Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
916/16.2T8GRD.C1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: FERREIRA LOPES
Descritores: RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
ACIDENTE DE VIAÇÃO
CONTRATO DE SEGURO
NULIDADE DO CONTRATO
OPONIBILIDADE
FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL
RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA
REENVIO PREJUDICIAL
DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA
DIRETIVA COMUNITÁRIA
Data do Acordão: 06/20/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
I - Através do reenvio prejudicial, mecanismo previsto no art. 267º do TFUE, o tribunal nacional pode submeter ao Tribunal de Justiça questões de interpretação ou de validade do Direito da União que sejam relevantes para a boa decisão da causa, pois que lhe compete assegurar o primado, ou seja, dar prevalência ao Direito da União;

II - As decisões do Tribunal de Justiça, para efeitos de interpretação, vinculam os tribunais internos dos Estados-Membros;

III - O Fundo de Garantia Automóvel não é um devedor, mas tão só um garante do cumprimento das obrigações do responsável civil pela reparação dos danos causados ao lesado, respondendo subsidiariamente e não como devedor principal ou directo.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



Liberty Seguros, Compañia de Seguros y Reaseguros, SA – Sucursal em Portugal, ex Liberty Seguros SA, instaurou a presente ação declarativa, na forma de processo comum  processo comum, contra AA, pedindo que se «decrete a anulação do contrato de seguro “sub judice”, por invalidade substancial do mesmo, com efeitos retroactivos à data da sua celebração, sem prejuízo de à A. caber o direito de fazer seus os prémios pelo mesmo pagos, atento o disposto no artigo 25º/5 do Decreto-Lei 72/2008 de 16 de Abril».

Alegou para tanto e em síntese;

Ter celebrado com o R., no dia 27/8/2015, um contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel, que teve por objeto a viatura (caminheta) Mercedes Benz, com matrícula ..-FB-.. (de ora em diante “FB”), tendo-se o R., na proposta respetiva, intitulado dono de tal viatura e declarado que dela fazia uso particular, enquanto proprietário e condutor habitual;

Que no dia 9/9/2015 o R. apresentou uma proposta de alteração de tal contrato de seguro, de modo a que o mesmo passasse a ter por objeto, ao invés da viatura “FB”, uma outra viatura, da mesma marca e modelo, com a matrícula ..- PX-.. (de ora em diante “PX”), tendo-se intitulado também dono e condutor habitual da mesma e destina-la ao seu uso particular, que a mesma tinha a lotação de 6 lugares, sem ter preenchido com o nome de outrém o campo da proposta destinado à identificação do condutor habitual que não o próprio tomador, sem declarar qualquer atrelado, tendo a A., confiando nas declarações do R. e aceitado a alteração do contrato, mantendo-se em vigor tudo o mais contratado a 27/8;

Que soube, após o acidente ocorrido a 24/3/2016 em França (que vitimou 12 pessoas que circulavam no interior do veículo), que o R., quando propôs a substituição da viatura objeto do seguro, não era nem continuou a ser proprietário da mesma, não era o condutor habitual da mesma, que não lhe dava o destino ou uso que referiu na proposta, antes a destinando ao transporte oneroso e não licenciado de passageiros emigrantes entre Portugal e a Suíça, que o veículo circulava com um atrelado com o peso bruto de 1.300 quilos, que dispunha de 12 assentos para passageiros (para além do condutor), e, ainda, que tal viatura tinha como condutor habitual BB, com 19 anos de idade, portador de carta não profissional, tipo B, emitida a .../11/2014, que o habilitava a conduzir viaturas que transportassem no máximo 9 passageiros e puxassem atrelado com peso bruto não superior a 750 quilos.

Finalmente, que o R. lhe omitiu deliberadamente tais factos, nomeadamente a utilização do veículo para a atividade desenvolvida, enganando-a relativamente à dimensão do risco contratado, factos que, se ela, A., tivesse tido conhecimento, determinariam a recusa da celebração do contrato, com o que o R. violou intencional e dolosamente o dever de declaração inicial do risco a transferir, previsto no art 24º/1 do DL 72/2008 de 16/4. E que, por essa razão, nos termos do artigo 25º/3 do mesmo diploma legal e dos artigos 253º e 254º/1 do CC, tem o direito de anular o contrato, o que pretende ver judicialmente declarado.


O Réu  não contestou.


O Fundo de Garantia Automóvel apresentou articulado de intervenção principal espontânea, no qual, sustentando a sua legitimidade processual (pelo facto de ter um interesse igual ao do R., consubstanciado no facto de, a proceder a pretensão da A, ser ele o responsável pelo pagamento das indemnizações), impugnou os factos alegados por aquela, concluindo pela improcedência da ação, tendo, ainda, deduzido reconvenção e incidente de intervenção de terceiros, requerendo a intervenção acessória de CC (proprietária registada do veículo segurado), BB (condutor do veículo segurado) e DD (mediador da seguradora A.)

Para o efeito, alegou que o contrato de seguro foi celebrado com intervenção de mediador da zona da residência do R. AA, sendo facto notório que este se dedicava profissionalmente à atividade de transporte oneroso de pessoas entre a Suíça e Portugal, facto esse que era do conhecimento do mediador de seguros da A. (DD), que, aquando da celebração/alteração do contrato, vistoriou o veículo e tinha conhecimento que o veículo tinha 3 filas de bancos e tinha um gancho para proceder ao reboque de atrelados. E que a própria A. dispõe de amplos meios para averiguar da veracidade das informações que lhe são transmitidas pelo segurado, tendo o dever de sindicar as respostas do tomador e de controlar a exatidão das mesmas – motivo pelo qual a invocação da anulabilidade do contrato configura um comportamento abusivo, na modalidade de venire contra factum proprium.. Por outro lado, alega que a existir tal vício, o mesmo, por força do preceituado no artigo 22º do DL n.º 291/2007, de 21/8, configurando-se como uma “anulabilidade”, nunca poderia ser oposto aos lesados, motivo pelo qual deduziu reconvenção, pedindo a condenação da A. «a reconhecer que a eventual anulabilidade ou nulidade do contrato de seguro celebrado com o R. AA é inoponível aos lesados e ao FGA, tudo com as legais consequências».


Foi admitido o incidente de intervenção principal espontânea do FGA, bem como a reconvenção.


Realizado julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, e a reconvenção deduzida pelo FGA totalmente procedente, nestes termos:

a) com efeitos inter partes e com as demais consequências legais, declara o contrato de seguro celebrado entre a autora e o réu nulo, absolvendo o réu do demais peticionado;

 b) declara que a invalidade do contrato de seguro é inoponível aos lesados e ao FGA.


///


Inconformada com o assim decidido apelou a Autora Liberty.


