. Generali Seguros, SA apelou.


Por seu turno, a A. AA interpôs recurso subordinado.


O Tribunal da Relação proferiu Acórdão, com o seguinte teor:


“Considerando quanto vem exposto acordam os Juízes desta Relação de Guimarães em julgar improcedentes os recursos de apelação, confirmando a decisão recorrida.


Custas pelos recorrentes/autor e ré, na medida do decaimento”.


De novo inconformada, a R. Generali Seguros, S.A., interpôs recurso de revista excecional para o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do artº 672º/1, alínea a) do CPC, a subir nos próprios autos, com efeito devolutivo.


Formulou as seguintes conclusões:

I. Em sede da presente revista excepcional e para efeitos do artº 672º/1, alínea a) do CPC dir-se-á que a questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito é a de saber se a Lei do Contrato de Seguro (LCS), no regime previsto nos seus artºs 24º/1 e 2, 25º/1 e 3 e 2º e 147º/ 1 e 2, por previsto em lei, com o mesmo valor normativo, posterior, e lei especial e de aplicação não excluída também aos contratos de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, revogou tacitamente, ou não, o previsto no artº 22º do DL. 291/07, de 21 de Agosto, admitindo agora como meios de defesa oponíveis, pela seguradora, ao lesado, os derivados (i) do contrato, nomeadamente a invalidade deste, ou (ii) de facto do tomador de seguro ou do segurado ocorrido anteriormente ao sinistro, fixando como vício contratual para os casos de declarações dolosas a anulabilidade e estabelecendo como consequência, para o caso, como o em apreço, de sinistro ocorrido antes da seguradora ter tido conhecimento do incumprimento, por declaração dolosa, a não cobertura do sinistro pela seguradora.

II. Por seu lado, para efeitos do artº 672º/2, alínea a) do CPC dir-se-á que a razão pela qual a apreciação desta questão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito prende-se com a necessidade de definir os meios de defesa oponíveis pela seguradora ao lesado e as suas consequências jurídicas no regime legal do contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel, de frequente discussão jurisprudencial.

Posto isto:

III. Com base na factualidade provada o tribunal a quo entendeu verificar-se a anulação do seguro em discussão prevista no artº 25º/1 da LCS, mas, sem depois sequer ponderar o previsto no nº 3 do mesmo artigo, e invocando a aplicação artº 22º do DL 291/07, de 21 de Agosto, concluiu pela inoponibilidade daquela anulação aos recorridos, autores, considerados como terceiros lesados de boa fé e isto por entender que este entendimento era o mais consentâneo com o direito europeu. Mas, salvo o devido respeito, mal.

IV. Na verdade, a Lei do Contrato de Seguro (LCS), no regime previsto nos seus artºs 24º/1 e 2, 25º/1 e 3 e 2º e 147º/ 1 e 2, por previsto em lei, com o mesmo valor normativo, posterior, e lei especial e de aplicação não excluída também aos contratos de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, revogou tacitamente o previsto no artº 22º do DL. 291/07, de 21 de Agosto, admitindo agora, como regime actualmente aplicável, como meios de defesa oponíveis, pela seguradora, ao lesado, os derivados (i) do contrato, nomeadamente a invalidade deste, ou (ii) de facto do tomador de seguro ou do segurado ocorrido anteriormente ao sinistro, fixando como vício contratual para os casos de declarações dolosas a anulabilidade e estabelecendo como consequência, para o caso, como o em apreço, de sinistro ocorrido antes da seguradora ter tido conhecimento do incumprimento, por declaração dolosa, a não cobertura do sinistro pela seguradora.

V. A solução dada pelo artº 25º/3 da LCS é independente do vício que a declaração dolosa provoca no contrato, o de nulidade ou anulabilidade. Sabendo dessa discussão ou dicotomia e optando o nº 1 daquele preceito pelo vício da anulabilidade, aquela solução é nova e vai para além dela, prevendo, independentemente da mesma, a consequência da declaração dolosa para o segurador, que é a de não estar obrigado a cobrir o sinistro que ocorra antes de ter tido conhecimento do incumprimento doloso do dever de declaração do risco.

VI. A interpretação feita pelo acórdão recorrido pura e simplesmente recusa a aplicação no nº 3 do artº 25º da LCS, que nem sequer menciona, premiando antes, como já vimos acima, o prevaricador, o tomador/segurado que, por acção e omissão, declarou falsas declarações, sem, ainda para mais, nenhuma necessidade que se prenda à pretensa protecção do terceiro lesado de boa fé, cujo direito de indemnização, em caso de falta ou invalidade do seguro deverá ser satisfeito pelo FGA.

VII. Resulta, pois, do exposto que a recorrente, em face do incumprimento doloso pelo seu segurado, FF, do dever de informação previsto no artº 24º/1 e 2 da LCS, em face da anulabilidade do contrato de seguro com ela celebrado e por expressamente previsto no artº 25º/3 da LCT, não está obrigada a indemnizar o sinistro dos autos, pelo que os recorridos, autores.

VIII. Ao não o reconhecer o tribunal a quo fez, salvo o devido respeito, uma errada aplicação do previsto no artº 22º do DL. 291/07 e dos artºs 2º, 24º/1 e 2, e 25º/1 e 3 e 147 da LCS, devendo, como tal, a sua decisão, em boa interpretação e aplicação daqueles preceitos legais e em resposta positiva à supra conclusão nº I, ser revogada e substituída por acórdão que absolva a recorrente do pedido e condene, em consequência, o FGA.

TERMOS EM QUE o presente recurso deverá ser julgado procedente, revogando-se o douto acórdão recorrido conforme atrás concluído, absolvendo-se a recorrente em conformidade e condenando-se antes o FGA.

Por seu turno, o FGA contra-alegou, formulando as seguintes conclusões:

“I - O DL n.º 291/2007, de 21-08, tem como finalidade o incremento da tutela e proteção dos lesados, o que se manifesta na restrita oponibilidade a estes de vicissitudes emergentes do contrato de seguro automóvel (art. 22.º), entre as quais não se conta a anulabilidade do mesmo fundada em declarações inexatas prestadas pelo segurado.

II - O DL n.º 291/2007, de 21-08, deve ser tido como uma lei especial face ao Regime Jurídico do Contrato de Seguro, pelo que, sendo o preceito referido em I incompatível com o disposto no art. 147.º deste último diploma e tendo em conta a jurisprudência do TJUE sobre o seguro automóvel, é de considerar que esta previsão não tem aplicação no domínio dos seguros obrigatórios de responsabilidade civil.

III - Encontrando-se o FGA sub-rogado na posição do lesado, a adoção, relativamente àquela entidade, de entendimento contrário ao exposto em I seria inconciliável com o fenómeno da sucessão ou transmissão de uma relação jurídica que permanece objetivamente idêntica.”

Cumpre por fim fazer referência ao muito recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 19.01.2023, proferido no âmbito da revista n.º642/12.1TVPRT.P1.S1, que considerou que:

“Na verdade, nas palavras do Acórdão do TJUE de 20-07-2017, que vimos convocando, “(...) a intervenção do organismo referido no artigo 1.°, n.°4, da Segunda Diretiva foi concebida como uma medida de último recurso, prevista unicamente para o caso de os danos serem causados por um veículo relativamente ao qual não tenha sido cumprida a obrigação de seguro referida no artigo 3.°, n.° 1, da Primeira Diretiva, isto é, um veículo relativamente ao qual não há contrato de seguro».

Decorre destas considerações do TJUE que a exigência do Direito da União Europeia quanto à instituição, pelos Estados-membros, de um organismo com a natureza e funções do Fundo de Garantia Automóvel visa única e exclusivamente a tutela do interesse das vítimas de acidentes de viação e não, ainda que indirectamente, a tutela do interesse da seguradora ou seguradoras dos veículos envolvidos.” (negrito e sublinhado nossos).

Concluindo que:

IV. “(…)Suscitando-se a questão de saber se a nulidade do contrato de seguro ao abrigo do art. 41.º, n.º 1, do RJCS, ou a sua ineficácia ao abrigo do art. 21.º, n.º 1, do DL n.º 291/2007, são oponíveis aos autores, terceiros lesados em relação ao contrato, verifica-se que a interpretação do direito português em conformidade com o DUE (cfr. Acórdão do TJUE de 20-07-2017), impõe que se considere que, num contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel como o dos, o requisito legal do interesse, previsto no n.º 1 do art. 43.º do RJCS (e subjacente ao n.º 1 do art. 21.º do DL n.º 291/2007), se encontra derrogado pela possibilidade de o contrato ser celebrado por terceiro, prevista no n.º 2 do art. 6.º do DL n.º 291/2007.

