Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 6ª SECÇÃO | ||
Relator: | MARIA OLINDA GARCIA | ||
Descritores: | MANDATO FORENSE PERDA DE CHANCE OBRIGAÇÕES DE MEIOS E DE RESULTADO ADVOGADO ÓNUS DA PROVA | ||
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Data do Acordão: | 12/19/2018 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
Área Temática: | DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA / JULGAMENTO DO RECURSO. DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DOS DIREITOS / PROVAS – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / CUMPRIMENTO E NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES / NÃO CUMPRIMENTO / FALTA DE CUMPRIMENTO E MORA IMPUTÁVEIS AO DEVEDOR. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 674.º, N.º 3 E 682.º. CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 342.º, N.º 1, 798.º E 799.º. | ||
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Sumário : |
I. O autor que demanda o seu ex-advogado, invocando dano de perda de chance, pelo facto de este não ter contestado uma ação dentro do prazo legal, tem o ónus de demonstrar que o mandatou antes de terminar o prazo para contestar. II. Não se fazendo prova de que o advogado foi mandatado para contestar uma ação antes de ter terminado o prazo para esse efeito, não é possível apurar se ele incumpriu a prestação devida, pelo que falha um pressuposto base para a sua eventual responsabilização pelos danos que o mandante hipoteticamente não teria tido na ação não contestada. | ||
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Decisão Texto Integral: |
I. RELATÓRIO "A. Solidariamente ambos os RR, a quantia de 150.000,00 € (cento e cinquenta mil euros), por via dos factos em apreço nos autos - vide 4 a 76 e 98 a 111 da p.i, acrescidas de juros contados desde a citação até efetivo e integral pagamento B. O primeiro réu, a quantia de 49.953,65€ (quarenta e nove mil, quinhentos e trinta e seis euros e sessenta e cinco cêntimos) acrescidas de juros contados desde a citação até efetivo e integral pagamento." Acrescentou que tal ação n.17/10.7TBAMR estava inevitavelmente condenada ao fracasso, atenta a falta de fundamento do aí Autor.
5. Inconformada com essa decisão, a autora interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães. O réu BB apresentou contra-alegações defendendo a improcedência do recurso. 6. O Tribunal da Relação de Guimarães confirmou a decisão da primeira instância, sustentando, como se transcreve, que: “(…) sendo verdade que a A. mandatou o Réu para a realização de serviços jurídicos, está em causa responsabilidade contratual, não é menos verdade que não se provou que o mandatou nummomento em que este ainda dispunha de prazo para apresentar contestação no respectivo processo. E assentando o pedido da autora, entre outros, no facto de ter contratado os serviços do réu a tempo deste poder contestar no processo 17/10.7TBAMR, nos termos do artigo 342° n.1 do Código Civil, cabia-lhe a ela o ónus da prova da tempestividade dessa contratação. Só uma vez provado que o mandato tinha sido confiado ao réu a tempo dele apresentar contestação em nome da sua mandatária é que, depois, perante a junção intempestiva dessa peça, funcionava a presunção estabelecida no artigo 799° n. 1 do CC (…)”
7. Inconformada com aquela decisão, a Autora interpôs recurso de Revista excecional, ao abrigo do art.672º, n.1, alínea a) do CPC, formulando nas suas alegações as seguintes conclusões: «1. O recurso é interposto nos termos do artigo 672º 1, alínea a) do CPC, por estar em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
2. Vem o presente recurso interposto do Acórdão proferido pela 2a Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, que negou provimento ao recurso interposto da sentença proferida pelo Juízo Central Cível — J3, da Instância Central da Comarca de Braga, a qual entendeu que pese embora a Recorrente tenha mandatado o Réu BB, para contestar a ação que correu termos no Tribunal de Amares sob o n.17/10.7TBAMR, a Recorrente não o mandatou em tempo, no prazo em curso para a contestação.
3. Não se conformando com a absolvição dos Réus, a ora Recorrente interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães, que o recebeu como de apelação.
4. Apreciado o recurso, veio a Relação de Guimarães julga-lo improcedente, mantendo a decisão proferida na 1 a instância.
