Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
03A1441
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: RIBEIRO DE ALMEIDA
Descritores: ARRENDAMENTO
INDEMNIZAÇÃO
BENFEITORIA
MATÉRIA DE FACTO
MATÉRIA DE DIREITO
Nº do Documento: SJ200306030014411
Data do Acordão: 06/03/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL GUIMARÃES
Processo no Tribunal Recurso: 1123/02
Data: 12/18/2002
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Sumário : I - O benfeitorizante pode levantar as benfeitorias úteis e as necessárias que tenha incorporado na coisa logo que possam ser separadas sem detrimento. O quantitativo da indemnização quando for devida, será fixada segundo as regras do enriquecimento sem causa - Artigo 473 n.º 1 do Código Civil.
II- Há matéria de direito sempre que, para se chegar a uma solução, há a necessidade de recorrer a uma disposição legal, ainda que se trate da interpretação de uma simples palavra da lei; há matéria de facto quando o apuramento das realidades se faz à margem da aplicação directa da lei, por averiguação de factos cuja existência ou não existência não depende da interpretação a dar a qualquer norma jurídica.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

No Tribunal Judicial da Comarca de Braga, a A, intentou acção com processo ordinário contra a B, Investimentos Turísticos, S.A., representada pelo Administrador de Falência Dr. C, formulando os seguintes pedidos:

Fosse decretada a resolução do contrato de arrendamento vigente entre A e Ré, tendo por objecto o imóvel denominado Palácio ou Castelo de D. Chica, sito em Palmeira, Braga, prédio misto, composto de três casas, sendo uma de rés-do-chão e 1° andar, área coberta de 110 m2, outra de rés-do-chão, área coberta de 90 m2 e quintal com 500 m2 e outra de rés-do-chão com área coberta de 380 m2 e terreno de cultura, ramada, olival, fruteiras, pinhal, eucaliptal e carvalhal, com 31.900 m2, sito em Assento, Palmeira, Braga, descrito na Conservatória de Registo Predial sob o nº 00427 - Palmeira e inscrito na matriz predial urbana de Palmeira sob os art. 394,393 e 765 na matriz predial rústica sob o art.205 (com excepção do prédio urbano sito na extremidade sul desse conjunto predial junto à Quinta de S. José bem como uma parcela de terreno com a área aproximada de 500 m2, anexa ao prédio urbano e destinada a seu logradouro, inscrito na matriz sob o art. 393, que não integra o arrendamento);

Fosse condenada a Ré a despejar, de imediato, esse imóvel, entregando-o à A. livre de pessoas e coisas;

Fosse condenada a Ré a pagar à A as rendas vencidas no montante de 1.650.000$00 (um milhão seiscentos e cinquenta mil escudos), referentes aos meses de Junho/98 a Abril/99 e ainda as vincendas até ao trânsito em julgado da sentença a proferir, bem como uma quantia de 300.000$00, por cada mês ou fracção dele, desde o trânsito em julgado da sentença até efectiva entrega do arrendado.

