Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
774/09.3TBVCD.P1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: HELDER ROQUE
Descritores: ACÇÃO DE DIVISÃO DE COISA COMUM
ESCRITURA PÚBLICA
VÍCIOS DA VONTADE
COAÇÃO MORAL
ILICITUDE
NEXO DE CAUSALIDADE
UNIÃO DE FACTO
CESSAÇÃO
Data do Acordão: 04/11/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / NEGÓCIO JURÍDICO / DECLARAÇÃO NEGOCIAL / PROVAS.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / DISCUSSÃO E JULGAMENTO DA CAUSA / RECURSOS.
Doutrina:
- Castro Mendes, Teoria Geral do Direito Civil, II, AAFDL, 1979, edição revista em 1985, 116, 118.
- F. Santoro-Passsarelli, Teoria Geral do Direito Civil, Atlântida, Coimbra, 1967, 134, 135, 136.
- Henrich Hoster, A Parte Geral do Código Civil Português – Teoria Geral do Direito Civil, Almedina, 1992, 586.
- Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, II, 2ª reimpressão, 1966, 273 a 276 e nota (2).
- Mota Pinto, Notas sobre Alguns Temas da Doutrina Geral do Negócio Jurídico Segundo o Novo Código Civil, Ciência e Técnica Fiscal, nºs 100 e 101, Lisboa, 1967, 156; Teoria Geral do Direito Civil, 4ª edição por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, 2005, 529 a 532.
- Paulo Mota Pinto, Falta e Vícios da Vontade – O Código Civil e os Regimes mais Recentes, FDUC, Comemorações dos 35 Anos do Código Civil, II, 2006, 494.
- Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 2012 – 7ª edição, 580.
- Vaz Serra, RLJ, Ano 114º, 287.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 255.º, NºS 1, 2 E 3, 256º, 358º, NºS 1 E 2, 374º, Nº1, 376º, NºS 1 E 2.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 655º, NºS 1 E 2, 700.º, N.º3 E N.º5, 712º, NºS 1, A), 2 E 6, 722º, Nº 2, 729º, NºS 1, 2 E 3.
Legislação Comunitária:
ANTEPROJECTO DE CÓDIGO EUROPEU DOS CONTRATOS, DA “ACADEMIA DE JUSPRIVATISTAS EUROPEUS” DE PAVIA.
PECL - PRINCÍPIOS DE DIREITO EUROPEU DOS CONTRATOS, DA “COMISSSÃO LANDO”, DE 1996 - [ARTIGO 4.108].
Referências Internacionais:

PRINCÍPIOS UNIDROIT - PRINCÍPIOS RELATIVOS AOS CONTRATOS COMERCIAIS INTERNACIONAIS DO INSTITUTO INTERNACIONAL PARA A UNIFICAÇÃO DO DIREITO PRIVADO (1994) - [ARTIGO 3.9].
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 1-10-96, Pº Nº 96B053, WWW.DGSI.PT ;
-DE 14-1-97, Pº Nº 605/96, 1ª SECÇÃO, WWW.DGSI.PT ;
-DE 30-1-97, Pº Nº 96B751/96, 2ª SECÇÃO;
-DE 24-2-1999, BMJ Nº484, 371;
-DE 25-2-2003, CJ (STJ), ANO XI (2003), T1, 109;
-DE 6-7-2011, Pº Nº 3612/07.OTBLRA.C2.S1, 1.ª SECÇÃO, WWW.DGSI.PT ;
-DE 19-04-2012, Pº N.º 1212/05.6TBPTM.P1.S1, WWW.DGSI.PT .
Sumário :
I - A coação moral é a perturbação da vontade, traduzida no medo que vicia a decisão negocial, por falta de liberdade suficiente, resultante de ameaça ilícita de um dano (de um mal), cominada com intuito de extorquir a declaração negocial, actuando sobre a vontade negocial e determinando-a num sentido em que, de outra forma, se não determinaria.

II - A ilicitude da cominação não existe quando o mal ameaçado corresponda ao exercício de um direito do cominante, desde que a vantagem que o titular do direito pretende com o negócio seja inerente ao próprio direito.

III - A ilicitude da ameaça pode resultar do fim prosseguido, do meio empregue ou da ilegitimidade da prossecução dum determinado fim com um determinado meio, isto é, da inadequação da relação meio-fim.

IV - Só há coacção moral se a ameaça for feita com a cominação de um mal ilícito, isto é, de um mal que a parte ameaçada não esteja, juridicamente, vinculada a suportar.

V - Na coacção exercida pelo declaratário, ao contrário do que acontece com a coacção exercida por terceiro, é sempre relevante a ameaça proveniente da contraparte, bastando que tenha provocado um medo que determinou e perturbou a declaração, mesmo que o mal não seja, objectivamente, grave ou que não seja, objectivamente, justificado o receio da sua consumação.

VI - A ameaça do exercício normal de um direito, como seja a de por fim à união de facto e de abandonar a ré, por parte do autor, porque de uma ameaça lícita se trata, não constitui coacção, desde que a vantagem que o titular do direito pretende com o negócio seja inerente ao próprio direito, mas já representa uma cominação ilícita a ameaça desse dano com o intuito de extorquir uma escritura pública de venda de metade de uma fracção predial, pertencente, na sua totalidade, à ré, actuando sobre a vontade negocial desta e determinando-a num sentido em que, de outra forma, se não determinaria.

VII - Revelando-se a ilicitude na ilegitimidade da prossecução de determinado fim com determinado meio, dado que o autor recorreu à ameaça de ruptura com a finalidade de obter um enriquecimento, sem causa justificativa, à custa do empobrecimento da ré, face à exorbitância da vantagem pretendida e a obter, através de uma manobra de chantagem que se traduz na ameaça de exercer um direito que causaria um dano, de avultadas consequências patrimoniais, constitui um caso de flagrante coacção injusta, que não apresenta qualquer relação com o direito do mesmo a por fim à relação marital.

VIII - A dupla causalidade pressuposta pela coação moral revela-se, através da ameaça do autor em abandonar a ré, mulher sexagenária, que cedeu à pressão para evitar a ruptura de uma união de facto, ao fim de uma vida em comum de vinte e três anos, que lhe causou receio de ficar sozinha, sendo que este medo a determinou, como conditio sine qua non, a consentir na transmissão, a favor do autor, sem qualquer contrapartida patrimonial, de metade da fracção predial, titularidade exclusiva da ré, que não estava, juridicamente, vinculada a suportar.
Decisão Texto Integral:

ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA[1]:

AA propôs a presente acção, com processo especial de divisão de coisa comum, contra BB ambos, suficientemente, identificados nos autos, pedindo que, na sua procedência, se decida pela indivisibilidade do imóvel, infradiscriminado, efectuando-se a sua adjudicação ou venda [a] e se realize a divisão, em substância, dos móveis [b], alegando, para o efeito, em suma, que, no decurso da união de facto que manteve com a ré, adquiriram, em compropriedade, uma fração autónoma destinada à habitação, onde passaram a viver, fazendo desta a casa de morada de família, apesar de, na altura, a ré ter outorgado como compradora a respectiva escritura, sozinha, não obstante, em 13 de Setembro de 2007, ambos haverem celebrado uma escritura pública de venda de metade do referido imóvel, passando, assim, os dois a ser comproprietários do mesmo, em partes iguais, mas sendo este, igualmente, indivisível, por lei e por natureza, enquanto que os bens móveis constituintes do recheio da habitação foram adquiridos por ambos e no decorrer da vida em comum.