5. Ora, com o regime de recursos introduzido pelo DL n. 303/2007, de 24.08, a regra é a da inadmissibilidade de recurso de revista para o STJ das decisões da Relação que confirmem, sem voto de vencido, a decisão da lª instância (dupla conforme).
6. Estando presentes os requisitos da revista "normal", a qual apenas não será admissível nos autos por se verificar uma situação de dupla conforme, poderá o recurso ser admitido como de revista excecional, caso em que a sua admissão caberá à Formação a que alude o n.3 do art. 672º do CPC.
7. No caso, entende a recorrente que se verificam preenchidos os pressupostos para ser admitido o recurso como de revista excecional, nos termos do artigo 672º 1. alínea a) do CPC, por estar em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
8. Na verdade, há relevância jurídica necessária para uma melhor aplicação do direito quando se trate de questão complexa, de difícil resolução, cuja subsunção jurídica imponha um importante, e detalhado, exercício de exegese, um largo debate pela doutrina e jurisprudência com o objetivo de obter um consenso em termos de servir de orientação, quer para as pessoas que possam ter interesse jurídico ou profissional na resolução de tal questão a fim de tomarem conhecimento da provável interpretação, com que poderão contar, das normas aplicáveis, quer para as instâncias, por forma a obter-se uma melhor aplicação do direito.
9. O conceito genérico da citada alínea a) implica que a questão “sub judice” surja, em geral, quando o quadro legal suscite dúvidas profundas na doutrina e na jurisprudência, a ponto de ser de presumir que gere com probabilidade decisões
10. No caso em apreço, assume especial relevância, senão mesmo determinante e decisiva, a seguinte questão: o mandato, em que a Recorrente mandatou o Réu para a realização de serviços jurídicos, estando em causa a responsabilidade contratual, empobrecimento e perda de chance do Recorrente, aquando da não apresentação de contestação em prazo.
11. Conforme já referido, a base para a improcedência da presente ação resulta no facto de o tribunal ter entendido que a Recorrente não fez prova de que mandatou o Réu BB, em tempo legal, para contestar a ação que correu termos sob o n. 17/10.7TBAMR no Tribunal de Amares.
12. A verdade é que, além da prova documental junta, foi, em julgamento produzida prova testemunhal, segura, isenta, clara, objetiva e credível, demonstrativa que a Recorrente confiou, em tempo, o processo ao Réu BB, a quem mandatou para contestar a ação, que a Relação igualmente ignorou.
13. Quanto à testemunha EE, foi ela a pessoa que rececionou o expediente pelo qual a Recorrente foi citada no âmbito do processo n. 17/10.7TBAMR do Tribunal de Amares, tendo sido ela que, deu disso conhecimento ao legal representante da Recorrente.
14. Mais estabeleceu no tempo, lugar e espaço o momento em que o legal representante se deslocou ao escritório do Réu BB a propósito desta ação e o mandatou para efetuar a contestação.
15. Não se trata de não agradar à Recorrente a forma como a prova foi apreciada, mas sim de, resultar da prova produzida, prova que deve a levar a decisão diversa. 16. Conforme resulta das suas declarações do legal representante da Recorrente, deslocou-se a Portugal para festejar com a sua esposa e testemunha EE, no seu aniversário.
17. Resultando que a mesma faz anos no dia 14 de janeiro de 2010 e tendo este regressado a ... dois dias depois, voltou a Portugal, motivado pelo alerta da sua esposa e com vista a reunir e mandatar o Réu BB para contestar e conduzir tal processo contra si instaurado.
18. Por essa altura e estando em Portugal, atenta a preocupação e gravidade com este assunto — ação judicial intentada contra a Recorrente — deslocou-se ao escritório do réu BB, pessoa a quem confiou o assunto.
19. Não há, pois, dúvidas que rececionou a carta com a citação remetida pelo Tribunal de Amares no âmbito do proc. 17/10.7TBAMR.
20. Nessa sequência, avisou de imediato, o seu marido e legal representante da Recorrente, que se deslocou a Portugal para mandatar o réu para contestar a ação declarativa.
21. O que veio a suceder, tendo o legal representante da Recorrente mandatado 0 1º Réu, a quem deixou a carta com a citação e assinou uma procuração, o que aconteceu ainda no decorrer do mês de janeiro de 2010.
