Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
439/08.3TTMAI.P1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: FERNANDES DA SILVA
Descritores: PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
MATÉRIA DE FACTO
RETRIBUIÇÃO DE REFERÊNCIA
TRABALHO SUPLEMENTAR
FÉRIAS
Data do Acordão: 03/16/2011
Nº Único do Processo:
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE
Área Temática: DIREITO DO TRABALHO
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Doutrina: - Jacinto Bastos e Lopes do Rego (citados por Amâncio Ferreira, in ‘Manual dos Recursos em Processo Civil’, 8.ª edição, página 274).
- Lebre de Freitas, ‘C.P.C. Anotado’, 3.º Vol., Tomo I, 2.ª edição, pg. 185.
- Monteiro Fernandes, ‘Direito do Trabalho’, 11.ª edição, pg. 449.
Legislação Nacional: CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 661.º, Nº2, 722.º, Nº3, 729.º, NºS2 E 3.
CÓDIGO DO TRABALHO/2003 (CT): - ARTIGOS 177.º, 178.º, 250.º, NºS1 E 2, A), 255.º, Nº1, 258.º, Nº3, 264.º.
LEI DE ORGANIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO DOS TRIBUNAIS JUDICIAIS (LOFTJ): - ARTIGO 33.º.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 13.7.2005, IN WWW.DGSI.PT;
-DE 13.9.2006, IN WWW.DGSI.PT
-DE 12.9.2007, IN WWW.DGSI.PT;
-DE 28.4.2010, REVISTA N.º 182/07.0MAI.S1, IN WWW.DGSI.PT;
-DE 24.2.2010, REVISTA N.º 401/08.6TTVFX.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
-DE 16.12.2010, REVISTA N.º 1806/07.5TTPRT.P1.S1, IN WWW.DGSI.PT .
Sumário : 1. O Supremo Tribunal de Justiça, por via de regra, apenas aprecia matéria de direito, aplicando definitivamente aos factos materiais fixados pelo Tribunal recorrido o regime jurídico que julgue adequado.
A sua intervenção, no âmbito da impugnação da matéria de facto, é excepcional, restrita às situações em que se afronte regra de direito probatório material (concretamente se desrespeite uma disposição expressa de Lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força probatória de determinado meio de prova), ou em que se entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, ou se entenda que ocorrem contradições na mesma decisão que inviabilizam a decisão jurídica do pleito – arts. 721.º, 722.º/3 e 729.º/3 do C.P.C.
2. A retribuição mensal a considerar para efeitos do cálculo do valor/hora do trabalho suplementar é a retribuição base (acrescida de diuturnidades, se for caso disso), não havendo que atender, para o efeito, às prestações acessórias ou varáveis.
3. Não se considera trabalho suplementar, por regra, o que é prestado fora do horário de trabalho pelos trabalhadores em regime de isenção de horário de trabalho.
4. Os suplementos pecuniários auferidos pelo trabalhador à data da cessação da relação de trabalho apenas relevam para efeitos de retribuição do período de férias – art. 255.º/1 do Código do Trabalho/2003.
Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I –