Na contestação, a ré alega, em síntese, que o apartamento foi comprado, unicamente, por ela, à sua custa e com o recurso ao crédito bancário para habitação, pois que o autor nunca contribuiu com qualquer quantia em dinheiro para pagamento de metade do apartamento, tendo o contrato de compra e venda invocado pelo autor com vista à presente acção de divisão de coisa comum, sido simulado, para enganar os filhos da ré, e que esta assinou, sob coação do autor, com medo e receio de que o mesmo a abandonasse.

Por seu turno, continua a ré, os eletrodomésticos da cozinha foram por si comprados, pelo preço de €100.000,00, e bem assim como todos os móveis, com excepção de alguns candeeiros e algumas peças.

Conclui pela improcedência da acção e, em reconvenção, pede que se declare a nulidade da escritura de compra e venda celebrada entre ambos [I], se declare que a ré é dona e legitima possuidora do apartamento, designado pela fracção “J” do prédio, sito na ............, .....º, ...., dtº, Vila do Conde, descrito na Conservatória do Registo Predial, sob o nº 0000 [II], e se ordene o cancelamento da inscrição no registo predial, a favor do autor [III].

Na réplica, o autor conclui pela improcedência das excepções de simulação e de coação, e, na tréplica, a ré finaliza como na contestação-reconvenção.

A sentença julgou a acção, parcialmente, procedente, e improcedente a reconvenção e, em consequência, “Declarou a indivisibilidade dos bens móveis supra descritos e do bem imóvel supra descrito, devendo proceder-se à respetiva adjudicação ou à venda nos termos do art. 1056º/2 do Código de Processo Civil [I], absolvendo quanto ao mais a Ré do pedido e o A dos pedidos deduzidos pela ré na reconvenção [II]”.

Desta sentença, a ré interpôs recurso, tendo o Tribunal da Relação julgado procedente a apelação, alterando a sentença recorrida e julgando, parcialmente, procedente a contestação/reconvenção, declarando anulada a compra e venda, celebrada pela escritura pública de 13.09.2007, de metade indivisa da fração autónoma designada pela letra J, correspondente ao terceiro andar, no Bloco B, com entrada pela Avenida Infante ......, para habitação, do tipo T-Dois, com duas varandas, uma na frente e outra nas traseiras e com um aparcamento (…) do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ............, lugar da .........., desta cidade de Vila do Conde, descrito na Conservatória do Registo Predial deste concelho, sob o número zero mil quinhentos e oitenta da freguesia de Vila do Conde, declarou ainda que a referida fração autónoma é exclusiva propriedade da ré/reconvinte e ordenou o cancelamento da inscrição no registo predial da aquisição de ½ dessa fração, a favor do autor, determinando o prosseguimento da presente acção de divisão de coisa comum, nos termos ordenados na sentença recorrida, apenas relativamente aos bens móveis.

Do acórdão da Relação do Porto, o autor interpôs agora recurso de revista, terminando as alegações com o pedido da sua revogação, formulando as seguintes conclusões, que, integralmente, se transcrevem:

1ª - O Recurso de apelação interposto pela ora Recorrida foi admitido pelo douto despacho do Senhor Desembargador Relator de 28 de Setembro, como fundamento de que o facto da parte final das alegações ter sofrido um atraso de menos de cinquenta minutos não obsta a que se considere que a apresentação da alegação foi tempestiva.

2ª - O Recorrente não se conforma com esta decisão, entendendo que a mesma é violadora da lei do processo, nomeadamente o Art. 684°-B, 685° e 685°-A do CPC.

3ª - A ora Recorrida apresentou, em 21 de Maio, último dia do respectivo prazo de interposição do recurso de apelação, um requerimento, acompanhado de uma peça incompleta de alegações, incompleta de conclusões, sem que nestas conclusões sejam indicadas quais as normas jurídicas violadas pela decisão apelada e sem formular qualquer pedido
final, nomeadamente de alteração ou anulação da decisão recorrida e desacompanhado de qualquer DUC e comprovante de liquidação da taxa de justiça devida (v. Ref. CITIUS 1212765).

4ª - Estabelece a Lei que os recursos são interpostos através do requerimento previsto no Art. 684-B do CPC, que tem de incluir a alegação do recorrente e esta alegação, por sua vez, tem de estar acompanhada das respectivas conclusões (com a indicação expressa das normas jurídicas violadas pela decisão recorrida) e do pedido de alteração ou anulação da decisão recorrida (Art. 685°-A do CPC), e este requerimento tem de ser
apresentado no processo no prazo de 30 dias, acrescido de 10 quando o recurso tiver por objecto a reapreciação de prova gravada (Art. 685°).

5ª - O prazo de apresentação do requerimento de interposição de recurso é um prazo peremptório e o seu decurso extingue o direito a praticar o acto e a lei não estabelece nenhuma dilação ou extensão de tal prazo, nomeadamente de "menos de cinquenta minutos".

6ª - A ora Recorrida não apresentou nenhum requerimento de recurso competente, já que a peça de 21 de Maio não cumpre o "ónus de concluir", nem o ónus de indicação das normas violadas pela decisão de 1a instância, nem tão pouco formula qualquer pedido de alteração ou anulação da decisão recorrida, impostos pelo Art. 685°-A do CPC, pelo que o recurso de apelação não devia ter sido recebido e o douto despacho de 28 de Setembro terá de ser revogado, proferindo-se douta decisão de rejeição daquela apelação, com todas as consequências legais.

7ª - Decidiu a Veneranda Relação alterar a decisão da matéria de facto, alterando as respostas dadas pelo tribunal de 1a instância aos quesitos 8o e 10°, no sentido de ser dada por provada a respectiva matéria de facto.

8ª - Entende o ora Recorrente que tal decisão foi tomada em total violação do disposto no Art. 712° do CPC, sendo esta violação também fundamento do presente recurso, nos termos e para os efeitos do disposto no Art. 722°, n° 1, al. b) do CPC.

