Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
03B2667
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: ARAÚJO BARROS
Descritores: NULIDADE DE SENTENÇA
OPOSIÇÃO ENTRE FUNDAMENTOS E DECISÃO
LIMITES DA CONDENAÇÃO
LIQUIDAÇÃO EM EXECUÇÃO DE SENTENÇA
Nº do Documento: SJ200312040026677
Data do Acordão: 12/04/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL PORTO
Processo no Tribunal Recurso: 3060/02
Data: 03/11/2003
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário : 1. A nulidade prevista no art. 668º, nº 1, al. c), do C.Proc.Civil - oposição entre os fundamentos e a decisão - é a que se verifica no processo lógico, que das premissas de facto e de direito que o julgador tem por apuradas, este extrai a decisão a proferir, apenas ocorrendo quando o raciocínio do juiz aponta num sentido e no entanto decide em sentido oposto ou pelo menos em sentido diferente.
2. O art. 661º, nº 2, do C.Proc.Civil tanto se aplica ao caso de o autor ter formulado inicialmente pedido genérico e não ter sido possível convertê-lo em pedido específico, como ao de ele ter logo formulado pedido específico, mas não se chegarem a coligir dados suficientes para se fixar, com precisão e segurança, o objecto ou a quantidade da condenação, razão pela qual a dedução inicial de pedido líquido não obsta a que a sentença condene em quantia a liquidar em execução de sentença.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

"A" e mulher B intentaram, no Tribunal Judicial de Oliveira de Azeméis, acção declarativa, com processo ordinário, contra C, D, E e F, na qualidade de herdeiros de G, pedindo a respectiva condenação:

a) a procederem ao corte de todos os eucaliptos com mais de 20 metros, que se encontram na linha divisória junto ao muro do prédio dos autores;

b) a procederem ao corte dos eucaliptos novos e em desenvolvimento com cerca de 15/20 metros situados na mesma linha divisória, e a entregarem aos autores metade da lenha proveniente do corte e apanha daqueles;

ou, em alternativa, a:

c) a permitirem a entrada dos autores, dos seus contratados e respectivas máquinas, no seu terreno, a fim de serem eles a proceder ao corte dos eucaliptos;

e, cumulativamente:

d) no pagamento da quantia de 500.000$00 a título de indemnização por danos não patrimoniais;

e) no pagamento de uma indemnização aos autores por danos patrimoniais, a liquidar em execução de sentença.

Alegaram para tanto, em síntese, que:

- são donos de uma casa de habitação e de um prédio rústico;

- após a construção da casa, cresceram junto à linha divisória do citado prédio rústico, no prédio dos réus, diversos eucaliptos;

- entre a linha divisória em causa e o prédio urbano dos autores distam cerca de 20 metros;

- apesar de notificados os réus para que providenciassem o corte das árvores que se encontravam inclinadas a sujar o terreno dos autores, não lhes permitindo qualquer cultura e pondo em risco a sua habitação, os réus não tomaram qualquer providência;

- alguns anos depois, um dos eucaliptos caiu e danificou o muro e o terraço da casa dos autores, sendo que posteriormente caiu outro eucalipto partindo o muro divisório;

- o réu G opõe-se a que os autores entrem no seu prédio para cortarem os eucaliptos;

- no prédio dos autores habitam oito pessoas que vivem momentos de pânico, medo e angústia, passando noites sem dormir, receando o pior por causa dos ventos fortes de inverno, podendo vir as suas vidas ou integridade física a encontrar-se em risco, havendo mesmo perigo actual;

- recusando o corte das árvores, violando os direitos à vida, à personalidade física e moral dos autores, os réus devem indemnizá-los no montante de 500.000$00;

- há árvores na linha divisória que, por se presumirem comuns, podem os autores arrancar, reclamando para si metade da lenha que produzirem.