1.
AA, com os demais sinais dos Autos, intentou a presente acção, com processo comum, contra «BB, S.A.», pedindo a condenação desta no pagamento das importâncias a seguir discriminadas, acrescidas de juros de mora legais, desde o seu vencimento até integral pagamento:
- A quantia remanescente de € 3.570,40, referente ao pagamento da remuneração de férias e subsídio de férias, vencidas em 1 de Janeiro de 2008, e das fracções proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal do ano da cessação do contrato de trabalho;
- As diferenças salariais correspondentes à categoria profissional de motorista, no montante global de € 3.667,00;
- Os créditos emergentes do trabalho suplementar prestado desde 2005 até à cessação do contrato de trabalho, no valor global de € 17.450,56;
- Os créditos emergentes do subsídio de refeição, desde 2005 até à cessação do contrato de trabalho, no valor global de € 907,28;
- Os créditos emergentes do pagamento incorrecto dos subsídios de férias e Natal desde 2005 até 2007, no valor global de € 2.024,09;
- Os créditos emergentes da violação do princípio da irredutibilidade da retribuição, desde Junho de 2006 até à cessação do contrato de trabalho, no valor global de € 1.776,00;
- A quantia de € 1.125,00 referente ao não pagamento do Abono para Falhas, previsto na cláusula 70.ª do CCTV aplicável ao sector.
Alegou para o efeito, em resumo útil, que trabalhou por conta da Ré, sob a sua direcção e fiscalização, desde 1 de Junho de 2005 até à cessação do seu contrato de trabalho, em 16 de Junho de 2008, por força da denúncia que assumiu e expressamente lhe comunicou.
Diz que as relações de trabalho entre as partes são reguladas pelo CCTV para o sector dos agentes transitários, publicado no BTE, 1ª Série, nº 20, de 29 de Maio de 1990, com as subsequentes alterações até à presente data.
Mais aduz que foi contratado pela Ré, com a categoria profissional de Motorista de Ligeiros, desempenhando, sempre, as funções de Motorista, competindo-lhe conduzir viaturas automóveis, efectuar a arrumação do correio expresso que transportava, a carga e descarga do mesmo, bem como a sua entrega nos destinatários e a cobrança de valores.
Invoca ainda a realização de trabalho suplementar, já que, de acordo com a cláusula 28.ª do CCTV aplicável ao sector, o seu horário deveria ser de Segunda a Sexta Feira, estipulado de acordo com o período normal de trabalho de 7h/dia, num total de 35 horas semanais, sendo o seu horário de trabalho, inicialmente estipulado pela Ré, o seguinte: de Segunda a Sexta-feira: das 9h às 18h, com intervalo de 1 hora e meia para almoço e com descanso ao Sábado e Domingo.
Todavia, sempre prestou trabalho à Ré fora do supra referido horário de trabalho e do período normal de trabalho diário, contra a sua real vontade, por orientação e desígnio da Ré, prestando o seu trabalho do seguinte modo: de Segunda a Sexta-feira: das 8h às 19h30, com intervalo de 1 hora para almoço, das 12h30 às 13h30, e, não obstante as sucessivas reclamações efectuadas à Ré, esta nunca lhe pagou o trabalho suplementar por ele prestado, de 3h15m diárias, e 65 horas mensais, tendo em conta a tolerância diária de 15 minutos exigida pelo CCTV.
Também invocou o pagamento incorrecto do subsídio de refeição, pois, sem qualquer justificação, o pagamento ao Autor nunca foi feito de acordo com a cláusula 71ª do CCTV, traduzindo-se num prejuízo económico efectivo de € 907,28.
Sustenta também que exercia, diariamente, funções de cobrança das importâncias respeitantes à entrega do correio expresso nos destinatários, pelo que lhe deveria ser concedido um abono para falhas, de Junho de 2005, no valor mensal de € 30 e desde Janeiro de 2006, no valor mensal de € 30,50, que ascendeu ao prejuízo total de € 1.125,00.
Invoca ademais o pagamento incorrecto dos subsídios de férias e subsídios de Natal, tendo em conta o valor da sua retribuição média desde 2005 a 2007, o que se traduziu num prejuízo económico efectivo de € 2.024,09.
Para além disso, a sua retribuição, desde Junho de 2006 até à presente data, diminuiu consideravelmente, sendo-lhe retiradas as parcelas retributivas intituladas de «subsídio de assiduidade» e «subsídio de apresentação», o que se traduziu num prejuízo económico efectivo de € 1.776,00.
Por fim, alega o pagamento incorrecto dos créditos salariais devidos pela cessação do contrato de trabalho, pois a Ré apenas procedeu ao pagamento do valor de € 1.238,01 no dia 26 de Junho de 2008, recusando-se entregar o respectivo recibo de vencimento ao Autor.
É assim credor da Ré pelo valor remanescente de € 3.570,40, e pela importância total de € 30.520,33, acrescida de juros de mora desde a data de vencimento até integral pagamento.
2.
A Ré contestou, alegando desde logo que o CCTV não é o indicado pelo Autor, mas o relativo ao sector transportador ANTRAN-FESTRU, pelo que não são devidas diferenças salariais.
Aduziu ainda que em relação aos peticionados trabalho suplementar e abono para falhas a petição inicial é inepta, por não estarem discriminados os dias e identificado o tempo prestado e quais os dias concretos em que efectuou operações de cobrança.
Admite que o possa ter prestado esporadicamente, mas não tem qualquer controle sobre o tempo de trabalho que decorre ao longo de cada jornada.
Acrescenta que de qualquer forma o Autor sabia que a compensação que lhe fosse devida pela disponibilidade para a realização de trabalho suplementar lhe era paga a título de "gratificação".
E este esquema remuneratório foi informado ao Autor aquando da sua admissão, o qual lhe era mais favorável do que o regime previsto na respectiva convenção colectiva de trabalho.
Conclui dizendo que pagou integralmente o subsídio de refeição, subsídios de férias e de Natal, não é devido abono para falhas porque o Autor não manuseou dinheiro ou fez qualquer operação com numerário, nem houve erro na determinação quantitativa dos créditos salariais devidos pela cessação do contrato de trabalho.
3.
O Autor respondeu, pedindo a improcedência das excepções invocadas pela Ré, mantendo e reafirmando tudo quanto alegado na petição inicial.
Pede ainda a condenação da Ré como litigante de má-fé indemnização em valor nunca inferior a € 3.500,00.
4.
Condensada, instruída e discutida a causa, proferiu-se sentença, julgando a acção improcedente e absolvendo a Ré dos pedidos.
5.
Inconformado com tal decisão, dela recorreu o A.
A Relação do Porto concedeu parcial provimento à Apelação (dispositivo a fls. 596-7), ‘condenando a R. a pagar ao A. a quantia correspondente ao trabalho suplementar prestado nos anos de 2005 a 2008, a liquidar em incidente de liquidação.
Mais se condena a R. a pagar ao A. a quantia correspondente aos créditos salariais emergentes da cessação do contrato de trabalho, também a liquidar em incidente de liquidação.
No demais, confirma-se a sentença, ainda que por fundamentação não coincidente’.