9ª - A Meritíssima Juiz de 1a Instância julgou o quesito 8° não provado e deu resposta restritiva ao quesito 10° e diz ter formado a sua convicção no conjunto das provas produzidas, nomeadamente no depoimento da autora e das testemunhas inquiridas e nos documentos, tendo verificado a existência
de contradições entre os depoimentos e que as testemunhas não tinham conhecimento directo das ameaças do Recorrente à Recorrida, concluindo que esta outorgou a escritura de forma livre e voluntária, até porque seaconselhou previamente com advogado.

10ª - A Veneranda Relação, reconhecendo que nenhuma testemunha tinha conhecimento pessoal e directo da ameaça do Recorrente sobre a Recorrida e que a gravação do depoimento de várias testemunhas apresenta deficiências que impedem a sua percepção parcial, fundamenta a sua decisão de alterar as respostas àqueles quesitos em inferências, meios de persuação, presunções baseadas em regras da experiência e nestas mesmas regras de experiência.

11ª - Estipula a norma do n° 1 do Art. 712° do CPC e é jurisprudência firme e constante de todas as instâncias superiores que não é lícito à Relação alterar um quesito, especialmente o que tiver sido dado por não provado ou provado de forma restrita, se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão e se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas, já que no processo civil vigoram os princípios da oralidade e da imediação, bem como o princípio da livre apreciação da prova pelo julgador.

12ª - A Relação não pode modificar a decisão da matéria de facto se não dispuser, desde logo, da totalidade da prova gravada, como é reconhecidamente o caso dos autos.

13ª - E, por outro lado, é necessário também que as provas constantes dos autos não permitam - de forma categórica, absoluta - a resposta dada pela 1a instância e que esta resposta configure uma manifesta desconformidade ou violação grosseira entre a prova efectivamente produzida e a decisão.

14ª - O Tribunal da Relação, reconhecendo expressamente que não há testemunhas que tenham presenciado as alegadas ameaças e que a prova gravada apresenta deficiências que impedem a sua percepção completa, recorre a meras inferências, ilações, meios de persuasão, presunções e de alegadas regras de experiência para pretender assim fundamentar a sua decisão de dar por provados os quesitos 8° e 10°.

15ª - À Relação incumbia fundamentar a sua decisão de alterar as respostas aos quesitos, com o argumento de que os elementos de prova constantes dos autos não permitiam, de forma clara, obrigatória e evidente, as respostas dadas pela 1a Instância e não o faz.

16ª - Isto é, o Tribunal formou uma convicção própria, contrária à da 1a Instância, sem afirmar que esta é errada e violadora do mais elementar sentido comum em matéria de apreciação das provas ou que houve nesta apreciação um erro grosseiro da Julgadora.

17ª - Acresce ainda que a Relação apreciou e valorou o documento de fls. 101, concluindo que do mesmo se infere a ameaça do Recorrente sobre a Recorrida.

18ª - Este documento, que foi impugnado pelo Recorrente, que não foi sequer levado à B. I. e foi totalmente desvalorizado pelo tribunal de 1a Instância, que não é totalmente manuscrito, que não está assinado pelo Recorrente nem por ninguém, não contém nenhuma palavra, ou expressão, explícita ou implícita, susceptível de provar que este tivesse cortado relações com a Recorrida ou que lhe tivesse dito que ou ela outorgava a escritura ou ele a deixava ou que esta não quisesse outorgar tal escritura.

19ª - Conforme é jurisprudência esclarecida, a Relação não pode dar como provados factos com base em documentos particulares (Ac. STJ de 5 de Julho de 2007).

20ª - Deve por isso, o Douto Acórdão, nesta parte ser revogado por violação da norma do Art. 712° do CPC, mantendo-se a decisão da matéria de facto tal como foi proferida pela Meritíssima Juiz da 1a Instância, com todas as consequências legais.

21ª - Decidiu a Veneranda Relação alterar a sentença de 1a instância, julgando parcialmente procedente a contestação/reconvenção e, consequentemente, declarar anulada a compra e venda celebrada na escritura de 13 de Setembro de 2007 com fundamento de se verificarem in casu os requisitos legais da coação moral, que terá sido exercida pelo ora Recorrente sobre a Recorrida, a fim de conseguir desta a declaração negocial expressa naquela escritura notarial.

22ª - A coacção moral não se verifica e a Veneranda Relação, com a sua decisão, viola directa e necessariamente a lei substantiva do Art. 253° do Código Civil, tendo interpretado e aplicado erradamente esta norma ao caso, sendo este outro fundamento do presente recurso nos termos e para os efeitos do disposto no Art. 722°, n° 1, al. a) do CPC.

23ª - Para se verificar coacção moral é desde logo necessário que a ameaça seja ilícita, visando causar um mal à pessoa, honra ou fazenda do coagido.

24ª - A ameaça que o Recorrente alegadamente terá dirigido à Recorrida - e que consistiu em dizer-lhe que a deixava, pondo fim à união de facto - é matéria que foi dada por não provada (resposta ao quesito 8o).

25ª - Mesmo considerando a alteração da resposta a este quesito operada ilegitimamente pela Veneranda Relação, este mesmo Tribunal começa por reconhecer expressamente que o Recorrente tem o direito a terminar unilateralmente e sem qualquer justificação a relação que mantinha com a Ré, não havendo por isso qualquer ilicitude objectiva.

26ª - Diz a Relação que a ilicitude da ameaça provém da finalidade visada pelo Recorrente, de obter um enriquecimento ilegítimo à custa do empobrecimento da Ré, já que não se provou que o preço da venda do apartamento não foi pago.

27ª - Esta conclusão não corresponde à verdade e à matéria de facto fixada na douta sentença de 1a Instância: nesta deu-se por não provado que o autor tenha entregue à Ré o preço referido na escritura, o que não significa que o A. não tenha pago a sua parte do preço de aquisição do imóvel: significa apenas e tão só que não entregou esse preço à Ré e há
elementos probatórios nos autos, nomeadamente o contrato promessa de fls. 400 e ss e a escritura de fls. 21, que demonstram ter havido pagamentos por conta do preço feitos anteriormente directamente ao vendedor do imóvel.

28ª - Por conseguinte, não há ilicitude da "ameaça", mesmo
considerando a finalidade da mesma, já que não existiu qualquer enriquecimento do Recorrente à custa da Recorrida.

29ª - Para além da ilicitude da ameaça, para que se possa considerar ter havido coacção moral, é necessário que, simultaneamente, a declarante, com receio ou medo de que a ameaça ilícita se concretize - num atentado à sua pessoa, honra ou fazenda - reaja positivamente à vontade do autor da ameaça.

30ª - É a própria Recorrida quem diz - e a Veneranda Relação reconhece-o expressamente no douto Acórdão - que se recusou a outorgar a escritura, que faltou à mesma e foi aconselhar-se com um advogado, pelo que a sua decisão em outorgar a escritura não foi tomada "num momento", "a quente", "sob pressão", pelo contrário, foi uma decisão tomada depois de muita ponderação, discussão e com o aconselhamento legal prévios.