Citados os réus, apenas a ré C contestou pugnando pela improcedência da acção e alegando, para o efeito, que:

- antes de 1987 os referidos terrenos dos autores e o terreno dos réus estavam todos recobertos de árvores, tendo aqueles arrancado árvores para e no local onde construíram a casa;

- já nessa altura o terreno dos réus tinham o aspecto que tem hoje, arborizado com pinheiros e eucaliptos de grande porte, nada tendo sido plantado desde essa data;

- é verdade que, em virtude da invernia e das fortes tempestades caiu um eucalipto para o terreno dos autores, mas não no enfiamento da sua residência, nem no seu perímetro, tendo os réus cortado dois eucaliptos pequenos que pendiam para o terreno dos autores;

- nunca os autores, depois daquela queda e daquele corte apontaram qualquer outro eucalipto concreto que pendesse sobre o seu terreno ou estivesse em risco de cair;

- conforme a melhor jurisprudência, a lei não impõe o arrancamento de eucaliptos quando as respectivas plantações sejam anteriores às culturas, muros e prédios urbanos a que se refere o art. 1° do Dec.lei n° 28039, de 14/9/1937;

- a queda esporádica de uma árvore não pode constituir fundamento de corte dos eucaliptos que marginavam os terrenos e que não se encontravam na iminência de cair nem, muito menos, de atingir a residência dos autores;

- a levar-se ao extremo como sustentável esta hipótese e figuração então, no mínimo, abrir-se-á o caminho para mandar cortar toda e qualquer árvore (nomeadamente de grande porte) que margine (ou até mesmo que exista) qualquer prédio, estrada, jardins, parques ou vias públicas.

Exarado o despacho saneador, condensado e instruído o processo, teve lugar a audiência de discussão e julgamento, após o que foi proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, condenou os réus a:

- permitirem a entrada dos autores, dos seus contratados e respectivas máquinas no seu terreno, afim de serem eles a proceder ao corte de todos os eucaliptos com mais de 20 metros que se encontrem sobre a linha divisória situada junto ao muro do prédio dos autores e ainda ao corte dos eucaliptos novos e em desenvolvimento com cerca de 15/20 metros de altura que se encontrem na mesma linha divisória;

- pagarem aos autores, a título de danos não patrimoniais, a quantia de 1.750 Euros;

- pagarem aos autores o que se vier a liquidar em execução de sentença relativamente ao danos patrimoniais sofridos pelos autores com a queda dos dois eucaliptos sobre o seu prédio.

Inconformados apelaram os réus, sem êxito embora, porquanto o Tribunal da Relação do Porto, em acórdão de 11 de Março de 2003, negou provimento à apelação, confirmando a sentença recorrida.
Interpuseram, então, os réus recurso de revista, pretendendo sejam declaradas nulas e de nenhum efeito as sentenças recorridas e substituídas por uma decisão que absolva a ré dos pedidos formulados.
Contra-alegando defendem os recorridos a manutenção do julgado.
Verificados os pressupostos de validade e de regularidade da instância, corridos os vistos, cumpre decidir.
Os recorrentes findaram as respectivas alegações formulando as conclusões seguintes (e é, em princípio, pelo seu teor que se delimitam as questões a apreciar no âmbito do recurso - arts. 690º, nº 1 e 684º, nº 3, do C.Proc.Civil):

1. O acórdão recorrido fez errada interpretação e aplicação do que se estabelece na alínea c) do n° 1 do art. 668° do CPC ao não reconhecer a nulidade invocada pelos ora recorrentes da sentença da 1ª instância na base da oposição entre a causa de pedir, ou sejam os fundamentos daquela sentença e a própria decisão.

2. Essa oposição traduz-se no facto de aquela sentença ter condenado os ora recorrentes a permitirem a entrada dos autores, dos seus contratados e respectivas máquinas, no seu terreno, a fim de serem eles a proceder ao corte de eucaliptos que se encontrem na (sobre a) linha divisória de dois prédios, eucaliptos esses expressamente peticionados pelos autores e reconhecidos pela sentença face ao disposto no art. 1368° do Código Civil como sendo de propriedade comum e não se colher, dos factos dados por assentes pelo tribunal da 1ª instância, a existência de eucaliptos naquela particular situação de presumida comunhão emergindo apenas como eucaliptos a ter em conta para dirimir as questões suscitadas e que vêm referenciados nos pontos 3 e 15 daqueles factos, eucaliptos localizados junto à linha divisória, ou seja como refere a própria sentença desse tribunal, que se encontram próximos dela, ao pé dela, ao lado dela mas não sobre a linha divisória.

