Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1559/13.8TBBRG.G1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: HELDER ALMEIDA
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
ESTABELECIMENTO COMERCIAL
CESSÃO DE EXPLORAÇÃO
DESPEJO IMEDIATO
RESOLUÇÃO DO NEGÓCIO
RETROACTIVIDADE
RETROATIVIDADE
EXTINÇÃO DO CONTRATO
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
RECURSO SUBORDINADO
RECURSO INDEPENDENTE
QUESTÃO PRÉVIA
Data do Acordão: 11/22/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADAS AS REVISTAS
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / VÍCIOS E REFORMA DA SENTENÇA / RECURSOS.
Doutrina:
- A. Ferrer Correia, Reivindicação do Estabelecimento comercial como unidade jurídica, RLJ, Ano 89.º, p. 264;
- Abílio Neto, Código Civil Anotado, 20.ª Edição, Ediforum, p. 405;
- Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume V, Coimbra Editora, p. 143.
- Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, Coimbra Editora, p. 686;
- Calvão da Silva, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, p. 335 e 336;
- Cassiano Santos, Direito Comercial Português, Volume I, Coimbra Editora, p. 353;
- Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Volume II, Almedina, p. 425;
- Inocêncio Galvão Telles, Direito das Obrigações, 7.ª Edição, Coimbra Editora, p. 460;
- Luís Menezes Leitão, Arrendamento Urbano, 8.ª Edição, Coimbra Almedina, p. 122;
- Nuno Manuel Pinto de Oliveira, Princípios de Direito dos Contratos, Coimbra Editora, p. 880, 890, 893,894, 895 e 896;
- Pedro Pais de Vasconcelos, Contratos Atípicos, Colecção Teses, Almedina, p. 201;
- Pedro Romano Martinez, Da Cessação do Contrato, Almedina, p. 219; Cumprimento Defeituoso em especial na compra e venda e na empreitada, p. 324;
- Vaz Serra, R.L.J., Ano 102.º, p. 168.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 615.º, N.ºS 1, ALÍNEA D) E 4, 35.º, N.º 4 E 639.º, N.ºS 1 E 2.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 16-03-1995, IN BMJ N.º 445, P. 404;
- DE 31-01-1996, IN BMJ N.º 453, P. 413;
- DE 30-10-2003, IN COL./STJ, TOMO II, P. 60;
- DE 23-07-2004, IN CJ, TOMO II, P. 145;
- DE 19-04-2012, PROCESSO N.º 5527/04, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I - Por via de regra a apreciação ou conhecimento do recurso independente ou autónomo – por isso, até que em primeiro lugar interposto – precede naturalmente a do recurso subordinado.

II - Todavia esta “normal” ordem de conhecimento não tem valor absoluto, devendo ceder quando as circunstâncias imponham um diferente procedimento como será o caso de no recurso subordinado se debaterem questões que se perfilam como verdadeiras questões prévias relativamente àquelas que constituem objecto do recurso independente.

III - É de excluir do contrato de locação de estabelecimento comercial – ou de cessão de exploração – um cariz “arrendatício”, não lhe sendo aplicável, em vista a pôr-lhe termo, a acção de despejo e, inerentemente, o procedimento de despejo imediato.

IV - A respeito da controvérsia doutrinal sobre os efeitos da resolução ilegal, ilícita ou ilegítima, a posição que merece sufrágio é aquela que considera que tal declaração deverá ser tida como ineficaz, sem efeito extintivo, e não a que defende que o contrato cuja declaração foi ilicitamente declarada se extinguiu e que o credor e o devedor deixam de estar adstritos à realização da prestação e da contraprestação, constituindo-se o autor de uma declaração de resolução ilícita, ilegal ou ilegítima apenas no dever de indemnizar os danos causados ao seu destinatário.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça[1]



I – RELATÓRIO[2]


1. AA Hotéis, Lda intentou a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinária, contra Hotéis BB, Lda, CC e esposa, DD, alegando – em síntese -, que é dona de um edifício, situado na freguesia de …, concelho do Porto, no qual está instalada uma unidade hoteleira.

Nessa qualidade, no dia 01.09.2010, celebrou com a 1.ª Ré um Contrato de Arrendamento Comercial e Pacto de Preferência, tendo por objeto o referido edifício (com exceção de 3 lojas).

Os 2.°s RR., por sua vez, enquanto sócios gerentes da 1.ª Ré, intervieram também como fiadores da mesma.

A Administração Fiscal, porém, não considerou esse contrato, para efeitos fiscais, como um “Contrato de Arrendamento Comercial”, mas, sim, como um “Contrato de Cessão de Exploração de Estabelecimento Comercial”.

Por isso, acordaram A. e RR., no dia 01.10.2011, em converter o contrato primeiramente referido num Contrato de Cessão de Exploração e Pacto de Preferência, no qual os 2.° RR. intervieram, igualmente, como fiadores da 1.ª Ré, continuando esta a explorar o já referenciado estabelecimento nos moldes em que o vinha fazendo desde 01.09.2010.

Antes da assinatura do último contrato, no entanto, ou seja, no dia 01.10.2011, a A. e a 1.ª Ré acordaram ainda em que esta pagaria àquela o valor do IVA referente às rendas dos meses de Setembro de 2010 a Setembro de 2011, nos mesmos moldes que viessem a ser estipulados pela Administração Fiscal, acordo este que, para si, era essencial, como na altura fez saber à referida Ré.

A mesma, porém, recusou-se não só a assinar tal convénio, como a pagar as suas obrigações em atraso, o que motivou a resolução de tal contrato, pela sua parte, com efeitos a partir do dia 29.01.2013.

Apesar dessa resolução, no entanto, a 1.ª Ré recusa-se a entregar o objeto do contrato e a pagar-lhe a quantia que tem em dívida para consigo e que discrimina. Isto, para já não falar do valor relativo à prestação variável, pois que não sabe se é credora, em virtude de ignorar a faturação bruta mensal da 1.ª Ré.

Por isso mesmo, pede que os RR. sejam condenados a reconhecer e declarar como válida a resolução do Contrato de Cessão de Exploração com efeitos a partir de 29.01.2013, por incumprimento definitivo e culposo por parte da 1.ª Ré das respetivas obrigações; a 1.ª Ré seja condenada a reconhecer essa resolução do contrato e a entregar, de imediato, o objeto do mesmo à A., livre e desembaraçado de pessoas e bens; a 1.ª Ré e os 2.°s RR. sejam condenados solidariamente a pagar-lhe a quantia de 111.299,20€; a 1.ª Ré seja condenada a comunicar aos autos a faturação mensal bruta da exploração que fez do estabelecimento comercial entre 30.09.2011 e 29.01.2013 e que a 1.ª Ré e os 2.°s RR. sejam condenados, solidariamente, a pagar-lhe o saldo entretanto resultante da diferença entre a prestação mensal fixa de cada um desses meses e 25% da faturação mensal bruta de cada um dos mesmos meses.

2. Contestaram os RR., refutando estas pretensões, porquanto, do seu ponto de vista, é a A. que se encontra em situação de incumprimento, conforme descrevem pormenorizadamente.

E daí que tenham reduzido proporcionalmente a sua contraprestação e não lhe reconheçam fundamento para a resolução contratual por ela operada.

Por outro lado, não é verdade que a 1.ª Ré tenha aceitado pagar a quantia peticionada a título de IVA, sendo certo que à A. sempre têm sido facultados os valores da faturação, valores que nunca ultrapassaram o das prestações fixas.

Quem tem tido prejuízos com toda esta situação tem sido a 1.ª Ré, que se viu forçada a encerrar quartos e a cancelar reservas, tudo ascendendo a um valor que estima, actualmente, na ordem dos 204.984,00€.

Isto, para além dos demais prejuízos que se propõem liquidar ulteriormente.

Daí que peçam, em sede reconvencional, para ser declarado válido e eficaz o contrato de cessão de exploração celebrado entre a A. e a Ré; que a A. seja condenada a eliminar e corrigir todos os defeitos elencados e identificados na contestação, dentro do prazo a fixar por sentença, e a pagar à Ré o montante 204.984,00€ por todos os prejuízos sofridos por esta, bem como a indemnização que se vier a liquidar em execução de sentença.

3. A A., por seu turno, também refuta estes pedidos.

Seja porque algumas das anomalias invocadas pelos RR. não existem, seja porque outras derivam da má utilização e/ou falta de manutenção do edifício e equipamentos por parte dos RR., seja ainda porque, não obstante algumas se terem realmente verificado, não ocorreram como os RR. as descrevem.

4. Terminados os articulados, foi proferido despacho saneador que afirmou a validade e regularidade da instância, fixou o objeto do litígio e os temas da prova.

5. A A., entretanto, deduziu incidentalmente pedido de despejo imediato, com fundamento na falta de pagamento de rendas devidas na pendência da ação por um período superior a dois meses, incidente que, embora com a oposição dos RR., foi deferido por despacho datado de 30.10.2015, tendo-se ordenado “a desocupação imediata do imóvel, estando a autora autorizada, caso a isso haja oposição dos réus, a entrar no estabelecimento”.

6. Os RR. reagiram contra este despacho, recorrendo do mesmo, mas na instância recorrida foi entendido que a impugnação de tal despacho só poderia ser feita com o recurso da decisão final.

7. Instruída e julgada a causa, foi proferida sentença [fls. 783 e ss. do 3.º volume] na qual se decidiu existir, em virtude do despejo imediato do local, “um facto superveniente gerador de inutilidade da causa relativamente ao pedido de entrega do imóvel feito pela Autora e ao pedido de eliminação dos defeitos feito pelos Réus”.

1. - Quanto ao mais, foi julgada parcialmente procedente, por provada, a ação e, em consequência:

a) Foram os RR. condenados, solidariamente, a pagar à A. a quantia de 111.299,20€;

b) Determinado que, no prazo de trinta dias após o trânsito da decisão, a Ré comunique à A. a faturação mensal bruta da exploração que fez do estabelecimento comercial entre 01/10/2011 e 31/10/2015, acompanhada dos elementos contabilísticos, e, caso haja saldo positivo, condenar os RR., solidariamente, a pagar à A. o saldo resultante da diferença entre a prestação mensal fixa de cada um desses meses e 25% da faturação mensal bruta de cada um dos mesmos meses.

2. - Julgada improcedente a reconvenção e, consequentemente, a A. absolvida dos correspondentes pedidos.