31ª - Esta atitude da Recorrida não revela uma pessoa com medo, com a vontade perturbada, mas sim uma pessoa que trata de se informar sobre o assunto, no sentido de saber se deve ou não outorgar a escritura e que termina por decidir-se, livremente, a comparecer perante um notário, em data previamente combinada e marcada, para participar e outorgar numa escritura pública.

32ª - Por último, exige a norma que a conduta do agente revele uma actuação intimidatória, que este agente actue com o intuito de provocar uma situação de temor da declarante, de criar um clima de intimidação desta, que a levasse a outorgar a escritura.

33ª - Nenhuma prova foi produzida quanto à intenção do Recorrente ao alegadamente dizer à Recorrida que a deixava caso ela não outorgasse a escritura e esta não é pessoa que, pelo seu carácter e personalidade, se deixasse intimidar por tal suposta ameaça.

34ª - A tese da coacção moral resulta totalmente descabida e infundada, se se atentar que a Recorrida, passados anos sobre a sua separação do Recorrente, nunca tomou qualquer iniciativa para anular o negócio supostamente celebrado sob coacção e apenas em sede de reconvenção à acção deduzida pelo Recorrente veio alegar a dita coação e esta nem sequer
foi o seu argumento ou fundamento primário.

35ª - Primeiro, a Recorrida estribou-se numa alegada simulação desse mesmo negócio com o intuito de enganar os seus próprios filhos!!! Isto é, antes de alegar ter sido coagida a outorgar a escritura, a Recorrida admitiu que esta mesma escritura foi um conluio voluntário e consciente com o Recorrente para enganar terceiros.

36ª - Não é legítimo e é altamente revelador da falta de fundamento sério da Recorrida, alegar-se primeiro uma situação e, depois, para o caso desta não servir ou improceder, alegar-se uma segunda situação absolutamente incompatível e contraditória com a anterior.

37ª - Não ocorreu por isso, qualquer coação moral do Recorrente sobre a Recorrida, não se verificando in casu os elementos constitutivos desta causa de anulação dos negócios jurídicos e a decisão ora em revista é por isso errada, carecida de fundamento legal e violadora da lei substantiva vertida no Art. 253° do Código Civil, pelo que terá de ser revogada e o recurso merecer provimento, com todas as consequências legais.

Nas suas contra-alegações, a ré conclui no sentido de que deve ser mantido o acórdão proferido pelo tribunal recorrido.

                             Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.

As questões a decidir, na presente revista, em função das quais se fixa o objecto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 660º, nº 2, 661º, 664º, 684º, nº 3, 690º e 726º, todos do Código de Processo Civil (CPC), são as seguintes:

I – A questão da admissão do recurso de apelação.

II – A questão da alteração da decisão sobre a matéria de facto.

III – A questão da coacção moral.

                         I. DA ADMISSÃO DA APELAÇÃO

Defende, desde logo, o autor que a apelação interposta pela ré foi apresentada, para além do prazo peremptório que a lei consagra, e sem conclusões com a indicação das normas jurídicas violadas, tendo sido admitida pelo douto despacho do Senhor Desembargador Relator, mas sem fundamento legal.

Dispõe o artigo 700º, nº 3, do CPC, que “salvo o disposto no artigo 688º, quando a parte se considere prejudicada por qualquer despacho do relator, que não seja de mero expediente, pode requerer que sobre a matéria do despacho recaia um acórdão; o relator deve submeter o caso à conferência, depois de ouvida a parte contrária”, acrescentando o respectivo nº 4 que “a reclamação deduzida é decidida no acórdão que julga o recurso, salvo quando a natureza das questões suscitadas impuser decisão imediata;…”, concluindo o seu nº 5 que “do acórdão da conferência pode a parte que se considere prejudicada recorrer nos termos previstos na segunda parte do nº 4 do artigo 721º”.

A reclamação para a conferência é um instrumento processual, através do qual a parte que se considere prejudicada pela decisão do relator, pode conseguir que, sobre a matéria em discussão, se pronunciem os juízes que hão-de proferir a decisão final, recaindo sobre ela um acórdão pronunciado pela conferência e obtendo, ao mesmo tempo, uma decisão recorrível, de modo a que a decisão do relator possa e deva ser controlada pela conferência, ou seja, pelo órgão colegial que é o titular originário do poder judicial, sendo o relator, com excepção da situação do julgamento sumário do objecto do recurso, apenas o gestor dos poderes judiciais residuais que a lei lhe confere.

Reconhece-se, assim, às partes o direito ou a garantia da apreciação da questão suscitada, por um colectivo formado por três juízes, e a da sua decisão, por um mínimo de dois votos conformes, o que acontece, aliás, desde a vigência do Código de Processo Civil de 1939, onde, no seu artigo 700°, e respectivo parágrafo único, se dispunha, no essencial, da mesma forma.

Assim sendo, o despacho singular em apreço não foi objecto de apreciação e decisão colegial, pelo Colectivo dos senhores Desembargadores da conferência onde se integra o Exº Relator, pelo que, consequentemente, não pode ser objecto de recurso de revista, que não conhece de decisões singulares, mas, tão-só, de decisões colegiais.
Não ocorre, pois, a implícita nulidade invocada.

    II. DA ALTERAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO

Sustenta, igualmente, o autor que deve ser mantida a decisão sobre a matéria de facto proferida pela 1ª instância, em virtude de a Relação ter violado a norma do artigo 712º, do CPC, porquanto não pode modificar a matéria de facto se não dispuser da totalidade da prova gravada, e, de forma categórica e absoluta, tendo antes recorrido a inferências, ilações, meios de persuasão, presunções e regras de experiência para fundamentar a decisão de dar como provados os quesitos 8º e 10º, servindo-se, também, sem base legal, do documento de folhas 101.

O Supremo Tribunal de Justiça aplica, definitivamente, o regime jurídico que julgue adequado aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, não podendo ser objecto de recurso de revista a alteração da decisão por este proferida quanto à matéria de facto, ainda que exista erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova, quando o STJ entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, ou, finalmente, quando considere que ocorrem contradições na decisão sobre a matéria de facto que inviabilizem a decisão jurídica do pleito, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 729º, nºs 1, 2 e 3 e 722º, nº 2, do CPC.

Com efeito, só à Relação compete, em princípio, modificar a decisão sobre a matéria de facto, podendo alterar as respostas aos pontos da base instrutória, a partir da prova testemunhal extratada nos autos e dos demais elementos que sirvam de base à respectiva decisão, desde que dos mesmos constem todos os dados probatórios, necessários e suficientes, para o efeito, dentro do quadro normativo e, através do exercício dos poderes conferidos pelo artigo 712º, do CPC.
Assim sendo e, em síntese, compete às instâncias apurar a factualidade relevante, sendo, a este título, residual a intervenção do STJ, destinada a averiguar a observância das regras de direito probatório material, a determinar a ampliação da matéria de facto ou o suprimento de contradições sobre a mesma existentes[2].