Alega para tanto que é proprietária do imóvel denominado Palácio ou Castelo de D. Chica, sito em Palmeira, Braga, prédio misto, composto de três casas, sendo uma de rés-do-chão e 1.º andar, área coberta de 110 m2, outra de rés-do-chão, área coberta de 90 m2 e quintal com 500 m2, e outra de rés-do-chão com área coberta de 380 m2 e terreno de cultura, ramada, olival, fruteiras, pinhal, eucaliptal e carvalhal, com 31.900 m2, sito em Assento, Palmeira, Braga, descrito no Conservatória do registo Predial sob o n.º 00427 - Palmeira e inscrito na matriz predial urbana de Palmeira sob os art. 394, 393 e 765 e na matriz predial rústica sob o art. 205, que a propriedade de tal conjunto predial adveio à A., mediante aquisição, em 29/05/98, em hasta pública nos autos de execução ordinária n.º 531/94 do 2.º Juízo Cível desta comarca em que era exequente a ora A. e executadas a Junta de Freguesia de Palmeira e outros, que por Escritura Pública lavrada em 26/02/91, no Primeiro Cartório Notarial de Braga, a anteproprietária desse imóvel, a Junta de Freguesia de Palmeira, deu de arrendamento a B, Investimentos Turísticos, S.A., então com sede na R. de S. Sebastião, 76 e 84 em Braga, esse imóvel, com excepção do prédio urbano sito na extremidade sul desse conjunto predial junto à Quinta de S. José, bem como uma parcela de terreno com a área aproximada de 500 m2, anexa ao prédio urbano e destinada a seu logradouro. Inscrito na matriz sob o art. 393, sendo certo que o Imóvel referido foi destinado a construção e exploração de um empreendimento de animação turística.
A renda anual fixada foi de Esc. 1.800.000$00, pagável em duodécimos no domicílio do senhorio, e que B, Investimentos Turísticos, S.A., foi declarada falida por sentença de 5/01/94, proferida nos autos de falência 31/37 do 1.º Juízo Cível de Braga, devidamente transitada em julgado.
A Ré não pagou à A. as rendas relativas aos meses de Junho de 1998 a Abril de 1999, e que, depois de um período inicial de seis meses que se seguiu à declaração de falência referida, em que cedeu a terceiro a exploração do estabelecimento comercial lá instalado, a Ré mantém o arrendado completamente encerrado há mais de um ano, não exercendo nele, por si ou por intermédio de terceiro, qualquer actividade.

Na contestação, a Ré alega que as rendas estão pagas até Outubro de 1998, conforme documento que junta a fls. 110), e as rendas desde Novembro de 1998 até à data da contestação não foram pagas por motivos que apenas dizem respeito à A., já que a Ré nunca foi notificada de que a A. se tornou proprietária do arrendado e, em consequência, nunca foi notificada para pagar qualquer renda, nem do tempo, modo e local onde teria que cumprir essa obrigação.
Nesta data fez o depósito das rendas peticionadas acrescida da indemnização legal, conforme documento que protesta juntar.

Sustenta ser falso que a Ré não exerça no arrendado qualquer actividade por si ou por terceiro, citando diversos eventos realizados no locado, sustentando também que, mesmo que tal fosse verdade, como a B foi declarada falida, tal configura a situação de força maior prevista no art. 64 n.º 1 h) do R.A.U.
Deduz pedido reconvencional de Esc. 650.000.000$00, pedindo que a Ré seja condenada a pagar-lhe essa quantia que é a diferença entre o valor do imóvel à data do arrendamento e o valor actual resultante das benfeitorias realizadas pela Ré e que não podem ser retiradas sem detrimento da coisa, pois que quando a Ré tomou de arrendamento o imóvel este estava reduzido ás paredes, sendo uma edificação nunca terminada, tendo sido a Ré a acabar a construção do edifício e a realizar nele diversas benfeitorias que excedem em muito o valor do edifício à data do contrato de arrendamento.

A acção veio a ser julgada procedente e a reconvenção procedente, mas parcialmente.

Inconformada com tal decisão dela apelou a Autor, tendo a Relação de Guimarães julgado procedente o recurso absolvendo a Autora do pedido reconvencional.

Agora recorre a Autora para este Supremo, e alegando, formula estas conclusões:

1. Deve o douto Tribunal de Revista proceder à fiscalização das alterações promovidas pelo Tribunal Recorrido, no que concerne à matéria de facto.
A expressão "benfeitorias que não podem ser levantadas sem detrimento da coisa" foi utilizada no sentido corrente da linguagem comum e é inteligível por qualquer dos intervenientes no processo, sendo certo que a distinção entre o que é facto ou matéria de facto e o que é direito ou matéria de direito, tem de ser feita em cada caso concreto.
Nos presentes autos, atenta a matéria em discussão e as aptidões sócios - profissionais de todos os intervenientes a expressão referida deve ser considerada como não consubstanciando matéria de direito e, em consequência ser mantida como decidido em primeira instância.