O Tribunal da Relação de Coimbra, por acórdão de 11.05.2020, decidiu suspender a instância até ser proferido a título prejudicial decisão pelo Tribunal de Justiça da União Europeia quanto às seguintes questões, que aí se colocaram:

«O direito comunitário, designadamente a directiva 2009/103/CE do Parlamento e do Conselho, opõe-se a uma legislação nacional que permite a oponibilidade aos terceiros lesados e ao Fundo de Garantia Automóvel da nulidade de um contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel quando tal nulidade decorra da circunstância do tomador de seguro destinar a circulação do veículo objecto do contrato ao exercício de transporte oneroso e clandestino de pessoas e mercadorias e haja ocultado tal finalidade à seguradora?

Mesmo na circunstância dos passageiros conhecerem a clandestinidade desse transporte?»


Proferida a decisão pelo TJUE em 13.10.2021, a Relação de Coimbra, por unanimidade e sem fundamentação essencialmente diferente, julgou a apelação improcedente, confirmando a decisão de 1ª instância.

Ponderou para tanto que “resulta que na situação dos autos, em função do Decisão do TJUE, proferida a 13/10/2021, a título prejudicial, no âmbito dos mesmos, o presente Tribunal resulta autorizado a desaplicar o direito interno contrário ao direito da União declarado nesse acórdão, pelo que se conclui que a nulidade do contrato de seguro em causa nos autos é inoponível aos lesados e ao FGA, com a consequente improcedência da apelação.


Ainda inconformada, a Autora interpôs recurso de revista excepcional, com fundamento no art. 672º, nº1, alínea a) do CPC– relevância jurídica da questão, que foi admitida por acórdão da formação.


A Recorrente remata a sua alegação com as seguintes conclusões:

1ª. A douta sentença de 1ª instância julgou o contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel “sub judice” ferido, não só de nulidade, mas também de anulabilidade.

. No que concerne a tal segmento da referida douta decisão, transitou a mesma em julgado, pois que dela nenhuma das partes recorreu;

3ª. Julgou, porém, o Mmo Juiz de 1ª instância que a Ré ora recorrente não se pode fazer prevalecer de tais anulabilidade/nulidade do contrato de seguro, opondo as mesmas aos terceiros lesados, apesar do que em contrário expressamente dispõe o artº 22 do Dec.-Lei nº 291/2007 de 21 de agosto…

4ª … considerando que tal disposição legal é contrária ao estabelecido nas Diretivas da União Europeia, respeitantes ao seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, no que concerne à proteção que as mesmas pretendem assegurar aos terceiros lesados vítima de acidente; Porém,

5ª. O disposto no referido artº 22 do Decreto-Lei nº 291/2007 de 21 de Agosto, não pode ser interpretado isoladamente, antes devendo sê-lo conjugadamente com o disposto nos artºs 291 do Código Civil, 2, 25, nºs 1 e 3 e 147, nºs 1 e 2 do Decreto-Lei nº 72/2008 e 27, 47, nº1, 49, nº 1, als. a) e b) e 54, nº 4;

6ª. Da interpretação conjunta de tais disposições legais resulta inequivocamente que, para dar execução na ordem jurídica portuguesa, nomeadamente no que concerne à plena garantia da proteção dos terceiros lesados, o legislador nacional optou por distribuir o cumprimento da mesma, entre o Segurador nacional, pessoa coletiva de direito privado, e o Fundo de Garantia Automóvel, entidade pública, integrada na orgânica do estado membro,

7ª. De tal modo que, em caso de invalidade do contrato de seguro, seja com fundamento em nulidade, seja com fundamento em anulabilidade do contrato de seguro (e no caso dos autos foram decretados ambos os vícios relativamente ao que neles se discute) quem assegura o cumprimento do referido princípio da proteção dos terceiros lesados é o Fundo de Garantia Automóvel e não a seguradora, no caso a ora recorrente.

8ª. … cabendo a esta, caso o contrato de seguro seja válido, assegurar a tais terceiros lesados asatisfação dos seus direitos, mesmo em casos em queo tomador do seguro tenha perdido a direção efetiva do veículo (furtos, roubos, etc.);

9ª.  Ao assim ter procedido, o Legislador nacional deu total cumprimento ao princípio da plena proteção dos lesados vítimas de acidente de viação, a que presidiu a emissão das Diretivas da União Europeia a tal respeito, pelo que

10ª.  A aplicação, sem limitação alguma da oponibilidade pela Autora ora recorrente das nulidade e anulabilidade do contrato de seguro “sub judice” aos terceiros lesados e ao Fundo de Garantia Automóvel, expressamente prevista no artº 22 do Decreto-Lei nº 291/2007 de 21 de agosto tem plena cobertura legal, não violando tal disposição qualquer das sobreditas Diretivas.

11ª.  Ao assim não ter decidido, tanto a douta sentença proferida em 1ª instância, quanto o douto acórdão ora sob censura, violaram todas e cada uma das disposições legais referidas na precedente conclusão 5,

12ª.  Pelo que deve tal acórdão ser substituído por decisão que determine que as nulidade e anulabilidade do contrato de seguro “sub judice”, já decretadas e transitadas são plenamente oponíveis pela ora recorrente, quer aos terceiros lesados do acidente que nos autos se discute, quer ao Fundo de Garantia Automóvel.

Ainda que assim não se entenda, o Tribunal da Relação de Coimbra violou o sentido pacífico da jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia. De facto,

13ª. OTFUE prevê e distingue, no artigo 288.º, os regulamentos e as diretivas enquanto atos normativos do Direito da União Europeia (derivado);

14ª. Os regulamentos têm aplicabilidade direta na ordem jurídica interna, entrando em vigor na data referida na publicação e passam a fazer parte, a partir desse momento, do direito dos Estados-Membros, de harmonia com as cláusulas de receção constitucionalmente previstas;

15ª. As diretivas dirigem-se especificamente aos Estados-Membros, vinculando-os quanto ao resultado a alcançar e devem ser transpostas para o direito nacional, de harmonia com o artigo 112.º, n.º 8 da Constituição, por lei, decreto-lei ou decreto legislativo regional;

16ª. O princípio do efeito direto do Direito da União Europeia distingue-se da noção de aplicabilidade direta não tendo a mesma dimensão em todos os atos da União Europeia;

17ª.  O efeito direto vertical exerce-se nas relações entre particulares e o Estado-membro ou as entidades públicas, o que significa que os particulares podem invocar normas de uma directiva que sejam suficientemente claras, precisas e incondicionais no âmbito de relações jurídico-públicas;

18ª. O efeito direto horizontal exerce-se nas relações entre particulares (relações jurídico-privadas);

19ª. A jurisprudência do TJUE reconhece a aplicabilidade direta dos regulamentos (isto é, um efeito direto vertical e horizontal);

20ª. No caso das diretivas, aquela jurisprudência sustenta apenas apossibilidade de efeito direto vertical nas relações entre particulares e o Estado ou autoridades públicas.