5.
É agora a R. que, irresignada, vem interpor a presente Revista.
Remata a sua motivação com a formulação das seguintes conclusões:
1. O Tribunal ‘a quo’ entendeu modificar a decisão da matéria de facto.
2. Nessa modificação olvidou diversos aspectos que obstam a tal alteração nos termos em que foi efectuada.
3. O Tribunal ‘a quo’ não teve em conta o princípio da livre apreciação da prova e valorou mal os depoimentos que serviram de base a essa modificação.
4. O Tribunal ‘a quo’ não teve em consideração o facto de que todas as testemunhas indicadas pelo Autor/recorrido terem tido (alguns ainda pendentes) processos judiciais contra a aqui recorrente.
5. Esses depoimentos tidos em conta para a modificação da matéria de facto, não foram isentos e neutros, uma vez que havia manifesto interesse pessoal no sucesso da presente acção, uma vez que daí se extrairia o sucesso das restantes acções judiciais movidas pelas testemunhas contra a aqui recorrente.
6. O Tribunal ‘a quo’ não aferiu da real motivação desses depoimentos nem deu relevância ao facto de que "o ganho de um seria o ganho de todos ".
7. A recorrente sempre aceitou que existia trabalho suplementar, decorrência normal da própria natureza da sua actividade.
8. A recorrente não pode aceitar é que o Tribunal ‘a quo’ considere que este trabalho não foi remunerado.
9. Muito menos pode a recorrente aceitar que para remuneração de trabalho suplementar o Tribunal ‘a quo’ venha estabelecer o critério de retribuição média mensal da forma como a estabeleceu.
10. O art. 249.º, n.ºs. 1 e 2, estabelece o que se deve considerar retribuição: "só se considera retribuição aquilo a que nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho ".
11. Ora, o valor que o arguido teria direito, a título de retribuição, é o que é devido pela contrapartida do seu trabalho, e que é fixado logo aquando da celebração do contrato de trabalho.
12. Nos termos do n.º 2 do referido art. 249.º " na contrapartida do trabalho inclui-se a retribuição base e todas as prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie".
13. Só poderia incluir-se, como fazendo parte da retribuição, prestações regulares e periódicas.
14. Conforme resulta dos documentos que foram juntos aos autos, os subsídios que o trabalhador auferia não tinham esse carácter de regularidade e periodicidade.
15. O pagamento de tais prestações era sempre condicionado à verificação de certos pressupostos, nomeadamente à assiduidade, produtividade e apresentação.
16. Os subsídios de assiduidade e apresentação não eram pagos com o carácter de regularidade que o Acórdão recorrido quer fazer transparecer.
17. Tais prestações não devem integrar retribuição para efeitos de cálculo de retribuição média mensal.
18. Tais valores eram pagos apenas e somente quando o trabalhador cumpriu com o objectivo visado com a atribuição de tais verbas.
19. Eram prestações extraordinárias e condicionadas à verificação de certos comportamentos, e nunca prestações garantidas e estáveis.
20. Deve considerar-se ilidida a presunção do n.º3 do art. 249.º do C.T.
21. As prestações recebidas a esse título devem antes integrar-se na previsão do art. 261.º do C.T.
22. Não são consideradas retribuição.
23. Trata-se de prestações extraordinárias concedidas pelo empregador como recompensa ou prémio pelos bons resultados.
24. Não são valores antecipadamente garantidos.
25. Relativamente às gratificações estas não se devem integrar o conceito de retribuição.
26. O valor constante dos recibos, no quadro referente a "gratificação", englobava dois factores cumulativos: “um reforço aleatório ou prémio aos trabalhadores pela disponibilidade para prestarem trabalho suplementar e o efectivo pagamento daquele que tivesse sido realizado sem o controlo da entidade patronal, calculado numa base média de 2 horas por dia de trabalho suplementar" (sic).
27. As verbas auferidas a título de gratificações tiveram sempre por objectivo remunerar o trabalhador pela prestação de trabalho suplementar.
28. Isto porque o trabalho desenvolvido pelo trabalhador recorrido e os restantes estafetas era prestado fora do controle e vista da ré.
29. O sistema PDA e GPS, contrariamente ao entendimento do Tribunal ‘a quo’, não eram utilizados para controle do tempo de trabalho prestado ao longo do dia.
30. Os sistemas utilizados tinham por finalidade controlar as situações reportadas pelos próprios trabalhadores - estafetas.
31. O sistema nunca serviu para controlar os motoristas, mas tão-somente para controlar a actividade para que essa se processasse sem falhas, porque assim o é exigido pela ‘Fedex’.
32. O trabalhador recorrido sempre soube que a gratificação recebida e constante dos recibos de vencimento era para pagamento da referida disponibilidade e trabalho suplementar e sempre fez suas as importâncias recebidas nesse âmbito.
33. O Acórdão recorrido é contraditório: por um lado entende eliminar os itens 15°, 16°, 18° e 19° dos factos provados porque entende que dos depoimentos resulta que a "gratificação" não se destina a pagar trabalho suplementar, para depois atribuir esta verba ao pagamento pelo trabalho prestado ao Domingo, bem como algum trabalho suplementar prestado quando era necessário que um motorista saísse às 7h00 ou prestasse trabalho depois das 19h00.
34. Então, sempre o Acórdão recorrido concebe que esta verba "gratificação" sempre se destina a pagar trabalho suplementar.
35. Dessa forma estaria criado um mecanismo para retribuir duas vezes o mesmo trabalho.
36. O Tribunal "a quo" olvidou que, a partir de 2007, o trabalhador recorrido passou a estar abrangido pelas normas relativas à isenção de horário de trabalho, previstas no art. 177° e 178° do C.T.
37. Tendo passado a ser remunerado por essa isenção de horário de trabalho, conforme se pode verificar pelos recibos de vencimento.
38.Não são de aplicar à relação laboral, a partir dessa data, as normas do trabalho suplementar, uma vez que se trata de uma das excepções previstas no CT.
39. Uma vez que o Tribunal ‘a quo’ considerou ainda que os créditos salariais do recorrido deveriam fazer-se tendo em atenção as diferenças salariais, remete-se para tudo o quanto foi anteriormente expendido.
40. Não existem créditos salariais a serem pagos, uma vez que estes foram liquidados aquando da cessação do contrato de trabalho.
41. De notar ainda que é entendimento do acórdão recorrido que o autor tem direito a créditos salariais, apesar de não ter feito a prova que lhe competia do direito alegado, contrariando as regras do ónus da prova.
42. As prestações retributivas enunciadas não se encontram pois submetidas ao princípio da irredutibilidade da retribuição.
43. Assim, uma vez que tais prestações não integram a remuneração mensal do recorrido, a recorrente efectuou os cálculos do que era devido ao trabalhador, nada mais lhe sendo devido a esse título.