Por outro lado, tendo a Relação reapreciado, no acórdão recorrido, as provas em que assentou a parte impugnada da decisão proferida, em primeira instância, não cabe do mesmo recurso para o STJ, nos termos do preceituado pelo artigo 712º, nºs 1, a), 2 e 6, do CPC.

Efectivamente, o acórdão recorrido decidiu a causa, dando como provados ou como não demonstrados certos factos e, para reapreciar as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, como é pressuposto de um segundo julgamento da matéria de facto, a Relação procedeu à audição da prova pessoal gravada e à análise do teor dos documentos existentes nos autos, examinando as provas e motivando a decisão, adquirindo os elementos de convicção probatória, de acordo com o princípio da convicção racional, consagrado pelo artigo 655º, nºs 1 e 2, do CPC, que combina o sistema da livre apreciação ou do íntimo convencimento com o sistema da prova positiva ou legal.

O documento de folhas 101, que constitui um escrito não assinado, mas cuja autoria o ora recorrente não impugnou, foi por este elaborado e manuscrito, conforme se declarou ter sido provado pelo acórdão recorrido, nos termos do disposto pelo artigo 374º, nº1, e, não obstante ser um documento de natureza particular, constitui, nas relações entre as partes, que não em relação a terceiros, um elemento de prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da sua falsidade, atento o estipulado pelos artigos 376º, nºs 1 e 2 e 358º, nºs 1 e 2, todos do Código Civil (CC)[3].

A prova testemunhal, tal como acontece com a prova indiciária de qualquer outra natureza, pode e deve ser objecto de formulação de deduções e induções, as quais, partindo da inteligência, hão-de basear-se na correcção de raciocínio, mediante a utilização das regras de experiência [o id quod plerumque accidit] e de conhecimentos científicos.

Na transição de um facto conhecido para a aquisição ou para a prova de um facto desconhecido, têm de intervir as presunções naturais, como juízos de avaliação, através de procedimentos lógicos e intelectuais, que permitam, fundadamente, afirmar, segundo as regras da experiência, que determinado facto, não, anteriormente, conhecido, nem, directamente, provado, é a natural consequência ou resulta, com toda a probabilidade próxima da certeza, ou para além de toda a dúvida razoável, de um facto conhecido[4].

E, se a credibilidade, em concreto, de cada meio de prova tem subjacente a aplicação de máximas de experiência comum que devem enformar a opção do julgador e cuja validade se exige, dentro de um determinado contexto histórico e jurídico, a sua avaliação está, porém, fora de qualquer controlo, por parte deste STJ, que se encontra impedido de criticar a escolha da valoração da credibilidade de um determinado meio de prova, em detrimento doutro, muito embora a legalidade daquela regra de experiência, como norma geral e abstracta, possa, eventualmente, ser questionada, na hipótese de carecer de razoabilidade, demonstrando-se que um determinado meio de prova prestado, em si mesmo considerado, permite concluir que a versão que apresenta é objectivável, ou seja, é compatível com o sentido comum, o que acontece desde qualquer pessoa aceite como bom o raciocínio explanado.

O uso, pelas instâncias, em processo civil, de regras de experiência comum, é um critério de julgamento, aplicável na resolução de questões de facto, mas não na interpretação e aplicação de normas legais[5], que fortalece o princípio da livre apreciação da prova, como meio de descoberta da verdade, apenas subordinado à razão e à lógica que, consequentemente, não pode ser sindicado pelo STJ, a menos que, excepcionalmente, através da necessária objectivação e motivação, se alcance, inequivocamente, que foi usado para além do que é consentido pelas regras da experiência comum de vida, fundando, assim, uma conclusão inaceitável.

E, não tendo sido arguidas pelo autor quaisquer dessas circunstâncias excepcionais que permitem ao STJ a alteração da decisão sobre a matéria de facto emitida pelas instâncias, importa considerar demonstrados os seguintes factos consagrados pelo Tribunal da Relação, nos termos das disposições combinadas dos artigos 722º, nº 2 e 729º, nº 2, do CPC, que se reproduzem:

1. Autor e ré viveram juntos, como marido e mulher, durante 23 anos, sendo conhecidos como casal e convivendo com as respetivas famílias, até se separarem, em Setembro de 2008 (A).

2. Ali CC, em representação da sociedade “Construtora EE”, BB e DD outorgaram, por escritura pública de 30.12.1993, contrato de compra e venda e mútuo com hipoteca, com o seguinte teor: «(…) O primeiro outorgante declarou: Que em nome da sociedade EE, Limitada, sua representada e pelo preço de onze milhões de escudos que da segunda outorgante BB já recebeu, a esta vende a fração autónoma designada pela letra J – correspondente ao terceiro andar, no Bloco B, com entrada pela Avenida .........., destinada a habitação do tipo T- Dois (…) e um aparcamento (…) do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Avenida .......... e Rua ............, lugar da .........., desta cidade de Vila do Conde, descrito na Conservatória do Registo Predial deste concelho sob o número zero mil quinhentos e oitenta da freguesia de Vila do Conde (…). Declarou depois a segunda outorgante: Que aceita este contrato nos termos exarados e que a fração autónoma por ela adquirida se destina à sua habitação permanente. Declararam, de seguida, a segunda outorgante, adiante designada por parte devedora, e o terceiro outorgante, em nome da sua representada: Que entre ela segunda outorgante e a representada do terceiro outorgante é celebrado o presente contrato de empréstimo nos termos do documento complementar anexo, que expressamente declaram conhecer e aceitar e que faz parte integrante da presente escritura, e ainda das seguintes cláusulas: (…)». (B).

3. BB e AA outorgaram, por escritura pública de 13.09.2007, contrato de compra e venda com o seguinte teor: «A primeira outorgante declarou: Que, pela presente escritura, e pelo preço de trinta mil euros vende ao segundo outorgante, AA, metade indivisa da fração autónoma designada pela letra J, correspondente ao terceiro andar, no Bloco B, com entrada pela Avenida .........., para habitação do tipo T- Dois, com duas varandas, uma na frente e outra nas traseiras e com um aparcamento (…) do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ............, lugar da .........., desta cidade de Vila do Conde, descrito na Conservatória do Registo Predial deste concelho sob o número zero mil quinhentos e oitenta da freguesia de Vila do Conde (…). E que já recebeu do comprador o citado preço. Declarou depois o segundo outorgante: Que aceita este contrato nos termos exarados». (C).

4. Pela Ap. 35 de 1993/12/15, foi registada, a favor da ré, a aquisição do prédio, identificado em 2. e 3., descrito na Conservatória do Registo Predial, sob o n.º0000000000000. (D).