V. Consequentemente, o facto de se constatar existir uma dissociação entre a tomadora do seguro/segurada e aquele ou aqueles cujo interesse é coberto pelo contrato de seguro, podendo relevar nas relações entre as partes contratantes, não permite seja que se declare oficiosamente a nulidade de tal contrato nos termos do art. 43.º, n.º 1, do RJCS, seja que se declare a cessação dos efeitos do mesmo contrato nos termos do art. 21.º, n.º 1, do DL n.º 291/2007; razão pela qual não há lugar à aplicação de qualquer dos regimes de oponibilidade aos autores lesados dos meios de defesa da seguradora previstos no art. 22.º do DL n.º 291/2007 e no art. 147.º do RJCS.”

Assim sendo,

A anulabilidade do contrato de seguro suscitada pela Recorrente é inoponível às lesadas deste acidente de viação – e por inerência ao FGA – assegurando-se, desse modo, o respeito pelo primado do Direito da União e da jurisprudência do TJUE.

Portanto, o FGA adere na integra à fundamentação vertida no douto Acórdão recorrido, bem como à da sentença de 1ª instância, no que a esta matéria diz respeito, devendo a conclusão final ser, pois, a da improcedência do presente recurso. O que se impetra.

Termos em que deve o recurso sob resposta ser liminarmente rejeitado

Ou, caso assim não se entenda, ser julgado totalmente improcedente,

Mantendo-se a decisão de absolvição do FGA.

I.2. Foi proferido despacho inicial pela relatora, o qual determinou “a remessa do processo à Formação”.


I.3. Pela Formação foi proferido acórdão, cuja fundamentação e decisão têm o seguinte teor:


“II Fundamentação

5. Relevância jurídica da questão colocada em crise nos autos

Dispõe o n.º 2 do artigo 672.º do CPC que o recorrente deve indicar, na sua alegação, sob pena de rejeição as razões pelas quais a apreciação da questão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

Analisadas as alegações de recurso em conjugação com as respetivas conclusões, cumpre consignar que a recorrente cumpriu de forma suficiente os sobreditos ónus de alegação que reclamam a admissão excecional do recurso de revista.

6. Como tem sido entendimento desta Formação, a relevância jurídica ocorre “em face de questões que obtenham na Jurisprudência ou na Doutrina respostas divergentes, quando o tema encerre novidade, ou que emanem de legislação que suscite problemas de interpretação, nos casos em que o intérprete e aplicador se defronte com lacunas legais, e/ou, de igual modo, com o elevado grau de dificuldade das operações exegéticas envolvidas, em todo o caso, em todas as situações em que uma intervenção do Supremo Tribunal de Justiça possa contribuir para a segurança e certeza do direito” – Acórdão de 23-06-2022, proc. n.º 573/15.3T8FAR.E1.S2).

Nos autos, discute-se a questão de saber se o artigo 22.º do DL 291/2007, de 21-08, que aprovou o regime do sistema do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, foi revogado tacitamente pelo DL 72/2008, de 16-04, que aprovou o regime jurídico do contrato de seguro, tendo o Tribunal da Relação entendido que não existiu, da parte do legislador, qualquer intenção de revogar aquela disposição legal.

Está em causa, no essencial, perceber se a anulabilidade do contrato de seguro automóvel é ou não oponível a terceiros lesados, num caso, como o dos autos, em que o tribunal de 1.ª instância considerou verificar-se a anulação do contrato de seguro, ao abrigo do disposto no artigo 25.º, n.º 1, do DL 72/2008, de 16-04, tendo, no entanto, considerado tal anulação inoponível aos terceiros lesados, sem equacionar a aplicação do disposto no n.º 3 do mencionado artigo 25.º, do qual resulta que “o segurador não está obrigado a cobrir o sinistro que ocorra antes de ter tido conhecimento do incumprimento doloso referido no n.º 1 ou no decurso do prazo previsto no número anterior, seguindo-se o regime geral da anulabilidade.”

7. No que à invocada relevância jurídica concerne, cumpre afirmar que a análise da questão supra enunciada, para além de convocar a realização de operações exegéticas de complexidade não despicienda, importa a análise conjugada de diversos diplomas e regras relativas à sucessão de leis no tempo, sem perder de vista o direito da União Europeia, que tem vindo a posicionar-se como incontornável no âmbito dos temas atinentes à responsabilidade civil automóvel.

Assim, para além de não se ter localizado qualquer decisão sobre esta matéria ao nível da jurisprudência do Supremo, do que resulta um certo ineditismo da questão em análise, a importância dos temas que gravitam em torno da responsabilidade civil automóvel justificam a intervenção clarificadora e liderante deste Supremo Tribunal de Justiça, cuja intervenção servirá, estamos certos, como referencial decisório a ter em consideração em litígios futuros.

Admite-se, assim, o presente recurso de revista excecional.

III Decisão

Pelo exposto, decide-se admitir o recurso de revista excecional”.

I.2. O objeto do recurso, definido pelas conclusões das alegações e já claramente delimitado pela formação, consiste em saber, fundamentalmente, se: o artigo 22.º do DL 291/2007, de 21-08, que aprovou o regime do sistema do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, foi revogado tacitamente pelo DL 72/2008, de 16-04, que aprovou o regime jurídico do contrato de seguro.


II. FUNDAMENTAÇÃO


II.2.1. Com relevância para a decisão da causa, as instâncias consideraram provados os seguintes factos:

a) No dia 2 de Agosto de 2016, cerca das 23:30 horas, na variante nova à EN 202, ao quilómetro ..., em ..., área do concelho de ..., o veículo automóvel, ligeiro de passageiros, particular, de cor azul, movido a gasolina, de marca e modelo Peugeot 106, com a matrícula ..-..-IN (doravante “IN”) deslocava-se no sentido de marcha ...;

b) Conduzido por EE;

c) A referida variante nova à Estrada Nacional 202 faz a ligação entre as sedes dos concelhos de ... e de ..., apresentando-se com duas vias de trânsito, de sentido duplo, ou seja, com um corredor de circulação em cada sentido, sendo dotada de piso em asfalto betuminoso, em bom estado de conservação e a velocidade se encontra aí limitada (pelo sinal C13, aposto na margem da via) a 70 km/hora, e aí existindo, também, o sinal C14a, prescritivo da proibição de ultrapassar;

d) Ao referido quilómetro 20, a via configura uma curva suave com inclinação descendente (com percentual aproximado de 6,00%), com boa visibilidade (sendo a via iluminada à noite), medindo a faixa de rodagem a largura de 7,30 metros, e aí a via configura um entroncamento dessa EN com a estrada municipal que faz a ligação com o lugar da ...;

e) Nas referidas circunstâncias de tempo e lugar o piso estava seco e não chovia;

f) No lugar do passageiro, no banco posicionado do lado direito do condutor, seguia DD, filho, irmão e tio, respectivamente, das aqui primeira, segunda e terceira Autoras;

g) Nas circunstâncias de tempo e lugar referidos em a), c), d) e e), o condutor do IN – EE – perdeu o controlo do veículo que conduzia, e logo depois da saída da variante, à direita, destinada aos automobilistas que querem prosseguir para ..., galgou os rails, colidiu com parte de um muro de granito existente no terreno contíguo à referida via, 29,10 metros à frente dos referidos rails, e imobilizou-se, 10,70 metros à frente desse muro, na posição de capotado, ou seja, com as quatro rodas viradas para cima;

h) De modo não apurado, o falecido logrou sair do veículo acidentado e manteve-se consciente a cerca de 2/3 metros daquele, deitado de barriga para cima, durante, pelo menos, 30 minutos, a queixar-se com dores, pedindo às pessoas que se aproximavam que lhe dessem água, apresentando um grau crescente de aflição à medida que os minutos passavam, a queixar-se de uma crescente dificuldade em respirar e, finalmente, a entrar em estado de pânico;

i) Foi submetido a manobras de reanimação pelas equipas de emergência médica;

j) Em consequência dos embates do IN com os rails, com o muro e em consequência do subsequente capotamento, sofreu o referido DD os seguintes ferimentos e lesões do hábito externo: (i) ao nível da cabeça, escoriação frontal esquerda de 4 cm; (ii) ao nível do tórax, escoriação transversal de 10 cm na face anterior esquerda abaixo da clavícula; (iii) ao nível do abdómen, escoriação de 10 x 2 cm na região lateral posterior do flanco; (iv) ao nível do membro superior direito: escoriação abrasiva de 10 x 8 cm no ombro; escoriação com laceração de 4 x 3 cm no braço, face anterior e equimose no dorso da mão; (v) ao nível do membro superior esquerdo: escoriação abrasiva interna junto à axila; e (vi) ao nível do membro inferior esquerdo: escoriação de 2 x 2 cm no joelho;