8. Inconformados com esta sentença e com a decisão de despejo imediato, reagiram os RR. interpondo o competente recurso de apelação para a Relação de ....

9. A A. apresentou resposta e, por sua vez, interpôs recurso subordinado.

10. Por Acórdão de fls. 861 e ss., foi decidido:

1. - Conceder parcial provimento ao recurso dos RR. e, consequentemente:

a) Revogar a decisão, proferida no dia 30/10/2015, que decretou o despejo imediato;

b) Revogar também a sentença recorrida, na parte em que condenou os RR. a pagarem, solidariamente, à A. a quantia de 111.299,20€.

2. - Quanto ao mais impugnado, negar provimento ao mesmo recurso e, nessa medida, confirmar a sentença recorrida.

3. – Julgar o recurso subordinado da A. improcedente.

            11. De novo discordando, pelos RR. foi interposto o vertente recurso de revista para este Supremo, cuja alegação encerram formulando as seguintes conclusões.

Ia- O recurso de Revista é admissível mesmo que a parte dispositiva das decisões das Ia e 2a Instâncias seja igual, desde que a fundamentação seja «essencialmente diversa».

2a- Vale dizer, mesmo que a pretensão da Demandante possa - como no caso, foi - afastada em ambas as instâncias com base no mesmo argumento final, a fundamentação usada no «caminho» para lá chegar foi essencialmente diferente, e a que foi aventada pelo Tribunal da Relação traduz um enquadramento jurídico diverso do da Ia Instância - e que, na fundada perspectiva da recorrente, deveria ter conduzido à procedência da acção.

3a- Na presente acção, em Primeira Instância, a, então, Autora veio peticionar o seguinte:

- que os Réus, aqui Recorrentes, sejam condenados a reconhecer e declarar como válida a resolução do Contrato de Cessão de Exploração com efeitos a partir de 29/01 /2013, por incumprimento definitivo e culposo por parte da Ia Ré das respectivas obrigações;

- que a Ia Ré seja condenada a reconhecer essa resolução do contrato e a entregar, de imediato, o objecto do mesmo à Autora, livre e desembaraçado de pessoas e bens;

- que a Ia Ré e os 2o Réus sejam condenados solidariamente a pagar à Autora a quantia de € 111.299,20;

- que a 1a Ré seja condenada a comunicar aos autos a facturação mensal bruta da exploração que fez do estabelecimento comercial entre 30/09/2011 e 29/01/2013 e que a Ia Ré e os 2°s Réus sejam condenados solidariamente a pagar à Autora o saldo entretanto resultante da diferença entre a prestação mensal fixa de cada um desses meses e 25% da facturação mensal bruta de cada um dos mesmos meses.

4a - Importa ainda referir, sobre o pedido formulado pela Autora nos autos que a quantia de € 111.299,20 peticionada respeita ao seguinte:

€ 10.750,00, à prestação de Dezembro de 2012, vencida em 08 de Novembro de 2012;

€ 30.750,00, à prestação de Janeiro de 2013, vencida em 08 de Dezembro de 2012;

€ 20.750,00, à prestação de Fevereiro de 2013, vencida em 08 de Janeiro de 2013;

€ 18.400,00, ao IVA das facturas emitidas de Outubro/2011 a Janeiro/2012, respeitantes às prestações de Novembro de 2011 e Fevereiro de 2012 vencidas em Outubro de 2011 e Janeiro de 2012;

€ 30.649,20, às facturas do IVA vencidas de 31 /07/2012 a 31 /l 2/2012, no Plano de Pagamento proposto pela Autoridade Tributária e aceite pela Autora

cf. pedido e artigos 65.°, 66.° e 67.° da Petição Inicial.

5a - Por sua vez, a, então, Ré BB vem deduzir, com a contestação, pedido reconvencional, nos termos do qual peticiona:

- que seja declarado válido e eficaz o contrato de cessão de exploração celebrado entre a Autora e a Ré;

- que a Autora seja condenada a eliminar e corrigir todos os defeitos elencados e identificados na contestação, dentro do prazo a fixar por sentença, e a pagar à Ré o montante de € 204.984,00, por todos os prejuízos sofridos por esta, bem como a indemnização que se vier a liquidar em execução de sentença.

6a-- Na decisão proferida, o Tribunal de Primeira Instância decide:

        1.. Julgar parcialmente procedente por provada a acção e, em consequência:

       a) Condenar solidariamente os Réus a pagar à Autora a quantia de € 111.299,20 (cento e onze mil duzentos e noventa e nove euros e vinte cêntimos);

       b) No prazo de trinta dias após o trânsito da decisão, deverá a Ré comunicar à Autora a facturação mensal bruta da exploração que fez do estabelecimento comercial entre 1/10/2011 e 31/10/2015 acompanhada dos elementos contabilísticos e, caso haja saldo positivo, condenar os Réus solidariamente a pagar à Autora o saldo resultante da diferença entre a prestação mensal fixa de cada um desses meses e 25% da facturação mensal bruta de cada um dos mesmos meses.

     2. .Julgar improcedente a reconvenção e, em consequência, absolver a Autora do pedido reconvencional.

7a- Acrescentando, quanto a isto que a No mais, e vista a inutilidade de alguns dos pedidos ocorrida por forca da desocupação do imóvel decretada, improcedem as pretensões das partes em sede de ação e reconvenção» (sublinhado nosso), significando tal que, no entender do tribunal de primeira instância, a questão da validade da resolução do contrato de cessão de exploração e entrega do estabelecimento à Autora, bem como a condenação da Autora na eliminação dos defeitos elencados e identificados na contestação/reconvenção ficam prejudicadas pela desocupação do imóvel.

8a- Não se podendo conformar com tal decisão, as aqui Recorrentes interpuseram, então, Recurso de Apelação para o Tribunal da Relação de ..., que versou sobre três aspectos, no entender das Recorrentes, absolutamente essenciais para a lide.

- a inaplicabilidade do incidente de despejo imediato aos autos;

- a nulidade da sentença, por omissão de pronúncia;

- a condenação das Rés para alem do objecto.

 9a- O Tribunal da Relação de ... veio reconhecer que o incidente de despejo imediato não é aplicável aos autos e que existiu uma condenação para além do objecto, mas entendeu não existir omissão de pronúncia, embora com fundamentos diferentes dos emanados da Primeira Instância.

10a- Acordaram então os senhores Juízes Desembargadores em:

«1 -Conceder parcial provimento ao recurso dos RR. e, consequentemente:

a) Revoga-se decisão, proferida no dia 30/10/2015, que decretou o despejo imediato;

b) Revoga-se também a sentença recorrida, na parte em que condenou os RR. a pagarem, solidariamente, à A. A quantia de 111.299,20.

2 - Quanto ao mais impugnado, nega-se provimento ao mesmo recurso e, nessa medida, confirma-se a sentença recorrida.

3 - Em relação ao recurso subordinado da A., acorda-se em julgá-lo improcedente.))

11a- No pedido formulado pela então Autora, a aqui recorrida AA Hóteis, Lda., solicita-se ao tribunal de primeira instância que declare a validade a resolução do contrato de cessão de exploração de estabelecimento em apreço nos autos, com efeitos a partir de 29/01/2014.

12a- Por seu turno, a aqui Recorrente vem pedir que seja declarado válido e eficaz o contrato de cessão de exploração, o que equivale a dizer que vem pedir que seja decretada como inválida a resolução operada pela então Autora/Reconvinda, ou seja, a aqui Recorrida, AA Hóteis, Lda..

13a - Ora, a sentença da primeira instância decidiu que estes pedidos se tornaram inúteis, por força da desocupação do imóvel decretada.

14a - Os aqui Recorrentes, por não concordarem com tal decisão, recorreram da mesma, alegando a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, por entenderem que a decisão do Tribunal da Primeira Instância teria forçosamente de se debruçar sobre tal matéria.

15a- O Tribunal da Relação de ..., considera que não existe omissão de pronúncia, mas com uma fundamentação diferente da utilizada pela Primeira Instância: para a Relação de ..., a sentença da Primeira Instância não tinha de declarar a validade da resolução «em sede decisória. Tinha era de apreciar a sua validade, mas na motivação, para daí extrair as correspondentes consequências.».

16a- O que equivale a dizer que enquanto que a Primeira Instância não se pronunciou, porque entendeu que, com a desocupação do imóvel, tais pedidos ficaram prejudicados, para a Segunda Instância, o pedido de apreciação da validade da resolução não se trata de um verdadeiro pedido em sentido material, apesar de inserido na parte destinada a esse efeito e que, como a resolução opera mediante simples declaração unilateral receptícia, para produzir efeitos jurídicos, não carecia, neste caso concreto, da intervenção jurisdicional.

17a- A fundamentação essencialmente diferente pressupõe que, pese embora a identidade das duas decisões, haja sido percorrido um caminho diverso para chegar à mesma decisão final, que numa e na outra se tenha feito um percurso jurídico diverso, fazendo uma qualificação jurídica da situação distinta da anterior- o que se afigura ser, manifestamente, o caso.

18a- Inversamente, a «dupla conforme» pressupõe que dois tribunais, sem divergência, tenham repetido o mesmo juízo essencial, o mesmo trajecto intelectual, sobre a questão que lhes foi colocada, para chegaram a decisões idênticas o que, no caso, não aconteceu.

19a- As duas decisões em análise evidenciam uma base de fundamentação essencialmente diferente.

20a- Em síntese: no caso, inexiste dupla conforme obstativa da interposição de recurso de revista por parte da Autora.

21a- A primeira questão em apreço no presente Recurso de Revista prende-se com o facto de se saber se a sentença da Primeira Instância se devia ter debruçado, na parte decisória, sobre a validade da resolução operada pela aqui Recorrida, AA Hóteis, Lda., sendo que é nosso entendimento a obrigação de pronúncia por parte do juiz quanto a esta questão - sendo que, neste caso, a sentença é nula, devendo tal nulidade ser arguida no presente recurso - artigo 615.° n.° 1 d) e n.° 4, parte final, do Código de Processo Civil.

22a- A sentença da Primeira Instância não se pronunciou obre a validade da resolução operada pela aqui Recorrida AA Hóteis, Lda., quando não poderia deixar de o ter feito.

23a- Na verdade, nos termos do disposto no artigo 608.° n.° 2 do Código de Processo Civil, o juiz deve resolver todas as questões que lhe tenham sido submetidas pelas partes, salvo aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.

