Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
117/07.0TYVNG.P1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: NUNO CAMEIRA
Descritores: SOCIEDADE COMERCIAL
DIREITOS DOS SÓCIOS
DELIBERAÇÃO SOCIAL
VOTAÇÃO
ANULAÇÃO DE DELIBERAÇÃO SOCIAL
TITULARES DE ÓRGÃOS SOCIAIS
CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 01/24/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário : I - O direito que todo o sócio tem a ser designado para os órgãos de administração e de fiscalização da sociedade, nos termos da lei e do contrato, previsto no art. 21.º, n.º 1, al. d), do CSC, não é um “bem social” susceptível de repartição pelos sócios, do mesmo modo que o não é o direito de quinhoar nos lucros, o direito de informação e o direito a participar nas deliberações dos sócios (previstos nas restantes alíneas do mesmo preceito).

II - Em todos estes casos, trata-se de direitos em abstracto dos sócios, que só se transformam em direitos em concreto quando se verifiquem os pressupostos do seu “nascimento”. Assim, o direito do sócio exigir fazer parte dos órgãos sociais há-de resultar das regras estatutárias e legais que regulam o seu exercício, não sendo directa e imediatamente atribuído pela norma do CSC supra referida.

III - Não existe justificação para, em concreto, chamando à colação os princípios da paridade e da proporcionalidade, bloquear o normal funcionamento do princípio da maioria e conseguir, contra a vontade que esta expressou, a designação de pessoa diversa da indigitada pelos sócios maioritários como representante da 1.ª ré na assembleia geral da 2.ª ré em que se delibere a eleição dos órgãos sociais.

IV - O facto de os sócios terem direito a um tratamento paritário não significa que o tribunal possa sobrepor-se às respectivas deliberações, transformando as minorias em maiorias.

V - O direito à remuneração não pode ser encarado como algo que tenha de ser usufruído, rotativa e rateadamente, pelos sócios (quer os maioritários, quer os minoritários), como se estivéssemos em presença de um dividendo do exercício da actividade, ou de um “bem social” de natureza semelhante.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I. Síntese dos termos fundamentais da causa e dos recursos

No Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia AA - SGPS, SA, propôs contra BB- Sociedade Gestora de Participações Sociais, Ldª, e CC, Ldª, uma acção ordinária. Pediu:

a) A anulação da deliberação social tomada na assembleia geral de 19/1/07, constante da acta nº 40, referida no artigo 31º da petição inicial;

b) A condenação da 1ª e 2ª rés a observar o princípio da proporcionalidade dos direitos dos sócios da 1ª ré na indigitação de membros para os corpos sociais da 2ª ré;

c) A designação, como representante da 1ª ré na assembleia geral da 2ª ré, em que se delibere a eleição de órgãos sociais, de DD, gerente da 1ª ré, ou pessoa idónea escolhida pelo Tribunal, em substituição de EE, com a cominação de fazer cumprir o princípio da proporcionalidade na indigitação dos corpos sociais da 2ª ré;

d) Que se declare judicialmente tomada a deliberação nos termos da proposta apresentada pela autora (arts. 31º e 32º da P.I.), aquando da realização da assembleia geral de 19/1/07.

Alegou em resumo que a 1ª ré é detida por duas famílias: a família J... da C..., de que faz parte a autora e as sócias FF e GG, somando quotas que representam 48% do capital social; e a família J... L... de F..., que agrupa as quotas das sócias HH, Limited, II, EE, JJ, LL e MM, e cuja soma representa 52% do mesmo capital social. O sócio EE foi eleito em assembleia geral de 5/4/91 como representante da 1ª ré nas assembleias da 2ª ré (CC, Ldª) e, desde então, nunca foi designado como membro dos órgãos sociais desta ré ninguém indicado pela família J... C..., ou elementos desta. Semelhante posição da família J... L... de F... revela uma clara preterição dos direitos sociais da família J... da C... e o afastamento da autora dos órgãos sociais das participadas da 1ª ré pelo menos desde 1991 causa-lhe relevantes prejuízos (perda das avultadas remu­nerações a que têm direito os membros dos órgãos sociais e do controlo e informação das participadas da sociedade SGPS que a autora detém).