2. O Tribunal de primeira instância decidiu correctamente ao responder ao quesito 11°, atribuindo ao imóvel objecto da presente acção, o valor de € 249.398,95 à data do arrendamento que aqui foi posto em crise, uma vez que determinou tal valor em função de todos os elementos de que dispunha.
Assim deve ser mantida tal resposta como consta da douta sentença de primeira instância.
Decidiu, com o devido respeito, de forma errada o douto acórdão ora em recurso, na medida em que alterou a resposta ao quesito 12° da matéria de facto.
O douto acórdão não podia promover a alteração do valor do imóvel, com a justificação de que ele se encontrava onerado com o arrendamento, uma vez que em primeira instância tinha sido ordenado o despejo do prédio e desta decisão não houve recurso.
3. Assim aquando da prolação do acórdão agora em recurso, era já matéria adquirida no processo, e transitada em julgado, a cessação da relação jurídica - arrendamento motivo pela qual esta não podia ser tida em consideração para se alterar o valor do imóvel, reduzindo-o.

4. Não aceites as alterações à matéria de facto promovida pelo Tribunal da Relação deve confirmar-se na íntegra a sentença de primeira instância por ter decidido conscientemente, por ter matéria suficiente para tanto, e por a ter correctamente ponderado.
O Tribunal quantificou as benfeitorias pelo facto de as ter qualificado como úteis e necessárias que não podiam ser levantadas sem detrimento do imóvel.

5. A entender-se que nos autos não existiam elementos suficientes para se proceder a uma liquidação do valor das benfeitorias, reclamado em sede de reconvenção, então deveria decidir-se que os autos tinham de descer para ampliação da matéria de facto, de forma a constituir-se base suficiente para a decisão, nos termos previstos no art. 712° do C.P.C.

6. A entender-se em sentido diverso do que para trás vai dito, então, porque para tanto há elementos suficientes nos autos deve decidir-se pela absolvição da instância e não do pedido, relativamente ao pedido reconvencional.

7. Uma vez reconhecido que foi em primeira instância, e posteriormente no douto acórdão recorrido, que houve enriquecimento da recorrida, que há lugar ao pagamento de uma indemnização por benfeitorias, não pode decidir se no sentido de sufragar esse enriquecimento, através de uma conclusão de consequências perversas e contrária a toda a sedimentação da própria noção do que é "Direito".
Uma vez dado como provado o enriquecimento e a obrigação de indemnizar, se se entende que não é possível determinar o "quantum" então deve decidir-se que a liquidação se faça em execução de sentença.

Nas suas contra alegações defende a recorrida que o recurso não merece ser provido.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Os Factos

1. A Autora é proprietária do imóvel denominado Palácio ou Castelo de D. Chica, sito em Palmeira, Braga, prédio misto, composto de três casas, sendo uma de rés-do-chão e 1.º andar, área coberta de 110 m2, outra de rés-do-chão, área coberta de 90 m2 e quintal com 500 m2, e outra de rés-do-chão com área coberta de 380 m2 e terreno de cultura, ramada, olival, fruteiras, pinhal, eucaliptal e carvalhal, com 31.900 m2, sito em Assento, Palmeira, Braga, descrito no Conservatória do registo Predial sob o n.º 00427 - Palmeira e inscrito na matriz predial urbana de Palmeira sob os art.ºs 394, 393 e 765 e na matriz predial rústica sob o art. 205.

2. A propriedade de tal conjunto predial adveio à A., mediante aquisição, em 29/05/98, em hasta pública nos autos de execução ordinária n.º 531/94 do 2.º Juízo Cível desta comarca em que era exequente a ora A. e executadas a Junta de Freguesia de Palmeira e outros.

3. Por Escritura Pública lavrada em 26/02/91, no Primeiro Cartório Notarial de Braga, a anteproprietária desse imóvel, a Junta de Freguesia de Palmeira, deu de arrendamento a B, Investimentos Turísticos, S.A., então com sede na R. de S. Sebastião, 76 e 84 em Braga, esse imóvel, com excepção do prédio urbano sito na extremidade sul desse conjunto predial junto à Quinta de S. José, bem como uma parcela de terreno com a área aproximada de 500 m2, anexa ao prédio urbano e destinada a seu logradouro. Inscrito na matriz sob o art. 393.