22. 0 mandato conferido pela Recorrente resulta também do depoimento da testemunha FF. 23.Das declarações desta testemunha, Inspetor da Polícia Judiciária, resulta que, em conversa com o Réu, este reconheceu, ter tratado do processo com atraso, devido a problemas de saúde do seu filho, mas que estaria a resolver o assunto, isto é, reconheceu o problema por si criado, não tendo imputado o mesmo, por qualquer forma, à Recorrente.
24.No mesmo sentido, o depoimento da testemunha GG, advogado de profissão, pessoa que veio finalizar o processo, após o réu BB ter «saído de cena», renunciando à procuração, o que sucedeu apenas em 7.05.2012, resultando claro o incumprimento do Réu BB do contrato do mandato.
25. Também do depoimento da testemunha HH resulta que o Réu BB faltou à verdade na questão essencial, isto é, quanto ao momento em que tomou conhecimento da ação que correu termos sob o n. 17/10.7TBAMR no Tribunal de Amares.
26. A tese do Réu BB, é de que, tomou conhecimento da existência desta ação por intermédio do mandatário de DD(HH), pessoa que representava, quer como Autor nesta ação, quer como executado no processo n.0 604/09.6TBAMR.
27. A Recorrente tinha, à data, pendente contra o Sr. DD uma execução no valor aproximado de 100.000,00€, que corria termos sob o n.604/09.6TBAMR.
28. Na pendência da mesma, o aí executado, instaurou contra a aqui A., ação declarativa de condenação no qual peticionava, além do mais, o pagamento de indeminização de valor superior a 160.000,00 €.
29. Por factos imputáveis ao aqui Réu, a ação não foi contestada e, em consequência, foi a aqui A condenada no pedido, o que gerou um contra crédito daquele DD sobre a Autora, não tendo esta recebido qualquer quantia no âmbito da execução que corria sob o n.604/09.6TBAMR do então tribunal de Amares.
30. Aquilo que o Réu BB alegou foi que, relativamente, a ação declarativa instaurada por aquele DD contra a Recorrente, tomou conhecimento dela por intermédio do colega, HH, pessoa com quem se reuniu num café em …, denominado «C...», sendo que é isso mesmo que consta das suas declarações de parte.
31. Estando em causa, transmitir a um colega (mandatário do exequente, numa execução de quase cem mil euros) que, fruto da não contestação duma ação judicial, acabava de ter um «trunfo» (contra crédito) para não só não pagar, mas ter que receber - e não era pouco — é algo que não se esquece, pela importância que teve. (seria o momento-chave para a vitória, em toda a linha, em todos os processos que os opunham.
32.Da conjugação dos depoimentos das testemunhas EE, FF, GG e HH, resulta claro que o Réu BB, não só tomou conhecimento da ação declarativa que correu termos sob o n. 17/10.7TBAMR no Tribunal de Amares, como foi mandatado pela Autora para a contestar.
33.0 Réu estava na posse e tinha conhecimento de todos os elementos necessários à contestação, pois esses argumentos haviam já — infundadamente — sido utilizados pelo dono da obra, DD para atrasar pagamentos, situação que se veio a arrastar e a dar origem à execução n. 609/09.6TBAMR. 34. Como resulta da prova documental, foi alegado pela Recorrente e aceite pelo Réu, este representou a Recorrente na ação executiva 604/09.6TBAMR.
35.0ra o primeiro Réu nesta ação estava já na posse de grande parte dos elementos necessários para apresentar a contestação à ação declarativa, dado que, representava a sociedade no processo executivo n. 604/09.6TBAMR, no qual peticionava o pagamento de 94.885,00€, cfr. doc 3 junto aos autos com a p.i.
36. Inexistem assim dúvidas que, a prova testemunhal produzida em audiência, designadamente a que se acaba se referir, é por si, bastante para se concluir que o Réu BB foi mandatado pela Recorrente, no prazo legal para contestar a ação declarativa 17/10.7TBAMR, que se encontrava na posse de todos os elementos para o fazer e que só não o fez por factos que apenas a si são imputáveis.