Recusa, no entanto, o efeito direto horizontal às diretivas baseando-se num duplo argumento:

a) A atribuição de efeito direto vertical tem origem na deficiência do Estado-Membro em transpor uma diretiva, pelo que os particulares apenas podem invocar as suas normas em processos judiciais em que demandem o Estado ou entidades públicas (argumento estoppel);

b) O reconhecimento de efeito direto horizontal à significaria atribuir à União Europeia o “poder de criar, com efeito imediato, deveres na esfera jurídica dos particulares quando ela tem essa competência nas áreas em que lhe é atribuído o poder de adoptar regulamentos” (argumento constitucional);

21ª. Os órgãos jurisdicionais nacionais não possuem qualquer discricionariedade relativamente à aplicação direta ou, dito de outra forma, ao reconhecimento de efeito directo horizontal de uma diretivanum processo judicial entre particulares pelo que não o podem reconhecer;

22ª.  A interpretação da legislação nacional em conformidade com o Direito da União Europeia está excluída quando conduza a uma interpretação contra legem do direito interno;

23ª. Se tal sucedesse, o Estado poderia ser responsabilizado por violação do Direito da União Europeia;

24ª. O Tribunal da Relação de Coimbra cometeu um erro grosseiro quando afirma que “o recurso ao reenvio prejudicial pode funcionar, em última análise, como meio de obviar à negação do efeito directo horizontal às directivas” (cfr. p. 36).

25ª. Nunca resultou da jurisprudência do TJUE ou de qualquer obra ou artigo científico a possibilidade de o recurso ao reenvio prejudicial funcionar como meio de obviar à negação do efeito directo horizontal às directivas.

26ª. O princípio do efeito útil ou da efectividade do Direito da União Europeia não legitima o reconhecimento de efeito direito horizontal das diretivas,


Termos em que deve ser proferido douto acórdão que, dando total provimento ao presente recurso julgue e decida que a nulidade do contrato de seguro “sub judice” reconhecida e decretada pela douta sentença proferida em instância é oponível pela A. ora Recorrente, não somente aos Réus na presente ação, mas também aos terceiros lesados em resultado do acidente a que é feita referência nos autos bem assim como ao Interveniente Fundo de Garantia Automóvel.


Contra alegou o FGA pugnando pela não admissão da revista; assim, não se entendendo, deve a mesma ser julgada improcedente.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar de decidir.


Fundamentação.

Vem provada a seguinte matéria de facto:

1. A autora dedica-se à atividade seguradora;

2. A 27 de agosto de 2015, o réu propôs à autora a celebração de um contrato de seguro do ramo Responsabilidade Civil Automóvel;

3. Mediante tal proposta, o réu, intitulando-se dono da viatura (caminheta) Mercedes Benz, modelo SPRINTER 318 CDI/37 TA, Diesel, com a matrícula ..-FB-.., e declarando que dela fazia uso particular, pretendeu segurar, não só a cobertura obrigatória do risco de responsabilidade civil para si adveniente da circulação da mesma, enquanto seu alegado proprietário e condutor habitual, mas também as de quebra isolada de vidros convencionada, morte ou incapacidade do condutor, despesas de tratamento do condutor, ITHA deste e assistência em viagem plus;

4. A autora, confiando na veracidade das declarações então prestadas pelo réu, cuja veracidade e boa-fé presumiu, aceitou as coberturas que lhe foram propostas e emitiu a correspondente apólice n.º ...80, que titula o contrato de seguro;

5. Por tal via, ficaram, assim, contratadas por um ano e seguintes, com início a 27 de agosto de 2015, as coberturas propostas pelo réu;

6. Em contrapartida, este obrigou-se a pagar à autora um prémio de seguro anual de 253,71€;

7. No dia 9 de setembro de 2015, o réu apresentou, no âmbito do contrato de seguro que poucos dias antes entrara em vigor, uma nova proposta à autora, por via da qual, sem alterar as coberturas e capitais já em vigor, pretendia passar a segurar, em substituição da viatura (caminheta) até aí segura, uma outra da mesma marca e modelo, isto é, uma Mercedes Benz, modelo SPRINTER 318 CDI/37 TA, Diesel, esta agora com a matrícula ..-PX-..;

8. Também quanto a esta viatura declarou o réu, na proposta de alteração que subscreveu, que contratava o seguro na qualidade de dono e de condutor habitual da mesma, sem ter preenchido com o nome de outrem o campo da proposta destinado à identificação de condutor habitual que não o próprio tomador;

9. E que a destinava a seu uso particular;

10. Mais declarando que a mesma tinha a cilindrada de 2987 cc, a potência de 184 cvs, o peso de 3.500 Kg;

11. E que nela estavam instalados 6 (seis) lugares licenciados para transporte de passageiros e do condutor;

12. Sem declarar pretender segurar qualquer atrelado, deixando em branco o campo da proposta de seguro a tal destinado;

13. A autora, uma vez mais confiando nas declarações prestadas pelo réu, constantes da proposta de alteração por ele subscrita a 9 de setembro de 2015, cuja veracidade e boa-fé presumiu, aceitou a alteração de veículo seguro, nas condições de risco dela constantes e vindas de alegar, com efeitos a partir de tal data, tendo sido emitida a correspondente ata adicional ao contrato de seguro;

14. Mantendo-se em vigor tudo o mais que já o estava desde 27 de agosto de 2015, no âmbito da apólice emitida;

15. Veio a autora a saber após 25 de março de 2016 que o réu, quando e a partir do momento em que propôs a substituição de viatura objeto do seguro, não lhe dava o destino ou uso que referiu na proposta de seguro, e antes outro, destinando-a ao transporte internacional oneroso de passageiros emigrantes e de mercadorias entre a Suíça e Portugal;

16. A qual, para além disso, circulava com um atrelado;

17. E com a lotação de 9 pessoas (possuindo 3 filas de bancos, cada uma delas com 3 bancos), à exceção do dia 24 de março de 2016, data esta em que circulou com lotação de 12 pessoas (possuindo 4 filas de bancos, cada uma delas com 3 bancos, sendo a última delas amovível);

18. Atividade a que se dedicava, pelo menos, desde abril de 2015, de forma não licenciada por qualquer autoridade e que publicitava;

19. Atividade esta que o réu deliberadamente omitiu à autora quando lhe propôs o seguro;

20. Atividade em que utilizava, pelo menos, 3 viaturas, das quais uma Mitsubishi L400, matrícula ..-..-LG, também segura na ora autora (esta apenas a partir de dezembro de 2015), tendo como tomador do seguro EE e como condutor habitual o réu, e uma Mercedes VITO, com a matrícula suíça FR-2...70;

21. Vindo as viaturas “PX” e Mitsubishi a ser conduzidas habitualmente pelo réu e pelo interveniente BB;

22. O interveniente BB tinha 19 anos de idade à data de 23 de março de 2016 e era portador de carta de condução não profissional, categoria “B”, emitida a 19 de novembro de 2014, por via da qual estava legalmente habilitado a conduzir viaturas que transportassem um máximo de 9 passageiros e que puxassem atrelado com peso bruto não superior a 750 Kgs;

23. O qual, conduzindo o veículo “PX” e o referido Mitsubishi, efetuou no período compreendido entre agosto de 2015 e 24 de março de 2016 pelo menos 20 viagens (de ida e volta) entre a Suíça e Portugal, sendo a maior parte delas com utilização do veículo “PX”;