Termos em que se requer seja o presente recurso julgado provado e procedente, revogando-se o Acórdão recorrido, mantendo-se a sentença de 1.ª Instância com todas as consequências legais.

6.
O recorrido contra-alegou fechando a extensa síntese com a conclusão de que, ao contrário do que pretende a Recorrente, deve confirmar-se e manter-se a decisão proferida.
7.
Já neste Supremo Tribunal, a Exm.ª P.G.A. emitiu Parecer em que versou as temáticas relativas à impossibilidade de alteração da matéria de facto estabelecida pelas Instâncias, ao trabalho suplementar e questões afins, bem como aos créditos reclamados como devidos pela cessação do contrato de trabalho, pronunciando-se a final no sentido de que, sendo devidos e não sendo possível proceder ao seu apuramento, o respectivo montante há-de ser encontrado na (no respectivo incidente de) liquidação, como foi determinado pela Relação,
Notificado, as partes não ofereceram qualquer reacção.

II –
Dos Fundamentos

A – Factos provados.
O Tribunal de 1.ª Instância deu como provada a seguinte factualidade:
1. A Ré é uma sociedade comercial que se dedica ao transporte e entrega de correio expresso. (al. A) da matéria de facto assente).
2. O Autor, AA, trabalhou por conta da Ré, sob a sua direcção e fiscalização, desde 1 de Junho de 2005 até à cessação do seu contrato de trabalho, em 16 de Junho de 2008. (al. B) da matéria de facto assente).
3. Nessa data, o Autor cessou todas e quaisquer funções laborais para a Ré, por força da denúncia do contrato de trabalho que, expressamente e por escrito lhe comunicou, conforme doc. n.º 2. (al. C) da matéria de facto assente).
4. O Autor foi contratado pela Ré, em 1 de Junho de 2005, com a categoria profissional de Motorista de Ligeiros, para exercer a sua actividade profissional por conta e sob a autoridade e direcção da Ré. (al. D) da matéria de facto assente).
5. Desempenhando, sempre, as funções de Motorista, deslocando-se, por via disso, diariamente, para diversas localidades da zona Norte do País. (al. E) da matéria de facto assente).
6. O Autor foi remunerado, pela Ré, com a retribuição base no valor invariável de € 515,00. (al. F) da matéria de facto assente).
7. Ao qual acrescia um subsídio de refeição mensal de € 100,98. (al. G) da matéria de facto assente).
8. A Ré procedeu ao pagamento ao Autor do valor de € 1.238,01, no dia 26 de Junho de 2008. (al. h) da matéria de facto assente).
9. No âmbito da sua actividade, competia ao Autor conduzir viaturas automóveis, efectuando a arrumação do correio expresso que transportava, a carga e descarga do mesmo, bem como a sua entrega nos destinatários e a cobrança de valores. (item 1° da base instrutória).
10. O horário de trabalho do Autor inicialmente estipulado pela Ré era de segunda a sexta-feira, das 9.00 horas às 18.00 horas, com intervalo de 1 hora e meia para almoço e com descanso ao sábado e domingo. (item 2° da base instrutória).
11. O Autor sempre prestou trabalho à Ré fora do horário referido em 2., e do período normal de trabalho diário, por orientação da Ré do seguinte modo, de segunda a sexta-feira: das 08.00 às 19.00, com intervalo para almoço em horário a determinar pelo Autor. (item 3° da base instrutória).
12. O Autor auferia mensalmente, a remuneração base, acrescida de subsídio de alimentação, subsídio de produtividade, prémio de produtividade e subsídio de isenção de horário de trabalho. (item 5° da base instrutória).
13. O Autor exercia as suas funções fora do controle e vista da Ré. (item 6° da base instrutória).
14. A Ré só tem possibilidade de controlar a hora de entrada e saída dos seus trabalhadores, não tendo qualquer controle sobre o tempo de trabalho que decorre ao longo de cada jornada. (item 7° da base instrutória).
15. O Autor sabia que a compensação que lhe fosse devida pela disponibilidade para a realização de trabalho suplementar lhe era paga a título de "gratificação". (item 8° da base instrutória).
16. A indicação geral "gratificação" englobava dois factores cumulativos: um reforço aleatório ou prémio aos trabalhadores pela disponibilidade para prestarem trabalho suplementar e o efectivo pagamento daquele que tivesse sido realizado sem o controlo da entidade patronal, calculado numa base média de 2 horas por dia de trabalho suplementar. (item 9° da base instrutória).
17. O Autor recebeu, e fez suas, as importâncias recebidas mensalmente como contrapartida da disponibilidade horária suplementar que por vezes prestava sem o controlo da entidade patronal. (item 10° da base instrutória).
18. O Autor sempre manifestou o seu acordo à gratificação atribuída com este carácter, recebendo, e fazendo sua, esta prestação. (item 11° da base instrutória).
19. Este esquema remuneratório foi informado ao Autor aquando da sua admissão. (item 12° da base instrutória).
20. Esquema que lhe era mais favorável do que o regime previsto na respectiva convenção colectiva de trabalho. (item 13° da base instrutória).
21. O Autor, a exemplo dos demais estafetas, esteve sempre isento de responsabilidade de qualquer cobrança não efectuada ou indevidamente efectuada e nunca foi obrigado a repor qualquer importância não cobrada ou indevidamente cobrada. (item 14° da base instrutória).
22. As prestações intituladas de "abono para falhas", "subsídio de produtividade" e "gratificação", decorrem do desempenho, empenho, participação e produtividade do Autor. (item 15° da base instrutória).
23. Esta é política da Ré, que tem por objectivo reconhecer e premiar os trabalhadores mais produtivos da sua empresa. (item 16° da base instrutória).