3. Se porventura o Tribunal da Relação - como ele por hipótese académica adianta - houvesse de declarar nula a sentença, nessa parte, e conhecesse do fundo da questão decidindo, seja a cominação do corte aos réus ou a permissão de tal corte aos autores dos eucaliptos que "existindo no prédio dos réus (logo sua propriedade exclusiva), dada a altura que atingiram, sofreram uma inclinação acentuada pendendo sobre o prédio dos autores" então incorreria ela própria num outro tipo de nulidade que se traduz em condenar a ora recorrente num pedido que não tinha sido formulado pelos recorridos (que não pediram o corte dos eucaliptos situados fora da linha divisória) ou seja a nulidade que vai prevista na alínea e) do n° 1 do art. 668° do C.P.C.

4. Estas incontornáveis e intransponíveis nulidades apenas podem levar à absolvição dos pedidos formulados, nessa parte, por nítida contradição com a causa de pedir.

5. É desproporcionada a decisão homologada pelo tribunal a quo de condenar os ora recorrentes numa indemnização por danos morais posto que muita da situação de perigo invocada pelos ora recorridos era provocada por eucaliptos de propriedade comum - face à delimitação dos seus próprios pedidos - os quais poderiam ter sido arrancados por qualquer dos co-proprietários.

6. Errou também o tribunal a quo ao confirmar a decisão da 1ª instância que condenou os ora recorrentes numa indemnização a liquidar em execução de sentença pelos danos causados pela queda natural de dois eucaliptos e isto porque ou tal pedido deve entender-se como não tendo sido formulado pelos ora recorridos, ou a ser considerado como peticionado o mesmo teria de soçobrar face ao que se dispõe no n° 2 do art. 661° do C.P.C. o qual não foi correctamente interpretado e aplicado pelo tribunal de recurso.

Nas instâncias foram considerados, em definitivo, provados os factos seguintes:

i) - encontra-se inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1395º, a favor dos autores, o prédio composto de casa de habitação com adega, salão, escritório, casa de banho, cozinha e rés-do-chão com 3 quartos e 2 casas de banho, anexos para arrumação e garagem de 161 m2, com a área coberta de 386 m2 e descoberta de 1514 m2;

ii) - encontra-se inscrito a favor dos autores, na matriz predial rústica sob o n° 4105, terreno de cultura, confinante com o prédio referido em i), confrontando a sul com os herdeiros de G;

iii) - no prédio dos réus, junto à divisória do prédio identificado em ii), existem diversos eucaliptos, que actualmente têm uma altura superior a 20 e 30 metros;

iv) - entre a linha divisória referida em iii) e o prédio identificado em i) distam cerca de 20 metros;

v) - alguns desses eucaliptos, dada a altura que atingiram, sofreram uma inclinação acentuada pendendo sobre o prédio identificado em ii);

vi) - em 19 de Fevereiro de 1995, os autores solicitaram a notificação judicial avulsa dos réus para que estes providenciassem o corte das árvores que se encontravam inclinadas, a sujar o terreno dos autores, não lhes permitindo qualquer tipo de cultura, para além de porem em risco a própria habitação dos autores;

vii) - os réus não tomaram qualquer providência em referência ao solicitado pelos autores, não limparam as ramas, nem cortaram os eucaliptos que estavam em risco de cair;

viii) - em 28/01/2001, pelas 11H30, um dos eucaliptos, com cerca de 39 metros de altura, caiu, danificando o muro e o terraço da casa de habitação dos autores;

ix) - o réu E deslocou-se no dia seguinte (29) à casa dos autores pretendendo cortar e apanhar o eucalipto, tomando nota dos estragos causados pela árvore;