37. Se atentarmos nos autos é o próprio Réu que admite e aceita que a Recorrente o contactou no mês de janeiro do ano 2010 a propósito desta ação declarativa que ele não contestou, neste sentido vide pontos 39 e 40 da sua contestação.
38. Aí refere o Réu que o Sr. AA, legal representante da Recorrente, se reuniu com ele no seu escritório, no qual foi abordado o tema das novas fotografias.
40. Desde a Universidade de direito somos dados a perceber que, na apreciação dos factos, os tribunais devem atender a critérios de normalidade, isto é, ao normal ser das coisas, ao homem médio. A nossa jurisprudência vem decidindo da mesma forma. Sucede assim mesmo no direito penal, onde está em causa a liberdade das pessoas e também, naturalmente em sede cível.
41. 0 Réu é advogado de profissão e conhece bem os meandros da lei e da justiça, sabe dos riscos que corre no exercício da sua atividade.
42. 0 Réu quer fazer crer que teve dúvidas se a ação lhe foi entregue dentro do prazo legal no escritório, dúvidas ao ponto de "por em causa a sua funcionária" mas ao invés de esclarecer essa dúvida, com uma simples conversa
43. Então acede — segundo o mesmo, sem culpa — a inventar um justo impedimento a troco de nada e sem ter responsabilidade?
44. Seguindo critérios de normalidade, nenhum homem médio age desta forma. O Réu não se colocaria numa situação destas, i.é, de aparente, responsabilização por factos que não cometeu e sobre os quais não tinha domínio.
45. É assim incorreta e interpretação da prova efetuada pelo tribunal "a quo" e da Relação, da versão do Réu, isto sem prescindir da Recorrente ter, per si, pela
46. Sempre com o devido respeito, cremos que a forma como a prova — testemunhal e documental — foi apreciada na Douta sentença proferida e no Acórdão proferido, constitui uma «proteção» à atividade da advocacia que não tem cabimento legal.
47. Deu o Tribunal como provado, quase a totalidade da matéria alegada pela Recorrente, com exceção de que, não teria mandatado o Réu, dentro do prazo legal, para a apresentar a contestação, mas sem qualquer fundamento.
48. Teve o tribunal da 1ª e 2a instância a preocupação de justificar a ação do Réu BB, naquilo que consiste em «passar uma esponja» sobre factos invocados pelo mesmo e que se revelaram ser falsos. Estamos a falar da questão do justo impedimento.
49. Teve o Tribunal a necessidade de assentar a doença do Réu e de justificar a sua atitude ao invocar um justo impedimento.
50. Cremos, contudo, que o fez sem razão, e que a apreciação de tal matéria em sentido inverso ao do já decidido por Tribunal Superior — da Relação de Guimarães — a propósito da mesma questão, — cfr. Certidão do proc. 17/10.7TBAMR junta aos autos sob o doc. n. 1.
51.Na verdade, no âmbito do proc. 17/10.7TBAMR.G1, da 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães, foi decidido: "dos factos resulta apenas que o Sr. Advogado da R. foi submetido a uma intervenção cirúrgica no dia 17 de fevereiro de 2010, ultimo dia do prazo para apresentação da contestação, o que o impossibilitou de exercer a sua atividade profissional durante 7 dias. Ora os sete dias terminaram em 24 de fevereiro de 2010. Findo este prazo o Sr. Advogado devia ter apresentado a contestação e suscitado o justo impedimento, o que só fez cerca de 20 dias depois. A circunstância de se ter apurado que no dia 11 de março de 2010, Sr. Advogado compareceu na ... para consulta entre as17 horas e as 18 horas, não demonstra que o período de incapacidade para o exercício da profissão se prolongou ate essa data. Aliás, o Sr. Advogado subscreveu os requerimentos supra referidos dirigidos ao 1º Juízo do Tribunal de Trabalho, em 4 e 11 de Março de 2010,
52. Valorar o mérito e bondade do justo impedimento é algo que, nestes autos, não faz sentido e muito menos sentido faz, seguir a tese do Réu, quando, decisão judicial, proferida pelo Tribunal da Relação do Porto, transitada em julgado, concluiu o inverso do que agora o Tribunal de 1 a e 2a instância dão como não provado.