k) Em consequência dos embates do IN com os rails, com o muro e em consequência do subsequente capotamento, sofreu o referido DD os seguintes ferimentos e lesões do hábito interno: (i) ao nível da cabeça: infiltrado do couro cabeludo com predomínio na região parieto-temporal esquerda; e, ao nível do encéfalo, parênquima encefálico de aspecto congestivo nas diferentes secções de corte; (ii) ao nível do tórax, nas paredes, infiltrado sanguíneo nos músculos intercostais; no esterno, fractura com infiltrado sanguíneo do 1/3 mediano do esterno; no pericárdio e cavidade pericárdica, ruptura pericárdica com grande infiltração e coágulos; no coração, laceração ventricular transversal com atingimento dos dois ventrículos, coágulos múltiplos e infiltrado sanguíneo; na pleura parietal e cavidade pleural direita, hemotórax pleural de 380 cc; na pleura parietal e cavidade pleural esquerda, hemotórax de 1000 cc, com laceração coincidente com o nível da laceração cardíaca; no pulmão direito e pleura visceral, expansão, muito congestiva, com saída espontânea de líquido arejado, de cor sero hemática, ao corte; no pulmão esquerdo e pleura visceral, expansão congestiva, com saída espontânea de líquido arejado; (iii) ao nível do abdómen, no fígado, laceração irregular do lobo hepático direito;

l) Lesões e ferimentos que, associados ao choque hemorrágico subsequente a traumatismo contundente, lhe provocaram a morte;

m) Que ocorreu às 00.40 horas, de 03.08.2016, no local onde o IN se imobilizou após o despiste;

n) DD nasceu no dia 24.02.1990;

o) Exercia a actividade profissional como jornaleiro, trabalhando a dias, quer na agricultura, quer na construção civil, em trabalhos indiferenciados e ocasionalmente, para diferentes pessoas, empresas ou entidades, em Portugal e em Espanha;

p) Auferindo por dia, caso trabalhasse, € 50,00;

q) Ao que acrescia o auxílio que prestava, nos tempos livres, aos fins de tarde, nos feriados e aos fins-de-semana, nos trabalhos agrícolas realizados em prédios cultivados pelo agregado familiar, para consumo próprio, e nas tarefas domésticas, auxiliando a sua mãe;

r) A última remuneração do falecido declarada à Segurança Social data de Abril de 2011;

s) AA aufere uma pensão de sobrevivência no valor mensal de € 195,53;

t) O falecido tinha uma forte ligação à família, era um jovem admirado pela família e pela vizinhança;

u) Era saudável, de relacionamento fácil e divertido e as Autoras sentem-se desgostosas, infelizes, deprimidas e com um permanente sentimento de perda em consequência do falecimento do seu familiar;

v) O falecido residia com as Autoras, na mesma casa, partilhando despesas com as duas primeiras;

w) AA despendeu a quantia de € 1.861,25 com o funeral de DD;

x) Em 02.08.2016, EE não era titular de carta ou licença de condução;

y) Antes dessa data, EE foi titular da carta de condução ......69, emitida em 16.03.2012 e cancelada em 17.06.2015 por prática de infracção rodoviária cometida durante o período probatório;

z) à data dos factos, o Chamado EE, era portador de canabinóides no sangue;

aa) FF transferiu a responsabilidade civil emergente de danos provocados pelo veículo ..-..-IN, para a Ré Generali, mediante a apólice de seguro nº .... .........00, junta aos autos pela Ré, como documento nº 2, a 7 de março de 2019 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido1.

bb) Eliminado2.

cc) O referido contrato baseou-se em proposta preparada e preenchida pelo Chamado e assinada por FF em 26.07.2016, na qual se declarava que este era o condutor habitual da viatura;

dd) FF esteve internado na Unidade de Cuidados Continuados de Longa Duração e Manutenção, da Santa Casa da Misericórdia de ..., de 26.06.2015 a 26.02.2018;

ee) Em 26.06.2015 (data de entrada na referida unidade de saúde), o referido FF tinha o membro inferior esquerdo amputado, mantinha-se orientado quanto à sua pessoa, desorientado no tempo e no espaço, apresentava tetraparesia (força muscular diminuída), equilíbrio sentado precário e sem capacidade de verticalização, deambulava em cadeira de rodas sem potencial de colocação de prótese, funcionalmente dependente em grau severo e incapaz, entre 26.06.2015 e 26.02.2018 (data da alta), do ponto de vista cognitivo e físico, de conduzir veículos automóveis;

ff) FF faleceu no dia 8 de Novembro de 2018, conforme cópia do assento de óbito junta aos autos a fls. 164v e 165 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

gg) A aquisição da propriedade do IN encontrava-se registada a favor do referido FF;

hh) Porque o Chamado se encontrava com a carta de condução apreendida e legalmente impossibilitado de conduzir, o referido FF declarou que era o condutor habitual da viatura a segurar de molde a lograr que a seguradora celebrasse o contrato de seguro;

ii) O Chamado – EE – adquiriu a propriedade do IN, em Julho de 2016, pagando-o com o seu dinheiro;

jj) Quando adquiriu o veículo já se encontrava com a carta de condução apreendida e, ainda assim, conduziu-a durante mais de 250 quilómetros, desde o local onde a mesma se encontrava à venda até à zona de ...;

kk) A partir daí passou a conduzir o referido veículo diariamente, a verificar o nível de ar dos pneus, os líquidos de refrigeração na convicção de ser seu dono;

ll) Não permitindo que qualquer outra pessoa conduzisse o IN, mesmo amigos, quando lho pediam, mostrando-se cioso do seu veículo, nunca tendo qualquer outra pessoa conduzido o IN para além do Chamado;

mm) Depois de investigar a factualidade relativa à proposta de seguro, ao que aí foi declarado e após o acidente dos autos, a Ré seguradora declarou resolver, com efeitos a partir de 26.07.2016, o contrato de seguro identificado titulado pela apólice supra referida através de missiva enviada por correio registado em 27.12.2016 a FF, para a morada declarada no contrato, e com conhecimento para o mediador que vendeu o seguro, GG, nos termos dos textos reproduzidos a fls. 113v e 114 e cujos teores se dão aqui por integralmente reproduzidos.

2 Factos não provados (com exclusão dos enunciados fácticos já provados por acordo, dos enunciados fácticos que apenas podem ser provados por documentos, dos enunciados de carácter conclusivo, dos enunciados fácticos irrelevantes e dos enunciados descritores de matéria de direito).


Da petição inicial: artigos 5º, 11º, 12º, 19º a 25º e 28º a 29º, sem prejuízo do que se deu por provado na alínea g), 40º, 42º, 43º, sem prejuízo do que se deu por provado na alínea s), 44º a 46º, sem prejuízo do que se deu por provado na alínea v), 47º a 54º. Sem prejuízo do que se deu por provado nas alíneas t) e u), 56º a 66º, sem prejuízo do que se deu por provado na alínea h).


Resulta da alteração da matéria de facto pela Relação que aqui foram incluídos os seguintes factos:


Em 02.08.2016, para a Ré seguradora estava transferida a responsabilidade civil por danos causados a terceiros pelo IN por força do contrato de seguro titulado pela apólice nº .... ......59”.


Nos termos das Condições Gerais juntas aos autos de fls. 119 a 161 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido”.


Da contestação da R. seguradora: artigos 18º, sem prejuízo do que se deu por provado na alínea h), 19º, 30º.


Da contestação do R. Fundo: inexistem.


II.2. Apreciando


Salienta-se que a seguradora defende que “em face da anulabilidade do contrato de seguro com ela celebrado e por expressamente previsto no artº 25º/3 da LCT, não está obrigada a indemnizar o sinistro dos autos”.


Como acima se disse, importa decidir “a questão de saber se o artigo 22.º do DL 291/2007, de 21-08, que aprovou o regime do sistema do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, foi revogado tacitamente pelo DL 72/2008, de 16-04, que aprovou o regime jurídico do contrato de seguro, tendo o Tribunal da Relação entendido que não existiu, da parte do legislador, qualquer intenção de revogar aquela disposição legal.


“Está em causa, no essencial, perceber se a anulabilidade do contrato de seguro automóvel é ou não oponível a terceiros lesados, num caso, como o dos autos, em que o tribunal de 1.ª instância considerou verificar-se a anulação do contrato de seguro, ao abrigo do disposto no artigo 25.º, n.º 1, do DL 72/2008, de 16-04, tendo, no entanto, considerado tal anulação inoponível aos terceiros lesados, sem equacionar a aplicação do disposto no n.º 3 do mencionado artigo 25.º, do qual resulta que “o segurador não está obrigado a cobrir o sinistro que ocorra antes de ter tido conhecimento do incumprimento doloso referido no n.º 1 ou no decurso do prazo previsto no número anterior, seguindo-se o regime geral da anulabilidade.”