4. O Imóvel referido foi destinado a construção e exploração de um empreendimento de animação turística.

5. A renda anual fixada foi de Esc. 1.800.000$00, pagável em duodécimos no domicílio do senhorio (Doc. de fls. 10 a 16).

6. A "B, Investimentos Turísticos, S.A.", foi declarada falida por sentença de 5/01/94, proferida nos autos de falência 31/37 do 1.º Juízo Cível de Braga, devidamente transitada em julgado (Doc. de fls. 94 e 95).

7. Em 7/06/98, a Ré procedeu ao depósito na A da quantia de Esc. 2.700.000$00, depósito esse assinalado como condicional e referente a rendas de Junho de 1998 a Maio de 1999 e indemnização, em 7/6/99 ao depósito da quantia de 150.000$00 referente a renda de Junho de 1999, depósito esse dito definitivo, em 5/07/1999, da quantia de 150.000$00, referente a renda de Julho de 1999, depósito esse dito definitivo, em 5/08/1999, da quantia de 150.000$00, referente a renda de Agosto de 1999, em 8/09/1999 da quantia de 150.000$00, referente a renda de Setembro de 1999, e em 8/10/1999, da quantia de Esc. 150.000$00, referente a renda de Outubro de 1999 (documentos de fls. 223, 224 e 225, e 234, 235 e 236).

8. Por escritura pública outorgada em 5/07/99, a Ré cedeu à Junta de Freguesia de Palmeira a exploração do estabelecimento comercial instalado no arrendado.

9. Depois de um período inicial de seis meses que se seguiu à declaração de falência referida em 6), em que cedeu a terceiro a exploração do estabelecimento comercial lá instalado, por intermédio de terceiros têm sido realizados no locado actividades esporádicas de festas e convívios, sobretudo no parque que circunda o edifício do Castelo.

10. A Ré, por si ou por intermédio de terceiro, realizou no arrendado diversos eventos, nomeadamente em 31 de Maio de 1998 a comemoração do Dia Mundial da Criança sob o patrocínio da Junta de Freguesia de Palmeira, entre os dias 9 e 14 de Junho de 1998 o encontro de escuteiros, e em 19 de Junho de 1998 o encontro da Polícia de Segurança Pública

11. A B S.A., quando tomou de arrendamento o denominado Castelo de D. Chica e terrenos circundantes, levou a cabo obras vultuosas cujo preço ultrapassou os 500.000.000$00 (Resposta Quesito 7.º).

12. Quando a B tomou de arrendamento o imóvel em apreço, este tinha apenas as paredes, sendo uma edificação não terminada

13. A B promoveu a construção do imóvel, tendo nele realizado diversas benfeitorias no valor referido em 7), (Quesito 9.º).

14. Tais benfeitorias foram feitas com o consentimento da então proprietária do imóvel, a Junta de Freguesia de Palmeira

15. O Castelo de D. Chica tinha sido adquirido pela referida Junta de Freguesia pelo valor de Esc. 19.000.000$00 (Quesito 11.º).

16. Actualmente, e por via das benfeitorias aí incorporadas pelas B S.A., o imóvel e terrenos adjacentes tem um valor de mercado não inferior a 300.000.000$00 com o esclarecimento de que este valor, atende ao facto de o imóvel se encontrar onerado com um arrendamento. (Quesito 12)

17. A Ré desde sempre soube que a A. tinha adquirido o imóvel referido na arrematação por hasta pública realizada em 29/05/98

18. O Administrador da B esteve presente no tribunal na data da arrematação em hasta pública e até ao encerramento desta

19. Logo no início de Junho de 1998 o mesmo administrador contactou um funcionário da A. e no dia 21/07/1998 compareceu nas instalações da A. à R. de Camões, no Porto, participando numa reunião com um director e funcionários da A.