53. Sendo certo, que em sede de julgamento, através de prova documental e testemunhal, o ónus da prova que cabia à Recorrente da prova da tempestividade da contratação do Réu para prestar serviços jurídicos, foi devidamente produzido e demonstrado de forma evidente.
54. É assim certo que o Réu, invocou naquele processo 17/10.7TBAMR, factos que não correspondiam à verdade e não foram atendidos pelo Tribunal da Relação de Guimarães que considerou não existir justo impedimento e que a invocação desse motivo — a que o tribunal não atendeu — foi efetuada, não em favor da Recorrente, mas sim, em «desespero de causa» pelo Réu, que, não obstante se encontrar mandatado para contestar a ação, não o fez no prazo legal.
55. Na verdade, por factos imputáveis ao Réu BB, ao não contestar a ação nos termos em que se encontrava mandatado, viu-se a Recorrente na contingência obrigatória e sem alternativa, de ter que aceitar a compensação de créditos.
56. Não atenderam ainda as duas instâncias que na sequência da falta de contestação da ação n.17/10.7TBAMR e condenação — factos imputáveis ao primeiro réu BB - e por forma a compensar os créditos com a autora nesses autos, viu-se a Recorrente «forçada» - atento o facto de após 14/01/2013 ter contra si uma sentença judicial, que constitui título executivo - a desistir do pedido nos autos de injunção n. 424694/10.4YlPRT, nos quais requeria, o pagamento de 83.830,00€, bem como a desistir igualmente da execução que correu termos sob o n. 604/09.6TBAMR na qual peticionava o pagamento de 94.885,00€.
57. Desistências essas que o executado e Réu nessas ações imediatamente aceitou por compensação do crédito a que, judicialmente, por culpa do 1º réu teve direito e que, nunca teria não fosse o comportamento, pelo menos negligente, do primeiro réu.
58. Cedências essas que a Recorrente teve de vir a concretizar devido à conduta do 1º réu que ao não contestar a ação que lhe foi confiada, levou a que, de preceito, o Tribunal nos termos legalmente previstos no CPC, proferisse decisão condenatória contra a Recorrente.
59. Fruto da atuação do Réu BB, viu a Recorrente empobrecido o seu património nesse montante de 198.876,65€ e ainda no montante relativo a custas de parte, no valor de 1.077,00€ (mil e setenta e sete euros), o que totaliza 199.953,65€ (cento e noventa e nove mil novecentos e cinquenta e três euros e sessenta e cinco cêntimos), tudo como melhor resulta da desistência do processo executivo e homologação, desistência do processo de injunção e nota discriminativa de custas de parte.
60. Inexistem assim dúvidas da verdadeira finalidade da ação que o réu BB não contestou, bem como das consequências de natureza económica que resultaram para a Recorrente.
61. Esta questão assume, fundamental importância e relevância, porque a contradição diz respeito ao ponto principal em discussão nestes autos, i.é, saber que a Recorrente mandatou ou não, em tempo legal, o Réu BB para contestar a ação que correu termos no Tribunal de Amares sob o n 0 17/10.7TBAMR.
62. Tendo resultado provado que, depois de Réu alegar que encontrou o Dr. HH no Café C... (o que este não confirma), contactou o legal representante da Recorrente a propósito da ação, tendo este referido que já lhe deixado esses documentos no escritório.
63. Mais resulta que, nessa sequência, o legal representante da Recorrente foi buscar uma cópia da citação — que tinha tirado para seu arquivo — reiteramos cópia, porque o original tinha sido entregue ao Réu BB.
8. A segunda ré CC contra-alegou, sustentando a inadmissibilidade e a improcedência do recurso.
9. A Formação a que alude o art. 672º, n.3 do CPC admitiu o recurso, com base na alínea a) do art.672º, n.1 do CPC.
II. APRECIAÇÃO DO RECURSO E FUNDAMENTOS DECISÓRIOS
1. Objeto do recurso: Tendo presente que as conclusões das alegações da Recorrente delimitam o objeto do recurso e que a revista respeita, em regra, apenas à análise de problemas de direito, são as seguintes as questões em discussão: - Saber se a Recorrente mandatou o 1º Réu/Recorrido, como seu advogado, para contestar a ação correspondente ao proc. n. 17/10.7TBAMR (do Tribunal de Amares), antes de ter terminado o prazo para apresentar essa contestação; - Saber se os Réus/Recorridos devem ser civilmente responsabilizados pelos prejuízos que a Autora/Recorrente alega ter sofrido pelo facto de aquela ação não ter sido contestada dentro do prazo legal, ou seja, prejuízos pela perda de chance.