x) - os autores não o impediram de fazer tal corte e apanha da madeira;

xi) - no dia 11/02/2002 caiu outro eucalipto, tendo partido o muro divisório;

xii) - no dia 22/02/2001, os autores enviaram carta registada com aviso de recepção aos réus a informarem que no dia 09/03/2001, pelas 14 horas, iriam proceder ao corte das árvores que estavam em risco de cair, pondo em perigo a habitação e vida das pessoas que ali residiam;

xiii) - o réu E impediu a entrada dos autores no seu terreno;

xiv) - para efectuar o corte dos eucaliptos é necessário entrar no prédio dos réus;

xv) - os eucaliptos existentes junto da linha divisória têm mais de 20 e 30 metros;

xvi) - o eucalipto caído no dia 28/01/2001 tinha 39 metros de comprimento;

xvii) - os eucaliptos desenvolvem-se em terreno plano e húmido e as suas raízes encontram-se à superfície;

xviii) - vivem no prédio identificado em ii), além dos autores, mais 6 pessoas adultas (2 filhos e respectivas esposas e os pais da autora Isaura, estes últimos com mais de 80 anos de idade) e 2 crianças recém-nascidas;

xix) - os últimos invernos têm sido de chuva intensa e ventos fortes;

xx) - com a queda dos eucaliptos verificada em 28/01/2001 e 11/02/2001, e em virtude do referido em xix), os autores e seus familiares viveram momentos de medo e angústia, passaram noites sem dormir e em vigília constante;

xxi) - os réus desde 1995, quer por notificações judiciais, quer por notificações pessoais, foram instados a cortar as árvores mais perigosas, que estavam em risco de cair, e de cortar as ramadas e troncos, que se encontravam inclinados para o terreno dos autores;

xxii) - o muro divisório não está construído na linha divisória, mas sim para dentro do terreno dos autores;

xxiii) - entre os eucaliptos já perfeitamente formados e adultos encontram-se outros em fase de crescimento, com um tronco mais fino e menos altos;

xxiv) - no terreno em que se estão a desenvolver, corre uma veia de água;

xxv) - os eucaliptos (actualmente com 15/20 metros) referidos em xxiii) dentro de 5/6 anos atingirão proporções idênticas às que já têm os eucaliptos adultos;

xxvi) - os quais não foram plantados quando os autores construíram a sua habitação, mas estão naturalmente a crescer da semente que caiu à terra;

xxvii) - os eucaliptos referidos em iii) continuaram a crescer uns e cresceram outros após a construção da casa dos autores referida em i);

xxviii) - estando a crescer em altura e largura;

xxix) - os terrenos limítrofes dos autores - os artigos rústicos 4105 e 4109 - e dos réus - o artigo rústico 4104 - eram antes de 1987, na sua generalidade, da mesma tipologia rústico-florestal, com excepção de uma pequena parte do prédio identificado em ii), composta por solo agrícola;

xxx) - estando todos - com a reserva referida em xxix) - recobertos de árvores;

xxxi) - foram arrancadas as árvores existentes nos terrenos dos autores, além do mais, para efeitos de, no topo de um deles, ser construída a tal casa de habitação;

xxxii) - quando os autores decidiram edificar uma habitação e cortaram todas as árvores implantadas no seu terreno, já o terreno dos réus tinha o mesmo aspecto que hoje apresenta, estando arborizado com pinheiros e eucaliptos de grande porte;

xxxiii) - os réus não plantaram qualquer árvore ou arbusto, tanto no interior como junto à linha divisória dos prédios em causa após a construção da casa dos autores, em 1987, embora ali tenham nascido eucaliptos novos;

xxxiv) - um dos eucaliptos que caíram não se encontrava no enfiamento da residência dos autores;

xxxv) - os réus procederam ao corte de dois eucaliptos que pendiam para o terreno dos autores.