A seguradora entende que o tribunal “a quo fez (…), uma errada aplicação do previsto no artº 22º do DL. 291/07 e dos artºs 2º, 24º/1 e 2, e 25º/1 e 3 e 147º da LCS”, o que deve conduzir à condenação do FGA. Explicita que a “interpretação feita pelo acórdão recorrido pura e simplesmente recusa a aplicação no nº 3 do artº 25º da LCS, que nem sequer menciona, premiando antes, como já vimos acima, (…) o tomador/segurado que, por acção e omissão […fez] falsas declarações, sem, ainda para mais, nenhuma necessidade que se prenda à pretensa protecção do terceiro lesado de boa fé, cujo direito de indemnização, em caso de falta ou invalidade do seguro deverá ser satisfeito pelo FGA”.


Em breve síntese, a seguradora argumenta que: “em face do incumprimento doloso pelo seu segurado, FF, do dever de informação previsto no artº 24º/1 e 2 da LCS, em face da anulabilidade do contrato de seguro com ela celebrado e por expressamente previsto no artº 25º/3 da LCT, não está obrigada a indemnizar o sinistro dos autos”.


E de modo incisivo e crítico, afirma, ainda, que: “a Lei do Contrato de Seguro (LCS), no regime previsto nos seus artºs 24º/1 e 2, 25º/1 e 3 e 2º e 147º/ 1 e 2, por previsto em lei, com o mesmo valor normativo, posterior, e lei especial e de aplicação não excluída também aos contratos de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, revogou tacitamente o previsto no artº 22º do DL. 291/07, de 21 de Agosto, admitindo agora, como regime actualmente aplicável, como meios de defesa oponíveis, pela seguradora, ao lesado, os derivados (i) do contrato, nomeadamente a invalidade deste, ou (ii) de facto do tomador de seguro ou do segurado ocorrido anteriormente ao sinistro, fixando como vício contratual para os casos de declarações dolosas a anulabilidade e estabelecendo como consequência, para o caso, como o caso em apreço, de sinistro ocorrido antes da seguradora ter tido conhecimento do incumprimento, por declaração dolosa, a não cobertura do sinistro pela seguradora”.


Acrescenta que: “A solução dada pelo artº 25º/3 da LCS é independente do vício que a declaração dolosa provoca no contrato, o de nulidade ou anulabilidade. Sabendo dessa discussão ou dicotomia e optando o nº 1 daquele preceito pelo vício da anulabilidade, aquela solução é nova e vai para além dela, prevendo, independentemente da mesma, a consequência da declaração dolosa para o segurador, que é a de não estar obrigado a cobrir o sinistro que ocorra antes de ter tido conhecimento do incumprimento doloso do dever de declaração do risco”.


Nas contra-alegações, o FGA adere à fundamentação vertida no Acórdão recorrido, insistindo em que: a “anulabilidade do contrato de seguro suscitada pela Recorrente é inoponível às lesadas deste acidente de viação – e por inerência ao FGA – assegurando-se, desse modo, o respeito pelo primado do Direito da União e da jurisprudência do TJUE”, pronunciando-se pela improcedência do presente recurso.


Não obstante o afirmado pela recorrente, a Relação enfrentou expressamente a questão de saber se: “(…) aquela disposição [artº 22º do DL 291/07] foi afastada, como pretende a recorrente, pelos nºs 1 e 3 do artº 25º DL 72/2008)”. E notou que: “no caso em apreço coloca-se a questão da validade/invalidade de um seguro de natureza obrigatória regulado, à data do acidente pelo DL 291/07 de 21 de agosto (diploma que revogou o regime dantes estabelecido pelo DL 522/85, de 31 de dezembro, e entrou em vigor em 20 de outubro de 2007) e isto porque, conforme ficou assente “FF transferiu a responsabilidade civil emergente de danos provocados pelo veículo ..-..-IN, para a Ré Generali, mediante a apólice de seguro nº .... .........00, junta aos autos pela Ré, como documento nº 2, junto pela Ré Generali, a 7 de março de 2019 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido”.


Vejamos


Relembra-se que está em causa “saber se o artigo 22.º do DL 291/2007, de 21-08, que aprovou o regime do sistema do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, foi revogado tacitamente pelo DL 72/2008, de 16-04, que aprovou o regime jurídico do contrato de seguro, tendo o Tribunal da Relação entendido que não existiu, da parte do legislador, qualquer intenção de revogar aquela disposição legal.


E essa questão envolve, “no essencial, perceber se a anulabilidade do contrato de seguro automóvel é ou não oponível a terceiros lesados, num caso, como o dos autos, em que o tribunal de 1.ª instância considerou verificar-se a anulação do contrato de seguro, ao abrigo do disposto no artigo 25.º, n.º 1, do DL 72/2008, de 16-04, tendo, no entanto, considerado tal anulação inoponível aos terceiros lesados, sem equacionar a aplicação do disposto no n.º 3 do mencionado artigo 25.º, do qual resulta que “o segurador não está obrigado a cobrir o sinistro que ocorra antes de ter tido conhecimento do incumprimento doloso referido no n.º 1 ou no decurso do prazo previsto no número anterior, seguindo-se o regime geral da anulabilidade.”.


Cumpre notar que uma das consequências práticas da resolução desta questão conduz à determinação do responsável civil: se a Generali, se o FGA, atendendo ao caráter subsidiário da responsabilidade festa entidade, no caso de ser de excluir a responsabilidade da seguradora (artigo 51º). Isso, naturalmente, passa por responder à questão enunciada (artigo 49º/1/b) do SORCA).


Importa ter presente que o acidente referenciado nos autos data de 02 de agosto de 2016.


Do quadro normativo pertinente cumpre destacar que, anteriormente, vigorou na ordem jurídica o DL n.º 408/79, de 25.12, o qual veio instituir o o “regime do sistema de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel” (vulgo: SORCA). Este diploma foi posteriormente revogado pelo DL n.º 522/85, de 31.12, que emergiu em sintonia com o direito europeu. Atualmente, neste domínio vigora o DL n.º 291/2007, de 21 de agosto3.


No domínio da lei geral, o DL n.º 72/2008, de 16 de abril, veio consagrar o “regime jurídico do contrato de seguro”4 (vulgo: LCS), que tem natureza supletiva, subordinando-se em regra ao princípio da liberdade contratual (artigo 11º), estabelecendo quanto a algumas normas um regime de imperatividade absoluta (artigo 12º) e, quanto a outras, um regime de imperatividade relativa (artigo 13º).


Tal como se colhe do acórdão recorrido, este diploma “entrou em vigor a 1 de janeiro de 2009 [e …]conforme resulta do seu sumário «(…) assenta primordialmente numa adaptação das regras em vigor, procedendo à actualização e concatenação de conceitos de diversos diplomas e preenchendo certas lacunas.


Procede-se, deste modo, a uma consolidação do direito do contrato de seguro vigente, tornando mais acessível o conhecimento do respectivo regime jurídico, esclarecendo várias dúvidas existentes, regulando alguns casos omissos na actual legislação e, obviamente, introduzindo diversas soluções normativas inovadoras. Importa referir que a consolidação e adaptação do regime do contrato de seguro têm especialmente em conta as soluções estabelecidas no direito comunitário, transpostas para o direito nacional, com especial relevo para a protecção do tomador do seguro e do segurado nos designados seguros de riscos de massa.


A reforma do regime do contrato de seguro vem também atender a um conjunto de desenvolvimentos no âmbito dos seguros de responsabilidade civil, frequentemente associados ao incremento dos seguros obrigatórios. Por outro lado, foram tidos em conta alguns tipos e modalidades de seguros que se têm desenvolvido, como o seguro de grupo e seguros com finalidade de capitalização. Refira-se, ainda, a diversificação do papel de seguros tradicionais que, mantendo a sua estrutura base, são contratados com uma multiplicidade de fins».


Estamos, pois, perante dois diplomas que têm uma forte conexão entre eles porque ambos incidem sobre o contrato de seguro em cuja estrutura: “o risco é um elemento essencial do contrato, cuja base tem de ser transmitida ao segurador pelo tomador do seguro atendendo às directrizes por aquele definidas”, sendo certo que é a partir da verificação do risco que é equacionada a indemnização5. Nesse contexto, o SORCA assume, como linha de força da sua especialidade, “o aumento da proteção dos lesados de acidentes de viação”, o que traduz a sua função social e determina, em primeira linha, o caráter obrigatório da cobertura dos danos patrimoniais e não patrimoniais, em sintonia com as diretivas europeias vigentes neste domínio da responsabilidade civil.