24. Vindo o veículo seguro a circular, em pelo menos algumas dessas viagens, a puxar um atrelado da marca HUMBAUR, com a matrícula FR3...14 e com o peso bruto de 1.300 Kgs;

25. Veículo esse que dispunha de 9 lugares fixos e, no dia 24 de março de 2016, mais 3 lugares amovíveis, numa quarta fila de bancos, lugares estes que haviam sido colocados no dia de início da viagem do acidente e que não tinham cintos de segurança;

26. O réu bem sabia que não podia publicitar e muito menos à autora a real e efetiva atividade a que se vinha dedicando com a utilização de tal veículo (e atrelado), da qual tirava elevados proventos, em resultado do que cobrava aos que recorriam aos seus serviços, atento o facto de tal atividade não se encontrar licenciada pelas autoridades competentes para tal efeito;

27. O réu cobrava a cada um dos passageiros que transportava quantia não inferior a 100,00€ por cada viagem de ida ou de volta entre Portugal e a Suíça;

28. Tal valor é inferior ao cobrado pelos prestadores devidamente licenciados de serviços de transportes (auto, por via férrea ou aéreos) internacionais de pessoas;

29. O supra referido preço abrangia o transporte do passageiro, das respetivas bagagens e a respetiva tomada e largada em regime porta-a-porta;

30. Os passageiros e bagagens eram recolhidos na origem e largados no destino, nas respetivas residências de partida ou de destino, o que em Portugal podia ser em lugares tão díspares quanto Cinfães, Trancoso, Pombal, Travanca, S. João da Madeira, Arnas;

31. As viagens eram asseguradas por um único motorista, na maior parte das vezes sem habilitação própria para a condução, atento o número de pessoas a transportar e as características do veículo e dos respetivos atrelados;

32. Bem sabia o réu que se ao propor-se a seguro tivesse comunicado à autora a atividade que vinha desenvolvendo e que se propunha desenvolver com utilização do veículo seguro, esta nunca teria aceitado celebrar com o mesmo o contrato de seguro em causa e muito menos a alteração de veículo seguro subsequentemente contratada;

33. E, ao invés, antes recusaria aceitar a transferência para si dos riscos que o réu afinal corria com a atividade a que se dedicava;

34. A autora foi tomando conhecimento de tais factos (relativos à atividade desenvolvida pelo réu e à utilização do veículo seguro) após a ocorrência de gravíssimo acidente de trânsito em que o veículo com a matrícula ..-PX-.. interveio e das averiguações que a propósito da mesma mandou fazer;

35. Tal acidente ocorreu no dia 24 de março de 2016, pelas 23h40m, na EN n.º ...9, em ..., ..., Lyon, França;

36. E consubstanciou-se numa colisão frontal do veículo seguro, então conduzido pelo interveniente Ricardo, de 19 anos de idade, que então circulava no sentido Macon - Moulins, contra um outro, pesado, matriculado em Itália, formado pelo trator DAF com a matrícula ..-..5-FL e o semirreboque da marca CARMOSINO, com a matrícula E....EA, que circulava este em sentido contrário;

37. Colisão essa ocorrida na faixa direita de rodagem, atento o sentido de marcha deste pesado (Moulins – Macon), em resultado de invasão da mesma pelo veículo ..- PX-.., que circulava em sentido contrário, em sucessivas manobras de ultrapassagem a outros veículos e a velocidade superior a 80 km/hora, máxima aí permitida;

38. Em consequência da mencionada colisão perderam a vida os 12 (doze) cidadãos portugueses emigrantes, que provinham da Suíça com destino às suas terras natais, para passarem a Páscoa com as suas famílias que, de seguida, se identificam: FF, GG, HH, II, JJ, KK, LL, MM, NN, OO, PP e QQ;

39. Tendo cada um deles pago ou propondo-se pagar ao réu AA quantia não inferior a 100 euros pela viagem que estavam a efetuar;

40. Não fora a trágica e definitiva interrupção que teve lugar, a viagem era para ser feita, da Suíça para Portugal, de uma vez só e por forma a tornar possível que a viagem terminasse no destino entre as 11 e as 12 horas do dia 25 de março de 2016;

41. Sem qualquer interrupção para descanso, fosse do dito condutor, o único escalado para assegurar a condução durante a totalidade de trajeto, fosse dos passageiros, que vinham “ensardinhados” e comprimidos juntamente com grande parte das respetivas bagagens, dentro de um espaço de mais ou menos 4,5 metros quadrados de área e de mais ou menos 8,5 m3 de volume, vindo 4 deles (os 3 que iam na última fila e uma criança que seguia ao colo) sem cintos de segurança (que o veículo não possuía);

42. Estando prevista para tal viagem (como para muitas outras de semelhante dimensão origem e destino que o réu AA vinha promovendo e executando já desde antes de se propor a segurado à ora autora, umas vezes por si, outras por terceiros condutores, entre eles o interveniente BB, sem experiência de condução), que no trajeto mais curto, entre a cidade ..., na Suíça, e a cidade ..., em Portugal, tinha 1.643 kms, a duração de 16 horas seguidas;

43. Quando a duração da viagem sem interrupções, em condições normais e de respeito pelas regras estradais, muito em especial as respeitantes às sucessivas velocidades máximas de circulação em cada uma das vias do dito percurso, nunca seria inferior a 17 horas;

44. A trágica viagem teve início às 20h30m na cidade Suíça de ....

45. Tendo o acidente ocorrido cerca de 03h10m minutos depois do seu início;

46. A distância mais curta entre referido ponto de partida e o local do acidente é de 381 quilómetros, dos quais 269 percorridos em autoestrada e os restantes em estradas nacionais;

47. Distância essa que, em condições normais e de respeito pelas regras estradais, nomeadamente as respeitantes às velocidades máximas permitidas nos troços que a compõem, é feita em 04h39m;

48. O veículo ..-PX-.. não dispunha de tacógrafo nem de sistema de registo dos períodos de condução, contínua ou intervalada, dos respetivos condutores;

49. O veículo ..-PX-.. puxava no momento do fatídico acidente um atrelado com 1,300 Kgs de peso bruto (em vazio), mas carregado com as restantes malas e haveres dos passageiros;

50. O peso das pessoas e objetos neles transportados determinou um acréscimo anormal de instabilidade na respetiva circulação, exponencialmente agravado na execução de manobras como as de ultrapassagem e condução a velocidades superiores a 90 kms/hora;

51. Com a violência da colisão no pesado, a projeção dos passageiros que circulavam sem cintos de segurança sobre os que iam sentados à sua frente agravou o risco de morte destes e necessariamente contribuiu para a ocorrência da mesma;

52. O veículo ..-PX-.. circulava com pelo menos um dos pneus com relevo liso, vulgo “careca”;

53. O atrelado não estava coberto pelo contrato de seguro em causa nos autos;

54. Aquando do acidente, o réu AA viajava alguns quilómetros à frente da ..-PX-.., a conduzir uma outra viatura também carregada de emigrantes, cada um dos quais lhe pagava também um montante de, pelo menos, 100,00€ por tal serviço;