As questões suscitadas no recurso e de que importa conhecer - tal como se infere das conclusões dos recorrentes - podem ser equacionadas da forma seguinte:

I. O acórdão recorrido, na medida em que não atendeu a nulidade prevista na al. c) do nº 1 do art. 668º do C.Proc.Civil, imputada à sentença da 1ª instância, é nulo porque ocorre (mantém-se) a contradição entre os fundamentos e a decisão nele contida.

II. É desproporcionada a decisão referente à indemnização de 1.750 Euros (350.843$50) que os recorrentes foram condenados a pagar a título de danos não patrimoniais causados aos autores.

III. Não se justifica a condenação dos réus no pagamento de indemnização, de montante a liquidar em execução de sentença, por alegados danos de natureza patrimonial sofridos pelos autores.

Como é sabido, é nula a sentença quando "os fundamentos estejam em oposição com a decisão" (art. 668º, nº 1, al. c), do C.Proc.Civil).

Essa nulidade apenas se verifica quando o raciocínio do juiz aponta num sentido e no entanto decide em sentido oposto ou pelo menos em sentido diferente.

Como tem vindo a ser unanimemente entendido "a oposição (entre os fundamentos e a decisão) referida na alínea c) do nº 1 é a que se verifica no processo lógico, que das premissas de facto e de direito que o julgador tem por apuradas, este extrai a decisão a proferir". (1)
"A lei refere-se, na alínea c) do nº 1 do art. 668, à contradição real entre os fundamentos e a decisão e não às hipóteses de contradição aparente. ... Nos casos abrangidos pelo art. 668º, nº 1, al. c), há um vício real no raciocínio do julgador (e não um simples lapsus calami do autor da sentença): a fundamentação aponta num sentido; a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente". (2)
Ora, ao contrário do que pretendem os recorrentes (que, reconheça-se, mais não fazem neste recurso do que repetir as considerações produzidas na apelação) o acórdão recorrido (tal como acontecia já com a sentença da 1ª instância) assenta num discurso lógico irrepreensível, limitando-se a decidir no exacto sentido preconizado pela respectiva fundamentação, sem qualquer quebra ou desvio de raciocínio que permita detectar a existência de visível contradição entre as premissas e a conclusão.
Na verdade, não enferma o acórdão impugnado de qualquer contradição entre o sentido lógico das razões e argumentos em que se baseia e a conclusão que, em termos de decisão, deles extrai.

É certo que o discurso dos recorrentes nas alegações, esse sim, claramente confuso e contraditório, faz parecer que essa contradição se estende ao próprio acórdão. Mas, como é fácil de verificar, as aparentes contradições por eles apontadas resultam, sem qualquer dúvida, da forma como apresentam a sua exposição, não se comunicando ao acórdão em causa, cuja simples leitura revela a lógica da subsunção do direito aos factos e da tarefa interpretativa e de aplicação da lei ao caso.

Apresenta-se-nos, na verdade, falaciosa a argumentação desenvolvida a partir do facto de os réus terem sido condenados a permitir que os autores cortassem os eucaliptos que se encontrem sobre a linha divisória situada junto ao muro do prédio dos mesmos, enquanto que dos factos assentes e provados, apenas resulta estarem na situação a ter em conta os eucaliptos localizados junto à linha divisória.

É que, como se refere no acórdão em crise, quando as árvores e arbustos invadam o prédio confinante, a lei estabelece que o dono do prédio invadido pelo tronco, raízes ou ramos, tem o direito de os cortar, se o dono do terreno onde as árvores se situam, rogado para tal, o não fizer. E verifica-se no caso dos autos que a pretensão que foi acolhida na sentença da 1ª instância (quanto ao pedido formulado em alternativa), nenhuma censura merece, porquanto, existindo junto à linha divisória com o prédio dos autores diversos eucaliptos que actualmente têm uma altura superior a 20 e 30 metros (alguns dos quais, dada a altura que atingiram, sofreram uma inclinação acentuada, pendendo sobre o prédio dos autores, não lhes permitindo qualquer cultura, para além de porem em risco a sua habitação) bem pode dizer-se que eles passaram a linha divisória, sendo lícito defender, com propriedade, que se encontram sobre a linha divisória.