No caso em apreço, está provado que o contrato em causa se “baseou[…] em proposta preparada e preenchida pelo chamado e assinada por FF em 26.07.2016, na qual se declarava que este era o condutor habitual da viatura”, sendo certo que o mesmo estava em condições tais que não detinha potencial para, “do ponto de vista cognitivo e físico, de conduzir veículos automóveis”. Além disso, o “chamado […] encontrava [-se] com a carta de condução apreendida e legalmente impossibilitado de conduzir, sendo certo que foi ele quem “adquiriu a propriedade do IN, em Julho de 2016, pagando-o com o seu dinheiro” e o passou a conduzir habitualmente (factos descritos sob as alíneas cc), ee) hh), jj) e ll).


É, pois, ponto assente que não foram cumpridos os deveres de informação estabelecidos por lei, os quais obedecem à disciplina dos artigos 24º/1 e 2, 25º/1 e 3 e 2º e 147º/ 1 e 2, da LCS.


Importa, agora, ter presentes estas disposições legais pertinentes e para que nos remete a questão formulada, a que cumpre responder.


Assim,


O artigo 22.º do DL 291/07, sob a epígrafe “Oponibilidade de excepções aos lesados, estabelece: “Para além das exclusões ou anulabilidades que sejam estabelecidas no presente decreto-lei, a empresa de seguros apenas pode opor aos lesados a cessação do contrato nos termos do n.º 1 do artigo anterior, ou a sua resolução ou nulidade, nos termos legais e regulamentares em vigor, desde que anteriores à data do acidente”.


Por seu turno, o DL 72/2008, na subsecção II, referente aos “Deveres de informação do tomador do seguro ou do segurado”, o artigo 24.º, sob a epígrafe Declaração inicial do risco, prevê que:


1 - O tomador do seguro ou o segurado está obrigado, antes da celebração do contrato, a declarar com exactidão todas as circunstâncias que conheça e razoavelmente deva ter por significativas para a apreciação do risco pelo segurador.


(…).


E o artigo 25º deste diploma, sob a epígrafe “Omissões ou inexactidões dolosas, dispõe que:

1 – Em caso de incumprimento doloso do dever referido no n.º 1 do artigo anterior, o contrato é anulável mediante declaração enviada pelo segurador ao tomador do seguro.

(…)

3 - O segurador não está obrigado a cobrir o sinistro que ocorra antes de ter tido conhecimento do incumprimento doloso referido no n.º 1 ou no decurso do prazo previsto no número anterior, seguindo-se o regime geral da anulabilidade.

(…).

É relevante assinalar que, no tocante à “aplicação da lei no tempo, o artigo 2º/1 do diploma preambular deste diploma estabelece: “O disposto no regime jurídico do contrato de seguro aplica-se aos contratos de seguro celebrados após a entrada em vigor do presente decreto-lei, assim como ao conteúdo de contratos de seguro celebrados anteriormente que subsistam à data da sua entrada em vigor, com as especificidades constantes dos artigos seguintes.


E no artigo 2º do diploma, sob a epígrafe “Regimes especiais” estabelece-se: “As normas estabelecidas no presente regime aplicam-se aos contratos de seguro com regimes especiais constantes de outros diplomas, desde que não sejam incompatíveis com esses regimes”.


Por seu turno, o artigo 4.º, sob a epígrafe “Direito subsidiário” prescreve:Às questões sobre contratos de seguro não reguladas no presente regime nem em diplomas especiais aplicam-se, subsidiariamente, as correspondentes disposições da lei comercial e da lei civil, sem prejuízo do disposto no regime jurídico de acesso e exercício da actividade seguradora”.


Ambos os referenciados diplomas são da autoria do executivo, sendo que, como se disse, o Dec.º-Lei 72/2008, que instituiu o regime jurídico do contrato de seguro, tem caráter geral, sendo aplicável à generalidade dos contratos de seguro.


Assim, e como é pacificamente reconhecido, sem aqui curarmos de abarcar a realidade em matéria de seguros, nomeadamente em sede de acesso à atividade seguradora, trata-se de uma área da vida, com enorme impacto no tecido social e, certamente por isso, também fortemente regulada.


Aqui chegados, contata-se que, muito embora sejam assinalados problemas interpretativos em torno do artigo 22º do SORCA, sobretudo na sua correlação com a LCS, a verdade é que a Relação, do nosso ponto de vista, enfrentou devidamente a questão em debate, atendendo, não apenas ao direito aplicável e à doutrina e jurisprudência pertinentes, mas, sobretudo, situando-a no contexto da interpretação sistemática tendo em conta a relação e especialidade entre os diplomas aplicáveis e, muito em especial, no contexto do Direito Comunitário, perspetiva de extremo relevo para a decisão que, de resto, não se vê refletida nos fundamentos do recurso.


Na verdade, não pode deixar de reconhecer que é essencial trazer a debate a perspetiva do Direito da União Europeia [artigo 288º sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE)], que, de há uns anos a esta parte, constitui a verdadeira matriz dos diplomas nacionais acerca do seguro automóvel (obrigação de segurar prevista no artigo 4º, nº 1 do DL 291/2007).


Assim, e complementarmente ao referenciado pela Relação, sublinham-se ou acrescentam-se, aqui, alguns elementos que consideramos relevantes.


No domínio legislativo, propriamente dito, no âmbito do contrato de seguro, assumem aqui a maior pertinência as Diretivas em matéria de seguro automóvel.


Embora nos situemos num terreno não isento de dúvidas, tem-se entendido que, “Para além do efeito directo de algumas Directivas, há ainda que entrar em linha de conta com o efeito indirecto que todas podem produzir, incluindo as não transpostas ou as incorrectamente transpostas, mesmo nas relações horizontais. Este efeito indirecto resulta do princípio, densificado pelo TJUE, da interpretação do direito nacional no seu conjunto em conformidade com as Directivas, dentro dos limites impostos pelos princípios gerais do Direito. A interpretação das normas nacionais em conformidade com as Directivas é uma realidade dogmaticamente distinta da respectiva aplicabilidade directa. No primeiro caso aplica-se o direito nacional, proscrevendo-se uma interpretação contra legem. No segundo pode ser preterida a aplicação de todas as disposições de direito nacional eventualmente contrárias à Directiva.[…]”6.


Neste domínio, importa ter presentes as Diretivas n.ºs: 72/166/CEE, de 24.04.1972 (do Conselho) , 84/5/CEE, de 30.12.1983 (Segunda Diretiva do Conselho) , 88/357/CEE do Conselho (Terceira Diretiva) 90/232/CEE, de 14.05.1990 (Quarta Diretiva do Conselho), Diretiva 2000/26/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de Maio de 2000 (Quinta Diretiva sobre o seguro automóvel)7 2005/14/CE, de 11.05.2015, do Parlamento Europeu e do Conselho (sexta Diretiva)8 e Diretiva 2009/103/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 16 de setembro de 2009 (versão codificada)9 10.


Neste enquadramento de direito comunitário abrange-se também o valor incontornável que tem sido reconhecido às “decisões do Tribunal de Justiça (TJUE) que interpretem, com relevância em subsequentes casos concretos, actos jurídicos da União, nos termos decorrentes da primeira parte do artigo 267º do TFUE”. Vale a este respeito a definição de uma eficácia projectiva mais alargada dessas decisões do TJUE, para além da vinculatividade no caso concreto objecto de reenvio prejudicial por parte de um Tribunal de um Estado-membro11. Veremos, concretamente, a importância para a presente situação do recente Acórdão do Tribunal de Justiça (3ª Secção), de 04/09/2014, no processo C – 162/13 (reenvio prejudicial por um Tribunal esloveno), que consubstancia o caso Damijan Vnuk contra Zavarovalnica Triglav d.d.[9], sendo que o que qualificámos como projecção geral de uma decisão interpretativa de um acto jurídico da União deve aqui ser entendida nos seguintes termos:


“[…].


[A] sentença do TJUE [a sentença de interpretação num reenvio prejudicial] vincula igualmente os demais tribunais nacionais do Estado-membro em causa e dos vários Estados-membros que sejam confrontados com a mesma questão jurídica. A decisão adquire, por isso, uma eficácia a tender para o efeito erga omnes.


[…]


Os tribunais nacionais dos vários Estados-membros têm o dever de seguir a interpretação adoptada pelo TJUE e de recusar o reenvio sobre a mesma questão[[10]]. […]. Este entendimento decorre da função hermenêutica materialmente constitucional da jurisprudência do TJUE, do princípio da interpretação uniforme do direito da EU, do princípio da cooperação leal entre as autoridades nacionais e comunitárias e da preservação da autoridade e funcionalidade da jurisdição da EU”.


Vejamos, então, de que modo questões interpretativas suscitadas pela recorrente e que, no essencial, transparecem nas questões acima equacionadas e que cumpre resolver.