5. Pela Ap. 5 de 2007/09/24 foi registada, a favor do autor, a aquisição de ½ do prédio, identificado em 2 e 3, descrito na Conservatória do Registo Predial, sob o n.º0000000000000. (E).

6. No período, referido em A (n.º1), autor e ré adquiriram, pelo menos, os seguintes bens:

- um fogão;

- um frigorífico;

- uma máquina de lavar louça;

- um exaustor;

- uma máquina de lavar roupa;

- uma mesa de jantar e oito cadeiras;

- um móvel estante de vidro;

- uma mesa de sala de estar;

- um sofá em pele;

- um recuperador de calor de fogão de sala;

- duas televisões Sony;

- um leitor de DVD;

- uma mobília de quarto de casal completa, tendo o quarto um roupeiro embutido;

- duas camas com duas mesas de cabeceira;

- uma secretária;

- quatro candeeiros;

- um armário - 1º.

7. Autor e ré, desde há mais de 7 anos, que vinham utilizando os bens móveis, identificados na resposta ao quesito 1º (n.º 6), à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém, e na convicção de serem os seus proprietários - 2º, 3º e 4º.

8. Por volta do ano de 2007, o autor começou a pedir à ré que colocasse metade da fração, identificada em B) (n.º2) e C) (n.º3), em seu nome - 5º.

 9. Pelo menos, uma vez, foi marcada a escritura, sem que a ré comparecesse - 6º.

9-A. O autor dizia à ré que ou esta outorgava a escritura publica de transmissão de metade da fração ou a deixava - 8º.

10. A ré apenas outorgou a escritura, referida em C), por ter receio que o autor a deixasse se não o fizesse - 10º.

11. O autor não entregou à ré o preço referido na escritura pública, identificada em C) - 11º.

12. Desde há mais de 15 anos, a ré, de forma ininterrupta, à vista de toda a gente e sem oposição de terceiros, ocupa a fração, identificada em B) e C), fazendo-o, pelo menos, até à data da escritura, referida em C) (n.º3), na convicção de ser a única proprietária da mesma - 17º e 18º.

13. Autor e ré habitaram na fração, referida em B) e C), nos termos descritos em A) - 19º.

14. Autor e ré quiseram emitir as declarações constantes da escritura pública, referida em C) - 22º.

                                    III. DA COACÇÃO MORAL

III. 1. Finalmente, defende o autor que não se verifica a coacção moral, por inexistir a ilicitude da ameaça, relativamente à qual a ré não reagiu, positivamente, com medo ou receio.

Dispõe o artigo 255º, do CC, no seu nº 1, que “diz-se feita sob coação moral a declaração negocial determinada pelo receio de um mal de que o declarante foi licitamente ameaçado com o fim de obter dele a declaração”, acrescentando o respectivo nº 2, que “a ameaça tanto pode respeitar à pessoa como à honra ou fazenda do declarante ou de terceiro”, para concluir o correspondente nº 3, ao estatuir que “não constitui coação a ameaça do exercício normal de um direito nem o simples temor reverencial”.

A ré outorgou na escritura pública de venda ao autor de metade da fracção, sob a ameaça deste, com quem vivia, maritalmente, há cerca de 23 anos, a abandonar, tendo, portanto, a cominação por fim obrigá-la a celebrar com o mesmo a venda de metade da fracção, transferindo para o seu património aquela metade, que o autor, porém, não demonstrou que lhe pertencia, comparticipando na aquisição da sua totalidade.

Só há vício de vontade quando a liberdade negocial do coacto não foi, totalmente, excluída, pois quando tal acontece está-se já perante a coação física ou absoluta.

Na verdade, os vícios de vontade, onde se inclui a coacção moral ou psicológica, consistem numa divergência entre a vontade real e a vontade hipotética ou conjectural do declarante.

A coacção psicológica restringe a liberdade, mas não a suprime, podendo o coagido optar entre a celebração do contrato ou o risco de suportar um mal, que, no caso em apreço, consistiria no abandono da ré pelo autor.

O vício do negócio, no caso da coacção moral, não é, propriamente, a coacção, mas antes o medo que vicia a decisão negocial, por falta de liberdade suficiente, “o receio ou medo causado por uma ameaça destinada intencionalmente a provocá-lo”[6].

A coacção exercida pelo outro contraente, e não por terceiro, depende do concurso de vários requisitos, ou seja, a ameaça de um mal futuro [a], a existência do mal cominado que, mesmo que não seja, objectivamente, grave, tem de ser um mal [b], a gravidade da ameaça, em si mesma, independentemente da sua consumação [c], a sua essencialidade, isto é, que se trate de uma coacção determinante, essencial ou principal, embora a coação incidental, também, possa produzir efeitos [d], a intenção de coagir, ou seja, a intenção de extorquir o consentimento para a declaração negocial em causa [e], a ilicitude ou injustiça da cominação, que tanto pode resultar da ilegitimidade dos meios empregues, como da ilegitimidade do fim, ou melhor, da ilegitimidade da prossecução daquele fim com um determinado meio, por parte do cominante, quer da actuação fora do direito, contra um dever, como do abuso de direito [f] e, finalmente, a dupla causalidade da ameaça [g].

Assim sendo, a coação moral é a perturbação da vontade, traduzida no medo resultante de ameaça ilícita de um dano (de um mal), cominada com intuito de extorquir a declaração negocial[7], actuando sobre a vontade negocial e determinando-a num sentido em que, de outra forma, se não determinaria[8].

Efectivamente, não pode pretender-se que haja injustiça ou ilicitude da cominação sempre que o mal ameaçado corresponda ao exercício de um direito do cominante, desde que a vantagem que o titular do direito pretende com o negócio seja inerente ao próprio direito, quando se trate de uma simples ameaça de ir a juízo com vista a exigir a satisfação ou a segurança do respectivo direito[9].

Mas, quando o acto não tem relação com o direito do coactor, quando a exorbitância da vantagem obtida, por força de chantagem que se traduz na ameaça de exercer um direito que causaria um dano de avultadas consequências patrimoniais, consubstancia já um caso de flagrante coacção injusta[10].

A relevância anulatória da cominação deve ser avaliada segundo um critério objectivo ponderado, ou seja, um critério que atenda, não às reacções que a coacção suscitou em concreto na vítima, mas aquelas que era apta a suscitar numa pessoa normal que se encontrasse nas mesmas condições da vítima, embora se deva atender à idade, ao sexo e à condição fisiopsíquica e social, tanto daquele que exerce a coacção, como daquele que a sofre[11].