2. Factos provados: É a seguinte a factualidade que as instâncias deram como provada: b. Ser a demandada condenada a suportar todas as despesas e encargos que o 4. A Autora, através do seu legal representante, contactou o primeiro Réu para que a representasse na ação referida em 2) outorgando procuração, datada de 19 de março de 2010, a seu favor conferindo-lhe poderes forenses. 5.O primeiro Réu apresentou articulado de contestação na ação referida em 2) no dia 15/03/2010 e no final do articulado invocou justo impedimento para a sua apresentação fora do prazo legal, invocando a entrega da contestação apenas naquela data por se encontrar doente, conforme consta da certidão de fls. 80 e seguintes dos presentes autos. 6. Por despacho de 19/03/2010 foi julgado verificado o justo impedimento e por requerimento de 2 1/04/20 10 o autor naqueles autos arguiu a nulidade por não ter sido ouvido antes da prolação da decisão sobre o invocado justo impedimento, tendo sido julgada procedente a nulidade. 7. O Autor naqueles autos, DD, pronunciou-se quanto ao alegado justo impedimento, pugnando pelo seu indeferimento e juntando documentos (certidão a fls. 279 e seguintes). 8. O Autor naqueles autos, DD, apresentou requerimento em 01/06/2010 pugnando pela inadmissibilidade do requerimento apresentado pelo Dr. BB, aqui primeiro réu, ou caso assim não se entendesse, se considerasse não escritos os novos factos alegados e inadmissível o meio de prova junto simultaneamente (conforme melhor consta de fls. 312 e seguintes dos presentes autos). 9. Por despacho proferido na referida ação de processo ordinário n. 1 7/1 0.7TBAMR, datado de 1 1/06/2010, o Mmo Juiz a quo convidou o primeiro Réu a juntar aos autos prova dos factos que alegara, tendo este arrolado a testemunha II, sua funcionária de escritório e o Autor naqueles autos, DD, interpôs recurso do despacho. 10. Por decisão singular do Tribunal da Relação de Guimarães foi dado provimento ao recurso, determinando-se que o Mino. Juiz a quo decidisse o incidente em conformidade com as provas oferecidas aquando da dedução do incidente de justo impedimento. 11. Foi proferido despacho e julgado verificado o justo impedimento, do qual foi interposto recurso, na sequência do que foi proferido acórdão pelo Tribunal da Relação de Guimarães em 12/01/2012, revogando o despacho que julgou verificado o justo impedimento julgando a contestação extemporânea e ordenando o seu desentranhamento. conforme consta da certidão junta os autos a fls. 5 19 e seguintes cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. 12. O acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães foi notificado ao primeiro Réu em 13/01/2012. 13. Na ação de processo ordinário n.17/10.7TBAMR foi proferido despacho em 26/11/2012 do seguinte teor:"regularmente citado, o réu não apresentou contestação, razão pela qual, nos termos do disposto no artigo 484., n.l do C.P.C, se consideram confessados os factos articulados pelo autor." 14. Na ação de processo ordinário n.17/10.7TBAMR veio a ser proferida 21.Desistências que DD aceitou por 22. O primeiro Réu renunciou ao mandato por requerimento apresentado na ação n. 17/10.7TBAMR em 07/05/2012. 23. A aqui Autora requereu a junção aos autos da ação n.17/10.7TBAMR procuração por si outorgada a favor do Dr. GG, advogado e da advogada estagiária Dr.a JJ, datada de 08/06/2012. 24. O gerente e sócio da Autora. AA, requereu na acção n. 17/10.7TBAMR a sua intervenção mediante requerimento subscrito pela sua mandatária Dr.a KK, a quem outorgou procuração datada de 09/02/2012, tendo esta renunciado ao mandato em 07/05/2012.