Ambas as rés contestaram, separadamente.

A 1ª ré alegou que as deliberações negativas e positivas tomadas nada têm de abusivas porque o exercício de cargos nos órgãos de administração de sociedades participadas não constitui o gozo de qualquer “bem social”, afirmando ainda não ter sido invocado nenhum facto concreto que, provado, leve à conclusão de que lesou qualquer direito social da autora.

A 2ª ré deduziu a excepção dilatória da incompetência material com o fundamento de que o tribunal do comércio não é o competente para julgar a causa porquanto a autora apenas pediu a sua condenação na observância do princípio da proporcionalidade; no mesmo sentido, alegou também que são ilegais a coligação das rés e a cumulação de pedidos contra ambas porque os tribunais do comércio não dispõem de competência para conhecer de acções de condenação cujos pedidos, como é o caso, extravasem os limites impostos pelo artº 89º da LOFTJ; invocou ainda a ineptidão da petição inicial, a ilegitimidade processual da autora e a inexistência do direito desta, além de impugnar vários factos alegados na petição inicial.

No despacho saneador julgaram-se procedentes as excepções de incompetência material do tribunal e de coligação ilegal de partes e de pedidos deduzidas pela 2ª ré, que, por isso, foi absolvida da instância; e conhecendo-se do mérito da causa, nos termos do artº 510º, nº 1, b), do CPC, julgou-se a acção improcedente, absolvendo-se a 1ª ré do pedido.

Por acórdão de 11/2/11 a Relação do Porto confirmou a sentença recorrida, “abrangendo-se na absolvição do pedido ambas as rés e julgando prejudicado o conhecimento dos pedidos formulados em b), c) e d)” (fls 710).

De novo inconformada, a autora interpôs recurso de revista para este STJ, pedindo a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que julgue a acção procedente por terem sido violados os princípios da igualdade, da paridade de tratamento, da proporcionalidade e da boa fé, assim como o disposto nos artºs 89º da LOFTJ, 31º e 68º do CPC, 58º do CSC e 334º do CC.

A 2ª ré também recorreu, mas a título subordinado; pediu que, caso se decida revogar o acórdão da 2ª instância que a absolveu dos pedidos contra ela formulados, seja reposta a decisão da 1ª instância que julgou procedentes as excepções de incompetência absoluta e coligação ilegal de partes e de pedidos e a absolveu da instância.

No essencial e em resumo, as recorrentes formularam as seguintes conclusões úteis:

Revista da autora:

1ª) O direito da 1ª ré de nomear um elemento para o Conselho Geral e um ou dois elementos para o Conselho de Gerência da 2ª ré é susceptível de ser gozado pelos respectivos sócios, mas não exclusivamente pelos que formam a maioria, já que deve obedecer ao princípio da paridade, não sendo lícito aos sócios maioritários monopolizarem o gozo de qualquer direito ou benefício social;

2ª) A maioria, só pelo facto de o ser, não pode deliberar que apenas ela beneficie de direitos da sociedade, porque estes, se usufruídos directamente por algum sócio, devem sê-lo por todos, na devida proporção;

3ª) Este bem ou direito social da 1ª ré tem sido gozado, de forma reiterada e insistente, exclusivamente pelos mem­bros da família J... L... de F..., que têm instrumentalizado a participação maioritária (52%) que têm no seu capital social para impedirem os sócios que integram a família J... C... (48%) a acederem e gozarem dessa regalia social, na parte que lhes cabe;

4ª) Ora, este exercício do direito do voto pelos sócios maioritários em monopolização do direito da 1ª ré a indigitar membros para os órgãos sociais da 2ª ré, em beneficio exclusivo dos sócios maioritários, é abusivo, porque serve interesses extra-sociais, em detrimento dos sócios minoritários;