A ilicitude da ameaça pode resultar do fim prosseguido (v. g., actos ilegais) ou do meio empregue (v. g., chantagem)[12], da ilegitimidade da prossecução de um determinado fim com um determinado meio[13], da falta de adequação entre o fim e o meio, em que a ilicitude deriva da inadequação da relação meio-fim, aquando de ameaça de exercício abusivo extrajudicial de um direito, consubstanciando uma situação de coação o caso de uma doação consentida por um velho paralítico aos seus meeiros que ameaçavam abandoná-lo[14].

Com efeito, só há coacção se a ameaça for feita com a cominação de um mal ilícito, isto é, de um mal que a parte ameaçada não esteja, juridicamente, vinculada a suportar.

No Anteprojecto de Código Europeu dos Contratos[15] prevê-se, a este propósito, no seu artigo 152º, nº 2, que “a ameaça de exercício de um direito só pode causar anulabilidade se servir para a atribuição de vantagens injustas”, enquanto que, nos Princípios Unidroit[16] [artigo 3.9] e nos PECL[17] [artigo 4.108], fala-se na “ameaça injustificada designadamente quando o acto ou a omissão de que a parte é ameaçada com o fim de conseguir a conclusão do contrato”.

Na coacção exercida pelo outro contraente, que aqui interessa considerar, é sempre relevante a ameaça proveniente da contraparte, bastando que tenha provocado um medo que determinou e perturbou a declaração, mesmo que o mal não fosse, objectivamente, grave [mas tem de ser mal] ou que não fosse, objectivamente, justificado [mas tem de existir] o receio da sua consumação, ao contrário do que acontece com a coacção exercida por terceiro, em que o declarante não poderá anular a declaração negocial, a não ser que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a coacção, como decorre do preceituado pelo artigo 256º, do CC, «a contrario sensu»[18].

Finalmente, é necessário que a coação seja, duplamente, causal, ou seja, para a relevância anulatória da ameaça é necessário que esta cause medo da efectivação do mal e que esse medo seja, por sua vez, determinante do negócio ou do acto viciado pelo cominado[19].

III. 2. Efectuando uma síntese do essencial da factualidade que ficou demonstrada, no que interessa à decisão da questão em apreço, há que enfatizar que, tendo o autor e a ré vivido juntos, como marido e mulher, desde data não, concretamente, apurada, durante 23 anos, sendo conhecidos como casal e convivendo com as respectivas famílias, a ré, em 30 de Dezembro de 1993, por escritura pública, celebrou um contrato de compra e venda e mútuo com hipoteca, com a “Construtora EE”, que, pelo preço de onze milhões de escudos, declarou vender à ré que, por sua vez, declarou comprar-lhe uma fração autónoma, destinada a habitação permanente, e um aparcamento, na cidade de Vila do Conde, mediante contrato de empréstimo, constante de documento complementar anexo.

Porém, por volta do ano de 2007, o autor começou a pedir à ré que colocasse metade da fracção identificada, em seu nome, dizendo-lhe que ou a ré outorgava a escritura publica de transmissão de metade da fracção ou a deixava, tendo, pelo menos, por uma vez, sido marcada a escritura, mas sem que a ré comparecesse.

Então, por escritura pública de 13 de Setembro de 2007, cujas declarações que da mesma constam quiseram emitir, o autor e a ré outorgaram contrato de compra e venda, através do qual esta declarou que “pelo preço de trinta mil euros vende ao autor metade indivisa da fração com um aparcamento (…). E que já recebeu do comprador o citado preço. E declarou depois o segundo outorgante: que aceita este contrato nos termos exarados”, sendo certo, porém, que o autor não entregou à ré o preço referido na aludida escritura.

III. 3. Efectivamente, a ré apenas outorgou a mencionada escritura de venda de metade da fracção ao autor, por ter receio que este a deixasse se o não fizesse, sendo essa ameaça intencional, prenunciadora de um mal, em que se traduzia o fim da união de facto estabelecida com a ré que, não sendo grave, em si mesmo, consistiu numa pressão psicológica, que consubstancia uma coação, que foi determinante da declaração negocial que teve por finalidade extorquir, e que não pode considerar-se, objectiva e socialmente, insignificante, tratando-se de uma mulher sexagenária, que cedeu à pressão para evitar a rutura de uma união de facto que durava há cerca de 23 anos.  

O autor e a ré habitaram a fracção, durante cerca de 23 anos, mas, desde há mais de 15 anos, que a ré, de forma ininterrupta, à vista de toda a gente e sem oposição de terceiros, ocupa a mesma, fazendo-o, pelo menos, até à data da celebração da escritura, realizada em 13 de Setembro de 2007, na convicção de ser a sua única proprietária, tendo-se separado um do outro, em Setembro de 2008.

Com efeito, a ameaça do exercício normal de um direito, como seja o de por fim à união de facto, por parte do autor, porque de uma ameaça lícita se trata, não constitui coacção, desde que a vantagem que o titular do direito pretende obter com o negócio seja inerente ao próprio direito, quando se trate de uma simples ameaça de ir a juízo com vista a exigir a satisfação ou a segurança do respectivo direito, como acontece, nomeadamente, com o credor que ameaça o devedor de lhe instaurar uma execução se ele não assinar um documento de reconhecimento da dívida.

Contudo, já representa uma cominação ilícita a ameaça de um dano, por uma das partes, com o intuito de extorquir uma escritura pública de venda de metade de uma fracção predial, pertencente, na sua totalidade, à outra, actuando sobre a vontade negocial desta e determinando-a num sentido em que, de outra forma, se não determinaria.

Neste caso, a realização da transmissão de metade da propriedade da fracção, a favor daquele que se quer prevalecer do negócio, quando não demonstrou a sua titularidade, é, face à exorbitância da vantagem pretendida e a obter, uma manobra de chantagem que se traduz na ameaça de exercer um direito que causaria um dano, de avultadas consequências patrimoniais, constituindo um caso de flagrante coacção injusta, que não apresenta qualquer relação com o direito legítimo do mesmo a por fim à relação marital.

A ilicitude está, pois, na ilegitimidade do fim, ou seja, na ilegitimidade da prossecução de determinado fim com determinado meio, dado que o autor recorreu à ameaça de rutura da relação marital, com o consequente abandono da ré, com a finalidade de obter um enriquecimento, sem qualquer causa justificativa, à custa do empobrecimento da ré.

Aqui se revela a dupla causalidade pressuposta pela coação moral, isto é, a ameaça do autor em abandonar a ré, ao fim de uma vida em comum de vinte e três anos, e o receio que o abandono lhe causou de ficar sozinha, sendo que este medo determinou-a, como «conditio sine qua non», a consentir na transmissão, a favor do autor, sem qualquer contrapartida patrimonial da ré, de metade da fracção predial, titularidade exclusiva desta, e sem que a mesma estivesse, juridicamente, vinculada a suportá-la.