24a- E, como supra se refere, a questão da validade da resolução foi submetida à apreciação do senhor juiz da Primeira Instância quer pela, então, Autora, quer pelas, ali, Rés: no primeiro caso, quando a Autora pede que seja declarada como válida a resolução por si operada; no segundo caso, quando os, então, Réus pedem que seja declarado válido e eficaz o contrato de cessão de exploração, que é o mesmo que dizer, que seja declarada inválida a resolução.

25a- O Tribunal da Relação de ... considerou - em nosso entender, mal - que o juiz do tribunal de primeira instância não tinha de se pronunciar sobre estes pedidos formulados.

26a- Em primeiro lugar, consideram os senhores Desembargadores que os aqui recorrentes não formularam o pedido de declaração de validade da resolução do contrato, o que não deixa de ser verdade.

27a- Depois, entende o Tribunal da Relação de ... que, o pedido de declaração de validade da resolução efectuado pela aqui Recorrida na sua Petição inicial, «não passa do fundamento de que a A. se serviu para pedir a entrega do locado».

28a- Relativamente ao primeiro fundamento, com o devido respeito - que é muito - olvidaram os Senhores Desembargadores que os ora Recorrentes peticionaram, na sua contestação/reconvenção, que fosse declarado válido o contrato de cessão de exploração de estabelecimento comercial celebrado entre as partes, o que equivale a dizer que seja declarada invalida a resolução operada pela aqui Recorrida.

29a- No que concerne ao segundo motivo invocado, não podemos deixar de estar em desacordo com o estatuído no Acórdão.

30a- Por um lado, não podem existir dúvidas que ambas as partes pretenderam que a validade da resolução operada fosse alvo de uma chancela jurisdicional, através dos pedidos por ambas formulados. Logo, o tribunal julgador não poderia deixar de os apreciar, nos termos do disposto no artigo 608.° n.° 2 do Código de Processo Civil, até porque a decisão relativa a esta questão não ficou prejudicada pela solução dada a qualquer uma das outras submetidas à apreciação judicial - antes, pelo contrário, esta questão é absolutamente fulcral, decisiva, para que se possam atentar nas demais.

31a- Vejamos que a Relação revogou o despacho que decretou o despejo imediato e que permitiu que o estabelecimento - porque é de um contrato e cessão de exploração de estabelecimento que se trata, como está assente nos autos e não foi questionado por nenhuma das partes - fosse entregue à aqui Recorrida.

32a- Por outras palavras, foi através de um despacho ilegal, porque não admissível pela lei, que a Recorrida tomou posse do estabelecimento.

33a- Consequentemente, se a resolução operada não for válida, não pode deixar de se considerar ilegal a posse do estabelecimento pela aqui Recorrida, com todas as consequências inerentes.

34a- E, se é verdade, que a resolução se opera por mera comunicação, não o é menos que os fundamentos e validade dessa resolução devem ser apreciados pelo tribunal, se tal questão lhe for submetida, como é o caso.

35a- Reitera-se que, por um lado, a ora Recorrida peticionou que a resolução fosse declarada válida; por outro lado, a aqui Recorrente peticionou que fosse declarado válido e eficaz o contrato de cessão de exploração celebrado entre as partes, ou seja, a contrariu sensu, que fosse declarada inválida a operada resolução.

36a- Assim, sempre com o devido respeito, parece errado entender-se que a questão da validade da resolução operada ou, a contrariu sensu, da validade do contrato celebrado entre as partes, não tem de ser apreciada pelo tribunal - tem, sim, porque foi submetida a tal apreciação pelas partes e porque não se encontra prejudicada por qualquer solução dada a outras questões, sendo, antes, fulcral, para a apreciação das restantes questões em causa na lide.

37a- Aqui chegados, importa recordar que a sentença recorrida deu como provados factos que determinam o incumprimento da Recorrida AA Hóteis, Lda. - cf. pontos 20 a 56 dos factos provados.

38a- Ora, a aqui Recorrente deduziu em sede de contestação/reconvenção a excepção de não cumprimento, com base nestes factos - e outros - que a sentença de primeira instância deu como provados e que não foram postos em crise pela aqui Recorrida.

39a- A sentença reconhece a resolução operada pela Autora como inválida, o que equivale a dizer que o estabelecimento comercial deve continuar a ser explorado pela Ré BB, Lda., mas depois decide não se pronunciar sobre esta questão, por entender que tal pronúncia fica prejudicada pela desocupação do imóvel em sede de incidente de despejo imediato.

40a- Já o Tribunal da Relação de ... entende que não foi submetido à apreciação do julgador a questão da validade da resolução, o que já vimos ter acontecido.

41a- Ora, com todo o respeito, na óptica dos Recorrentes é impensável que se entenda que, tendo em conta a desocupação do imóvel incidentalmente -mal - decretada, o tribunal deixe de se pronunciar sobre a questão central da presente lide: a validade, ou invalidade, da resolução do contrato de cessão de exploração de estabelecimento comercial celebrado entre a Recorrida e a Recorrente BB, Lda.

42a- Como reconhece o Tribunal da Relação, o tribunal a quo não deveria ter julgado procedente o incidente de despejo imediato, tendo em conta a excepção de não cumprimento do contrato, alegada pelos Recorrentes quer na contestação da acção propriamente dita quer na oposição ao incidente, pois vê-se agora numa situação em que ordenou a entrega de um imóvel, que faz parte de um estabelecimento comercial que devia ter continuado a ser explorado pela Recorrente BB, Lda., como a própria sentença reconhece, e que numa tentativa de se desresponsabilizar pelo mal produzido, abstém-se de decidir sobre aquilo que reconhece, atentando contra a justiça e segurança, afinal, os dois primados do direito.

43a- Tal sentença é nula, nos termos do disposto no artigo 615.° n.° 1 d) do Código de Processo Civil, nulidade essa que se arguiu, nos termos do artigo 615.° n.° 4, parte final, do mesmo Código.

44a- Consequentemente, não poderá a decisão deixar de se pronunciar também sobre a condenação da Recorrida a eliminar e corrigir todos os defeitos dados como provados na sentença, dentro do prazo a fixar por sentença, na senda do pedido reconvencional formulado pela Recorrente.

45a- Na verdade, a sentença recorrida considerou provados, mormente nos pontos 20 a 54 dos factos provados, que supra transcrevemos, vários defeitos dos que foram elencados pela Recorrente BB, Lda., sendo que, por força da invalidade da resolução operada pela Recorrida e consequente devolução do imóvel onde funciona o estabelecimento a esta, não poderá a aqui Recorrida deixar de ser condenada à reparação de tais defeitos, sob pena de estarmos perante uma nova nulidade da decisão, nos exactos termos supra alegados, que se arguiu desde já.

46a- A sentença deve, pois, nesta parte, ser declarada nula, revogada e substituída por outra decisão que reconheça a invalidade da resolução do contrato de cessão de exploração de estabelecimento comercial operada pela Recorrida e consequente validade e eficácia do contrato de cessão de exploração celebrado entre as partes, mantendo-se em vigor o referido contrato e ordenando a devolução do imóvel onde funciona tal estabelecimento à Recorrente BB, Lda., sua legítima exploradora, bem como decrete a condenação da Recorrida a reparar, no prazo pela decisão fixado, os defeitos dados como provados na sentença recorrida.

Concluem no sentido de dever ser dado provimento ao recurso e, em consequência, ser revogada a decisão proferida, em conformidade com as expostas conclusões.


12. Pela A. foi apresentada resposta, sustentando o improvimento do recurso.

13. Outrossim, interpôs recurso de revista subordinado, findando a sua alegação com as seguintes conclusões:

I. O Acórdão recorrido perfilha o entendimento de que o incidente de despejo imediato previsto no NRAU, não se aplica aos contratos de cessão da exploração, apenas aos contratos de arrendamento, motivo pelo qual revogou a sentença que decretou o despejo imediato.

II. Sucede, porém, que, face à factualidade assente e ao acórdão proferido, não resultam elementos que possam conduzir à conclusão de que estamos perante um contrato de cessão à exploração e, ainda que estejamos, será essencial aqui saber se, o incidente em causa de aplica aos contratos de cessão de estabelecimento comercial, ou não, como se refere no acórdão referido.

III. Im casu, temos dos acordos celebrados pelas partes, em que, em ambos tratamos de uma transferência temporária e onerosa, do direito de gozo do imóvel, que, in casu, denominaram de primeiro por arrendamento comercial e depois por cessão à exploração, por imposição da fazenda nacional, conforme resulta da factualidade assente nos itens 2, 3, 4 e 5.

IV. Sendo certo que, o locado, embora se encontrasse munido de algum equipamento, não podia considerar-se, nem tal resulta como assente da factualidade - o que se encontra assente é que foram outorgados acordos com as denominações de arrendamento comercial e depois de contrato de exploração e pacto de preferência - que se tratava de um estabelecimento comercial.

V. Ora, dos contratos juntos aos autos, resulta apenas que o imóvel estava dotado de alguns materiais necessários ao exercício da atividade de hotelaria, mas não existiam clientes, licenças, trabalhadores, fornecedores, programas informáticos, etc.

VI. Não resulta, da factualidade assente, qualquer elemento que permita ao tribunal configurar o acordo celebrado entre as partes como de cessão de estabelecimento comercial, nem tal foi dado como assente.

VII. Efetivamente, o que resulta dos autos como provados, é que a Recorrente cedeu aos RR. Recorridos, o gozo do imóvel, mediante uma contrapartida, nada mais.

VIII. As premissas (estabelecimento comercial) de que partem os Juízes Desembargadores para revogarem a decisão de despejo imediato, estão erradas, não tendo qualquer suporte factual, pelo que, deverá desde logo por aí, ser revogada tal decisão, porquanto não tendo sido classificados pelo tribunal os contratos em causa, parece-nos que dos elementos em apreciação, resulta evidente ser de aplicar o incidente de despejo, já que, os RR. não pagaram, nem depositaram, as contrapartidas devidas pelo gozo do locado.

IX. Deverá pois, revogar-se o acórdão recorrido nesta parte, mantendo válido o incidente de despejo.

X. Por outro lado, ainda que assim não se entenda, o incidente de despejo imediato aplica-se aos contratos de cessão á exploração de estabelecimento comercial.