5ª) Apesar de, por regra, ser a vontade da maioria que determina a vontade social, tal regra de funcionamento das sociedades terá de ceder quando se verifique, como no caso presente, que os votos maioritários servem interesses extra-sociais em detrimento dos sócios minoritários, ou seja, quando a maioria exerça o direito de voto ultrapassando os limites normativos-jurídicos desse direito, porque os exercem em desrespeito da razão de ser última da sociedade, que é a partilha de benefícios pelos sócios;

6ª) Portanto, não se pretende transformar uma minoria numa maioria, mas apenas que o concreto direito da socie­dade em apreço, em vez de se reflectir apenas na esfera jurídica dos sócios que formam maioria, passe a reflectir-se na esfera jurídica de todos os sócios, em respeito do princípio da paridade.

7ª) Pôr termo ao gozo de direitos da sociedade em exclusivo por alguns sócios, em detrimento de outros, significará impedir a instrumentalização das participações maioritárias e, portanto, acabar com o abuso, em prol do substrato axiológico da sociedade.

8ª) O direito da recorrente a, enquanto sócia da 1ª ré, usufruir, na proporção que lhe cabe, desse bem ou direito social da 1ª ré, configura, ele mesmo, um direito social;

9ª) A partilha por todos os sócios deste direito social da 1ª ré a nomear membros para órgãos da sociedade participada, que não se deve confundir com o direito a nomear membros para os órgãos da própria sociedade, é especialmente   importante  na  concreta  situação   em   análise,   porque   a 1ª ré é uma sociedade gestora de participações sociais (SGPS) que não tem outra actividade que não seja deter as participadas, colhendo os dividendos destas e dividindo-os entre os sócios.

10ª) A discriminação que tem sido feita pela negação aos membros da família J... C... do mesmo direito que têm tido os da família detentora da maioria, na proporção devida, gera, por um lado, benefícios especiais para os sócios maioritários, e, por outro, causa prejuízos aos sócios minoritários, que passam não apenas pela perda das avultadas remunerações a que têm direito os membros dos órgãos sociais, mas sobretudo pela perda de controlo e informação das participadas da 1ª ré, que, ademais, é o seu único património.

11ª) Por isso, o direito da 1ª ré a indigitar membros para os órgãos sociais da 2ª ré deve ser gozado paritariamente por todos os sócios e não sujeito aos interesses caprichosos da maioria, sendo abusiva a deliberação da maioria que atribua o gozo de determinado benefício da sociedade só a um determinado sócio ou grupo de sócios, em prejuízo dos demais.

12ª) A situação em análise nos autos cabe no artigo 58.°, nº1, alínea b) do CSC, porque:  1) A deliberação posta em crise no pedido A) da acção visa, única e exclusivamente, permitir que apenas os sócios da família J... L... de F... acedam aos lucrativos lugares dos órgãos sociais das participadas da 1ª ré, que estes sócios alcançam através do respectivo voto e dos votos que com eles formam o grupo familiar maioritário dentro da 1ª ré; 2) A reiterada eleição dos sócios da família J... L... de F... para os corpos sociais das participadas da 1ª ré constitui uma vantagem especial para estes porque não respeita o princípio da proporcionalidade que deve presidir na distribuição dos bens sociais, e não resulta, de modo algum, do pacto social da 1ª ré, bem como não é adequada, nem se destina à prossecução de qualquer interesse social; 3) Essa vantagem especial apenas é possível em prejuízo dos sócios minoritários. Na verdade, o que a mais é dado aos sócios maioritários é retirado dos minoritários, que, detendo 48% do capital social da 1ª ré, em nada usufruem do seu fundamental bem social que consiste em ter poder de acesso à gestão das participadas, onde a actividade operacional se desenvolve.