Mostram-se, assim, preenchidos os requisitos, essencialmente, constitutivos do vício da vontade em que se traduz a coação moral, com a consequente anulação do negócio de compra e venda, outorgado pela escritura pública de 13 de Setembro de 2007, e do registo com base nela lavrado, nos termos do disposto pelos artigos 255º e 256º, ambos do CC, improcedendo, igualmente, o pedido formulado pelo autor, no articulado inicial, no que à divisão da fracção contende, uma vez que a acção de divisão de coisa comum pressupõe a compropriedade, que se não demonstrou, mas devendo, não obstante, a acção de divisão de coisa comum prosseguir, nos termos ordenados pela sentença, apenas, relativamente aos bens móveis.

CONCLUSÕES:

I - A coação moral é a perturbação da vontade, traduzida no medo que vicia a decisão negocial, por falta de liberdade suficiente, resultante de ameaça ilícita de um dano (de um mal), cominada com intuito de extorquir a declaração negocial, actuando sobre a vontade negocial e determinando-a num sentido em que, de outra forma, se não determinaria.

II – A ilicitude da cominação não existe quando o mal ameaçado corresponda ao exercício de um direito do cominante, desde que a vantagem que o titular do direito pretende com o negócio seja inerente ao próprio direito.

III - A ilicitude da ameaça pode resultar do fim prosseguido, do meio empregue ou da ilegitimidade da prossecução dum determinado fim com um determinado meio, isto é, da inadequação da relação meio-fim.

IV - Só há coacção moral se a ameaça for feita com a cominação de um mal ilícito, isto é, de um mal que a aparte ameaçada não esteja, juridicamente, vinculada a suportar.

V - Na coacção exercida pelo declaratário, ao contrário do que acontece com a coacção exercida por terceiro,  é sempre relevante a ameaça proveniente da contraparte, bastando que tenha provocado um medo que determinou e perturbou a declaração, mesmo que o mal não seja, objectivamente, grave ou que não seja, objectivamente, justificado o receio da sua consumação.

VI – A ameaça do exercício normal de um direito, como seja a de por fim à união de facto e de abandonar a ré, por parte do autor, porque de uma ameaça lícita se trata, não constitui coacção, desde que a vantagem que o titular do direito pretende com o negócio seja inerente ao próprio direito, mas já representa uma cominação ilícita a ameaça desse dano com o intuito de extorquir uma escritura pública de venda de metade de uma fracção predial, pertencente, na sua totalidade, à ré, actuando sobre a vontade negocial desta e determinando-a num sentido em que, de outra forma, se não determinaria.

VII – Revelando-se a ilicitude na ilegitimidade da prossecução de determinado fim com determinado meio, dado que o autor recorreu à ameaça de rutura com a finalidade de obter um enriquecimento, sem causa justificativa, à custa do empobrecimento da ré, face à exorbitância da vantagem pretendida e a obter, através de uma manobra de chantagem que se traduz na ameaça de exercer um direito que causaria um dano, de avultadas consequências patrimoniais, constitui um caso de flagrante coacção injusta, que não apresenta qualquer relação com o direito do mesmo a por fim à relação marital.

VIII – A dupla causalidade pressuposta pela coação moral revela-se, através da ameaça do autor em abandonar a ré, mulher sexagenária, que cedeu à pressão para evitar a rutura de uma união de facto, ao fim de uma vida em comum de vinte e três anos, que lhe causou receio de ficar sozinha, sendo que este medo a determinou, como «conditio sine qua non», a consentir na transmissão, a favor do autor, sem qualquer contrapartida patrimonial, de metade da fracção predial, titularidade exclusiva da ré, que não estava, juridicamente, vinculada a suportar.

DECISÃO[20]:

Por tudo quanto exposto ficou, acordam os Juízes que constituem a 1ª secção cível do Supremo Tribunal de Justiça, em negar a revista, confirmando, inteiramente, o douto acórdão recorrido.

 

Custas da revista, a cargo do autor.

                                            Notifique.

Lisboa, 11 de Abril de 2013


Helder Roque (Relator)
Gregório Silva Jesus
Martins de Sousa.

__________________


[1] Relator: Helder Roque; 1º Adjunto: Conselheiro Gregório Silva Jesus; 2º Adjunto: Conselheiro Martins de Sousa.
[2] STJ, de 25-2-2003, CJ (STJ), Ano XI (2003), T1, 109; STJ, de 30-1-97, Pº nº 96B751/96, 2ª secção; STJ, de 14-1-97, Pº nº 605/96, 1ª secção, www.dgsi.pt
[3] Vaz Serra, RLJ, Ano 114º, 287.
[4] STJ, de 6-7-2011, Rev. nº 3612/07.OTBLRA.C2.S1, deste mesmo Colectivo, www.dgsi.pt
[5] STJ, de 1-10-96, Pº nº 96B053, www.dgsi.pt
[6] Castro Mendes, Teoria Geral do Direito Civil, II, AAFDL, 1979, edição revista em 1985, 116.
[7] Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, II, 2ª reimpressão, 1966, 273 a 275; Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4ª edição por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, 2005, 529 a 532.
[8] F. Santoro-Passsarelli, Teoria Geral do Direito Civil, Atlântida, Coimbra, 1967, 134.
[9] F. Santoro-Passsarelli, Teoria Geral do Direito Civil, Atlântida, Coimbra, 1967, 136.
[10] Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, II, 2ª reimpressão, 1966, 276 e nota (2).
[11] F. Santoro-Passsarelli, Teoria Geral do Direito Civil, Atlântida, Coimbra, 1967, 135 e 136.
[12] Henrich Hoster, A Parte Geral do Código Civil Português – Teoria Geral do Direito Civil, Almedina, 1992, 586.
[13] Mota Pinto, Notas sobre Alguns Temas da Doutrina Geral do Negócio Jurídico Segundo o Novo Código Civil, Ciência e Técnica Fiscal, nºs 100 e 101, Lisboa, 1967, 156.
[14] Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4ª edição por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, 2005, 532.
[15] Da “Academia de Jusprivatistas Europeus” de Pavia.
[16] Princípios Relativos aos Contratos Comerciais Internacionais do Instituto Internacional para a Unificação do Direito Privado (1994).
[17] Princípios de Direito Europeu dos Contratos, da “Comisssão Lando”, de 1996.
[18] Paulo Mota Pinto, Falta e Vícios da Vontade – O Código Civil e os Regimes mais Recentes, FDUC, Comemorações dos 35 Anos do Código Civil, II, 2006, 494; STJ, de 19.04.2012, Pº n.º 1212/05.6TBPTM.P1.S1, www.dgsi.pt
[19] Castro Mendes, Teoria Geral do Direito Civil, II, AAFDL, 1979, edição revista em 1985, 118; Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 2012 – 7ª edição, 580; STJ, de 24-2-1999, BMJ nº484, 371.
[20] Relator: Helder Roque; 1º Adjunto: Conselheiro Gregório Silva Jesus; 2º Adjunto: Conselheiro Martins de Sousa.