XI. Sendo o contrato de cessão de exploração um contrato atípico, na sua regulamentação aplicam-se as normas do contrato tipo de estrutura mais próxima, no caso o contrato de locação, sendo por isso aplicável ao caso a Lei 6/2006 de 27 de Fevereiro, que aprovou o Novo Regime do Arrendamento Urbano, confirmar, neste sentido, o acórdão do STJ de 23 de Julho de 2004, in CJ, Tomo II, pag. 145.

XII. É que, embora sejam contratos diferentes, são idênticos (iguais), quanto à cedência do gozo do imóvel mediante retribuição.

XIII. O despejo imediato previsto no n.º 5, do artigo 14.º, da Lei n.º 6/2006, é um mecanismo já previsto no Decreto n.º 22:661, de 13 de Junho de 1933, que passou depois para o primitivo artigo 979.º do Código de Processo Civil de 1939, e, mais tarde, para artigo 58.º do Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de Outubro, revogado pela Lei n.º 6/2006.

XIV. É aplicável o incidente de despejo imediato ao contrato de cessão de estabelecimento, porquanto, quer do contrato de locação quer do de cessão de estabelecimento, emerge para o locatário este fundamental direito: o de usar e fruir plenamente o estabelecimento locado, explorando-o e fazendo seus os eventuais lucros resultantes dessa exploração. Mas dele emerge também, para essa mesma parte, este fundamental dever: o de pagar, pontualmente, a remuneração convencionada.

XV. Deve pois, esta problemática - aplicabilidade o não do incidente de despejo imediato - ser definitivamente esclarecida e tratada pelos Venerandos Juízes Conselheiros, pugnando a Recorrente pela sua aplicabilidade e em consequência, que o acórdão recorrido seja revogado nesta parte, mantendo válido o incidente de despejo.

XVI. Foi ainda, entendido no Acórdão recorrido que a condenação solidária dos Réus, a pagar à Autora a quantia de 111.299,20 €, é diversa do pedido, e por isso nula.

XVII. O pedido da Recorrente é de IVA e rendas vencidas à data de proposição da presente demanda.

XVIII. Não se encontram peticionadas as rendas vincendas, o que terá de ser peticionado em nova demanda.

XIX. Contudo, é peticionado o IVA e as rendas compreendidas entre Dezembro de 2012 e fevereiro de 2013.

XX. A sentença condenou no pagamento de rendas compreendidas entre novembro de 2013 e outubro de 2015.

XXI. Ora, sendo nula nesse segmento, não obsta a que o Tribunal condene no pagamento das rendas formuladas no pedido, porquanto resulta dos autos – factualidade constante nos itens 11 a 14 – elementos suficientes para proceder à condenação peticionada.

XXII. Assim, sendo certo o que se diz quanto à condenação diversa do pedido, devia ter o tribunal corrigido a sentença, porque detém esses poderes e elementos factuais, e condenado dentro e conforme o pedido formulado, existindo pois omissão de pronúncia a este respeito, sendo por isso nulo, o que se invoca para os devidos efeitos legais.

XXIII. Requerendo a este venerando tribunal a condenação dos RR. nas contrapartidas financeiras mensais correspondentes a esse período – Dezembro de 2012 a Fevereiro de 2013.

Remata, propugnando o provimento do recurso, nos termos expendidos nas alegações e conclusões.


14. Os RR. aduziram resposta, preconizando a manutenção da decisão recorrida.


Nada a tal opondo, cumpre decidir.


II – FACTOS

      - No Acórdão foram inscritos como provados os seguintes:

1 - A Autora é dona e legítima proprietária do edifício composto por duas caves, rés-do-chão e 4 pisos, destinado a serviços (Unidade Hoteleira), sito na Travessa …, n° …, freguesia de …, concelho do Porto, descrito na C.R.P. sob os nºs 2…7, 2…8, 5…8 e 5…8 e inscrito na respetiva matriz sob os artigos 4063.º, 6814.º, 6815.º e 11818.º, a que foi concedido o alvará de utilização n° 1018 no processo n° 33059/l0/CMP.

2 - Em 1 de Setembro de 2010 a Autora celebrou com a lª Ré um acordo que denominaram de Contrato de Arrendamento Comercial e Pacto de Preferência incidente sobre o referido edifício (com exceção de 3 lojas nele edificadas).

3 - Os 2°s Réus, sócios gerentes da 1ª Ré, intervieram no mesmo como fiadores da 1ª Ré.

4 - A Fazenda Nacional veio a considerar o aludido contrato, para efeitos fiscais, não como um “Contrato de Arrendamento Comercial” mas um “Contrato de Cessão de Exploração de Estabelecimento Comercial”.

5 - Em 11/10/2011, a Autora e a lª Ré celebraram o acordo que denominaram de Contrato de Exploração e Pacto de Preferência, incidente sobre o estabelecimento comercial (Unidade Hoteleira) sito na Travessa …, n° 3…0, freguesia de …, concelho do Porto, descrito na C.R.P. sob os nºs 2…7, 2…8, 5…8 e 5…8 e inscrito na respetiva matriz sob os artigos 4063.º, 6814.º, 6815.º e 11818.º.

6 - Nesse acordo os 2°s Réus intervieram como fiadores da 1ª Ré.

7 - Acordaram as partes, nos termos da cláusula quarta, que a 1ª Ré pagaria à Autora, pela exploração do estabelecimento “uma prestação mensal composta por uma parte fixa e por uma parte variável, nos termos a seguir descriminados:

a) De 1 de Outubro de 2011 a 30 de Setembro de 2012 será de 20.000,00€ (vinte mil euros), que deverá ser paga até ao 8° dia do mês anterior aquele que disser respeito, na sede da Primeira Outorgante ou onde esta vier a indicar.

b) A partir de 1 de Outubro de 2012, a parte fixa da renda mensal será de 25.000,00€ (vinte e cinco mil euros) paga até ao dia 8 do mês anterior aquele a que disser respeito, na sede da Primeira Outorgante ou onde esta vier a indicar.

c) A partir de 01 de outubro de 2013, a parte fixa da prestação mensal, será anualmente atualizada de acordo com os índices que vierem a ser fixados por Portaria Governamental para as rendas comerciais.

d) A partir de 1 de Outubro de 2011, ao montante da prestação fixa, deve acrescer mensalmente o valor que resultar da diferença entre a prestação fixa e o montante correspondente a vinte e cinco por cento da faturação mensal bruta da exploração que a Segunda Outorgante vier afazer no estabelecimento comercial identificado, constituindo este acréscimo mensal de prestação, condição essencial e indispensável à celebração do presente contrato.

2. A prestação mensal paga pela segunda outorgante à primeira outorgante pela cessão de exploração, acresce o IVA à taxa legal em vigor no momento do respetivo vencimento.

3. A Segunda Outorgante declara e reconhece à primeira outorgante, AA Hotéis, Ldª e/ou empresa de auditoria por esta contratada, o direito de fiscalizar como entender a contabilidade ou faturação mensal para se apurar o montante variável da prestação que a Segunda Outorgante tem a pagar à Primeira Outorgante, o qual será pago até ao dia 30 do mês seguinte a que disser respeito.”

8 - Em 18 de Julho de 2012, a Autora, remeteu à 1 a Ré cópia da notificação que lhe havia sido enviada pela Autoridade Tributária, relativamente ao plano de pagamento da quantia devida a título de IVA, com a identificação do processo, as condições de pagamento, o plano prestacional, bem como o despacho que o autorizou e em que condições o pagamento em prestações da quantia exequenda.

9 - A 1ª Ré respondeu à Autora que nada havia acordado a esse respeito, recusando-se a efetuar o pagamento de tal quantia.

10 - Em 6 de novembro de 2012, a Autora remeteu à 1 a Ré a carta acompanhada da Nota de Débito n° 11…2, respeitante ao IVA de Julho de 2010 a Setembro de 2011 em singelo, no montante de 58.200,00€, concedendo-lhe que a pagasse, à Autora, em 12 prestações iguais, mensais e sucessivas de 4.850,00€ cada, com início nesse mês de Novembro.

11 - Em 6 de Dezembro de 2012 a lª Ré depositou na conta da Autora n° 20510004344-2 do Montepio, por transferência bancária, a quantia de 10.000,00€ com o descritivo Renda Dezembro.

12 - Em 31/12/2012, depositou na mesma conta a quantia de 10.000,00€.

13 - Em 31/112013 depositou na mesma conta a quantia de 10.000,00€.

14 - Desde então e até Novembro de 2013, a lª Ré depositou mensalmente na referida conta a quantia de 10.000,00€.

15 - Em 11/1/2013, a Autora remeteu à lª Ré, datadas de 10/1/2013, quer para a sua sede, em …, quer para a Unidade Hoteleira, no Porto, as cartas registadas com aviso de receção, de teor igual, a dar-lhe 15 dias, a contar do recebimento dessas cartas, para pagar: a) os montantes correspondentes às prestações fixas vencidas em 8 de Novembro/2012 e 8 de Dezembro/2012 respeitantes aos meses de Dezembro/2012 e Janeiro/2013, a primeira (30.750,00€) só paga em parte (20.000,00€) e a segunda inteiramente por pagar; b) a importância de 18.400,00€ respeitante ao IVA das faturas emitidas de Outubro/2011 a Janeiro/2012 e c) a importância de 30.649,20€ (5.108,20€ e x 6) respeitante às prestações do IVA vencidas de 31/7/2012 a 31/12/2012, sem o que considerava o Contrato de Cessão de Exploração em apreço, resolvido por incumprimento definitivo e culposo das mencionadas obrigações por parte da 1ª Ré.

16 - Nessas missivas comunica-se ainda que a Autora, no decurso dos próximos dias, faria deslocar à unidade hoteleira um técnico de contas para fiscalizar a contabilidade e faturação mensal entre 1/10/2011 e até 11/01/2013.

17 - Na mesma data (11/1/2013) foram remetidas cartas registadas com aviso de receção para os 2°s Réus, datadas, igualmente, de 10/1/2012, quer para a sede da lª Ré em … (que é também a residência dos 2°s Réus), quer para a Unidade Hoteleira, no Porto, nas quais se dava conhecimento das cartas enviadas à 1 a R.

18 - As citadas cartas foram recebidas pelos Réus, no Porto, em 14/1/2013, conforme se colhe dos respetivos avisos de receção.