20. Tal reunião teve em vista dar a conhecer à A., enquanto proprietária do imóvel, a intenção da administração da massa falida de, a breve trecho, vender o direito ao trespasse e ao arrendamento, aferir do interesse da A. em adquirir esse direito, saber da disponibilidade da A. para custear uma limpeza da mata que integra o imóvel, no intuito de obstar ao risco de incêndio

21. As actividades referidas acima em 10) foram levadas a cabo por intermédio da Junta de Freguesia de Palmeira

22. Por Acórdão de 19/03/1998, o Supremo Tribunal de Justiça confirmou o acórdão do Tribunal da Relação do Porto que tinha confirmado a sentença de 3/02/1997 do 1.º juízo do Tribunal de Círculo de Braga, a qual tinha declarado ineficaz em relação à aqui A. o trespasse efectuado entre "....., Sociedade de Empreendimentos Urbanísticos e Residenciais, Lda." e B, Investimentos Turísticos S.A., numa acção proposta pela ora Ré contra aquelas sociedades.

Decidindo:

As conclusões das alegações de recurso delimitam o seu âmbito de apreciação. A questão colocada é a da alteração das respostas dadas pelo Tribunal de 1ª Instância aos quesitos 9º, 11º e 12º
A recorrente ataca a decisão da Relação que alterou essas respostas sobre a matéria de facto, pretendendo que sejam repostas as da 1ª Instância.
Diga-se desde já que a Relação expurgou um dos quesitos de matéria de direito e adequou as outras aos elementos que tinha e, fundamentou essas alterações.
Nos termos do Artigo 722 n.º 2 e 729 do Código de Processo Civil, o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto do recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força probatória de determinado meio de prova.
Poderá, é certo, o Supremo ordenar a ampliação da matéria de facto em ordem a possibilitar uma qualquer solução plausível da questão de direito, nos termos prescrito no n.º 3 do Artigo 729 do Código de Processo Civil.
Mas diga-se desde já que nenhuma destas hipóteses se verifica no caso concreto, já que a matéria de facto fixada, não só constitui base suficiente para a decisão da questão de direito, como ainda não ocorrem contradições na decisão daquela matéria que inviabilizem a decisão jurídica do pleito.

Constitui também, de resto, jurisprudência pacífica a de que não cabe na esfera da competência do Supremo censurar o não uso pela relação dos poderes a esta conferidos pelo Artigo 712 do Código de Processo Civil. E estando em causa o juízo crítico da matéria probatória produzida em audiência, o STJ, como tribunal de revista não poderá censurar o uso feito pela Relação dos poderes que, em matéria de facto, o Artigo 712 nº 1 do Código de Processo Civil lhe confere.
Com base no disposto no Artigo 722 nº 2 do Código de Processo Civil tem vindo a jurisprudência do STJ a decidir, e de modo uniforme, que embora só a Relação tenha competência para anular as respostas do tribunal de 1ª instância à sombra do 712 nº 2 Código de Processo Civil, o STJ pode verificar se o tribunal da Relação, ao usar tais poderes anulação, agiu dentro dos limites traçados por lei para os exercer pois que, se os não observou, praticou violação da lei o que constitui matéria de direito.
Assim, na competência do STJ cabe verificar se a Relação ao usar dos poderes conferidos pelo Artigo 712 Código de Processo Civil, agiu dentro dos limites aí estabelecidos, mas já não lhe é lícito fazer censura sobre o não uso daqueles poderes - Por todos CJSTJ tomo I, pág. 124 e 2002, CJSTJ, tomo II, pág.100.
No caso que nos ocupa cabe apreciar se a Relação fez um correcto uso do prescrito no Artigo 712 do Código de Processo Civil.