13ª) Desta forma, os sócios da 1ª ré que integram a família J... L... de F... vêm excedendo manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito de voto que lhes assiste, agindo de forma desleal e incorrecta para com as restantes sócias da 1ª ré, de modo a alcançar resultados opostos aos que uma consciência razoável poderia tolerar, o que torna a deliberação em crise anulável, nos termos dos artºs 58º, nº 1, b) do CSC e 334.° do CC.

14ª) A anulação da deliberação que foi aprovada com os votos abusivos da família J... L... de F... não se revelará suficiente para acautelar os legítimos interesses da recorrente, pois não garante o exercício da prerrogativa social da 1ª ré, nas assembleias da 2ª ré, de forma consentânea com o princípio da proporcionalidade.

15ª) Por isso, torna-se necessário que a 1ª ré seja obrigada a observar o princípio da proporcionalidade dos direitos dos sócios na indigitação de membros para os corpos sociais da 2ª ré, o que só se alcança se for designada uma pessoa, em substituição do Sr. EE, para representar a 1ª ré na Assembleia Geral da 2ª ré em que se delibere a eleição dos membros dos órgãos sociais (pedidos B) e C)).

16ª) A deliberação proposta pela família J... C... deve ser considerada aprovada, por ser inválido o concurso dos votos da família J... L... de F... (corolário do reconhecimento da existência de abuso de direito) e por ter o voto favorável da totalidade dos votos válidos emitidos (pedido D)).

Revista da 2ª ré:

1ª) Relativamente à aqui recorrente, a autora pediu somente a sua condenação na observância do princípio da proporcionalidade (pedido formulado sob a alínea b), o que não cabe nos limites do artº 89º da LOFTJ, pois por “acções de anulação de deliberações sociais” tem necessariamente de entender-se as acções declarativas constitutivas, nas quais é formulado o pedido de declaração de invalidade de deliberações sociais a que se reportam os artºs 56º e sgs do CSC, e “direitos sociais”, para efeitos de atribuição de competência, não são todos aqueles que as partes queiram inventar e fazer de conta que lhe assistem, como sejam o direito à proporcionalidade, mas os que o CSC em abstracto prevê e em concreto confere;

2ª) “Direitos sociais” são apenas aqueles que o sócio pode exercer directamente perante a sociedade de que é sócio, mas não uma eventual pretensão sobre uma outra sociedade em que aquela de que ele é sócio participa;

3ª) A competência atribuída ao tribunal de comércio em matéria de sociedades é restrita e, na vertente do “exercício de direitos sociais” abrange apenas as acções em que um sócio exerce contra a sociedade direitos individuais com conteúdo específico de direito societário e perante a sociedade de que é sócio;

4ª) O pedido dirigido contra a recorrente não exprime o exercício de qualquer direito social, como tal qualificável para efeitos de atribuição de competência;

5ª) Por idênticas razões, verifica-se existirem obstáculos à coligação de rés e de pedidos, pois aplicam-se aqui os princípios estabelecidos nos artºs 31º e 470º do CPC, que impedem a coligação de partes e a dedução cumulativa de pedidos quando haja ofensa das regras da competência internacional ou em razão da matéria ou da hierarquia.

As recorridas em cada um dos recursos responderam, defendendo a manutenção do acórdão recorrido na parte que lhes foi favorável.

II. Fundamentação

a) Matéria de Facto:

1 - A autora é sócia da 1ª ré, em cujo capital social de € 200.000,00 detém uma quota no valor de € 84.028,85 .

2 - O restante capital da 1ª ré está dividido da forma seguinte:

- HH, Limited, uma quota no valor de € 91.031,25;

- NN, uma quota no valor de € 200,35;

- EE, uma quota no valor de € 249,40:

- JJ, LL e MM, que detêm uma quota no valor de € 4.173,00, cada um deles;

- FF, uma quota no valor de € 5.898,58; e

- GG, com uma quota no valor de € 5.985,57.

3 - Por sua vez, a 1ª ré é sócia da 2ª ré, em cujo capital social detém três quotas, uma no valor de € 8.100.000,00 e duas no valor de € 300.00,00 que juntas representam 29% do capital social da 2ª ré, no valor actual de € 30.000.000,00.