19 - No dia 30 de Janeiro de 2013, EE, gerente da AA Hotéis, S.A., acompanhado de FF, técnico oficial de contas, deslocaram-se às instalações do BB, para fiscalizar a contabilidade tendo sido recebidos por GG, que de nada sabendo, os informou não ter autorização da Administração dos BB para poder facultar a documentação.

20 - A Autora garantiu à lª Ré, constituindo pressuposto essencial do contrato e da aceitação dos valores propostos para a renda mensal e demais contrapartidas financeiras pelo arrendamento, a qualidade, resistência e apetência de construção do edifício e dos seus equipamentos para o exercício da hotelaria, para a instalação de um hotel com a categoria mínima de três estrelas.

21 - No primeiro Inverno e nas primeiras chuvas, ocorreram infiltrações em alguns quartos, e salas, no restaurante, nas áreas de serviço e nas áreas comuns, o que vem sucedendo todos os invernos e vem impedindo a 1ª Ré de comercializar e rentabilizar essas divisões.

22 - A água infiltra-se pelo chão e paredes dos quartos, fazendo que o material de revestimento do chão (piso flutuante) fique danificado, com manchas e empolado e, da mesma forma, a humidade propaga-se do chão para as paredes criando bolhas no gesso e na pintura, o que provoca o apodrecimento do gesso e da pintura, acabando por se desfazer e cair, causando, igualmente, este processo, um forte cheiro a mofo em todo o quarto, determinando o encerramento dos quartos e a impossibilidade de dos comercializar.

23 - As madeiras aplicadas nos quartos compostas por aglomerados de madeira e MDF (um derivado de papel) absorvem a humidade do quarto provocando manchas escuras na folha de madeira que reveste estes materiais.

24 - Para que os quartos fiquem em condições mínimas para se comercializarem, as paredes tem de ser constantemente pintadas no verão quando há menos chuvas, ficando os quartos mais problemáticos fechados e fora de serviço durante o inverno.

25 - A humidade presente no edifício escorre pelas paredes e tetos das salas de reuniões, provocando manchas e furos no gesso cartonado de rebaixamento dos tetos, o que impossibilita, igualmente, a sua utilização e comercialização.

26 - Para a reparação dos tetos das salas de reuniões, a Autora recorreu aos serviços da empresa “HH”.

27 - Os televisores que foram instalados nos quartos possuíam uma má imagem, com várias interferências.

28 - Algumas fechaduras eletrónicas bloquearam, impedindo os respetivos quartos de serem comercializados e uma porta teve de ser arrombada para os clientes puderem retirar os seus pertences do quarto por as fechaduras não possuírem sistemas mecânicos para a sua abertura manual pelo exterior.

29 - A firma “II, S.L.,” solucionou o problema no quarto 406 e relativamente às avarias das fechaduras nos quartos 101, 103 e 414, as mesmas foram, em junho e julho de 2011, objeto de assistência e reparação pelos técnicos da empresa “JJ, S.A..”, que prestou e faturou à Autora uma assistência fora da garantia.

30 - A central de deteção de incêndio, pela sua má instalação, deteta, por várias vezes, sinais de incêndio que se revelam falsos, disparando o alarme de incêndio do hotel, fechando todas as portas corta-fogo e desligando os elevadores.

31 - Quando tal ocorre provoca o pânico entre os clientes do hotel.

32 - Com vista à resolução do problema do alarme da central de incêndio, a Autora fez deslocar ao hotel os técnicos responsáveis pela instalação da central de incêndio, da empresa “KK”, que procedeu à mudança de toda a cablagem da central de incêndio.

33 - Existem pequenos insetos no edifício (traças) devido ao tipo de revestimento do edifício (madeira e geotêxtil) e ao facto dos materiais aplicados pela A., aquando da construção do edifício, não terem sido devidamente tratados.

34 - A proliferação destes insetos é ainda favorecida devido à humidade abundante e disseminada por todo o edifício.

35 - Tais insetos têm sido associados a falta de higiene no hotel e motivaram uma fiscalização da ASAE, que interditou e fechou um piso inteiro do hotel durante algum tempo.

36 - A existência destes insetos em grande escala tem provocado vários danos à imagem do hotel e da marca associada a ele, tem ainda provocado o fecho de vários quartos quando é necessário proceder a um tratamento mais intensivo, impedindo que estes quartos possam ser comercializados, e tem provocado ainda o abandono de alguns hóspedes do hotel.

37 - Desde o início da utilização do edifício que todo o sistema ar condicionado funciona deficientemente, quer sejam os controladores de temperatura dos quartos, quer seja o próprio sistema principal de produção de frio e de calor, pois na maioria dos quartos o ar¬ condicionado desliga-se passado apenas alguns segundos depois de estar ligado.

38 - O caudal do ar condicionado é insuficiente para as áreas da receção e do restaurante, não climatizando de forma satisfatória estes espaços.

39 - O deficiente funcionamento do ar condicionado causa desconforto aos hóspedes e, por vezes, o encerramento das divisões.

40 - A pressão da água e a instalação hidráulica são más, o que origina que nos pisos superiores a água que chega às torneiras é pouca e sem pressão e, nos pisos inferiores, a pressão da água é tão elevada que faz com que, nestes, a alta pressão provoque a rutura de tubulações e das mangueiras dos chuveiros.

41 - Não há uma alimentação uniforme, pois as bombas só entram em funcionamento quando a pressão baixa dos 4,5 Kg, faz com que a alimentação da água quente que é feita no piso ao nível do telhado chegue a 2.5Kg, provocando uma maior pressão da água fria e, quando as bombas arrancam e sobem novamente a pressão, a água quente aumenta de caudal, determinando que os clientes ao tomarem banho suportem jatos de água fria (quando a pressão da água quente está mais baixa) alternados por jatos de água quente (quando a pressão está mais alta).

42 - Faltam as cortinas nas salas de reunião e um sistema de bloqueio de luz, o que origina que quando há necessidade de projeção de imagens nas ditas salas, as mesmas não se podem comercializar para eventos que decorram durante o dia.

43 - Ocorreu o vazamento do tubo de esgoto que se encontra sobre o teto falso, fazendo com que as águas sujas caíssem na sala por cima das comidas que se encontravam no “buffet”, tendo as mesmas, por isso, de ser retiradas e postas no lixo e a sala encerrada, ficando impedida a sua comercialização.

44 - Houve infiltrações no restaurante devido a uma fuga num tubo de drenagem de águas saponácias, que foi reparada pela Autora.

45 - O gerador, equipamento obrigatório num estabelecimento de hotelaria, não funciona, tendo o mesmo de permanecer desligado pois, devido à sua má instalação, o gerador interfere com a instalação elétrica do hotel, fazendo com que esta se desligue, várias vezes, durante o dia.

46 - Os colchões, com poucos meses de utilização, começaram a ficar com um afundamento, tomando-se desconfortáveis para os hóspedes que neles dormem.

47 - O mecanismo das portas dos resguardos dos chuveiros nas casas de banho dos quartos apresenta problemas, tendo, inclusive, causado ferimentos a hóspedes.

48 - As bandejas de condensação dos quartos e das salas não dão escoamento às águas de condensação, transbordando para os tetos e provocando a sua deterioração.

49 - O que provoca o fecho dos quartos e impede a sua comercialização até que a água seque e se possam pintar novamente os tetos.

50 - As tampas que dão acesso aos ventilo-convetores estão fixadas com parafusos diretamente nas placas de gesso, sendo a retirada dessas grelhas obrigatória para a manutenção regular das máquinas, o que determina que, todas as vezes que se tenha de proceder à manutenção das máquinas, o gesso tenha de ser reparado, o que onera a manutenção normal e provoca o fecho dos quartos por um período maior de tempo.

51 - Os cacifos para os balneários dos empregados nunca foram instalados, bem como os recipientes para o lixo.

52 - Os lavatórios das casas de banho caem constantemente, colocando em perigo a integridade física dos clientes.

53 - A UPS (sistema que alimenta os computadores quando falha a energia) nunca foi definitivamente instalada.

54 - Todas estas situações levaram a que ala Ré tivesse de encerrar quartos e divisões do hotel, cancelar reservas e a cancelar a comercialização dos mesmos e à existência de reclamações por parte dos clientes.

55 - A Ré comunicou à Autora tais situações que, apesar de as reconhecer e de assumir a obrigação da sua eliminação e reparação, não procedeu à sua eliminação e reparação em termos da sua resolução.

56 - Por a lª Ré estar privada da exploração total e plena do hotel, por ter perdido clientes, realizado menos vendas, o que se vende, é pelo preço mais baixo do que seria expectável e em muito menor quantidade e qualidade, a 1ª Ré reduziu a prestação mensal para o valor de 10.000,00 € (dez mil euros), até que a Autora procedesse à eliminação e resolução dos problemas que a privam da exploração, dando disso conhecimento à Autora.

57 - Desde outubro de 2013 que a 1ª Ré não paga qualquer quantia à Autora.

58 - A Câmara Municipal do ... notificou a Autora em 04/08/2014 para a realização de obras de conservação em conformidade com o auto de vistoria de fls. 466 dos autos.

59 - Em consequência do decretamento do despejo imediato, o imóvel foi entregue à Autora em 5 de novembro de 2015.

- E como não provados os que seguem:

1 - No mesmo dia 11/10/2011, antes do acordo denominado Contrato de Exploração e Pacto de Preferência, a Autora e ala Ré, acordaram ainda que a 1ª Ré pagaria à Autora as quantias que esta tivesse de pagar ao Fisco respeitante ao IVA das rendas pagas nos meses de setembro de 2010 a setembro de 2011.

2 - Pagamento esse que seria efetuado em conformidade com o plano de pagamento em prestações que a Fazenda Nacional viesse a facultar à Autora, e mediante a apresentação, por parte desta, do comprovativo desse pagamento.

3 - Acordo este entendido pela Autora como condição essencial e determinante para a celebração, imediatamente a seguir, do Contrato de Cessão de Exploração, sem o qual, não o teria outorgado nos termos em que o outorgou.

4 - Como fez saber à la Ré, e esta declarou ficar bem ciente, aceitando-o sem qualquer reserva.