Como ensina Anselmo de Castro - Lições de Processo Civil, V.III, 1966 pág. 427 a linha divisória entre o facto e o direito não tem um carácter fixo, dependendo em considerável medida não só da estrutura da norma, como dos termos da causa o que é facto ou juízo de facto num caso, poderá ser direito ou juízo de direito noutro. Os limites entre um e outro são, assim, flutuantes.
Sem dificuldade se classifica como questão de facto tudo o que se reporta ao apuramento de ocorrências da vida real, de quaisquer mudanças ocorridas no muno exterior assim como a averiguação do estado, da qualidade ou da situação real das pessoas ou das coisas.
São de classificar como matéria de direito as actuações que digam respeito à escolha das normas aplicáveis ao caso concreto, à sua interpretação, à determinação do valor da norma, à sua legalidade ou constitucionalidade, integração das lacunas da lei e à sua aplicação aos factos, assim como os efeitos da sua aplicação.
Tanto a doutrina como a jurisprudência se vêm esforçando para apresentar um critério de distinção entre matéria de facto e de direito.
Entre nós sustenta-se que há matéria de direito sempre que, para se chegar a uma solução, há a necessidade de recorrer a uma disposição legal, ainda que se trate da interpretação de uma simples palavra da lei; há matéria de facto quando o apuramento das realidades se faz à margem da aplicação directa da lei, por averiguação de factos cuja existência ou não existência não depende da interpretação a dar a qualquer norma jurídica.
No quesito 9º a Relação expurgou-o da expressão não podem ser levantadas sem detrimento da coisa. Corresponde tal expressão ao teor do n.º 2 do Artigo 1273 do Código Civil, e por isso encerra um sentido técnico-jurídico, podendo até afirmar-se que contém matéria conclusiva e é esse o tema a decidir.
Não se pode pois entender que essa expressão seja daquelas que para além do seu sentido jurídico, são usados na linguagem corrente com uma acepção perfeitamente assimilada pela generalidade das pessoas.
Seria necessário alegar quais as benfeitorias feitas no locado para que as Instâncias pudessem concluírem se poderiam ou não ser levantadas e além disso com deterioração da coisa.
Quanto aos demais quesitos que a Relação de Guimarães alterou há que dizer o seguinte. Essa alteração ocorreu por reapreciação da prova testemunhal e pericial que consta dos autos. Este Supremo não reaprecia a matéria de facto, pelo que a pretensão do recorrente nesta matéria não pode ser acolhida.
Nos termos do Artigo 722 n.º 2 e 729 do Código de Processo Civil, o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto do recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força probatória de determinado meio de prova.
No caso que nos ocupa, não se verifica esta situação. As alterações que constam dos factos provados e que se assinalou com referência aos respectivos quesitos, não pode ser apreciada e modificada por este Supremo, de modo a que se aceite as respostas dadas pela 1ª Instância uma vez que não restam dúvidas de que a expressão levantadas sem detrimento da coisa é matéria de direito e as demais alterações estão devidamente fundamentadas.

Pretende que a entender-se que não existem elementos suficientes para se proceder a uma liquidação do valor das benfeitorias deveria remeter-se os autos à 1ª Instância para ampliação da matéria de facto.

A montante desta questão está outra que é a da falta de alegação de factos de onde o tribunal pudesse concluir pelo tipo de benfeitoria levada a cabo pela recorrente. Não existindo a alegação desses factos não há possibilidade de ordenar a ampliação da matéria de facto.

O art. 216 n°1 do Código Civil define benfeitorias como sendo «todas as despesas feitas para conservar ou melhorar a coisa», mas o Código não especifica as que devam ser realizadas pelo locador para assegurar o gozo da coisa.
São benfeitorias necessárias as que têm por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa. As úteis, são as que não sendo indispensáveis aumentam o valor da coisa e as voluptuárias servem apenas para recreio do benfeitorizante.

O Artigo 1046 limita-se a afirmar que para as espontaneamente realizadas pelo locatário, e que não sejam as previstas no Artigo 1036º, que ele ficará equiparado ao possuidor de má fé. Sendo equiparado ao possuidor de má fé, o Artigo 1275 do Código Civil não lhe permite levantar as benfeitorias voluptuárias nem haver o valor delas.
O Artigo 1273 do Código Civil prescreve que:

1. Tanto o possuidor de boa fé como o de má fé têm direito a ser indemnizados das benfeitorias necessárias que hajam feito, e bem assim a levantar as benfeitorias úteis realizadas na coisa, desde que o possam fazer sem detrimento dela.