Na sequência da impugnação da decisão da matéria de facto, em que o recorrente significou que o Tribunal 'a quo' deveria ter dado como não provados os identificados pontos, correspondentes aos quesitos 6.º a 16.º da B.I., enquanto o item n.º 11.º dos factos provados, correspondente à resposta dada ao quesito n.º3 da B.I., deveria consignar como horário efectivamente praticado pelos trabalhadores o de 2.ª a 5.ª-feira, das 7:00 às 19:30 horas e à 6.ª-feira, das 7:00 às 23:00/24:00 horas, o Tribunal da Relação considerou que os factos consignados nos items 17 e 20, correspondentes aos quesitos n.ºs 10 e 13, assumem um sentido e significado jurídico-conclusivos, determinando a sua eliminação da decisão respectiva, nos termos do n.º 4 do art. 646.º do C.P.C.

Depois, ouvidos os depoimentos/meios de prova indicados no concernente à pretendida alteração do item 11.º, concluiu-se dever eliminar-se desse item, correspondente ao quesito n.º3 da B.I., porque de sentido e significado jurídico-conclusivo, a palavra ‘sempre’.

No que respeita aos items 13.º e 14.º (quesitos 6.º e 7.º), decidiu-se considerá-los não provados, eliminando-os do respectivo rol.

Relativamente aos items n.ºs 15.º, 16.º, 18.º e 19.º (quesitos 8.º, 9.º, 11.º e 12.º) concluiu-se, face à reapreciação operada, pela ausência de prova bastante, pelo que a resposta a tais quesitos só podia ser a de ‘não provados’.
Assim, decidiu-se pela eliminação desses items do elenco dos factos provados.
Quanto aos items 21.º, 22.º e 23.º (quesitos 14.º, 15.º e 16.º), também aqui se concluiu pela ausência de prova bastante, e, havendo-se como adequada a resposta de ‘não provados’, decidiu-se pela eliminação desses items do acervo dos factos provados, em conformidade.
Por fim, entendeu-se ser devido um aditamento fáctico, sob os n.ºs 24, 25 e 26, nos termos do n.º3 do art. 659.º do C.P.C., face à admissão por acordo e à prova documental.
E assim, acrescentou-se ao alinhamento da matéria de facto seleccionada mais o seguinte:

Nº 24:
«Dos recibos de vencimento do Autor, anteriores a Junho de 2006, a ré fazia constar as rubricas subsídio de refeição, no montante de € 37, e subsídio de apresentação, no mesmo montante».
Nº 25:
«As rubricas subsídio de refeição e subsídio de apresentação, desde Junho de 2006, deixaram de constar dos recibos de vencimento do Autor».
Nº 26:
Ao longo do seu contrato de trabalho, além da retribuição base, sempre igual, de € 515, e do subsídio de refeição, também sempre igual, de € 100,98, o A. auferiu da Ré as seguintes prestações (sendo GR a rubrica gratificação, SAP subsídio de apresentação, SAS subsídio de assiduidade, SP subsídio de produtividade, SN subsídio de Natal, SF, subsídio de férias, PP prémio de produtividade e SIH subsídio de isenção de horário de trabalho):

DataGRSAPSASSPSNSFPPSIH
Junho/05185,00
Julho/0585,00
Agosto/0590,00
Setemb./0560,00 37,0037,0037,00
Outubro/05150,00 37,0037,0037,00
Novemb./05250,00 37,0037,0037,00300,42
Dezemb./05235,0037,0037,0037,00
Janeiro/06160,0037,0037,0037,00
Fevereiro/06300,0037,0037,0037,00375,00
Março/06250,00 37,0037,0037,00
Abril/06250,00 37,0037,0037,00
Maio/06150,00 37,0037,0037,00515,00
Junho/06100,00150,00
Julho/06 300,00150,00
Agosto/06245,00150,00
Setembr/06
Outubro/06200,00150,00374,56
Novemb/06260,00150,00515,00
Dezemb/06300,00150,00
Janeiro/07200,00150,00
Fevereiro/0750,00150,00
Março/07250,00150,00
Abril/07200,00150,00
Maio/07375,00150,00
Junho/0775,0051,50
Julho/07566,50150,0051,50
Agosto/07150,0051,50
Setembr/07150,0054,33
Outubro/07150,0054,33
Novemb/07566,50365,0054,33
Dezemb/07312,5054,33
Janeiro/08537,5054,33
Fevereiro/08462,5054,33
Março/08255,6054,33
Abril/08437,5054,33
Maio/08
O quadro de facto fixou-se assim nestes termos:
1. A R. é uma sociedade comercial que se dedica ao transporte e entrega de correio expresso (al. A) da matéria de facto assente);
2. O A., AA, trabalhou por conta da R., sob a sua direcção e fiscalização, desde 1 de Junho de 2005 e até à cessação do seu contrato de trabalho, em 16 de Junho de 2008 (al. B) da matéria de facto assente);
3. Nessa data, o A. cessou todas e quaisquer funções laborais para a R., por força da denúncia do contrato de trabalho que, expressamente e por escrito lhe comunicou, conforme doc. n.º 2 (al. C) da matéria de facto assente);
4. O A. foi contratado pela R., em 1 de Junho de 2005, com a categoria profissional de motorista de ligeiros, para exercer a sua actividade profissional por conta e sob a autoridade e direcção da R. (al. D) da matéria de facto assente);
5. Desempenhando, sempre, as funções de motorista, deslocando-se, por via disso, diariamente, para diversas localidades da zona Norte do País (al. E) da matéria de facto assente);
6. O A. foi remunerado pela R. com a retribuição base no valor invariável de €515,00 (al. F) da matéria de facto assente);
7. Ao qual acrescia um subsídio de refeição mensal de € 100,98 (al. G) da matéria de facto assente);
8. A R. procedeu ao pagamento ao A. do valor de €1.238,01, no dia 26 de Junho de 2008 (al. H) da matéria de facto assente);
9. No âmbito da sua actividade competia ao A. conduzir viaturas automóveis, efectuando a arrumação do correio expresso que transportava, a carga e descarga do mesmo, bem como a sua entrega nos destinatários e a cobrança de valores (item 1.º da Base Instrutória);
10. O horário de trabalho do A., inicialmente estipulado pela R., era de segunda a sexta-feira, das 9:00 horas às 18:00 horas, com intervalo de uma hora e meia para almoço e com descanso ao sábado e domingo (item 2.º da B.I.);
11. O A. prestou trabalho à R. fora do horário referido em 2.º (da B.I.) e do período normal de trabalho diário, por orientação da R., do seguinte modo, de segunda a sexta-feira, das 8:00 horas às 19:00 horas, com intervalo para almoço em horário a determinar pelo A. (item 3.º da B.I.);
12. O A. auferia mensalmente a remuneração base, acrescida de subsídio de alimentação, subsídio de produtividade, prémio de produtividade e subsídio de isenção de horário de trabalho (item 5.º da B.I.);
(Os pontos 13. a 23. foram eliminados, procedendo-se a um aditamento fáctico, sob os n.ºs 24, 25 e 26, que se alinham a seguir).
24. Dos recibos de vencimento do A., anteriores a Junho de 2006, a R. fazia constar as rubricas subsídio de refeição, no montante de € 37, e subsídio de apresentação, no mesmo montante;
25. As rubricas subsídio de refeição e subsídio de apresentação, desde Junho de 2006, deixaram de constar dos recibos de vencimento do A.
26. Ao longo do seu contrato de trabalho, além da retribuição base, sempre igual, de €515,00, e do subsídio de refeição, também sempre igual, de € 100,98, o A. auferiu da R. as seguintes prestações (sendo GR a rubrica gratificação, SAP subsídio de apresentação, SAS subsídio de assiduidade, SP subsídio de produtividade, SN subsídio de Natal, SF subsídio de férias, PP prémio de produtividade e SIH subsídio de isenção de horário de trabalho): Remete-se para a grelha acima reproduzida.