5 - Para cumprimento da cláusula 4a do contrato, deveria a lª Ré, mensalmente, informar a Autora da faturação mensal bruta da exploração do hotel a fim de esta aceitar ou não os números apresentados e aceitando-os, fazer as suas contas a ver se lhe é ou não devida, pela 1 a Ré, qualquer prestação mais, além da prestação fixa ou não os aceitando, fiscalizar pessoalmente ou por intermédio de empresa da especialidade, a bondade das contas apresentadas.

6 - A 1ª Ré diferiu sempre, com expedientes vários, o momento do cumprimento dessa obrigação.

7 - As portas das varandas dos quartos que dão para o pátio exterior traseiro não fecham corretamente, o que determina que apenas com um pequeno empurrão provoque a sua abertura, sem qualquer resistência, tendo originado, por várias vezes, a entrada de desconhecidos nos quartos, que furtaram o equipamento destes, criando um sentimento de insegurança nos hóspedes.

8 - As portas corta-fogos que dão acesso ao exterior do hotel não trancam e podem ser abertas por fora, o que tem ocasionado que, por vezes, penetrem pessoas estranhas no hotel pondo em causa a segurança de hóspedes e trabalhadores do hotel.

9 - A Ré recebeu a carta datada de 23 de janeiro de 2013 onde, entre outras coisas, a Autora comunicava que se deslocaria à unidade hoteleira no dia 30/01/2013 às 14.30 horas a fim de apurar a faturação bruta mensal ocorrida desde o início da exploração do estabelecimento.

10 - A 1ª Ré sempre informou os responsáveis da Autora dos valores da faturação, valor que nunca ultrapassou o valor das prestações fixas.

- Apenas em dois quartos não foi possível concluir a reparação: quarto n.º 405 e 410, ambos no 4° piso (último) por a Ré, contactada pela Autora, em 12/12/2012, para agendar com esta as datas para a conclusão das obras nesses quartos, nada ter respondido.

12 - Em inícios do ano de 2013, a 1ª Ré deu instruções às suas funcionárias da limpeza no sentido de não intervirem nos quartos que apresentassem quaisquer sinais, por mínimos que fossem, de humidade, em vista a agravar a sua deterioração.

13 - Os quartos que apresentam problemas de infiltrações e humidade - que são os que têm terraço - são deixados pelos clientes com as portadas que dão para o terraço abertas, ficando assim expostos à chuva e ao vento que por ali entram.

14 - A 1ª Ré não procede à manutenção da caixilharia das aludidas portadas, nem à limpeza dos rolamentos sobre os quais as portadas deslizam, o que promove um mau isolamento dos referidos quartos com terraço e origina o aparecimento de infiltrações e no chão dos mesmos.

15 - A Ré assumiu perante a Autora que ficaria encarregue de resolver o problema dos insetos, levando a cabo, como levou, várias desinfestações num só piso de cada vez, quando o que era eficaz era a desinfestação global, em todo o hotel, por cerca de um ou dois dias.

16 - A Ré tem dado instruções às suas funcionárias da limpeza para não limparem a fundo as divisões onde se detete a existência de traças.

17 - A origem das anomalias do ar condicionado residia na falta de manutenção do equipamento.

18 - A empresa LL assumiu a colocação de colchões novos mediante um preço 50% mais baixo do que o preço normal, o que não aconteceu devido à falta de pagamento das rendas pela Ré e à posterior resolução contratual pela Autora.

19 - Os problemas dos resguardos dos chuveiros devem-se à falta de manutenção dos rolamentos e das calhas por onde as portas deslizavam, que, por não serem limpos corretamente, formavam calcário.

20 - As bandejas de condensação dos quartos e das salas devem-se a falta de manutenção do equipamento de ar condicionado por parte da Ré.

21 - Autora e Ré combinaram que os cacifos e os recipientes para o lixo seriam instalados pela Ré.

22 - A Autora procedeu à colocação definitiva da UPS, no mês de abril de 2011.


III – DIREITO

1. Como é sabido, e flui do disposto nos arts. nos arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do Cód. Proc. Civil, o âmbito do recurso é fixado em função das conclusões da alegação do recorrente, circunscrevendo-se, exceptuadas as de conhecimento oficioso, às questões aí equacionadas, sendo certo que o conhecimento e solução deferidos a uma(s) poderá tornar prejudicada a apreciação de outra(s).

    De tal sorte, e tendo em mente esse conjunto de finais proposições com que A. e RR. ultimam as respectivas alegações recursivas, cuidemos das questões em tais contextos suscitadas.


 2. Preliminarmente, importa salientar que, como visto, à nossa consideração se apresentam dois recursos, um independente ou principal, interposto pela Ré e outro – subordinado ou dependente – interposto pela A..

     Por via de regra, a apreciação ou conhecimento do recurso independente, autónomo, por isso até que em primeiro lugar interposto, precede naturalmente a do recurso subordinado.

     Todavia – e tal como salientado no Acórdão deste STJ de 16.03.95[3], esta “normal” ordem de conhecimento não tem valor absoluto, devendo ceder quando as circunstâncias imponham um diferente procedimento. Sendo que – ainda consoante o mesmo douto aresto – tal será o caso de no recurso subordinado se debaterem questões que se perfilam como verdadeiras questões prévias relativamente àquelas que constituem objecto do recurso independente, devendo então o tribunal ad quem conhecer, em primeiro lugar, daquele.

      Esta hipotizada circunstância ocorre, se bem cuidamos, na situação ora em atinência.

       Versando o recurso independente em presença sobre a questão da validade ou invalidade da resolução operada pela A. no tocante ao contrato de locação de estabelecimento entre ela e a Ré celebrado, o recurso subordinado, por seu turno, incide sobre a questão de ser, ou não, aplicável ao aludido contrato o incidente de despejo imediato.

Sendo que, na sequência do deferimento desse incidente, pela 1.ª Instância, a dita Ré teve de abrir mão do estabelecimento locado, providência que o Acórdão ora recorrido, na medida em que revogando a decisão que a decretou, fez desencadear o recurso subordinado que a A. contra ele ora deduz.

     Ora, a ser este recurso vitorioso, que o mesmo é dizer, a confirmar-se essa inicial decisão decretadora do imediato despejo, a apreciação dessoutra questão da nulidade consubstanciada na omissão de pronúncia a respeito da (in)validade da resolução contratual efectuada pela A., surge manifesta e integralmente prejudicada.

Diversamente – anote-se -, do que ocorrerá nessa alternativa hipótese –conhecimento em primeira linha do recurso principal ‑, designadamente se houver que firmar julgamento, afinal. no sentido da existência de omissão de pronúncia no tocante à invalidade dessa declaração resolutiva.

       Como assim, impõe-se fazer incidir a nossa atenção, desde já, sobre o recurso subordinado, é dizer, sobre a questão do despejo imediato da Ré, aliás, primeira decisão controvertida prolatada nos autos.


            3. Pois bem.

      Como já mencionado, o Acórdão recorrido determinou-se no sentido de revogar a decisão que, na procedência do concernete incidente, decretou o despejo imediato da Ré.

    Para tal veredicto, esse douto aresto baseou-se, fundamentalmente, na consideração de que não sendo a acção de despejo prevista do NRAU adequada a fazer extinguir o contrato – como é aquele firmado entre os Litigantes - , de locação de estabelecimento, ergo, também o não é a via do despejo imediato, tanto que mero incidente enxertado em tal acção.

      Arremetendo em via subordinada contra o assim decidido, a A. defende, antes de mais, que não resulta da factualidade assente qualquer elemento que permita ao tribunal configurar o acordo celebrado entre as partes como de cessão de estabelecimento comercial, nem tal foi dado como assente, mas apenas que foram outorgados acordos com as denominações de arrendamento comercial e depois de contrato de exploração e pacto de preferência.

Com efeito – mais aduz - dos contratos juntos aos autos flui apenas que o imóvel estava dotado de alguns materiais necessários ao exercício da actividade de hotelaria, mas não existiam clientes, licenças, trabalhadores, fornecedores, programas informáticos, etc..

Portanto, e em suma, o que resulta dos autos é que a A. cedeu à Ré o gozo do imóvel, mediante uma contrapartida, sendo certo que o locado, embora se encontrasse munido de algum equipamento, não podia considerar-se, nem tal resulta como assente da factualidade inscrita, que se tratava de um estabelecimento comercial.

    Ainda assim se não entendendo – acrescenta ‑, há então que fazê-lo no sentido de que o incidente de despejo imediato se aplica aos contratos de cessão de exploração de estabelecimento comercial, porquanto – em síntese - , quer do contrato de locação, quer desse de cessão de estabelecimento, emerge para o locatário, a par do fundamental direito de usar e fruir plenamente o estabelecimento locado, explorando-o e fazendo seus os eventuais lucros resultantes dessa exploração, também o – igualmente fundamental –, dever de pagar pontualmente a remuneração convencionada.

       Que dizer?

     Desde logo, que muito se estranha que a A., depois na sua P.I. e, bem assim, de múltiplas peças por si apresentadas nos autos – de que se destaca o próprio requerimento impetrante do enfocado despejo imediato [cfr. fls. 112, do 1.º volume], bem como a sua minuta de resposta ao recurso de apelação interposto pela Ré [cfr. fls. 825 e ss. deste volume], e a sua minuta de recurso subordinado de apelação [cfr. fls. 839 e ss. do mesmo volume] –,apresentadas nos autos, dizíamos, expressamente referindo como sendo de cessão de exploração de estabelecimento comercial o contrato por si firmado com a Ré, venha agora – apenas agora, insista-se‑, em sede da sua alegação, no recurso subordinado, pôr em causa a conceituação ou qualificação desse convénio, defendendo dever ser o mesmo considerado como um “simples” contrato de arrendamento comercial, por isso que unicamente resulta dos autos que ela, A., apenas cedeu à Contraparte o gozo do imóvel.

      Esta tardívaga pretensão da A., salvo o muito respeito, não pode, porém, sair-se vitoriosa.

        Desde logo, e na medida em que apenas agora, tendo como palco o actual estado da tramitação dos autos, se apresenta manifestada, surge como conformando uma questão nova – “ius novorum”, “nova” - , o que, como à saciedade sabido, “destoa” da índole própria dos recursos, meios para obter o reexame de questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores, e não para produção de decisões novas antes não submetidas ao julgamento do tribunal de que se recorre.

       Ainda que assim se não entendendo – o que apenas a benefício meramente argumentativo ora se equaciona - , o certo é que sobre a precisa tipificação do negócio em apreço – contrato de cessão de exploração de estabelecimento comercial - , vinha ocorrendo cabal acordo entre as partes, na linha, de resto, dos terminantes elementos constantes dos autos.

