Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
267/14.7TBOAZ-P1-S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: ANA PAULA BOULAROT
Descritores: RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
RECURSO DE REVISTA
REJEIÇÃO DE RECURSO
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
INSOLVÊNCIA
OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃOS
ACORDÃO FUNDAMENTO
FOTOCÓPIA AUTENTICADA
CONSTITUCIONALIDADE
INCONSTITUCIONALIDADE
OMISSÃO DE FORMALIDADES
PRINCÍPIO DA COOPERAÇÃO
DEVER DE COOPERAÇÃO
VOTO DE VENCIDO
Data do Acordão: 09/29/2020
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA (COMÉRCIO)
Decisão: DEFERIDA A RECLAMAÇÃO.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I- Nos termos do disposto no artigo 14º, nº1 do CIRE, no que tange à economia da problemática aqui suscitada, os Acórdãos do Tribunal da Relação, não admitem recurso, excepto se a parte demonstrar que o Acórdão a impugnar está em oposição com outro proferido por algum dos Tribunais da Relação ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito decidida de forma diversa e não houver jurisprudência fixada pelo Supremo.

II- Por despacho singular do Relator foi decidido não admitir a Revista, nos termos do disposto do artigo 637º, nº2 do CPCivil, face à omissão de junção pela Recorrente, da cópia do Acórdão em oposição, falta essa que se entendeu como sendo insuprível, não obstante o Recorrente tenha identificado o Aresto que entende estar em contradição.

III- Não obstante o preceituado no artigo 637º, nº2 do CPCivil nos inculque uma injuntividade quanto à junção da aludida cópia aquando do requerimento de interposição de recurso e respectiva motivação, o entendimento que se tem vindo a adoptar maioritariamente neste Supremo Tribunal de Justiça é o de convidar a parte a suprir tal omissão, aliás na esteira de decisões anteriormente tomadas pelo Tribunal Constitucional.

IV- Esta actuação prévia impõe-se, além do mais, por força do princípio da cooperação a que alude o artigo 7º do NCPCivil, o qual se destina a transformar o processo civil numa “comunidade de trabalho” o que implica a interacção das partes com o Tribunal e deste com aquelas.

Decisão Texto Integral:

PROC 267/14.7TBOAZ-P1-S1

6ª SECÇÃO

ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Vem AA, Requerente no seu processo de Insolvência, interpor recurso de Revista do Acórdão proferido nos autos de fls 290 a 301, que confirmou a decisão de primeiro grau, proferida no incidente de exoneração do passivo processado conjuntamente nos mesmos autos, que decidiu fazer reverter para a fidúcia a quantia apurada a favor da Insolvente no processo 268/14.5TBOZ, o que fez ao abrigo do disposto no nº1 do artigo 14º do CIRE, alegando que o Acórdão impugnado estaria em oposição com um outro Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça proferido  no processo 497/13.9TBSTR-E.E1.S1, PROFERIDO EM 21 DE Abril de 2014, já transitado em julgado, sem que, contudo, tenha junto a respectiva cópia.

Por despacho singular do Relator, de fls 315 a 329, foi decidido não admitir a Revista, nos termos do disposto do artigo 637º, nº2 do CPCivil, face à omissão de junção pela Recorrente, da cópia do Acórdão em oposição, falta essa que se entendeu como sendo insuprível.

Notificada dessa decisão, vem a Recorrente reclamar para a Conferência, invocando em abono da sua tese o Acórdão do Tribunal Constitucional 151/2020, DR II Série de 8 de Julho de 2020  

no qual se decidiu que julgar «inconstitucional a norma contida nos artigos 14.°, n.° 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas e 637.°, n.° 2, do Código de Processo Civil, interpretados no sentido de o recurso de revista, em processo especial de revitalização, com fundamento em oposição de acórdãos, ser imediatamente rejeitado no caso de o Recorrente não juntar cópia do acórdão-fundamento, sem que antes seja convidado a suprir essa omissão., pelo que,  atento o que decorre de tal Aresto, afigura-se que não poderia esse Supremo Tribunal de Justiça decidir como o fez, pois encontrava-se adstrito a convidar a Recorrente a suprir a omissão de falta de junção do Acórdão fundamento, o que requer.  

Os Recorridos nada disseram.

Vejamos.

Nos termos do disposto no artigo 14º, nº1 do CIRE, no que tange à economia da problemática aqui suscitada, os Acórdãos do Tribunal da Relação, não admitem recurso, excepto se a parte demonstrar que o Acórdão a impugnar está em oposição com outro proferido por algum dos Tribunais da Relação ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito decidida de forma diversa e não houver jurisprudência fixada pelo Supremo.