32. A Autora obrigou-se, nos termos do contrato de empreitada celebrado com
33. Nos termos do contrato de empreitada celebrado entre a aqui Autora e
34.Foi expressamente estipulado entre as partes um prazo de garantia de 5
35. DD enviou à Autora cartas datadas de 15/01/2009, 14/04/2009, 15/04/2009, 20/10/2009 e 6/11/2009. juntas a fls. 122 a 138, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
36.LL, assinou o documento denominado "declaração", junto a fls. 139, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
3. O direito aplicável: O problema que a Recorrente apresenta para justificar a revista excecional – a eventual responsabilidade de um advogado pelo denominado dano da perda de chance – corresponde, na realidade, a um tipo de questão de grande relevância jurídica (tanto pela frequência com que se tem colocado nos tribunais, como pela própria complexidade da matéria). Todavia, quando se entra na análise detalhada do objeto do recurso (para além do filtro da Formação), constata-se que no caso concreto está em causa, antes de mais, uma questão de julgamento da matéria de facto, que condiciona o conhecimento da subsequente matéria de direito, ou seja, a eventual responsabilização do 1º Recorrido.
3.1. Nas longas conclusões das suas alegações, a Recorrente dedica-se, maioritariamente, a discorrer sobre a matéria de facto, particularmente sobre a prova testemunha (por exemplo, do ponto 12 ao ponto 25, pontos 32, 36, 37), bem como à apreciação crítica do julgamento que as instâncias fizeram da matéria de facto (sobretudo nos pontos 45 a 54). Ora, sobre os factos que as instâncias consideraram provados e sobre as razões de ciência que conduziram a tais conclusões não pode o Supremo Tribunal de Justiça pronunciar-se, como resulta claramente da opção legislativa que se verteu nas seguintes normas: Art. 682º do CPC: 1 - Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o Supremo Tribunal de Justiça aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado. 2 - A decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excecional previsto no n.º 3 do artigo 674.º. 3 - O processo só volta ao tribunal recorrido quando o Supremo Tribunal de Justiça entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, ou que ocorrem contradições na decisão sobre a matéria de facto que inviabilizam a decisão jurídica do pleito. Estabelece o art.674º, n. 3 do CPC: “O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”.
Quanto à importância que a decisão recorrida dispensou à matéria que se considerou provada pelo TRG, no recurso interposto no proc. n.17/10.7 TBAMR.G1 (referido no ponto 51 das conclusões das alegações da Recorrente), nada há a censurar. O que o TRG apreciou nesse recurso foi a questão de saber se a justificação apresentada pelo advogado da ré nesses autos, ou seja, o 1º Réu/Recorrido nos presentes autos (traduzida no facto de ter sido submetido a uma intervenção cirúrgica no último dia do prazo para apresentar a contestação) constituía ou não justo impedimento à apresentação atempada da contestação. Não se discutiu nesse recurso a questão de saber se o 1º Recorrido foi mandatado pela Recorrente para contestar aquela ação já depois de ter terminado o prazo legal para esse efeito (questão que está em causa nos presentes autos). Não existindo insuficiência ou contradição no julgamento da matéria de facto, nem violação de regras processuais respeitantes à adequação dos meios probatórios, a matéria fáctica que as instâncias deram como assente não pode ser alvo do recurso de revista. Assim, tendo as instâncias concluído (vd. supra pontos 4 e 6 do Relatório da presente decisão) que não se fez prova da data em que a Autora/Recorrente mandatou o Réu/1º Recorrido para contestar a referida ação, não se sabendo, assim, se foi antes ou depois de o prazo legal para o efeito já ter decorrido, não pode o STJ decidir sobre tal matéria. Em resumo, tendo por base a factualidade provada, cujo julgamento não pode ser alterado pelo STJ, face às regras estabelecidas nos artigos 682º e 674º, n.3 do CPC, vejamos se as questões de direito podiam ter sido decididas de modo diferente.