B – Conhecendo.
Conferido o acervo conclusivo – por onde se afere e delimita, por via de regra, o objecto e âmbito do recurso – as questões suscitadas, a dilucidar e resolver, são as que se abordam na sequência.

B.1Da fixação da matéria de facto.
A R./recorrente insurge-se desde logo contra a decidida modificação da matéria de facto realizada no Acórdão impugnado.
Em seu entendimento foram olvidados diversos aspectos que obstam a tal operação, esquecendo-se o princípio da livre apreciação da prova e valorando-se mal os depoimentos que serviram de base à modificação implementada.
A ‘suposta prova’ em que se baseou o Tribunal 'a quo' para alterar a decisão da matéria de facto não é idónea – sic, a fls. 606.

Alega mais adiante, complementarmente, mas já fora desta epígrafe – ao reportar-se à análise das verbas denominadas ‘gratificações’ e à referência constante dos respectivos recibos, no quadro correspondente –, que o Acórdão é contraditório ao decidir, por um lado, eliminar os items 15.º, 16.º, 18.º e 19.º dos factos provados, no entendimento de que dos depoimentos resulta que a ‘gratificação’ não se destina a pagar trabalho suplementar, e, por outro, ao atribuir esta verba ao pagamento pelo trabalho prestado ao domingo, bem como a algum trabalho suplementar prestado quando era necessário que um motorista saísse às 7:00 horas ou prestasse trabalho depois das 19:00 horas.
(Importa esclarecer – antes de prosseguir - que não é exactamente assim: os items 15.º, 16.º, 18.º e 19.º foram eliminados por ser ter concluído pela falta de prova, como se retira da locução ‘Assim sendo, perante tal ausência probatória, a resposta a tais quesitos só podia ser …’ - fls. 577.
Previamente a esta conclusão final, refere-se, sim, mas como mero resultado da apreciação dos depoimentos, o que é coisa diversa, que …’Quanto às testemunhas indicadas pelo A., foi pelas mesmas dito, no essencial e sobre esta matéria, que a gratificação era para pagar o trabalho prestado aos Domingos, sendo que, no período de um mês, os motoristas trabalhavam 3 Domingos de tarde ou à noite’.
Por outro lado, quanto às testemunhas da R., …’especialmente o CC, sem nunca conseguirem explicar os critérios utilizados para o pagamento da gratificação, referiram que esta era variável e relacionava-se com o trabalho prestado ao Domingo, bem como a compensar algum trabalho suplementar quando era necessário que um motorista, de manhã, saísse às 7 horas ou prestasse trabalho depois das 19 horas’).
Assim – remata – ao conceber que esta verba ‘gratificação’ sempre se destinava a pagar trabalho suplementar e, ao integrá-la, depois, no conceito de retribuição média mensal para pagar novamente importâncias a esse título, praticar-se-ia uma subversão do que pretende a Lei, pois estar-se-ia a retribuir duas vezes o mesmo trabalho…
Além disso, o Tribunal 'a quo' olvidou que a partir de 2007 o trabalhador recorrido passou a estar abrangido pelas normas relativas à isenção de horário de trabalho, por prestar a sua actividade fora do estabelecimento, sem controlo imediato da hierarquia, tendo passado a ser remunerado por essa isenção, conforme se pode verificar pelos recibos de vencimento.
Logo, a partir de então, não são aplicáveis à relação laboral as normas do trabalho suplementar.