Dos quais inequivocamente dimana que em causa no mesmo não estava apenas – conforme agora pretendido pela A. – a cedência do gozo do imóvel, a fruição do seu espaço, mas, além disso, todo um conjunto de diversificados bens – móveis, máquinas, utensílios e outros - necessários, inerentes, à exploração do estabelecimento de hotelaria ali, à data da celebração do contrato, já instalado e em funcionamento, e que a A., por esse meio, transferiu para a esfera da Ré. Veja-se, nesse sentido, a mais do impressivo teor da minuta contratual de fls. 36 e ss., e Relação de Bens a ela apensa – fls. 44 e ss. -, o dos acima inventariados pontos de facto n.ºs 4 a 7, 27, 30, 37, 42, 45, 46, 51, 53 e 55.

Sendo verdade que – é este Alto Tribunal que o diz, pelo seu douto Acórdão de 19.04.12[4]“[…] enquanto no arrendamento comercial o locador transfere para o locatário o direito de gozo de um prédio, na locação de estabelecimento o detentor do estabelecimento transfere para o cessionário o gozo e fruição de uma unidade comercial, com todas as marcas e feições distintivas que acompanham esta figura de direito comercial”, pelo que “[…] haverá arrendamento comercial se o titular do local se limitar a pôr à disposição do locatário o gozo e fruição da instalação, ou seja, uma configuração física apta ao exercício da actividade mercantil visada; e já haverá cessão de exploração se o prédio já se encontrar provido dos meios materiais indispensáveis à sua utilização como empresa, designadamente móveis, máquinas, utensílios que tornem viável, mediante a simples colocação de mercadoria, o arranque da exploração comercial, mas não será indispensável que o estabelecimento já antes estivesse em exploração.”

       Deste modo, pois, temos como certo que foi um contrato de cedência de exploração de estabelecimento comercial, um contrato de locação de estabelecimento, como actualmente designado no art. 1109.º do Cód. Civil – e não “meramente” de arrendamento comercial –, aquele, de efeito, outorgado por ambas as aqui Litigantes.

           

Mas assim sendo, ocorre então perguntar se a este contrato se aplica, ou não – hipótese negativa esta outrossim defendida pela A. –, qualquer dos legais procedimentos de despejo, mais precisamente, a comum acção e o incidente de despejo imediato nesta enxertável.

       No Acórdão ora sob censura, consignado-se, a dado passo[5], que o negócio dos autos não pode “[…] ser qualificado como arrendamento, sem embargo de envolver a transferência para o locatário, por todo o tempo do contrato, do uso do prédio onde o estabelecimento está instalado”, mais se acrescenta:

     - “Este tem sido um entendimento largamente maioritário na jurisprudência e na doutrina.

E, também na lei. Efetivamente, se excetuarmos o Decreto n.º 43525, de 7 de Março de 1961, que entendia a locação do estabelecimento como arrendamento, toda a legislação subsequente adotou a orientação contrária.

Assim, dispunha o artigo 1085.º, n.º 1, do Código Civil, na sua primitiva redação, o seguinte: “Não é havido como arrendamento de prédio urbano ou rústico o contrato pelo qual alguém transfere temporária e onerosamente para outrem, juntamente com a fruição de prédio, a exploração de um estabelecimento comercial ou industrial nele instalado”.

E, igual regra foi consagrada no artigo 111.º, n.º 1, do Regime do Arrendamento Urbano (RAU), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de outubro.

      O artigo 1109.º, n.º 1, do Código Civil, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 6/2006, de 17 de fevereiro, por sua vez, mudou a terminologia, mas nada mais. Passou a adotar, na epígrafe, a denominação correta deste contrato, enquanto “locação de estabelecimento”, e não “cessão de exploração do estabelecimento comercial”, como antes era incorretamente designado, e tipificou o seu regime. Nestes termos: “A transferência temporária e onerosa do gozo de um prédio ou parte dele, em conjunto com a exploração de um estabelecimento comercial ou industrial nele instalado, rege-se pelas regras da presente subsecção, com as necessárias adaptações”.

Ou seja, a locação do estabelecimento partilha, nalguma medida, e, ainda assim, com “as necessárias adaptações” do regime previsto para o contrato de arrendamento para fins não habitacionais, mas não é um contrato de arrendamento. Desde logo, porque, como já vimos, tem por objeto não um imóvel, como é característico do arrendamento (artigo 1023.º do Código Civil), mas uma realidade jurídica diversa e autónoma. E, depois, porque se fosse considerado um contrato de arrendamento não haveria necessidade da lei o individualizar.

Ora, não sendo um contrato de arrendamento, bem se vê que a sua resolução não pode estar sujeita às condicionantes previstas para esse contrato. Nem seria, aliás, justificável que, no pleno domínio da liberdade contratual, a lei dispensasse maior proteção a uma das partes, em detrimento da outra. Mas, não é apenas por isso. É sobretudo por uma razão dogmática, que tem na sua génese a diversidade de objetos que já aflorámos.

Dentro deste enquadramento, pois, não há qualquer razão para a resolução do contrato de locação de estabelecimento dever ser feita por via judicial. De modo que, destinando-se a ação de despejo “a fazer cessar a situação jurídica do arrendamento sempre que a lei imponha o recurso à via judicial para promover tal cessação…” (artigo 14.º, n.º 1, do NRAU), é nítido que não é essa ação a adequada para extinguir o contrato de locação de estabelecimento. Nem, consequentemente, por via do despejo imediato, que não passa de um incidente enxertado nessa ação (artigo 14.º, n.ºs 1 e 5, do NRAU.

Aliás, deve dizer-se em abono da verdade, que, nesta ação, nenhuma das partes pede ao tribunal que decrete a resolução do contrato de locação de estabelecimento entre elas celebrado. O que a A. pede é que se valide a resolução desse contrato, por ela operada.

De modo que não se pode considerar esta uma ação de despejo. E não o sendo também nela não podia ter lugar o despejo imediato que nela foi decretado.”

E assim se concluiu: “Ou seja, em suma, a decisão que decretou esse despejo imediato tem, necessariamente, de ser revogada, ficando, assim, prejudicadas todas as outras questões suscitadas pelos RR. com o mesmo objetivo.”

      Ressalvando sempre o muito respeito, não vemos como não subscrever este expresso entendimento e seus fundamentos.

    A esse leque quadra-se-nos aditar – pela sua incisiva análise ‑ a exposição de Filipe Cassiano Santos[6], o qual, a respeito da mesma temática, além do mais, escreve:

        - “[…] O contrato de locação tipificado no art. 1022.º do CCIv e o respectivo regime, provenientes da matriz romana, não estão evidentemente pensados, nem a regulamentação é adequada, para a especialíssima relação mercantil que é a cessão de exploração – nem pelo tipo de bem que é dela objecto, nem pelo leque de poderes e deveres que lhe estão associados. E um tipo contratual caracteriza-se pelo conjunto de direitos e deveres que cabem às duas partes – sendo que na cessão de exploração, a natureza do bem e a especificidade do negócio implicam um dever de exploração que não tem qualquer paralelo com os deveres do locatário civil. È, pois, mistificatório reconduzir a cessão de exploração à locação do Código Civil, apesar de a lei, em autêntico contra-vapor, ter agora vindo falar de “locação de estabelecimento na epígrafe do art. 1109.º do CCiv – mas refere-se aí apenas à locação de estabelecimento que funciona em prédio arrendado quando o imóvel é envolvido no negócio. Só formal e aparentemente, pois, é que este contrato cabe na definição geral de locação inscrita no art. 1002.º do CCiv – sendo inexacta a designação locação de estabelecimento.

            […]

       A cessão de exploração é um negócio nominado (mal já se viu), mas não tipificado nem regulado. É, no entanto, um acto de comércio, na medida em que é um acto sobre uma empresa que, salvo casos excepcionais, é empresa comercial pelo art. 230.º do CCom, e que os actos organizatórios da actividade das empresas se consideram implicitamente previstos nesse preceito (sendo objectivamente comerciais nos termos do art. 2.º, 1.ª parte).

            […]

     Deste modo, à cessão de exploração de estabelecimento comercial não se aplicam as regras do arrendamento.[…].

      Não se invoque, contra o que se disse sobre a não aplicação do regime do arrendamento à cessão de exploração de estabelecimento comercial, o prescrito no art. 1109.º do CCiv..Com efeito, diz-se aí que as regras sobre os arrendamentos para fins não habitacionais se aplicam à transferência temporária e onerosa do gozo do prédio que se verifique em conjunto com a exploração do estabelecimento – isto é, à transmissão do prédio coenvolvida numa cessão de exploração de empresa. As normas sobre arrendamento ( e só as daquela subsecção) aplicam-se, pois, à cedência do prédio, e não à cessão de exploração propriamente dita – e, naturalmente, porque não há um arrendamento mas apenas uma cessão do gozo do imóvel atípica, com as devidas adaptações (n.º 1, in fine; do art. 1109.º do CCiv). Nem teria lógica, diga-se, que o legislador procedesse à construção de um regime para a cessão de exploração no quadro do regime do contrato de arrendamento, quer porque os contratos são distintos e têm objectivos distintos, quer porque pode haver cessão sem que exista contrato de arrendamento (se o prédio for do próprio cedente, por exemplo) [7]ou sem que ele seja envolvido ( porque as partes excluem o local e o direito sobre ele).”

     Esta mesma tese vê-se assumida por Pedro Pais de Vasconcelos – in Contratos Atípicos, Colecção teses, Almedina, p. 201 ‑, bem assim por Luís Menezes Leitão – in Arrendamento Urbano, 8.ª ed., Almedina, p. 122, onde refere que, considerando o teor do art. 1109.º, n.º 1, in fine, do CC, “[…] não houve alteração do regime anteriormente previsto no art. 111.º, n.º 2 e n.º 3 do RAU.”

       Na linha – anote-se - do que já anteriormente, na sua imarcescível indeclinável autoridade, expendia o Prof. A. Ferrer Correia – cfr. Reivindicação do Estabelecimento comercial como unidade jurídica”, in RLJ, Ano 89.º, p. 264 –, ou seja, ”[p]ode considerar-se hoje como jurisprudência assente que a chamada concessão de exploração comercial industrial (rectius: locação de estabelecimento) não é redutível tantos contratos distintos e autónomos quantos os singulares elementos da universalidade. Designadamente, o negócio jurídico não poderá ser qualificado como arrendamento, sem embargo de envolver a transferência para o locatário, por todo o tempo do contrato, do uso do prédio onde o estabelecimento está instalado.”