Ora, é óbvio, que o Acórdão fundamento susceptível de desencadear este tipo de recurso – excepcional - tem de estar, devidamente certificado e transitado em julgado, pois só como seu trânsito, é que se poderá dizer, em termos meramente formais, para começar, que poderá existir oposição de julgados tendo em atenção o disposto no artigo 619º, nº1 do CPCivil, para além de em termos substanciais, numa segunda fase apreciativa, se ter de aferir se estamos ou não perante o mesmo núcleo de facto originador da dissidência, o que igualmente só poderemos concluir aquando houver uma decisão definitiva sobre o objecto da acção.

A sobredita aferição só pode ser efectuada perante uma certidão ou cópia certificada do Acórdão indicado como fundamento e não face a uma mera indicação do Acórdão em confronto como aconteceu no caso sujeito.

Não obstante o preceituado no artigo 637º, nº2 do CPCivil nos inculque uma injuntividade quanto à junção da aludida cópia aquando do requerimento de interposição de recurso e respectiva motivação, o entendimento que se tem vindo a adoptar maioritariamente neste Supremo Tribunal de Justiça é o de convidar a parte a suprir tal omissão, aliás na esteira de decisões anteriormente tomadas pelo Tribunal Constitucional em casos paralelos de admissibilidade das Revistas excepcionais, as quais poderiam, como podem, ser rejeitadas por falta de junção de cópia do Acórdão fundamento (artigo 721º-A, nº1, alínea c) e nº2 alínea c) do CPCivil pretérito, actual artigo 672º, nº1, alínea c) e nº2, alínea c)), a rejeição liminar «tout court» com fundamento na omissão daquele dever, sem que previamente se convidem as partes a suprir a mesma, foi declarada inconstitucional por aquele Órgão nos Ac 620/2013, 1259/2013 e 368/ 2014, disponíveis na base de dados do site do Tribunal Constitucional em casos paralelos

 Esta actuação prévia impor-se-ia por força do princípio da cooperação a que alude o artigo 7º do NCPCivil,  o qual se destina a transformar o processo civil numa “comunidade de trabalho” o que implica  a interacção das partes com o Tribunal e deste com aquelas, cfr Miguel Teixeira de Sousa, in Estudos Sobre O Novo Processo Civil, Lex, 1997 64/66.

Neste preciso conspectu permitimo-nos acrescentar ex abundanti que no âmbito da ponderação dos pressupostos processuais, os princípios antiformalistas, “pro actione” e “in dubio pro favoritate instanciae” impõem uma interpretação que se apresente como a mais favorável ao acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efectiva, pelo que, suscitando-se quaisquer dúvidas interpretativas nesta área, deve optar-se por aquela que favoreça a acção e assim se apresente como a mais capaz de garantir a real tutela jurisdicional dos direitos invocados pela parte, cfr o Ac deste STJ de 21 de Outubro de 2014 da aqui Relatora, em caso análogo, in www.dgsi.pt.

Ora no caso em apreço, duvidas não poderão subsistir, face à forma como a questão foi apresentada a este Órgão – indicando-se e identificando-se o Aresto fundamento, embora se tivesse omitido a respectiva junção – dever-se-ia ter optado por uma solução mais «aberta», em obediência àqueles supra mencionados princípios, sendo certo que, além do mais num caso idêntico o Tribunal Constitucional pronunciou-se recentemente pela inconstitucionalidade da interpretação levada a cabo pela decisão reclamada no que se refere à rejeição liminar do recurso apontada pelo normativo inserto no artigo 637º, nº2 do CPCivil.

Face a todo o exposto, dúvidas não poderão subsistir sobre a bondade da pretensão apresentada pela Requerente, o que põe em causa a subsistência do despacho singular do Exº Relator o qual se revoga.

Destarte, defere-se a reclamação apresentada, convidando-se a Recorrente a juntar aos autos, em quinze dias, a cópia certificada do Acórdão fundamento identificado na sua interposição de recurso e uma vez junta, apresentem-se os autos ao Exº Senhor Relator para ulterior apreciação da oposição de Acórdãos objecto da impugnação que encetou.

Sem custas.

Lisboa, 29 de Setembro de 2020

Ana Paula Boularot (Relatora por vencimento)

José Rainho

Ricardo Costa (Relator vencido nos termos da declaração que junta)

Sumário (art. 663º, nº 7, do CPC).