4 - A 2ª ré tem como órgãos sociais a Assembleia Geral, o Conselho Geral e o Conselho de Gerência, sendo aquele composto por três elementos e esta por cinco ou sete.

5 - Nos termos do artigo Quarto, B, nº 4, do pacto social da 2ª ré, uma minoria que represente pelo menos 20% do capital social tem direito a designar um elemento para o Conselho Geral, caso tenha votado contra a proposta que fizer vencimento.

6 - Disposição semelhante existe para o Conselho de Gerência - artigo Quarto, C, nº 3 do Pacto Social - nos termos do qual uma minoria representativa de pelo menos 20% do capital social tem direito a designar um ou dois elementos, conforme este Conselho seja formado por cinco ou sete elementos, respectivamente.

7 - Na primeira composição do capital social da autora os sócios eram, por determinação do referido fundador, o próprio NN e EE, com uma quota de duzentos contos cada um e as aludidas filhas, com uma quota de dois mil e trezentos contos cada uma.

8 - O sócio EE foi eleito em assembleia geral de 5/4/91 como repre­sentante da 1ª ré nas assembleias da 2ª ré.

9 - A solicitação da família J... C..., através do gerente que esta indigitou para a 1ª ré, DD, foi convocada uma assembleia geral da 1ª ré para o dia 19/1/07, com a seguinte ordem de trabalhos:

1 - Designação das pessoas para ocupar um lugar no Conselho Geral e dois lugares no Conselho de Gerência da participada CC Ldª, para o mandato do triénio 2007 a 2009.

2 - Definição de critérios futuros para a distribuição dos cinco lugares atribuídos à Sociedade pelos Pactos Sociais das Participadas.

10 - No dia 19/1/07 teve lugar a assembleia geral da 1ª ré e o representante da autora apresentou a seguinte proposta para o primeiro ponto da ordem de trabalhos:

“Considerando que:

a) A BB SGPS, Ldª tem sempre a possibilidade de designar um membro do Conselho Geral e dois membros do Conselho de Gerência da sua participada CC, Ldª.

b) A BB, SGPS, Ldª pode sempre acautelar a referida designação, quer através de negociação com os restantes sócios da CC, Ldª, quer através do voto contra a lista de membros para os corpos sociais que fizer vencimento;

c) Os cargos acima referidos são remunerados e permitem, a quem os exerce, um conhecimento privilegiado da actividade da participada;

d) O acesso a esses cargos emana de um direito da sociedade, constituindo um bem social;

e) A nenhum sócio é legítimo gozar em exclusivo dos benefícios de um bem social, devendo esse gozo, por princípio e em última análise, reverter em favor de todos os sócios na proporção das respectivas participações;

f) Em Março próximo, a CC, Ldª elegerá os novos membros dos Conselhos Geral e de Gerência, para um novo mandato de três anos.

Propõe-se:

1º - Que a sociedade adopte o princípio de que as designações para os corpos sociais das participadas devem traduzir da melhor forma possível as participações relativas dos sócios no capital social.”

11 - A autora apresentou uma proposta semelhante para o segundo ponto da ordem de trabalhos.

12 - Ambas as propostas foram rejeitadas porque contra elas votaram os sócios HH, II, EE, JJ, LL e MM, que constituem o grupo maioritário J... L... de F....

13 - O sócio EE propôs, na mesma Assembleia, que os sócios aprovassem que deveria merecer a aprovação do representante da 1ª ré na Assembleia Geral da 2ª ré, uma proposta de eleição de elementos para os órgãos sociais da 2º ré que o incluísse a ele próprio e ao seu filho, LL.

14 - Esta proposta foi aprovada com os ditos votos dos sócios que constituem o grupo maioritário, aqui denominado J... L.. de F....