Este fundamento da Revista será atendível?
Imediatamente diremos que não.
Como prescreve o n.º 2 do art. 729.º do C.P.C (diploma a que pertencem as disposições adiante referidas sem menção de proveniência), a decisão proferida pelo Tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, a não ser no caso excepcional previsto no n.º3 do art. 722.º, segundo o qual ‘[o] erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de Lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova’.

Aos factos materiais fixados pelo Tribunal recorrido o Supremo, em consonância com o estatuído no actual art. 33.º da LOFTJ, limita-se a aplicar definitivamente o regime jurídico que julgue adequado.

Todavia – e para além da hipótese ressalvada – pode excepcionalmente o processo ter de voltar ao Tribunal recorrido, conforme prevenido no n.º 3 do mesmo art. 729.º, quando o Supremo entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, ou que ocorrem contradições da decisão sobre a matéria de facto que inviabilizam a decisão jurídica do pleito.

A intervenção do S.T.J., no âmbito da matéria de facto, é, pois, meramente residual, circunscrita às supra identificadas situações.
Não se tratando de averiguar da eventual inobservância das regras de direito probatório material, colocar-se-nos-ia então a questão de saber se, ante os contornos do caso concreto, seria ou não de fazer uso da previsão constante do n.º3 do art. 729.º.
Isto porque – acompanhando a reflexão de Jacinto Bastos e Lopes do Rego, citados respectivamente por Amâncio Ferreira, ‘Manual’, 8.ª edição, pg. 274, e Lebre de Freitas, ‘C.P.C. Anotado’, 3.º Vol., Tomo I, 2.ª edição, pg. 185 – a vocação da faculdade aí concedida …’é para ser exercida quando as Instâncias seleccionaram imperfeitamente a matéria da prova’… ou, de outro modo, …’os poderes agora conferidos ao S.T.J. estão ‘funcionalmente orientados para um correcto enquadramento jurídico do pleito: o S.T.J. conhece das insuficiências, inconcludências ou contradições da decisão proferida acerca da matéria de facto se e enquanto tais vícios afectarem ou impossibilitarem a correcta decisão jurídica do pleito’.

Tudo ponderado, entendemos que não.
A reserva inicialmente equacionada mostra-se ultrapassada, como demonstramos na sequência.
Com efeito:
Do elenco de facto estabelecido na 1.ª Instância (interessante para a equação das questões a dirimir apenas a partir do item 10.º), o Tribunal da Relação eliminou, como já se disse, a palavra ‘sempre’ do item 11.º e procedeu à eliminação dos demais items, ou seja, dos 13.º, 14.º, 15.º, 16.º, 17.º, 18.º, 19.º, 20.º, 21.º, 22.º e 23.º.

No aditamento fáctico, sob os n.ºs 24.º, 25.º e 26.º (o Tribunal da Relação, no julgamento de facto que lhe cumpra efectuar, em conformidade com a previsão constante do art. 659.º, n.ºs 2 e 3, ex vi do n.º2 do art. 713.º – seja na sequência da suscitada impugnação da decisão, feita ao abrigo do disposto no art. 685.º-B, seja no uso do poder-dever a que alude a alínea b) do n.º1 do art. 712.º – pode seguramente alterar a matéria de facto fixada pelo Tribunal de 1.ª Instância, sem sujeição a alegação das partes, conquanto funde a decisão nos factos oportunamente articulados. Assim também, v.g., no recente Acórdão desta Secção, de 24.2.2011, tirado na Revista n.º 740/07.3TTALM.L1.S2), e mais concretamente no quadro elaborado no ponto 26., constam os valores discriminados sob a rubrica ‘GR’, (‘gratificação’) como tendo sido auferidos pelo A. desde Junho de 2005 e até Maio de 2007, data em que deixaram de ser processados, passando a ser creditado ao A., a partir de então e até Abril de 2008, o SIH (subsídio de isenção de horário de trabalho).
Faltaria no acervo respectivo a especificação de que o A. passou a estar isento de horário de trabalho, circunstância de facto com manifesta repercussão na correcta decisão jurídica do pleito.
Mas, se conjugada a menção constante da grelha que integra o item 26. com o factualizado no pont0 12. (O A. auferia mensalmente a remuneração base, acrescida de subsídio de alimentação, subsídio de produtividade, prémio de produtividade e subsídio de isenção de horário de trabalho), pode seguramente ter-se por adquirido que as partes acordaram nesse sentido, o que aliás, atentas as posições adrede assumidas, nem é controvertido, achando-se assim constituída base suficiente para a decisão de direito.