Não se vislumbra, por isso, a existência, no caso sub judice, da alegada contradição entre os fundamentos da sentença e a decisão (nulidade prevista na al. c) do n° 1 do art. 668° do C.Proc.Civil).

Quando muito, se a fundamentação não convence e traduz uma deficiente aplicação das normas substantivas que disciplinam a matéria, pode sustentar-se a existência de erro de julgamento.

E, no fundo, o que se constata das alegações dos recorrentes é que eles discordam frontalmente da decisão proferida, que lhes foi desfavorável. Todavia, não podem, a coberto dessa divergência de entendimentos, assacar nulidades à decisão, antes a deveriam impugnar (se pudessem) através do competente recurso.

Conclui-se, desta forma, que não padece o acórdão reclamado da nulidade prevista na alínea c) do n° 1 do artigo 668° do C.Proc.Civil, porquanto não se verifica qualquer oposição entre a decisão e os respectivos fundamentos.

Entendem, apesar de tudo, os recorrentes que se porventura o acórdão recorrido houvesse de declarar nula a sentença e conhecesse do fundo da questão decidindo, seja a cominação do corte aos réus ou a permissão de tal corte aos autores dos eucaliptos que existindo no prédio dos réus, dada a altura que atingiram, sofreram uma inclinação acentuada pendendo sobre o prédio dos autores, incorreria ele próprio na nulidade prevista na al. e) do nº 1 do art. 668º do C.Proc.Civil, pois estaria a condenar os recorrentes num pedido que não tinha sido formulado pelos recorridos (que não pediram o corte dos eucaliptos situados fora da linha divisória).

É, no entanto, evidente que a análise desta questão se mostra prejudicada pela solução a que atrás se chegou quanto à não existência de nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão.

De facto, não tendo sido declarada a nulidade do acórdão que desatendeu a nulidade imputada à sentença da 1ª instância, é óbvio que não tem qualquer justificação conhecer da (eventual) nulidade do acórdão por excesso de pronúncia, já que, manifestamente, este não conheceu da questão, não se pronunciou (nem tem que se pronunciar) sobre ela.

Sustentam, ainda, os recorrentes que a quantia que o acórdão em crise os condenou a pagar pelos danos não patrimoniais, por estarem em causa árvores de propriedade comum de recorrentes e recorridos (que poderiam ser arrancadas por qualquer deles) é desproporcionada.

Retomando a matéria de facto, temos que:

- no prédio dos réus, junto à linha divisória do prédio dos autores, existem diversos eucaliptos com altura superior a 20 e 30 metros;

- alguns desses eucaliptos sofreram uma inclinação acentuada pendendo sobre o prédio dos autores;

- em 19 de Fevereiro de 1995, os autores requereram a notificação judicial avulsa dos réus para que estes providenciassem pelo corte desses eucaliptos;

- estes não tomaram qualquer providência;

- em 28 de Janeiro de 2001, um dos eucaliptos com cerca de 39 metros de altura, caiu, danificando o muro e o terraço da casa de habitação dos autores;

- no dia 22/02/2001, os autores enviaram carta registada com aviso de recepção aos réus a informarem que no dia 09/03/2001, pelas 14 horas, iriam proceder ao corte das árvores que estavam em risco de cair, pondo em perigo a habitação e vida das pessoas que ali residiam;

- o réu E impediu a entrada dos autores no seu terreno, sendo certo que para efectuar o corte dos eucaliptos é necessário entrar no prédio dos réus;

- no dia 11 de Fevereiro de 2002, caiu outro eucalipto, tendo partido o muro divisório que está construído para dentro do prédio dos autores;

- com a queda dos eucaliptos, os autores e seus familiares viveram momentos de medo e angústia, passaram noites sem dormir e em vigília constante;

Parece-nos claro que, crescendo os referidos eucaliptos no prédio dos réus, só a eles poderão ser atribuídas as consequências da sua manutenção bem como da respectiva queda, apesar das solicitações que os autores fizeram no sentido de serem cortadas as árvores que se encontravam em situação de risco de cair e causar danos, porquanto nada fizeram para os evitar.