15 - A autora e os demais sócios do grupo J... C... votaram contra.

b) Matéria de Direito

Do relatório que antecede deduz-se com nitidez que cabe a este tribunal apreciar em primeiro lugar o recurso da autora (principal), mas concentrando a sua atenção no pedido formulado na alínea a), já que os restantes pressupõem a sua procedência. Efectivamente, considerando o modo como estão estruturados, a rejeição daquele primeiro pedido prejudicará o conhecimento dos demais e, bem assim, do recurso da 2ª ré (CC, Ldª), este último porque logicamente subordinado à procedência da revista interposta pela autora.

Isto posto, e tentando circunscrever com o máximo de exactidão o cerne do que está em causa, dir-se-á que a questão essencial a decidir é a seguinte, vistas as conclusões que acima se resumiram: saber se a deliberação (ou melhor, as deliberações) da assembleia geral da 1ª ré de 19/1/07 são anuláveis por infracção ao disposto no artº 58º, nº 1, b), do CSC.

As instâncias responderam negativamente a esta questão e por isso decretaram a improcedência da causa, absolvendo a ré do pedido com fundamentação jurídica no essencial idêntica.

Tudo ponderado, designadamente as cuidadas e proficientes alegações e respostas apresentadas pelas partes, este tribunal considera que o veredicto das instâncias é de manter, por corresponder à solução justa e legal do pleito.

Vejamos, sinteticamente, porquê.

As deliberações impugnadas foram três: duas negativas e uma positiva. Negativas: rejeição (por 52% dos votos) da proposta da autora visando designar uma pessoa da sua confiança e por si indicada para o conselho de gerência da 2ª ré (CC), pessoa essa que seria DD. Positiva: aprovação (por 52% dos votos) da proposta apresentada pelo sócio EE no sentido de que os elementos a designar para os órgãos sociais da 2ª ré o incluíssem a ele e a seu filho LL.

Na tese da autora estas deliberações são abusivas, essencialmente porque não respeitaram os princípios da proporcionalidade e da paridade que devem presidir à designação dos representantes da 1ª ré (BB) nos órgãos sociais da 2ª ré (CC); essa designação tem recaído sistematicamente, desde Abril de 1991, nos membros da família J... L... de F..., em detrimento dos da família J... da C..., - privando estes, ilegitimamente, do gozo desse bem ou direito social - e tem servido interesses extra-sociais, dando origem a benefícios especiais para os sócios maioritários e prejudicando os minoritários.

Segundo o artº 58º, nº 1, b), do CSC, são anuláveis as deliberações que sejam apropriadas para satisfazer o propósito de um dos sócios de conseguir, através do exercício do direito de voto, vantagens especiais para si ou para terceiros, em prejuízo da sociedade ou de outros sócios ou simplesmente de prejudicar aquela ou estes, a menos que se prove que as deliberações teriam sido tomadas mesmo sem os votos abusivos.

Ora, analisando com atenção os factos provados - e não apenas estes, mas também todos aqueles que, alegados pela autora nos seus articulados, as instâncias, sem que as partes manifestassem discordância quanto a essa parte do julgado, consideraram desnecessário apurar - a conclusão que se extrai é a de que não estão reunidos os requisitos de que a lei faz depender a anulação das deliberações sociais por abuso do direito.