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Processo n.º 267/14.7TBOAZ.P1.S1

Revista – Tribunal recorrido: Relação do Porto, 3.ª Secção

Reclamação para a Conferência de Despacho Singular do Relator: art. 652º, 3, ex vi art. 679º, CPC Reclamante – AA

DECLARAÇÃO DE VOTO

1. Notificada da decisão singular do Relator que julgou o não conhecimento do recurso por aplicação do art. 637º, 2, do CPC, no contexto da pretensão recursiva interposta no âmbito do art. 14º, 1, do CIRE, sem junção de cópia legalmente exigida, veio a Recorrente AA apresentar Reclamação para a Conferência, invocando a contrariedade do decidido com o Acórdão n.º 151/2020 do Tribunal Constitucional de 4/3/2020 (publicado no DR n.º 131/2020, 2.ª Série, de 8/7/2020, por extracto), e solicitando a atribuição de prazo para a Recorrente juntar ao processo o acórdão fundamento.


2. Elaborado o projecto de acórdão pelo Relator, que decidia indeferir a Reclamação apresentada, mantendo-se a decisão reclamada, foi o mesmo apresentado aos Ex.mos Senhores Juízes Conselheiros Adjuntos neste Colectivo para obtenção de vistos e, depois, inscrito em tabela para a sessão de 29/9/2020.

3. Verificado o vencimento do Relator quanto à decisão plasmada no projecto de acórdão para decisão, foi lavrado acórdão pela Ex.ma Senhora Juíza Conselheira, Primeira Adjunta neste Colectivo, e decidido por maioria, em contrariedade ao projecto em que fez vencimento o Relator (nos termos dos arts. 663º, 3, e 664º, 1, 1.ª parte, a contrario sensu, ex vi art. 679º, CPC). 

Votei Vencido, em consonância com a globalidade das razões expostas na Decisão Singular de não admissão da revista, em referência à sua Fundamentação, pontos 8. a  13., onde avulta a contradição e manifesta falta de uniformidade com acórdãos (aí citados e transcritos e) proferidos pela 6.ª Secção deste Supremo Tribunal de Justiça (ponto 12.).

No projecto de acórdão que não obteve vencimento, o Relator sumariou assim, o que se reitera:

«I. O recurso de revista, estribado na previsão excepcional do art. 14º, 1, do CIRE, invoca «conflito jurisprudencial» que se pretende ver resolvido, sendo previsão que se enquadra na hipótese do normativo contemplado pelo art. 637º, 2, do CPC, razão pela qual necessita a pretensão recursiva de ser instruída pela junção de cópia (ainda que não certificada, num primeiro momento, com nota de trânsito em julgado) do acórdão fundamento. Essa junção documental para instrução necessária e insuprível do recurso corresponde a um ónus processual mínimo a cargo do recorrente, que, em rigor, envolve um requisito preliminar à apreciação dos demais requisitos, gerais e especiais, de admissibilidade (enquanto pressupostos de acesso ao conhecimento do objecto do recurso). Por isso, e por causa disso, a lei prescreve, no caso de inobservância desse ónus, uma sanção letal na sindicação do modo como se interpõe o recurso, a montante do conhecimento ou não do objecto do recurso – rejeição imediata do recurso. / II. Essa falta por parte do recorrente interessado corresponde a omissão primária reveladora de uma negligência grave e grosseira, na medida em que contende com uma condição primária de admissibilidade do recurso, sem a qual não pode o tribunal de recurso partir para a apreciação substancial da pretensão recursiva. Estamos perante um reflexo manifesto da auto-responsabilidade exigível à parte recorrente, determinada com cogência pela lei e reflectida na preclusão genérica da oportunidade e/ou a eventualidade do exercício de direitos ou a satisfação de ónus e deveres processuais (no caso, a pretensão recursiva). / III. O despacho de “convite ao aperfeiçoamento” ex art. 639º, 3, do CPC como expediente para suprir a falta não é susceptível de extensão a estes casos de omissão merecedoras de censura indesculpável, mesmo que com carácter formal-instrutório, sob pena de o tornarmos em mecanismo ilegítimo e não previsto de supressão das omissões processuais das partes sem margem para serem sanadas, como é o incumprimento do ónus primário e mínimo de junção da cópia exigido e cominado com consequência severa pela lei. Para esse efeito, em benefício do recorrente omisso, não se prevê nem se admite um genérico, irrestrito e ilimitado direito das partes à obtenção de um sistemático convite ao aperfeiçoamento para sanação de todas as inércias ou inépcias alegatórias reveladas como deficiências dos actos por elas praticados em juízo, nomeadamente quando os erros e omissões sejam manifestamente indesculpáveis. / IV. Não sendo proferido esse despacho de aperfeiçoamento em caso de omissão da junção de cópia, com a imediata consequência da rejeição do recurso, não se entende como inconstitucional, por alegada violação do art. 20º, 1 e 4, da CRP, a interpretação do art. 637º, 2, do CPC que fundamenta e prescreve essa rejeição.»

STJ/Lisboa, 29 de Setembro de 2020

O Relator Vencido

Ricardo Costa