B.2Do trabalho suplementar e respectiva retribuição.
A direito aplicável, in casu, é o que se mostra correctamente identificado no Acórdão revidendo, que se ratifica no essencial, sendo que o regime jurídico do trabalho suplementar é balizado, na perspectiva que aqui interessa, pelos conceitos normativos de horário de trabalho (enquanto noção operatória de referência temporal) e de retribuição.
A execução da relação juslaboral em causa transcorreu de Junho de 2005 a Junho de 2008, em plena vigência da Código do Trabalho de 2003.
No que concerne ao conteúdo da retribuição, a retribuição mensal a considerar no cálculo do valor/hora, com vista ao cômputo do reclamado crédito, é – contrariamente ao sustentado na decisão sujeita – a retribuição base, (acrescida das diuturnidades, se for caso disso), não havendo que atender, para o efeito, às prestações acessórias/variáveis.
Embora nem sempre usada com o desejado rigor, (dando por isso azo a soluções discrepantes), a verdade é que o legislador assumiu dois distintos conceitos de retribuição, enunciando ora, expressamente, o que já resultava implicitamente do art. 82.º da LCT: a retribuição, em sentido amplo, (mais abrangente, onde cabe tudo aquilo a que o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho, com a presunção de que nela se compreende, até prova em contrário, toda e qualquer prestação do empregador ao trabalhador) e a retribuição base, considerada esta, na noção adiantada no art. 250.º, n.º2, a), do C.T./2003, como sendo ‘[a]quela que, nos termos do contrato ou instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, corresponde ao exercício da actividade desempenhada pelo trabalhador de acordo com o período normal de trabalho que tenha sido definido’.
Não havendo nada em contrário em disposição legal, convencional ou contratual (o CCT aplicável, considerado, sem impugnação, como sendo o celebrado entre a ANTRAM e a FESTRU, publicado no BTE, I Série, n.º 9/1980, de 8 de Março, com as alterações posteriores in BTE’s, I Série, n.ºs 18/1981, de 15 de Maio, 16/1982, de 29 de Abril e 30/1997, de 15 de Agosto, não dispõe diversamente do estipulado no art. 250.º/1 do C.T./2003), entende-se que a base de cálculo das prestações complementares e acessórias nelas estabelecidas é constituída apenas, como prescreve o n.º1 do mesmo normativo, pela retribuição base e diuturnidades.

Na vigência do Decreto-Lei 421/83, de 2/12, o seu art. 7.º, que cuidava da remuneração do trabalho suplementar, remetia o cálculo da retribuição horária para a fórmula constante do art. 29.º do Decreto-Lei 874/86, de 28/12, que enunciava, como uma das premissas, o valor da retribuição mensal.
No Código do Trabalho/2003, (disposições conjugadas dos arts. 258.º/3 e 264.º), a prevista fórmula de cálculo do valor da retribuição horária, referindo-se embora, como antes, ao factor Rm como correspondendo ao valor da retribuição mensal, não pode deixar de ter subjacente o teor da regra supletiva constante do n.º1 do acima invocado art. 250.º.

Reflectindo o que na doutrina se ponderava então (cfr. Monteiro Fernandes, ‘Direito do Trabalho’, 11.ª edição, pg. 449, citado no Acórdão de 24.2.2010, tirado na Revista n.º 401/08.6TTVFX.L1.S1, relatado pelo Exm.º Conselheiro Pinto Hespanhol, Aresto cuja fundamentação acompanhamos de perto), este Supremo Tribunal, já em 2005 e em 2006, vinha decidindo no sentido de que, atenta a específica razão de ser e estrutura desta atribuição patrimonial, apenas deveria tomar-se em conta, para o efeito, a retribuição base (vide os identificados Acórdãos de 13.7.2005 e de 13.9.2006, in www.dgsi.pt).
Esse entendimento foi-se consolidando e mantém-se, como se confere no atrás identificado Acórdão de 24.2.2010, jurisprudência cuja bondade não nos oferece dúvida relevante.
Fica, assim, definido o direito aplicável ao caso sujeito, quanto a esta matéria.
Dúvidas também não se suscitam de que, face ao disposto nos arts. 177.º e 178.º do Código do Trabalho/2003, não se considera trabalho suplementar o que é prestado fora do horário de trabalho pelos trabalhadores em regime de isenção de horário de trabalho (vide, por todos, o Acórdão deste S.T.J. de 16.12.2010, prolatado na revista n.º 1806/07.5TTPRT.P1.S1, in www.dgsi.pt).
O A. prestou trabalho suplementar à R., não havendo contudo elementos para fixar o respectivo quantum.
Demonstrada a obrigação, a existência do direito, justifica-se a condenação do R. naquilo que vier a ser liquidado oportunamente, como se ajuizou na decisão aprecianda, nos termos do n.º2 do art. 661.º do C.P.C., em consonância com o entendimento deste Supremo Tribunal, plasmado, v.g., no citado Aresto de 12.9.2007 e, mais recentemente, no Acórdão de 28.4.2010, tirado na Revista n.º 182/07.0MAI.S1, relatado pelo Cons. Vasques Dinis.

B.3Dos créditos salariais devidos pela cessação do contrato.
No tratamento do pedido relativo às diferenças salariais decidiu-se, no Acórdão ´sub judicio', sem reacção, que os (a média dos) falados suplementos pecuniários não integra/m os subsídios de férias nem de Natal.
Mais se consignou que os suplementos pecuniários auferidos pelo A., à data da cessação do contrato, apenas relevam para efeitos de integração no cômputo da remuneração correspondente às férias vencidas em 1.1.2008 e aos proporcionais de férias pelo tempo de trabalho prestado em 2008, o que é conforme com o preceituado no art. 255.º/1 do Código do Trabalho, em cujos termos ‘a retribuição do período de férias corresponde à que o trabalhador receberia se estivesse em serviço efectivo’.
Não tendo sido possível quantificar este valor, como se consignou, por serem insuficientes os elementos respeitantes aos suplementos auferidos em Maio e Junho de 2008, os créditos salariais devidos pela cessação do contrato de trabalho serão igualmente apurados no incidente de liquidação.

III –
Nos termos expostos, concedendo parcialmente a Revista, condena-se a R. a pagar ao A. a quantia correspondente ao trabalho suplementar prestado nos anos de 2005 a Junho de 2007, em conformidade com o direito definido, montante a apurar em incidente de liquidação.
No mais se confirma o julgado, em conformidade com o sobredito.
Custas por A. e R., fixando-se as mesmas, provisoriamente, em partes iguais, com rateio posterior em função do seu decaimento.
Anexa-se o sumário do Acórdão – art. 713.º/7 do C.P.C., na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto.

Lisboa, 16 de Março de 2011

Fernandes da Silva (Relator)
Pinto Hespanhol
Gonçalves Rocha