55. Em consequência do acidente, correu termos em França um processo-crime (procés-verbal n.º 15...7/00...4/2016 RR BR ...) contra o réu e também contra o condutor BB, seu sobrinho e condutor do veículo, à ordem do qual os mesmos foram presos preventivamente e indiciados pela prática de vários crimes, dentre eles os de (1) homicídio involuntário por infração manifestamente deliberada de uma obrigação de segurança e prudência, (2) circulação de veículo em condições ilegais atenta a finalidade para o qual o mesmo se encontrava licenciado, (3) circulação de veículo a motor, com os pneus sem tela, lisos ou “carecas”;

56. O contrato de seguro foi outorgado com a intervenção de um mediador escolhido pela autora, com poderes de representação, o qual tem domicílio profissional em ..., que é um concelho vizinho de ..., onde reside o segurado;

57. O réu AA procedia a publicitação da sua atividade profissional em diversos locais da região;

58. O veículo seguro foi vistoriado pelo mediador;

59. O veículo objeto deste contrato de seguro foi anteriormente seguro pela aqui autora em nome do seu anterior proprietário SS;

60. A autora conhecia as condições técnicas do veículo seguro, tal como declaradas na proposta contratual;

61. Foi o réu AA quem compareceu na agência do interveniente DD para proceder à alteração da proposta da apólice com inclusão nela da carrinha PX;

62. Aos 27/08/2015, aquando da proposta de seguro para cobertura dos riscos de circulação da carrinha Mercedes FB, esta foi vistoriada a mando da autora, por perito “ad-hoc” e na presença do ora chamado, porquanto estavam a ser propostas coberturas facultativas;

63. À vista, este veículo, no seu interior não registava qualquer tipo de alteração/adulteração;

64. Não viu que existissem quaisquer bancos adaptados no interior da carroceria para aumento de lotação de passageiros;

65. Aos 09/09/2015, aquando da subscrição de proposta de alteração da Apólice para inclusão nesta da carrinha PX, foi o interveniente DD quem a inspecionou;

66. Verificou, à vista, o estado dos vidros do veículo atenta a cobertura contratada do risco de quebra isolada de vidros;

67. Inspecionou também o interior do PX;

68. Constatou que no interior da carroceria da PX existiam bancos apenas para os seis lugares licenciados e homologados - cinco (5) para passageiros e um (1) para o tripulante;

69. Viu que inexistiam no chão da carroceria e para a traseira da segunda e última fila de bancos quaisquer outros bancos suplementares, adaptados e clandestinos;

70. Nem viu sinais, no chão da carroceria, de quaisquer calhas ou outros artefactos que pudessem indiciar a existência, ali, de bancos suplementares e ilegais;

71. Nem viu que a carrinha na traseira dispusesse ganho e bola para acoplar reboque.

72. O interveniente DD sabia, aquando da contratação do seguro e alteração da Apólice com inclusão do PX, que o réu trabalhara num lar de idosos;

73. A par com a sua irmã CC, também funcionária no mesmo lar;

74. O Réu declarou ao interveniente DD que fazia o seguro, no caso, a alteração à Apólice, na qualidade de dono do PX;

75. Declarou que era/seria o condutor habitual do veículo;

76. O Réu declarou que as respostas inseridas no impresso correspondiam em absoluto à verdade;

77. Declarou que não ocultou qualquer informação suscetível de influir na decisão da autora quanto ao seguro proposto;

78. Mais declarou estar ciente da sua obrigação de fornecer com exatidão todas as circunstâncias que conhecesse e razoavelmente tivesse por significativas para apreciação do risco pelo segurador – no caso a autora – ainda que tais circunstâncias não viessem contempladas/indicadas nos vários campos do impresso;

79. E declarou também estar ciente da obrigação de, durante a vigência do contrato, proceder à comunicação de quaisquer alterações às circunstâncias e ao risco do contrato;

80. E declarou ainda que recebeu exemplar das Condições Gerais e Especiais da modalidade contratual subscrita bem como recebeu toda a informação précontratual legalmente prevista;

81. O interveniente DD é mediador de seguros legalmente inscrito;

82. A inerente responsabilidade civil profissional emergente do exercício da sua atividade de mediador de seguros está a coberto de contrato de seguro titulado pela Apólice ...87;

83. O contrato foi celebrado com a Açoriana Seguros, agora integrada na seguradora Seguradoras Unidas, S.A.;

84. O contrato garante, de acordo com as Condições Gerais e Particulares, as indemnizações que legalmente sejam exigíveis ao segurado, com fundamento em responsabilidade civil, por danos patrimoniais e ou não patrimoniais causados a terceiros decorrentes de ações ou omissões ocorridas no exercício da atividade profissional do segurado na sua qualidade de mediador de seguros;

85. A este contrato de seguro, nos termos acordados, é aplicável uma franquia contratual, a cargo do segurado, de «10 por cento sobre o valor de cada sinistro, com um mínimo de 500,00€»;

86. O artigo 2º das Condições Gerais da apólice deste contrato, relativamente ao “objeto do contrato”, dispõe: “[o] presente contrato tem por objecto a garantia da responsabilidade civil profissional emergente da actividade do segurado, na sua qualidade de Mediador de Seguros, nos termos da legislação especial aplicável»;

87. O artigo 3º/1, relativo às “garantias do contrato”, dispõe: «[o] contrato garante, até aos limites fixados nas Condições Particulares e de acordo com o estabelecido nas Condições Gerais da Apólice, as indemnizações que legalmente sejam exigíveis ao Segurado, com fundamento em responsabilidade civil por danos patrimoniais e/ou não patrimoniais causados a terceiros, decorrentes de acções ou omissões ocorridas no exercício da actividade profissional do segurado na sua qualidade de Mediador de Seguros»;

88. O artigo 5º/k), relativo às “exclusões”, dispõe que se consideram excluídos do âmbito de garantia do contrato «[os] danos causados às empresas de seguros bem como aos Mediadores de Seguros em nome e por conta dos quais exerça a sua actividade».