A Seguradora recorrente entende que, decorrendo “da factualidade provada que (…) o tomador e segurado, FF, sabia da essencialidade para a decisão da seguradora de aceitar o seguro, de todos aqueles factos e, por isso mesmo, falseou uns e omitiu outros, agindo, desta forma, com dolo, pois que (i) não só declarou à recorrente factos que sabia serem falsos, como (ii) omitiu outros que sabia serem para ela relevantes, máxime para a ponderação e aceitação do risco do contrato que se lhe propunha, todos eles perguntados no questionário em que consistia a proposta de seguro”, “nunca teria aceitado celebrar o contrato de seguro em apreço, que só celebrou por, com a intenção expressa de a enganar e, assim, a levar a aceitar o seguro, lhe terem sido declarados dolosamente factos falsos e omitidos outros que eram verdadeiros”.


Nessa medida, a R. “emitiu declarações resolutivas e […] enviou-as ao tomador com efeitos retroactivos à data da celebração do contrato.”


Esta factualidade, do seu ponto de vista não poderia ter conduzido o tribunal a verificar como verificou “a anulação do seguro em discussão prevista no artº 25º/1 da LCS, mas, sem sequer ponderar o previsto no nº 3 do mesmo artigo, invocando a aplicação do artº 22º do DL. 291/07, de 21 de Agosto, concluiu pela inoponibilidade daquela anulação aos recorridos, autores, considerados como terceiros lesados de boa fé e isto por entender que este entendimento era o mais consentâneo com o direito europeu”.


Neste sentido, colhe apoio na doutrina, entre outros, em Luís Poças. Na realidade, este autor fez um estudo exaustivo sobre a questão12, defendendo que o artigo147.º do DL 72/2008, com natureza interpretativa, mediante o qual o legislador interpreta o artigo 22.º do DL 291/2007, superando as deficiências de redação, incoerências, contradições e tautologias deste último preceito, introduzindo certeza e segurança do tráfego jurídico. O autor defende, porém, que aquele preceito, interpretado pelo novo artigo 147.º do DL 72/2008, as omissões ou inexatidões pré-contratuais do tomador que sejam causa de anulabilidade do contrato de seguro, são, desde logo, oponíveis ao terceiro lesado porque resultantes do contrato e não de uma relação estranha ao mesmo.


Porém, na doutrina, em sentido oposto, pronunciaram-se Moitinho de Almeida13, Arnaldo Oliveira14, José Santos Amaral15 e José Vasques16.


Diga-se, de passagem que, de forma consistente, a jurisprudência do STJ e, bem assim, dos Tribunais da Relação, tem-se pronunciado pela inoponibilidade da anulabilidade do contrato ao terceiro lesado, segundo o referido artigo 22.º do DL 291/2007, por tal vício não se encontrar previsto nesse diploma legal.


Neste âmbito, lê-se no acórdão, nomeadamente, que:


Conforme refere o Acordão […do STJ], de 1 de março de 2018, relatado pelo Sr.[…Conselheiro] Távora Victor,Este seguro surge como resultado da necessidade de socializar o risco (tomado numa acepção ampla). Se por um lado a dinâmica social potencia a possibilidade da ocorrência de danos em pessoas e coisas, por outro, a consciencialização da respectiva gravidade bem como da incompleta ou deficiente capacidade do responsável do respectivo causador para o ressarcimento, levou à instituição de mecanismos indemnizatórios de assunção obrigatória como condição sine qua non do exercício de certas actividades potencialmente perigosas ou portadoras de riscos nomeadamente em face de terceiros. É na linha deste entendimento que se perfila a instituição do seguro obrigatório no seio das sociedades modernas. O contrato assume pois nesta veste uma natureza trilateral em que figuram por um lado a seguradora, a qual garante ao segurado mediante o pagamento de um prémio, a indemnização que lhe possa vir a ser exigida por um terceiro lesado em consequência do acidente que o vitimou na sua pessoa e também nos seus bens. Por outro lado, o seguro acautela o próprio património do segurado colocando-o ao abrigo da pretensão indemnizatória dos potenciais lesados. Funciona assim o seguro obrigatório de certa forma como um contrato a favor de terceiro lesado, à partida potencial e estranho ao negócio”.


Aduz também o Acordão […do STJ ], 30 de novembro de 2017, relatado pelo Sr.[…Conselheiro] Manuel Tomé Soares Gomes, onde se escreveu: “Segundo a jurisprudência corrente, o § 1.º do artigo 428.º do Código Comercial estatui uma nulidade absoluta na terminologia do CC de 1867 a que corresponde o regime de nulidade genericamente previsto no CC de 1966, enquanto que o artigo 429.º daquele Código Comercial estatui a nulidade relativa assim designada no CC de 1867 correspondente à anulabilidade na terminologia do CC de 1966.[2]


Da articulação daquelas estatuições com o preceituado no artigo 22.º do Dec.-Lei n.º 291/2007 resulta que à seguradora não é lícito opor aos lesados a dita “nulidade relativa” prevista no artigo 429.º do Código Comercial, dado tratar-se de uma anulabilidade não prevista naquele Dec.-Lei.


Assim, não sofre hoje dúvida de que o vício de anulabilidade do contrato de seguro com fundamento em declarações inexatas, por parte do tomador do seguro, nos termos do 429.º do Código Comercial, é inoponível aos terceiros lesados”.


Pode ainda acrescentar-se, neste sentido:


- Ac. TRP, de 28.09.2015, na apelação n.º 40/10.1TVPRT.P1, relatado por Carlos Gil, em cujo sumário se lê que:

I - A exceção perentória de anulabilidade do seguro obrigatório de responsabilidade civil por falsas declarações na declaração inicial do risco não é oponível a terceiro lesado.

II - Nos casos de litisconsórcio necessário passivo, a ilegitimidade passiva legal, aproveita tanto à recorrente como aos não recorrentes litisconsortes necessários.

III - A ampliação do âmbito do recurso apenas é conhecida quando for necessária, ou seja, quando o recurso proceder, em termos de afetar a posição jurídica do requerente da ampliação.

- Ac. TRL de 17 Nov. 2022, na apelação n.º 19735/19.8T8LSB.L1-8, Relator: Carla Maria de Senna Fernandes do Nascimento Mendes, Processo: 19735/19.8T8LSB.L1-817, em cujo sumário se pode ler:


- À seguradora não é lícito opor aos lesados a anulabilidade do contrato fundada em falsas declarações quanto à indicação do proprietário – art.º 6/2 DL 291/2007 de 21/8.


- Ac. STJ de 19.01.2023, proferido na revista n.º 642/12.1TVPRT.P1.S1, relatado por Maria da Graça Trigo, em cujo sumário se lê nomeadamente que:


IV. Suscitando-se a questão de saber se a nulidade do contrato de seguro ao abrigo do art. 41.º, n.º 1, do RJCS, ou a sua ineficácia ao abrigo do art. 21.º, n.º 1, do DL n.º 291/2007, são oponíveis aos autores, terceiros lesados em relação ao contrato, verifica-se que a interpretação do direito português em conformidade com o DUE (cfr. Acórdão do TJUE de 20-07-2017), impõe que se considere que, num contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel como o dos autos, o requisito legal do interesse, previsto no n.º 1 do art. 43.º do RJCS (e subjacente ao n.º 1 do art. 21.º do DL n.º 291/2007), se encontra derrogado pela possibilidade de o contrato ser celebrado por terceiro, prevista no n.º 2 do art. 6.º do DL n.º 291/2007.


V. Consequentemente, o facto de se constatar existir uma dissociação entre a tomadora do seguro/segurada e aquele ou aqueles cujo interesse é coberto pelo contrato de seguro, podendo relevar nas relações entre as partes contratantes, não permite seja que se declare oficiosamente a nulidade de tal contrato nos termos do art. 43.º, n.º 1, do RJCS, seja que se declare a cessação dos efeitos do mesmo contrato nos termos do art. 21.º, n.º 1, do DL n.º 291/2007; razão pela qual não há lugar à aplicação de qualquer dos regimes de oponibilidade aos autores lesados dos meios de defesa da seguradora previstos no art. 22.º do DL n.º 291/2007 e no art. 147.º do RJCS.


Este alinhamento colhe, a nosso ver reforço, quando analisados os assinalados incisos legais, tendo em consideração a natureza dos diplomas que os consagram e a relação de especialidade que existe entre eles.


Sobre a sucessão de leis no tempo, no que concerne à conjugação do artigo 22.º do SORCA com o artigo 147.º da LCS, pronunciou-se o acórdão do STJ de 03.11.201618, no qual se defendeu que o DL n.º 291/2007, de 21.08, deve ser tido como uma lei especial face ao Regime Jurídico do Contrato de Seguro, pelo que, sendo o artigo 22.º do DL 291/2007 incompatível com o disposto no artigo 147.º do DL 72/2008 e tendo em conta a jurisprudência do TJUE sobre o seguro automóvel, é de considerar que esta previsão (artigo 147.º) não tem aplicação no domínio dos seguros obrigatórios de responsabilidade civil.