3.2. Como consta da factualidade provada, a Recorrente mandatou o 1º Recorrido, na qualidade de advogado, para contestar uma ação [Proc. n.17/10.7 TBAMR], cujo prazo terminava a 17.02.2010. A contestação deu entrada em juízo no dia 15.03.2010, tendo a procuração data de 19.03.2010, e o Recorrido invocou justo impedimento, traduzido no facto de ter sido submetido a uma intervenção cirúrgica. Todavia, a invocação do justo impedimento veio a ser considerada improcedente, com o consequente desentranhamento da contestação, e a agora Recorrente veio a ser condenada nessa ação. Nos presentes autos, a Recorrente/Autora pretende que os Recorridos [advogado e sua seguradora] sejam responsabilizados pelos danos que sofreu naquela outra ação, e não teria sofrido se a contestação tivesse sido atempadamente apresentada; e alega que mandatou o 1º Recorrido antes de ter terminado o prazo para apresentar aquela contestação, ou seja, 17.02.2010. O 1º Recorrido defendeu-se alegando que a Recorrente o mandatou já depois de aquele prazo estar ultrapassado. As instâncias concluíram que não se provou a data em que o 1º Recorrido foi mandatado para contestar a ação; não se sabendo, portanto, se foi antes ou depois de o prazo ter terminado. Como se entendeu no acórdão recorrido, cabia à Autora/Recorrente, nos termos do art.342º, n.1 do Código Civil, o ónus de provar esse facto. A prova daquele facto era de crucial importância para se poder concluir se existiu ou não incumprimento (ou cumprimento defeituoso) do mandato. Não basta invocar a existência da presunção de culpa prevista no art.799º do CC, como faz a Recorrente, pois essa presunção respeita apenas a um dos pressupostos da responsabilidade contratual, precisamente a culpa. Antes de se poder concluir se o devedor da prestação convencionada faltou culposamente ao cumprimento (art.798º CC), é necessário concluir se ele faltou, efetivamente, ao cumprimento devido, ou seja, a realização da prestação que permitiria alcançar a satisfação do interesse do credor. Para tal seria necessário saber se, no momento em que o Recorrido foi mandatado para contestar a ação (momento que não se confunde com a data da procuração, podendo coincidir ou não), o prazo para esse efeito já se tinha esgotado. Se esse prazo ainda não tivesse decorrido, a prestação teria sido legalmente possível, pelo que se passaria à análise dos demais requisitos da responsabilidade contratual, nomeadamente a culpa, o nexo de causalidade e o dano (a eventual perda de chance). Se o prazo para contestar já estivesse ultrapassado (mesmo incluindo o prazo adicional com multa), a prestação pretendida pelo mandante já não seria legalmente possível (embora o fosse materialmente), pois o tribunal rejeitaria o articulado apresentado[1]. Em tal hipótese ainda seria de questionar se o mandante conhecia essa consequência legal e, mesmo assim, se teria assumido a “alea” de “tentar a sorte” para ver se a contestação seria recebida (mas tal questão já extravasaria o objeto do recurso e não existe prova nesse sentido). Assim, não sendo possível saber se houve ou não omissão do comportamento devido, falha a verificação do primeiro requisito para a eventual responsabilização do 1º Recorrido. E, como supra referido, o ónus de demonstrar a existência desse requisito cabia à Recorrente/Autora, pois é esta quem invoca o direito a uma indemnização (art.342º, 1 do CC).
Conclui-se, com base nas razões supra enunciadas, que a decisão em revista não merece censura, porquanto fez a correta aplicação das regras de direito substantivo e de direito processual pertinentes.
DECISÃO: Pelo exposto, acorda-se em negar a revista, confirmando o acórdão recorrido.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 19 de dezembro de 2018
Maria Olinda Garcia (Relatora) Catarina Serra Salreta Pereira ______________________ [1] Não cabe no âmbito do presente recurso (porque a questão não foi suscitada) saber se o 1º Recorrido, enquanto advogado, tomou a atitude certa ao aceitar o mandato para contestar quando, na sua versão, o prazo legal já se encontrava ultrapassado (procurando “aproveitar” o justo impedimento: ter sido submetido a uma intervenção cirúrgica), ou se o comportamento correto devia ter sido o de se abster de usar esse “expediente”. |