E foi julgado não provado:

1. Veio a A. a saber após 25 de Março de 2016 que o réu, quando e a partir do momento em que propôs a substituição de viatura objeto do seguro, não era nem continuou a ser o proprietário/dono da mesma;

2. Nem era o condutor habitual da mesma;

3. A viatura com a matrícula ..-PX-.. pertencia, à data em que à ora A. foi apresentada a proposta de seguro e à data de 23 de Março de 2016, continuava a pertencer a CC;

4. As viaturas “PX” e Mistubishi tinham como condutor habitual apenas interveniente BB;

5. O veículo “PX” dispusesse de mais de 12 assentos (13 assentos) e que houvesse mais que 3 assentos sem cinto de segurança;

6. As demais viaturas com que operava o seu negócio se encontravam registadas em nome de pessoas diversas, precisamente para evitar que a autora pudesse sequer desconfiar da utilização de 3 veículos de passageiros para fins estritamente “particulares”;

7. O condutor BB já havia sido detetado antes pela polícia francesa em excesso de velocidade por 14 vezes pelo menos, durante o período compreendido entre 24 de março de 2015 e 24 de março de 2016, a efetuar a mencionada viagem, a última das quais a 17 de março de 2016;

8. O mediador de seguros da autora tinha conhecimento que o réu AA se dedicava profissionalmente à atividade de transporte oneroso de pessoas entre a Suíça e Portugal;

9. Qualquer habitante daquela região de ... e ... tinha conhecimento que o réu AA se dedicava profissionalmente à atividade de transporte oneroso de pessoas entre a Suíça e Portugal;

10. O réu AA já tinha transportado familiares e amigos do mediador de seguros;

11. O mediador tinha pleno conhecimento que o veículo tinha as três filas de bancos e que tinha um gancho para proceder ao reboque de atrelados;

12. E conhecia igualmente a atividade profissional a que se dedicava o seu segurado;

13. O chamado pediu ao réu a sua carta de condução, cartão de identificação, número

de contribuinte, documento único automóvel da PX e ficha da última inspeção realizada, e verificou e examinou todos estes elementos documentais;

14. Constatou que a ficha de inspeção do veículo se encontrava válida e constatou também que a viatura em causa se encontrava no registo automóvel inscrita em favor da co-chamada CC;

15. O Réu transmitiu naquele momento ao ora chamado que adquirira por compra e venda a carrinha PX à sua irmã CC;

16. O ora chamado solicitou junto do Réu que tão urgente quanto possível averbasse o veículo em seu nome na Conservatória do Registo Automóvel e viesse entregarlhe documento que o demonstrasse;

17. Não obstante sucessivas insistências telefónicas do ora chamado junto da CC para que diligenciasse no sentido da regularização do registo, a verdade é que até à data em que ocorreu o sinistro tal não veio a ocorrer;

18. O ora chamado, com este intuito, insistiu telefonicamente junto da proprietária inscrita porque o réu/tomador do seguro se ausentou entretanto para o estrangeiro;

19. O chamado tomou conhecimento através da comunicação social, e imediatamente após o trágico acidente de 24/03/2016, de que neste interviera a carrinha PX;

20. O chamado apenas tomou conhecimento após o acidente de que o réu utilizara naquele fatídico percurso o PX no transporte clandestino e oneroso de passageiros;

21. E que o PX vinha a circular com 12 passageiros, emigrantes, a bordo;

22. E que o Réu, para tanto, tinha transformado/adulterado a carrinha adaptando no seu interior e no chão da carroçaria, duas filas de bancos não homologados;

23. E que o PX, no local dia e hora do acidente, era tripulado pelo jovem BB, com 19 anos de idade e titular de carta de condução emitida aos .../11/2014;

24. E que o PX, na ocasião, circulava com um atrelado acoplado na sua traseira;

25. Desconhece se o réu, à data do trágico acidente, vinha exercendo a titulo oneroso, lucrativo e clandestino e não licenciado o transporte de passageiros emigrantes, na afirmativa desde quando e com que veículo ou veículos e em que circunstâncias;

26. O chamado, depois de ter inspecionado o PX, nunca mais tornou a ver o veículo; 27. Nem o Réu;

28. Muito menos o falado BB, pessoa que, aliás, nem sequer conheço;

29. O chamado, antes do acidente de 24/03/2016, jamais teve conhecimento de que o Réu exercesse ilegal e clandestinamente o transporte, neste caso, internacional de passageiros;

30. Nunca teve conhecimento de que familiares e ou amigos seus tivessem viajado na carrinha PX ou em qualquer outro meio de transporte do Réu AA;

31. Nunca o Réu informou o chamado que iria dar ao PX um uso e destino que não fosse particular;

32. Mormente que iria utilizá-lo para transporte internacional, oneroso e lucrativo de passageiros, nomeadamente de emigrantes, de Portugal para outro País e no percurso inverso;

33. E que o PX iria circular com um atrelado acoplado à traseira;

34. O chamado, no momento da subscrição da proposta de alteração, advertiu o Réu de que tinha de responder com verdade a todas as questões colocadas, sob pena da seguradora não responder pelo objeto seguro;

35. O Réu nunca mais se dirigiu ao estabelecimento do chamado;

36. Se o Réu tivesse, na altura da outorga da proposta, informado o chamado que ia dar à carrinha um uso diferente do uso pessoal, mormente que iria utilizá-la no âmbito da atividade comercial de transporte oneroso, internacional de pessoas, ainda que servindo-se apenas da lotação homologada para a carrinha, recusaria desde logo a subscrição da proposta.


Fundamentação de direito.

São duas as questões que emergem das conclusões da Recorrente e que nos cumpre resolver:

- Se a Recorrente pode opor aos lesados e ao FGA a nulidade do contrato de seguro;

- Interpretação da lei nacional conforme o direito comunitário.


O Réu AA e a Autora/recorrente celebraram um contrato de seguro de Responsabilidade Civil Automóvel, de cobertura dos riscos advenientes da circulação do veículo Mercedes Benz, modelo SPRINTER 318 CDI/37 TA, Diesel, com a matrícula ..-PX-.., em vigor a partir de 09.09.2015.


Posteriormente à celebração do contrato de seguro, (o seu alegado proprietário e condutor habitual), o Réu alterou a lotação o veículo (dotando-o da lotação de 9 e 12 lugares) e passou a circular com o mesmo atrelando um reboque (um atrelado da marca HUMBAUR, com a matrícula FR3...14 e com o peso bruto de 1.300 Kgs), permitindo que o seu sobrinho (o interveniente BB) o conduzisse, tendo apenas 19 anos de idade, sendo portador de carta de condução categoria “B”, que lhe permitia conduzir apenas viaturas que transportassem um máximo de 9 passageiros e que puxassem atrelado com peso bruto não superior a 750 Kgs.


No dia 24.03.2016, o veículo, conduzido pelo interveniente BB colidiu frontalmente com outro veículo, provocando a morte a 12 cidadãos portugueses emigrantes que nele se faziam transportar da Suíça com destino a Portugal contra o pagamento de um preço ao réu AA.


A sentença de 1ª instância considerou o contrato nulo, mas que a nulidade do contrato é inoponível ao FGA e aos lesados. Ponderou para tanto:

“(…) em face da factualidade provada, sendo ele o detentor/possuidor do veículo segurado, que afetou ao exercício da sua atividade clandestina de transporte internacional de passageiros e mercadorias, podendo celebrar o contrato de seguro (cfr. artigo 6º/2 do SORCA), sempre teria interesse na sua celebração.

A questão que se coloca é a de saber se, nos termos do artigo 43º/1 do RJCS, tal interesse é «digno de proteção legal relativamente ao risco coberto».

A este respeito não podemos descurar que o réu omitiu na declaração inicial de risco que destinava o veículo seguro  à atividade clandestina, por não declarada nem licenciada perante qualquer entidade, de transporte internacional de pessoas e mercadorias.