Não apenas a doutrina (por vezes numa perspetiva crítica), mas também a jurisprudência nacional têm destacado o relevo da jurisprudência do TJUE já que, em boa medida, os diplomas em apreço constituem a transposição (parcial) de diretivas vigentes neste domínio.


Não admira, assim, que a decisão das instâncias se tenha valido de argumentos que derivam do Direito da União Europeia.


De notar que no que toca aos acórdãos do TJUE os mesmos têm sido considerados como precedentes persuasivos19, não se equacionando neste caso, qualquer necessidade de reenvio, visto que o TJUE se tem pronunciado de modo convergente, no sentido seguido pelas instâncias, em casos congéneres, o que conduz a “uma eficácia a tender para o efeito erga omnes20.


[…].


Os tribunais nacionais dos vários Estados-membros têm o dever de seguir a interpretação adoptada pelo TJUE e de recusar o reenvio sobre a mesma questão[[10]]. […]. Este entendimento decorre da função hermenêutica materialmente constitucional da jurisprudência do TJUE, do princípio da interpretação uniforme do direito da EU, do princípio da cooperação leal entre as autoridades nacionais e comunitárias e da preservação da autoridade e funcionalidade da jurisdição da EU.
[…]”
[11]21.


Neste alinhamento, de resto, o acórdão sob crítica refere expressamente que: “ Diga-se ainda que, já antes da entrada em vigor do DL 291/2007, de 21 de agosto, a questão se colocava face ao disposto nos artºs 428º e 429º do Código Comercial e ao DL 522/85 de 31/12 dando origem, no âmbito da revista n.º 40/10.1TVPRT.P1.S1, se tenha suscitado o reenvio prejudicial junto do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), nos termos do artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, nos seguintes termos:


«O artigo 3º, 1, da Directiva 72/166/CEE, o artigo 2º, 1, da Directiva 84/5/CEE, e o artigo 1º, da Directiva 90/232/CEE, relativas à aproximação das legislações dos Estados-Membros, respeitantes ao seguro da responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis, opõem-se a uma legislação nacional que comine com a nulidade absoluta o contrato de seguro, em consequência das falsas declarações sobre a propriedade do veículo automóvel, assim como sobre a identidade do seu condutor habitual, sendo o contrato celebrado por quem não tem interesse económico na circulação do veículo e estando subjacente o intuito fraudulento dos intervenientes (tomador, proprietário e condutor habitual) de obter a cobertura dos riscos de circulação, mediante: (i) a celebração de contrato que a seguradora não celebraria se conhecesse a identidade do tomador; (ii) o pagamento de um prémio inferior ao devido, em razão da idade do condutor habitual?»


Sendo que em resposta à questão prejudicial, aquele Tribunal de Justiça proferiu acórdão, em 20/07/2017, no processo C-287/16, reproduzido a fls. 421, com a seguinte teor dispositivo:


«O artigo 3.º, n.º 1, da Diretiva 72/166/CEE do Conselho, de 24 de abril de 1972, relativa à aproximação das legislações dos Estados- Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis e à fiscalização do cumprimento da obrigação de segurar esta responsabilidade, e o artigo 2.º, n.º 1, da Segunda Diretiva 84/5/CEE do Conselho, de 30 de dezembro de 1983, relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional que, em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal, tem por efeito que seja oponível aos terceiros lesados a nulidade de um contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel, nulidade essa que resulta de falsas declarações iniciais do tomador do seguro sobre a identidade do proprietário e do condutor habitual do veículo em causa ou do facto de que a pessoa por quem ou em nome de quem esse contrato de seguro é celebrado não tinha interesse económico na celebração do referido contrato.»


“Ora, atendendo a que o DL 291/2007, de 21 de agosto, que aprovou o regime do sistema do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel transpôs parcialmente para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 2005/14/ CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11/05, que altera as Diretivas n.º 72/166/CEE, n.º 84/5/CEE, n.º 88/357/CEE e n.º 90/323/CEE, do Conselho, e a Diretiva n.º 2000/26/CE, relativas ao seguro de responsabilidade civil resultante da circulação de veículos automóveis, e não tendo sido, como já atrás se referiu, concretamente revogado o artº 25º pelo DL 72/2008, de 16 de abril, temos de entender não existir, da parte do legislador, qualquer intenção de revogar aquela disposição mas antes de se manter a mesma no sentido de ser inoponível a terceiro a anulabilidade resultante de declarações inexactas”.


Complementarmente ao explanado pela Relação, pode ainda aduzir-se, com relevo, que, embora relativo a um caso de contornos fáticos diferentes, mas em que está em causa a oponibilidade do vício por declarações inexatas, também, mais recentemente, o TJUE pronunciou-se no Despacho de 13 de outubro de 2021, Liberty Seguros (Processo C-375/20, ECLI:EU:C:2021:861)22.


Previamente, tinha-se suscitado a questão de saber se: “O direito comunitário, designadamente a directiva 2009/103/CE do Parlamento e do Conselho, opõe-se a uma legislação nacional que permite a oponibilidade aos terceiros lesados e ao Fundo de Garantia Automóvel da nulidade de um contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel quando tal nulidade decorra da circunstância do tomador de seguro destinar a circulação do veículo objecto do contrato ao exercício de transporte oneroso, clandestino e ilícito de pessoas e mercadorias, e haja ocultado tal finalidade à seguradora? Mesmo na circunstância dos passageiros conhecerem a clandestinidade e ilicitude desse transporte?23.


E o TJUE respondeu no sentido de que:


“O artigo 3.o , primeiro parágrafo, e o artigo 13.o , n.o 1, da Diretiva 2009/103/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de setembro de 2009, relativa ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis e à fiscalização do cumprimento da obrigação de segurar esta responsabilidade, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional que tem por efeito que seja oponível aos terceiros lesados de um acidente de circulação de veículos automóveis a nulidade do contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel resultante do exercício, pelo tomador do seguro, de uma atividade comercial de transporte internacional não licenciada e das omissões ou das falsas declarações por ele prestadas à companhia de seguros no momento da celebração desse contrato, mesmo que os terceiros vítimas do acidente fossem passageiros que não podiam ignorar essa falta de licenciamento”.


Mais, o Tribunal de Justiça declarou que a circunstância de um veículo ser conduzido por pessoa não segurada não permite considerar que tal veículo não está segurado nos termos do artigo 1.°, n.° 4, terceiro parágrafo, da Segunda Directiva (acórdão de 1 de Dezembro de 2011(Churchill Insurance Company Limited e Evans, C-442/10, EU:C:2011:799, n.° 40)24.


Portanto, estamos perante jurisprudência do TJUE que enfatiza que, apesar de estarmos perante matéria que incide sobre os requisitos de validade do contrato (matéria regulada pelo direito nacional), da obrigação imperativa do direito comunitário no sentido da proteção dos lesados resulta que cumpre aos Estados membros “garantir a coberta por um seguro (…) conforme com as disposições das três diretivas supramencionadas”. E que daí decorre que “as disposições nacionais que regulam a indemnização devida por sinistros resultantes da circulação de veículos não podem privar a primeira, Segunda e Terceira Diretivas do seu efeito útil (acórdão de 23 de outubro de 2012, Marques Almeida, C-300/10, EU:C:2012:656, n.°s 30 e 31 e jurisprudência referida)”25.


Cabe aqui referir, uma vez que se equaciona nestes autos a responsabilidade do FGA, que o óbice que poderia resultar da desnecessidade de uma tal pressão face à possibilidade de intervenção daquela entidade para garantir a proteção dos lesados, foi superado pelo TJUE no sentido de que “ a intervenção deste organismo foi concebida para garantir “que a vítima não ficará sem indemnização, no caso [de o] veículo causador do sinistro não estar seguro ou não ser identificado” (referido no artigo 1.°, n.° 4, da Segunda Diretiva e sexto considerando da segunda Diretiva artigo 3.°, n.° 1, da Primeira Diretiva). E esta restrição visa assegurar que os Estados Membros garantam, dentro dos limites definidos pelo direito da União,”que a responsabilidade civil resultante da circulação de veículos com estacionamento habitual no seu território esteja coberta por um seguro” (cf. acórdão de 11 de julho de 2013, Csonka, Processo C-409/11, EU:C:2013:512, n.°s 30 e 31)”.