O comportamento dos autores, em contrapartida, de modo nenhum se pode considerar concorrente para a produção de tais danos: na verdade, tudo fizeram para que as árvores deixassem de molestar os seus direitos de personalidade, quer convidando os réus a cortá-las, quer tentando, eles próprios, proceder ao respectivo corte (o que, como vimos, foram impedidos de fazer).

Não é, pois, razoável a pretensão dos recorrentes (aliás, atentos os interesses em jogo, e o disposto nos arts. 496º, nº 1 e 494º do C.Civil, afigura-se-nos até que o montante da indemnização poderia ter-se situado um pouco acima do que foi fixado).

Defendem, por último, os recorrentes que o acórdão em crise não os podia ter condenado numa indemnização a liquidar em execução de sentença pelos danos patrimoniais causados pela queda natural dos dois eucaliptos, uma vez que ou tal pedido deve entender-se como não tendo sido formulado pelos ora recorridos, ou a ser considerado como peticionado o mesmo teria de soçobrar face ao que se dispõe no n° 2 do art. 661° do C.Proc.Civil.

Também neste aspecto, em boa verdade, lhes não assiste razão.

Dispõe o n° 2 do art. 661º do C.Proc.Civil que, "se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o tribunal condenará no que se liquidar em execução de sentença, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida".

Esse comando, conforme entendimento corrente, "tanto se aplica ao caso de se ter formulado inicialmente pedido genérico e não ter sido possível convertê-lo em pedido específico" como ao de se ter logo formulado pedido específico, mas não se chegarem a coligir dados suficientes para se fixar, com precisão e segurança, o objecto ou a quantidade da condenação". (3)

Não tem, por isso, fundamento a posição dos recorrentes quando afirmam que tal condenação não era possível por tal pedido não ter sido concretamente formulado pelos autores (na realidade, como claramente se infere da petição inicial, até o foi) já que, como vimos, a dedução de pedido líquido não obsta a que a sentença condene em quantia a liquidar posteriormente. (4)

Ora, ressalta à evidência da matéria de facto assente que os autores sofreram prejuízos com a queda das duas árvores (viram danificados, em consequência da queda de uma das árvores, o muro e o terraço da sua casa de habitação; em consequência da outra ficou partido o muro divisório).

É, porém, certo que se não provou o quantitativo exacto a que ascendiam esses prejuízos, isto é, já não resultaram elementos suficientes para fixar a quantidade da condenação (embora o réu E pudesse ter ajudado, uma vez que a quando da queda de um dos eucaliptos tomou nota dos estragos).

Desta forma, justifica-se perfeitamente a condenação no pagamento da quantia indemnizatória que se vier a liquidar em execução de sentença.

Improcede, portanto, também esta pretensão dos recorrentes, havendo, assim, que confirmar a decisão recorrida.

Pelo exposto, decide-se:
a) - julgar improcedente o recurso de revista interposto pelos réus C, D, E e F;
b) - confirmar inteiramente o acórdão recorrido;
c) - condenar os recorrentes nas custas da revista.

Lisboa, 4 de Dezembro de 2003
Araújo Barros
Armindo Luís
Pires da Rosa
---------------------------
(1) Rodrigues Bastos, in "Notas ao Código de Processo Civil", vol. III, Lisboa, 1972, pag. 246.
(2) Antunes Varela, J. M. Bezerra e Sampaio e Nora, in "Manual de Processo Civil", 2ª edição, Coimbra, 1985, pags. 689 e 690.
(3) Alberto dos Reis, in "Código de Processo Civil Anotado", vol. V, Reimpressão, Coimbra, 1984, pag. 71.
(4) Acs. STJ de 18/10/94, no Proc. 85609 da 1ª secção (relator Torres Paulo); de 14/10/97, no Proc. 592/97 da 2ª secção (relator Nascimento Costa); e de 29/01/98, in BMJ nº 473, pag. 445 (relator Sousa Inês).