Ao omitir tal declaração determinou, de forma essencial, que a seguradora autora passasse a cobrir o risco decorrente da utilização e circulação do veículo no transporte clandestino internacional de pessoas e mercadorias. Será que tal interesse é digno de proteção legal, isto é, permite ao tomador do seguro e segurado socorrer-se dos meios coercitivos normais para fazer valer os seus direitos patrimoniais?

Parece-nos que a resposta só pode ser negativa. Na verdade, como é de parecer  o Prof. Pedro Romano Martinez, o seguro de um veículo é nulo sempre que se pretende garantir o pagamento de danos decorrentes do risco de uma atividade ilícita. O risco de uma atividade ilícita não corresponde a um interesse digno de proteção legal.

(…)

Ora, tendo o réu proposto a celebração de um contrato de seguro tendo por objeto  os riscos decorrentes da circulação de um veículo automóvel por ele afetado ao exercício de  uma atividade ilegal, parece-nos manifesto que o risco coberto, que no fundo é um risco de uma actividade ilegal, não reflete um interesse digno de protecção legal e, consequentemente, que o contrato é nulo.

A nulidade e a anulabilidade do contrato, nos termos dos artigos 286º e 287º do Código Civil, independentemente da questão da sua oponibilidade a terceiros, produzem efeitos inter partes.

E que “ o SORCA (seguro obrigatório de responsabilidade civil) permite à seguradora/ autora opor aos terceiros lesados, nos termos do artigo 22º, a nulidade decorrente da falta de interesse do tomador do seguro ou do segurado na celebração do contrato, bem como a nulidade e a anulabilidade do contratode seguro determinada por erro negocial.


Considerou a sentença que  a norma do art. 22º do DL nº 291/2207 de 21.08., ( regime jurídico do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel) é incompatível com o direito europeu, concretamente as cinco Directivas comunitárias que visam garantir que as vítimas de acidentes causados por veículos com estacionamento habitual no território da Comunidade beneficiem de tratamento comparável, seja qual for o local em que ao acidente ocorra, e, em consequência, decidiu que a invalidade do contrato é inoponível ao FGA e aos lesados.


A Relação de Coimbra, para onde recorreu de apelação a Autora suscitou a título prejudicial, decisão pelo Tribunal de Justiça da União Europeia quanto à seguinte questão:

O direito comunitário, designadamente a diretiva 2009/103/CE do Parlamento e do Conselho opõe-se a uma legislação nacional que permite a oponibilidade aos terceiros lesados e ao Fundo de Garantia Automóvel da nulidade de um contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel quando tal nulidade decorra da circunstância do tomador de seguro destinar a circulação do veículo objeto do contrato ao exercício de transporte oneroso e clandestino de pessoas e mercadorias e haja ocultado tal finalidade à seguradora? Mesmo na circunstância dos passageiros conhecerem a clandestinidade desse transporte?”


O TJUE, por acórdão datado de 13/10/2021, reformulando as questões submetidas à sua análise, concluiu que:

O artigo 3º, primeiro parágrafo, e o art 13º, 1, da Directiva 2009/103/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 16 de setembro de 2009, relativa ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis e à fiscalização do cumprimento da obrigação de segurar esta responsabilidade, devem ser interpretados no sentido de que se oporem a uma legislação nacional que tem por efeito que seja oponível aos terceiros lesados de um acidente de circulação de veículos automóveis a nulidade do contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel resultante do exercício, pelo tomador de seguro, de uma actividade comercial de transporte internacional não licenciado e das omissões ou das falsas declarações por ele prestadas à companhia de seguros no momento da celebração desse contrato, mesmo que os terceiros vitimas do acidente fossem passageiros que não podiam ignorar essa falta de licenciamento.”


Na sequência, a Relação de Coimbra, por acórdão de 08.03.2022, julgou improcedente a apelação, decisão que fundamentou nos termos seguintes:

“As decisões do Tribunal de Justiça da União Europeia, em casos de reenvio prejudicial para efeitos de interpretação, vinculam os tribunais internos dos Estados-Membros», (Acórdão do STJ de 27.11.2018 (Cabral Tavares).

Na situação dos autos, em função do Decisão do TJUE, proferida a 13/10/2021, a titulo prejudicial, no âmbito dos mesmos, o presente Tribunal resulta autorizado a desaplicar o direito interno contrário ao direito da União declarado nesse acórdão, pelo que se conclui que a nulidade do contrato de seguro em causa nos autos é inoponível aos lesados e ao FGA, com a consequente improcedência da apelação.

Solução esta que prejudica a apreciação das questões colocadas pelo R/apelado na ampliação do objecto do recurso a que procedeu, desde logo pelo carácter subsidiário que, por definição, esse mecanismo recursório comporta.”


Continuando inconformada, a Autora, na revista que interpôs defende no essencial: i) as Directivas não são de aplicação directa nas relações entre particulares, não podendo o reenvio prejudicial funcionar com meio de obviar à negação desse efeito directo, ii) não há qualquer risco de as vítimas não serem indemnizadas dada a existência do Fundo de Garantia Automóvel.

Vejamos.


Encontra-se definitivamente decidido que o contrato de seguro celebrado entre a Recorrente e o Réu AA é nulo.

O art. 22º do DL nº 291/2007, de 21.08, que manteve a redacção do art. 14º do DL nº 522/85 de 31.12, que aprovou o regime do sistema de seguro obrigatório, estatui no art. 22º que “para além das anulabilidades que sejam estabelecidas no presente decreto-lei, a empresa de seguros apenas pode opor aos lesados a cessação do contrato nos termos do nº1 do artigo anterior, ou da sua resolução ou nulidade, nos termos legais e regulamentares em vigor, desde que anteriores à data do acidente.”

Perante a redacção da norma citada, está consagrado na jurisprudência no STJ o entendimento de que o art. 22º prevê, de modo diferenciado, a relevância das anulabilidades e das nulidades da relação contratual, e que só a nulidade pode ser oposta aos lesados em acidente de viação, e não já a anulabilidade (cf. Acórdãos de 8.12.2002 (P. 389/02), de 3.09.2004 (P.2326/04), de 18.11.2004 (P. 3374/04), de 03.03.2005 (P. 1657/04), de 02.01.2010 (P.71/02), e de 09.07.2015 (P. 487/09).


No sumário deste último acórdão diz-se expressamente:

 “A nulidade do contrato de seguro, diferentemente da anulabilidade, é oponível ao lesado, porque contemporânea à celebração do contrato – art. 14º do DL nº 522/85).”


As instâncias afastaram tal resultado por o mesmo ser incompatível com o direito europeu em matéria de responsabilidade civil automóvel, e é contra este entendimento que se insurge a Recorrente.


É sabido que o art. 8º, nº4 da Constituição da República consagra o chamado princípio do primado da União Europeia.


O Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), prevê no art. 288º o tipo de actos jurídicos mediante os quais as instituições europeias exercem as suas competências, entre os quais, o regulamento e a directiva.

Ali se diz que “o regulamento tem carácter geral. É obrigatório em todos os seus elementos e directamente aplicáveis em todos os Estados-Membros.”