Assim, apesar das incongruências e perplexidades apontadas pela doutrina e a que a jurisprudência se refere, a propósito da articulação entre os assinalados diplomas, estamos, sobretudo, perante uma questão de política legislativa em matéria de seguro no plano comunitário, bem visíveis de resto nos considerandos 1º a 3º da Diretiva codificadora26.


As críticas doutrinárias não o desmentem, fazendo sentido apenas numa perspetiva de jure constituindo. O mesmo se pode dizer das decisões do TJUE que, não obstante a diversidade de casos, vai sistematicamente respondendo de modo que converge com o sentido assinalado.


III. DECISÃO


Pelo exposto e decidindo, de harmonia com as disposições legais citadas, na improcedência da revista, confirma-se a decisão recorrida.


Custas pela recorrente.


Lisboa 16 de janeiro de 2024


Maria Amélia Ribeiro (Relatora)


Graça Amaral


Olinda Garcia


_________________________________________________

1. O facto inicial, eliminado deste elenco pelo Tribunal da Relação, tinha a seguinte redação: “Em 02.08.2016, para a Ré seguradora estava transferida a responsabilidade civil por danos causados a terceiros pelo IN por força do contrato de seguro titulado pela apólice nº .... ......59”. Passou a constar dos factos não provados.↩︎

2. Este facto, eliminado pela Relação, tinha a seguinte redação: “Nos termos das Condições Gerais juntas aos autos de fls. 119 a 161 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido”. Passou a constar dos factos não provados.↩︎

3. Com a retificação n.º 96/2007, de 19/10 e as alterações do DL n.º 153/2008, de 06/08 e da Lei n.º 32/2023, de 10/07. (https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=973&tabela=leis&so_miolo= (consultado em 08.01.2024). Entrou em vigor em 21.10.2007.↩︎

4. Com as alterações do DL n.º 72/2008, de 16/04 e das Leis n.ºs 147/2015, de 09/09 e 75/2021, de 18/11. Entrou em vigor em 01.01.2009.↩︎

5. Preâmbulo do Dec.º Lei 72/2008, de 16.04 e Vasques, José, Contrato de Seguro, Coimbra, Coimbra Editora, 2009, pág. 94 e Engrácia Antunes, José, Direito dos Contratos Comerciais, Coimbra, Almedina, 2009, pp. 683 e seguintes.↩︎

6. Ac. TRC, de 10.03.2015, apelação n.º 1533/12.1TBGRD.C1, relator Teles Pereira.↩︎

7. Relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil relativo à circulação de veículos automóveis e que altera as Diretivas 73/239/CEE e 88/357/CEE do Conselho. JO L 181/65.↩︎

8. Que altera as Diretivas 72/166/CEE, 84/5/CEE, 88/357/CEE e 90/232/CEE do Conselho e a Direciva 2000/26/CE, relativas ao seguro de responsabilidade civil resultante da circulação de veículos automóveis, em cujos considerandos n.ºs 1 e 2 consta que:

(1) O seguro de responsabilidade civil resultante da circulação de veículos automóveis (seguro automóvel) assume especial importância para os cidadãos europeus na qualidade de tomadores de seguros ou vítimas de um acidente. Representa igualmente uma preocupação significativa para as empresas de seguros, uma vez que constitui uma parte importante do seguro não-vida na Comunidade. O seguro automóvel tem igualmente repercussões sobre a livre circulação das pessoas e veículos. Assim sendo, reforçar e consolidar o mercado único de seguros na área do seguro automóvel na Comunidade deverá constituir um objectivo importante da intervenção comunitária no domínio dos serviços financeiros.

(2) Já se fizeram avanços muito consideráveis nesse sentido com a Directiva 72/166/CEE do Conselho, de 24 de Abril de 1972, relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis e à fiscalização do cumprimento da obrigação de segurar esta responsabilidade (4), com a segunda Directiva 84/5/CEE do Conselho, de 30 de Dezembro de 1983, relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis (5), com a terceira Directiva 90/232/CEE do Conselho, de 14 de Maio de 1990, relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil relativo à circulação de veículos automóveis (6), e com a Directiva 2000/26/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de Maio de 2000, relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil relativo à circulação de veículos automóveis (quarta directiva sobre o seguro automóvel) (7) . JO L 149/14.↩︎

9. Relativa ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis e à fiscalização do cumprimento da obrigação de segurar esta responsabilidade (JO L 263/11 de 7.10.2009).

Nos considerandos 1 a 3 consta que: A Directiva 76/166/CEE do Conselho, de 24 de Abril de 1972, relativa à aproximação das legislações dos Estados- -Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis e à fiscalização do cumprimento da obrigação de segurar esta responsabilidade (3), a Segunda Directiva 84/5/CEE do Conselho, de 30 de Dezembro de 1983, relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis (4), a Terceira Directiva 90/232/CEE do Conselho, de 14 de Maio de 1990, relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil relativo à circulação de veículos automóveis (5) e a Directiva 2000/26/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de Maio de 2000, relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil relativo à circulação de veículos automóveis (Quarta directiva sobre o seguro automóvel) (6), foram por diversas vezes alteradas de modo substancial (7). Por razões de clareza e racionalidade, deverá proceder-se à codificação dessas quatro directivas, bem como da Directiva 2005/14/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Maio de 2005, que altera as Directivas 72/166/CEE, 84/5/CEE, 88/357/CEE e 90/232/CEE do Conselho e a Directiva 2000/26/CE relativas ao seguro de responsabilidade civil resultante da circulação de veículos automóveis (8).

(2) O seguro de responsabilidade civil resultante da circulação de veículos automóveis (seguro automóvel) assume especial importância para os cidadãos europeus na qualidade de tomadores de seguros ou vítimas de um acidente. Representa igualmente uma preocupação significativa para as empresas de seguros, uma vez que constitui uma parte importante do seguro não-vida na Comunidade. O seguro automóvel tem igualmente repercussões sobre a livre circulação das pessoas e veículos. Assim sendo, reforçar e consolidar o mercado interno do seguro automóvel na Comunidade deverá constituir um objectivo importante da intervenção comunitária no domínio dos serviços financeiros.

(3) Cada Estado-Membro deverá tomar todas as medidas úteis para que a responsabilidade civil relativa à circulação de veículos cujo estacionamento habitual seja no seu território, se encontre coberta por um contrato de seguro. Os danos cobertos e as modalidades desse seguro são determinados no âmbito destas medidas.↩︎

10. Mais recentemente, foi publicada no passado dia 2 de dezembro de 2021 a Diretiva (UE) 2021/2118 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de novembro de 2021, que altera a Diretiva 2009/103/CE relativa ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis e à fiscalização do cumprimento da obrigação de segurar esta responsabilidade. Avaliando-a, retira a conclusão [de que] que a Diretiva 2009/103/CE funciona bem, em geral, e não requer alterações na maior parte dos seus aspetos.↩︎

11. Ac. TRC, 10.03.2015, na apelação n.º 1533/12.1TBGRD.C1, relator: Teles Pereira.↩︎

12. Luís Poças, Seguro automóvel: oponibilidade de meios de defesa aos lesados, Coimbra, Almedina, 2020, Reimpressão, em especial páginas 85 a 132.↩︎

13. Moitinho de Almeida, “O novo regime jurídico do contrato de seguro. Breves considerações sobre a protecção dos segurados”, in Contrato de seguro: estudos, Coimbra Editora, 2009, págs. 11 a 36, em especial págs. 28 e 29.↩︎

14. Arnaldo Oliveira, Seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel: síntese das alterações de 2007 (DL 291/2007, 21 Ago.), Coimbra, Almedina, 2008, págs. 82 e 83 e nota 150),↩︎

15. José Santos Amaral, Contrato de Seguro, Responsabilidade Automóvel e Boa-Fé, Coimbra, Almedina, 2020, reimp., págs. 154 e 155.↩︎

16. José Vasques, Lei do contrato de seguro anotada / compil. Pedro Romano Martinez, 3.ª ed., Coimbra, Almedina, 2016, anotação ao art. 147.º, pág. 464.↩︎

17. Apud Jusnet.↩︎

18. Revista n.º 73/14.9T8BRG.G1.S1, Relator Oliveira Vasconcelos.↩︎

19. Apud Ac. TRC, de 10.03.2015, na apelação n.º 1533/12.1TBGRD.C1, relator: Teles Pereira.↩︎

20. Idem.↩︎

21. Idem.↩︎

22. JO C 348, de 19.10.2020.↩︎

23. Pedido de decisão prejudicial, de 11.05.2020.↩︎

24. https://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?text=&docid=115801&pageIndex=0&doclang=pt&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=1582141 (consultado em 10.01.2024).↩︎

25. https://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?text=&docid=128862&pageIndex=0&doclang=pt&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=1577661 (consultado em 10.01.2024).↩︎

26. Cf- nota 9.↩︎