Assim, e em primeiro lugar, a autora faz assentar a sua pretensão numa ideia (pressuposto) que, não sendo a nosso ver exacta, torna inconcludente a própria causa de pedir da acção, impedindo a verificação prática do efeito jurídico que pretende. Na verdade, segundo o artº 21, nº1, d), do CSC, todo o sócio tem direito a ser designado para os órgãos de administração e de fiscalização da sociedade, nos termos da lei e do contrato. Este direito, contudo, como justamente observa a recorrida, não é um “bem social” susceptível de repartição pelos sócios, do mesmo modo que o não é o direito a quinhoar nos lucros, o direito de informação e o direito a participar nas deliberações dos sócios (previstos nas restantes alíneas do mesmo preceito): em todos estes casos, trata-se de direitos em abstracto dos sócios, que só se transformam em direitos em concreto quando se verifiquem os pressupostos do seu nascimento. Portanto, e no que interessa ao caso presente, o direito do sócio exigir fazer parte dos órgãos sociais há de resultar das regras estatutárias e legais que regulam o seu exercício, não sendo directa e imediatamente atribuído pela norma do CSC que se referiu. São vários os autores que perfilham este entendimento das coisas. Assim, por exemplo, o Prof. Coutinho de Abreu (Curso de Direito Comercial ,4ª edição, II, pág. 266),  refere que o direito a ser designado para um órgão de administração de uma sociedade não é “um direito subjectivo propriamente dito”, “pois nem o sócio tem o poder de exigir ou pretender que seja designado, nem os outros sócios têm o dever jurídico de o designar”. Pinto Fur­tado, por seu turno (Curso de Direito das Sociedades, 4ª edição, pág. 231), escreve que “no rigor dogmático dos princípios, os sócios limitam-se a ter legitimidade substantiva para exercer esses cargos sociais (excepto os reservados a revisores oficiais de contas) que de maneira nenhuma se traduz num direito a ser designado para eles. A realidade em presença, em nossa opinião, deve antes mais perfeitamente ser encarada como um direito potestativo de concorrer para a própria designação”. Também  Menezes Cordeiro fala em direitos abstractos e direitos concretos dos sócios. E apontando como exemplo o direito aos lucros, ensina que “o direito abstracto é uma posição favorável, protegida pelo Direito e que, verificando-se determinadas ocorrências, permitirá ao sócio ver surgir um direito concreto correspondente. O direito concreto, por seu turno, será o produto da concretização de uma prévia posição favorável, que assistia ao sócio” (Manual de Direito das Sociedades, I, pág. 509). Logo adiante (pág. 510) acrescenta que “ O “direito abstracto” surge como uma expectativa, em relação a um bem final futuro: pressupõe um processo no termo do qual esse bem poderá surgir. Trata-se duma expectativa juridicamente tutelada: diversos procedimentos instrumentais estão previstos e devem ser respeitados, sob cominações jurídicas”.  No CSC Anotado de Abílio Neto, por seu turno, citando-se João Labareda (Das Acções das Sociedades Anónimas, AAFDL, 1988, págs 169 e 171), escreve-se em anotação ao artº 21º o seguinte (pág. 134): “Deve salientar-se que a consagração do direito a integrar os órgãos de gestão e fiscalização não equivale a dizer que só os sócios podem dele fazer parte. A lei é muito clara a esse respeito, permitindo que estranhos à colectividade dos sócios ou accionistas exerçam os cargos de gerente, administrador, director e membro do conselho fiscal. O que não pode é negar-se aos sócios o direito de ser designado para os referidos órgãos. E uma vez que, emanando da própria essência do conceito de sociedade, o direito em causa é irrenunciável, qualquer deliberação social que retirasse a algum sócio ou accionista a faculdade de ser designado para titular dos cargos sociais estaria irremediavelmente afectada de nulidade, de acordo com o artº 56º, nº 1, alínea d)”. Finalmente, no CSC Anotado (Coordenação de Menezes Cordeiro, Almedina 2009) diz-se a págs 139, acerca do conteúdo do direito aqui em causa: “ O direito a ser designado para os órgãos de administração e de fiscalização - 21º/1, d) - é abstracto e traduz uma expectativa: concretamente, apenas perante uma concreta designação, que não é legalmente vinculada, se verificará a sua concretização. A profissionalização da gestão leva, de resto, a que cada vez mais os lugares sociais possam ser preenchidos por não sócios. O artº 21º/1, d), vale como norma de enquadramento tradicional, recordando, ainda, o vector da não-discriminação”.