Como refere Ana Maria Guerra Martins, Manual de Direito da União Europeia, pag. 498, “o regulamento é o instrumento normativo da União que mais se assemelha à lei a nível interno, por força da generalidade, da abstração e da eficácia erga omnes.”


Diferentemente, a “directiva vincula o Estado-Membro destinatário quanto ao resultado a alcançar, deixando, no entanto, às instâncias nacionais a competência quanto à forma e aos meios”, (art. 288º, nº3).

Os Estados têm o dever de proceder à transposição das directivas para o direito interno. A escolha do tipo de acto destinado a implementar a directiva releva do sistema jurídico de cada Estado, sendo que em Portugal o art.1122º, nº8 da CRP, impõe que a transposição dos actos jurídicos da União para a ordem jurídica interna assuma a forma de lei, de decreto-lei ou de decreto legislativo regional.

As directivas comunitárias não produzem efeitos directos horizontais, ou seja, não podem ser invocadas contra particulares ( J.C. Moitinho de Almeida, Contrato de Seguros Estudos, pag. 223).

Afastada a aplicação directa das directivas nas relações entre particulares, importa saber se o reenvio prejudicial é apto a obviar à negação daquele efeito directo.

Através do chamado reenvio prejudicial, mecanismo previsto no art. 267º do TFUE, o tribunal nacional pode submeter ao Tribunal de Justiça questões de interpretação ou de validade do Direito da União que sejam relevantes para a boa decisão da causa, pois que lhe compete assegurar o primado, ou seja, dar prevalência ao Direito da União.

Como referido no Acórdão do STJ de 20.01.2010 (P. 346/1998), “esta vertente do reenvio prejudicial diz respeito a interpretação e, conforme as regras gerais, a interpretação duma norma integra-se nela. Vem, então, novamente ao de cima a primazia do direito comunitário, agora na sua vertente de integração interpretativa. As decisões, assim tomadas, pelo TJ têm um alcance geral, de sorte que os tribunais nacionais são obrigados ao acatamento e sentido e alcance que elas conferiram à norma comunitária (Fausto Quadros e Ana Maria Guerra, Contencioso da União Europeia, João Mota de Campos e João Luiz Mota de Campos, Manual de Direito Comunitário, Inês Quadros, A Função Subjectiva  e a Competência Prejudicial do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, 49, Vital Moreira e Gomes Canotilho, anotação XXIII ao art. 8º da Constituição, e Moitinho de Almeida, Estudo, pag. 17, disponível em Estudos Jurídicos, no site do STJ).

Vital Moreira e Gomes Canotilho, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, pag. 271, referem:

“Os tribunais nacionais (…) eventualmente, poderão enviar ao TJCE as questões de interpretação e de validade do direito comunitário, nos termos previstos nos tratados (questão prejudicial). Mas uma vez esclarecidas as questões de validade e de interpretação das normas comunitárias, só há que as fazer prevalecer sobre o direito interno, sem escrutinar a sua conformidade com a Constituição.”

O acórdão do STJ de 27.11.2018, CJ/STJ, III, pag. 126, decidiu:

Por força do primado do direito comunitário sobre o direito nacional ( nº4 do art. 8º da Constituição, “as decisões do Tribunal de Justiça da União Europeia, em casos de reenvio prejudicial para efeitos de interpretação, vinculam os tribunais internos dos Estados-membros”.

Lê-se na fundamentação deste aresto:

o princípio da interpretação conforme mostra-se particularmente relevante em matéria de directivas, já que tal princípio determina que “ao aplicar o direito nacional, quer se trate de disposições anteriores quer posteriores à directiva, o órgão jurisdicional chamado a interpretá-lo é obrigado a fazê-lo, na medida do possível, à luz do texto e da finalidade da directiva, para atingir o resultado por ela prosseguido e cumprir desta forma o art. 288º do TFUE” (ATJ de 10.04.1984, Von Kolson e Kamann 14/83 (…), desde modo se alcançando, como assinalado na doutrina, um efeito directo indirecto, suprindo, em grau variável, a ausência de efeito directo horizontal da directiva.”

Revertendo ao caso dos autos.

O TJ, em sede de reenvio prejudicial, entendeu que o   artigo 3º, primeiro parágrafo, e o art 13º, 1, da Directiva 2009/103/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 16 de setembro de 2009, relativa ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis e à fiscalização do cumprimento da obrigação de segurar esta responsabilidade, devem ser interpretados no sentido de que se oporem a uma legislação nacional que tem por efeito que seja oponível aos terceiros lesados de um acidente de circulação de veículos automóveis a nulidade do contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel resultante do exercício, pelo tomador de seguro, de uma actividade comercial de transporte internacional não licenciado  e das omissões ou das falsas declarações por ele prestadas à companhia de seguros no momento da celebração desse contrato, mesmo que os terceiros vitimas do acidente fossem passageiros que não podiam ignorar essa falta de licenciamento.”

Á luz dos elementos doutrinais e jurisprudenciais citados, não vemos como não acompanhar o acórdão recorrido quando entendeu ser de desaplicar o direito interno, por contrário ao direito da União e que a nulidade do contrato de seguro em causa nos autos é inoponível aos lesados e ao FGA.

Sustenta ainda a Recorrente não há qualquer risco de os lesados não serem ressarcidos dada a existência do Fundo de Garantia Automóvel e que o legislador, para assegurar a plena garantia da proteção daqueles, optou por distribuir o cumprimento da mesma, entre o Segurador nacional, e o Fundo de Garantia Automóvel, entidade pública, integrada na orgânica do estado membro.

Nos termos do art. 47º, nº1, do DL nº 291/2007, “a reparação dos danos causados por responsável desconhecido ou isento da obrigação de seguro em razão do veículo em si mesmo, ou por responsável incumpridor da obrigação de seguro de responsabilidade civil automóvel, é garantida pelo Fundo de Garantia Automóvel.”

Com a criação do FGA, o legislador pretende garantir que o lesado de um acidente de viação não fica desprovido da indemnização que lhe é devida.

Importa referir, no entanto, que o FGA surge, não como devedor de qualquer indemnização, mas como garante do pagamento da indemnização devida ao lesado. Por outras palavras, enquanto pilar (um dos pilares) em que assenta a função social do seguro (máxima protecção das vítimas dos acidentes de viação), o FGA tem por objectivo a garantia da indemnização às vítimas de acidentes de viação nos casos legalmente previstos (Ac. STJ de 02.03.2023, P. 3621/19.4T8VR.P1.S1).

Ora dado que o FGA é um obrigado subsidiário, a inoponibilidade da invalidade do contrato de seguro aos lesados e àquele, conduz à não responsabilização do FGA  pelas indemnizações devidas pelo acidente em causa nos autos.


Nestes termos improcedem as conclusões da Recorrente, o que conduz ao naufrágio do recurso.


Decisão.

Pelo exposto, nega-se a revista e confirma-se o acórdão recorrido.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 20.06.2023


Ferreira Lopes (relator)

Manuel Capelo

Nuno Ataíde das Neves