2. Quando, para evitar o detrimento da coisa, não haja lugar ao levantamento das benfeitorias, satisfará o titular do direito ao possuidor o valor delas, calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa.
Assim, incorporadas as úteis poderá levantá-las desde que não haja detrimento da coisa. Se houver terá direito indemnização, o mesmo acontecendo em relação ás necessárias. A indemnização, nestes casos será fixada segundo as regras do enriquecimento sem causa - Artigo 473 n.º 1 do Código Civil -.
Valor dessa indemnização seria o menor decorrente do custo da execução das benfeitorias e valor acrescido que delas adveio para o imóvel. Só poderia concluir-se quer pela "utilidade" das benfeitorias, quer pela impossibilidade de levantamento das mesmas "sem detrimento do imóvel" se a Ré tivesse alegado e provada cada uma das benfeitorias que, em concreto, executou.
É certo que vem provado que:

A "B S.A." quando tomou de arrendamento o denominado Castelo de D. Chica e terrenos circundantes levou a cabo vultuosas obras cujo preço ultrapassou os 500.000.000300 (quesito 7)

Quando a B tomou de arrendamento o imóvel em apreço, este tinha apenas as paredes, sendo uma edificação não terminada (quesito 9).

A B promoveu a construção do imóvel, tendo nele realizado diversas benfeitorias no valor referido em 7)
As obras seriam necessárias ao fim contratual.
Mas como se refere no Parecer junto aos Autos (Prof. Lebre de Freitas) a adaptação ao fim contratual, pelo arrendatário, para tal autorizado, não é incompatível com a noção de benfeitoria, a qual, aliás, contrariamente, à acessão, pressupõe sempre uma relação jurídica que liga o seu autor à coisa beneficiada; uma adaptação do local arrendado que não evite o seu detrimento nem o valorize senão para o fim de determinado arrendamento, não aproveitando a outras eventuais utilizações futuras, não constituirá benfeitoria necessária ou útil; mas, quando, simultaneamente, evite o detrimento da coisa arrendada ou a valorize, constitui, ao mesmo tempo, adaptação do objecto para o fim contratual e benfeitoria. Questão diversa é a de saber se, em última análise, cabe ao senhorio ou ao arrendatário suportar a benfeitoria, feita por este, de acordo com a previsão do contratual, o que passa pela interpretação do contrato", (cf. Pires de Lima A Varela Código Civil Anotado Artigo 1340).
Necessário que se tivesse alegado em que consistiram essas obras vultuosas e se as mesmas visaram evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa. Só assim se poderia chegar à conclusão de que as mesmas eram necessárias.
Ora a falta de alegação de factos não permite qualificar a benfeitoria.
Primeiro há necessidade de apurar se a recorrida deve a indemnização e caso a deva é que se pode proceder à condenação genérica do seu montante.
Nos termos do n.º 2 do artigo 661° do Código de Processo Civil, «se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade», o tribunal «condenará no que se liquidar em execução de sentença».
Por sua vez, o artigo 565° do Código Civil permite que o tribunal, no caso de a indemnização dever ser fixada em execução de sentença, condene desde logo o devedor no pagamento do quantitativo que considere provado.
Resulta que só é possível deixar para liquidação em execução de sentença a indemnização, desde que se prove a sua existência, mas não existam os elementos indispensáveis para fixar o seu quantitativo, nem sequer recorrendo à equidade.
Não estando qualificadas as benfeitorias, não se pode proceder à condenação genérica remetendo-se para a execução de sentença. A indemnização e o seu montante só podem ser determinados através da qualificação das benfeitorias e bem assim do seu valor e da mais valia que trouxeram ao arrendado.
Pretende por último a recorrente que houve erro na decisão do recurso pela Relação, na medida em que absolveu a Autora do pedido reconvencional quando devia ter absolvido da instância.
A absolvição da instância decorre do não conhecimento do pedido, ou seja, quando o tribunal não apreciando o fundo, julga procedente excepção de natureza dilatória que impede o conhecimento do pedido.
Neste caso a Relação conheceu do pedido formulado pela recorrente reconvinte obrigação pelo que se impunha a absolvição do pedido e não a da instância.
Não se tem de conhecer do recurso subordinado interposto pela recorrida nos termos do Artigo 684-A n.º 1 do Código de Processo Civil.

Face ao que se deixou exposto, acorda-se em negar a revista.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 3 de Junho de 2003
Ribeiro de Almeida
Afonso de Melo
Nuno Cameira