Está-se em presença, portanto, não de um bem social no sentido que a autora lhe atribui, mas antes de um direito abstracto com o conteúdo que se pôs em evidência; e assim sendo já se vê não existir justificação para, chamando à colação os princípios da paridade e da proporcionalidade - princípios cujos contornos, de resto, a autora não estabelece com inteira clareza, por forma a explicar convincentemente a sua pertinência à justa solução do presente litígio - bloquear o normal funcionamento do princípio da maioria e conseguir, contra a vontade que esta expressou, a designação de pessoa diversa da indigitada pelos sócios maioritários como representante da 1ª ré na assembleia geral da 2ª ré em que se delibere a eleição de órgãos sociais. Razão tem, pois, a recorrida quando afirma que o exercício do direito à designação e, se este for exercido, o modo de o exercer em concreto cabe, de acordo com os princípios inerentes à “propriedade corporativa”, aos órgãos da sociedade gestora de participações sociais onde a vontade desta se forma - como no caso sucedeu, acrescentamos nós - e não aos seus sócios.

Em segundo lugar, e não menos decisivamente, não se vê que as deliberações ajuizadas, em si mesmas consideradas, sejam apropriadas para satisfazer o propósito dos sócios que as aprovaram de conseguir vantagens para si ou para terceiros, em prejuízo da autora, ou de a prejudicar. E esta “inadequação”, se assim nos podemos exprimir, salta à vista quando se tenha presente, tal como se evidenciou na sentença, que o sócio da 1ª ré EE é gerente da 2ª ré desde 1977 e um dos três membros do seu conselho geral desde que este foi criado em 1992; que está mandatado para representar a 1ª ré em todas as assembleias gerais e nelas intervir conforme melhor entenda; que nas assembleias anteriores à discutida neste processo o conselho de gerência da 2ª ré nunca foi integrado por qualquer membro da família J... C..., tendo as deliberações sido sempre aprovadas por unanimidade, com o voto favorável da autora; que até 2006 o único sócio da 1ª ré que fazia parte dos órgãos sociais da 2ª ré era EE; e que a sociedade CC, Ldª, tem tido desde sempre resultados positivos, como a recorrente não deixa de reconhecer, ao menos implicitamente. A isto acresce que, de acordo com os estatutos da 2ª ré juntos aos autos (fls 42 e sgs) a sócia desta, BB, Ldª (1ª ré), tem direito a designar um elemento para o conselho geral e um ou dois elementos para o conselho de gerência. Mas o direito é da sociedade, não de cada um dos seus sócios; por isso mesmo, não sendo um direito da autora, não há lugar à aplicação do princípio da proporcionalidade na designação dos membros dos órgãos sociais. Por outro lado, o facto de os sócios terem direito a um tratamento paritário não significa que o tribunal possa sobrepor-se às respectivas deliberações, transformando as minorias em maiorias, como sem dúvida sucederia se a pretensão da autora fosse acolhida. E também é exacto, como se refere no acórdão recorrido, que a eleição de EE e de LL para os corpos sociais da 2ª ré não constitui uma vantagem, um benefício especial para estes sócios, no sentido tido em vista pelo artº 58º, 1, b), do CSC, com a correspondente des­vantagem ou prejuízo dos membros da família J... C..., uma vez que se trata de cargos exercidos a tempo inteiro e remunerados, sendo certo que, conforme resulta do que atrás se disse, o direito à remuneração não pode ser encarado como algo que tenha de ser usufruído, rotativa e rateadamente, pelos sócios da 1ª ré (quer os maioritários, quer os minoritários), como se estivéssemos em presença de um dividendo do exercício da actividade, ou de um “bem social” de natureza semelhante.

Improcedem, consequentemente, ou mostram-se deslocadas as conclusões da revista da autora, o que, determinando a manutenção do acórdão recorrido, prejudica (inutiliza) o conhecimento do recurso subordinado da 2ª ré.

III. Decisão

Nos termos expostos, acorda-se em negar a revista da autora e julgar prejudicado o conhe­cimento do recurso da 2ª ré.

 

Custas pela autora, quer do recurso principal, quer do subordinado.


Lisboa, 24 de Janeiro de 2012.

Nuno Cameira (Relator)

Sousa Leite

Salreta Pereira