   Sendo assim de excluir do contrato de locação – ou de cessão de exploração - de estabelecimento comercial um cariz “arrendatício”, não lhe sendo aplicável – consoante bem se decidiu no Acórdão ora sob censura - , em vista a pôr-lhe termo, a acção de despejo e, inerentemente, o procedimento de despejo imediato, impõe-se, pois, concluir – na senda do que retro antecipámos - , pelo naufrágio, no segmento a que nos vimos atendo, do douto recurso subordinado por parte da A..


4. E assim sendo, ultrapassada que fica esta questão susceptível, nos moldes supra explanados, de tornar prejudicada a apreciação dessa outra – omissão de pronúncia, pela sentença da 1.ª Instância, no concernente à questão da validade ou invalidade da resolução do predito contrato levada a efeito pela A. - , suscitada, em primeira linha, no recurso principal pelos RR., urge, pois – entrando de conhecer deste procedimento impugnatório - passar ao exame dessa questão.

       Neste conspecto sustentam os RR. que a questão da validade da resolução foi submetida à apreciação do Senhor Juiz da primeira Instância, quer pela A., quer pelos RR.: no primeiro caso, quando a A. pede que seja declarada como válida a resolução por si operada; no segundo caso, quando os RR. pedem que seja declarado válido e eficaz o contrato de cessão de exploração, que é o mesmo que dizer, que seja declarada inválida a resolução.

A sentença – mais dizem - reconheceu a resolução operada pela A. como inválida, o que equivale a dizer que o estabelecimento comercial deve continuar a ser explorado pela Ré BB, Lda.; mas depois decide não se pronunciar sobre esta questão, por entender que tal pronúncia fica prejudicada pela desocupação do imóvel em sede de incidente de despejo imediato.

Já o Tribunal da Relação de ... entendeu que não foi submetido à apreciação do julgador a questão da validade da resolução, o que, como flui do supra expendido, não corresponde à realidade.

Ora – prosseguem os RR. - , é impensável que se entenda que, tendo em conta a desocupação do imóvel incidentalmente decretada, o tribunal deixe de se pronunciar sobre a questão central da lide: essa da validade, ou invalidade, da resolução do contrato de cessão de exploração de estabelecimento comercial celebrado entre as Partes.

Tal sentença enferma, pois, de nulidade, nos termos do disposto no artigo 615.°, n.° 1, d) do CPC, como os RR. arguiram, nos termos do artigo 615.°, n.° 4, parte final, do mesmo Código.

      Nulidade que, assim, o Acórdão recorrido deveria, para os devidos efeitos, ter considerado verificada.

      Salvo sempre o muito respeito – desde já se adiante – cremos que não assiste razão aos RR. e aqui Recorrentes.

      Como sabido, a deficiência ora em apreço, prevista no segmento inicial da referenciada al. d), do n.º 1, do art. 615.º, ocorre – conforme expressão literal dessa norma - , “quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar”.

Este vício, usualmente denominado “omissão de pronúncia” ou “omissão de conhecimento”, correlaciona-se com o disposto no n.º 2, do art. 608.º, preceito este no qual se impõe ao juiz o dever “de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.”.

Como expende o Prof. Alberto dos Reis [8] , para obviar a esta nulidade ou vício processual, não se impõe ao juiz que aprecie todas as razões ou argumentos que as partes aduzem para fazer vingar as sua pretensões; o que importa é que decida a questão posta.

Se ao assim proceder – anote-se - o Exm.º Magistrado se determinar ou não com acerto, isso é questão que extravasa em absoluto do âmbito – meramente formal - da nulidade, para ter o seu assento próprio em sede de mérito ou fundo da questão.

Como ensina o Prof. Antunes Varela[9], nas nulidades da sentença não tem cabimento o erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário.

      De posse destes considerandos, e revisitando a sentença apelada, é-nos dado extractar as seguintes passagens[10]:

    […]

- A Autora pede que seja declarada a validade da resolução do contrato de cessão de exploração assentando a sua pretensão em três fundamentos: falta de cumprimento pela 1ª Ré do acordo de pagamento de um montante de IVA liquidado pela Fazenda Nacional à Autora, em consequência da errada comunicação quanto à sua natureza de um contrato anterior; falta de cumprimento pela 1ª Ré do dever de informação, resultante do contrato de cessão de exploração, quanto à faturação bruta mensal, por forma a fixar a prestação variável e falta de cumprimento pela 1ª Ré das prestações mensais referentes ao contrato de cessão de exploração.

Quanto à primeira causa assente na falta de cumprimento pela 1ª Ré do acordo de pagamento do montante de IVA liquidado pela Fazenda Nacional à Autora, não resultou […] demonstrada esta falta imputada à Ré, geradora do incumprimento contratual fundamento da resolução.

Prossigamos com a análise do invocado incumprimento pela 1ª Ré do dever de informação, resultante do contrato de cessão de exploração, quanto à faturação bruta mensal, por forma a fixar a prestação variável.

   […]

  […] nem assim se pode falar em incumprimento da Ré, pois que não estando contratualmente estipulada esta obrigação concreta de informação, com muita facilidade poderia a Autora apurar a faturação mensal bruta da exploração do hotel, exercendo o seu direito de fiscalizar a contabilidade da Ré para apurar o montante variável da prestação.

Finalmente, e porventura o mais relevante fundamento em que a Autora faz assentar a resolução, consiste no incumprimento pela 1ª Ré das prestações mensais fixas referentes ao contrato de cessão de exploração.

[…]

O factualismo apurado é de molde a dar parcial razão à Ré.

A prestação da Autora consubstanciava o dever de entrega do estabelecimento em condições de permitir a sua integral exploração, de molde a possibilitar à Ré extrair do mesmo todas as vantagens e rendimentos, o que pressuponha naturalmente a aptidão de todo o edifício para a sua finalidade de unidade hoteleira.

Sem esta aptidão, por virtude das anomalias verificadas, só pode manter-se uma exploração em termos precários, a cada dia dependente da intervenção dos mais diversos trabalhos de reparação, contendendo com a normal e sã exploração de um estabelecimento de hotel.

A Autora ao entregar à Ré um estabelecimento destinado à exploração hoteleira, com infiltrações e humidades e diverso equipamento avariado, incumpriu, ou cumpriu defeituosamente, a sua obrigação de entrega do bem para o fim convencionado e a que se destinava - arts. 406º, nº1, 762º, nº 1 e 763º, nº 1 do Código Civil.

A Ré, em face disso, reagiu com a excepção de não cumprimento do contrato, reduzindo nos termos que julgou proporcionais ao seu prejuízo a contraprestação correspondente.

Em face dos prejuízos que vinha a sofrer com as anomalias detetadas, a Ré passou a pagar apenas um terço da renda estipulada (neste valor considerando o montante de IVA).

Tal redução apresenta-se equitativamente justa e equilibrada, no confronto com os prejuízos sofridos pela Ré.

Ao opor a exceptio o excipiens suspende a execução da prestação a que está adstrito até à realização da contraprestação pela outra parte, colocando-se numa posição de recusa provisória de cumprimento, que o direito acolhe como uma causa justificativa de incumprimento em homenagem ao princípio da simultaneidade do cumprimento das obrigações recíprocas que nos contratos sinalagmáticos são também reciprocamente causais[11].

Consequentemente, oposta a exceção, o excipiens vê suspensa a exigibilidade da sua prestação, suspensão que se manterá enquanto se mantiver a posição de recusa do outro contraente que deu causa à invocação da exceptio.

As partes têm direito ao exato e pontual cumprimento e ao dever e o direito de cumprir, tudo nos precisos termos convencionados, devendo a prestação ser realizada integralmente e não por pares, exceto se outro for o regime convencionado. O cumprimento defeituoso integra um dos modos de não cumprimento das obrigações, que permite ao credor da prestação imperfeita o recurso à exceção do não cumprimento do contrato[12].

Não se tratando de um incumprimento total, mas de uma prestação executada deficientemente, ocorre a denominada “exceptio non rite adimpleti contractus”.

Revertendo ao nosso caso, a prestação da Autora revelou-se uma prestação defeituosa ou mal executada (inexecução parcial), pois que não correspondeu à efetivamente devida, não tendo sido integralmente satisfeito o interesse da Ré.

Porque até à data da desocupação, a Autora, não obstante as diversas tentativas de resolução dos problemas, não havia procedido à sanação da sua falta, a Ré estava legitimada a opor-lhe a exceptio non rite adimpleti contractus, por não ser obrigada a pagar a renda na totalidade sem que aquela eliminação tivesse lugar, no que se revela ainda a função coerciva da exceptio[13].

Daqui decorre muito claramente, e postula o princípio do equilíbrio das prestações bem expresso no art. 237º do Código Civil, que a parte da prestação recusada se apresente em relação de proporcionalidade com a parte incumprida pela outra parte. Em regra, só poderá encontrar-se justificada em termos meramente parciais, os bastantes para repristinação do equilíbrio sinalagmático”, pois é um dos aspetos da relevância do princípio geral da boa-fé que o devedor apenas possa recusar a prestação na parte proporcional ao incumprimento do outro contraente.

Nesta conformidade, perante a oferta de uma prestação parcial defeituosa por parte da Autora, tem-se por legitimada a recusa do pagamento integral da contraprestação convencionada até que seja oferecida, por inteiro, a prestação devida, sem que se mostrem desrespeitados os princípios da proporcionalidade, da adequação e da boa-fé.

Reconhecido o direito da Ré a opor a excetio nos termos declarados, reconhecida fica a invalidade da resolução operada pela Autora em 29 de janeiro de 2013.

Sucede, no entanto, que a Autora a partir de novembro de 2013, sem razão que o justifique, deixou de pagar qualquer prestação. Dizemos sem razão justificativa, na medida em que não vem alegada, nem resultou demonstrada, a ocorrência de um agravamento da situação, sendo certo que a Ré continuou a explorar o estabelecimento com os constrangimentos verificados até então, só o deixando de fazer aquando do despejo coercivo ocorrido em 5 de novembro de 2015.

Por esta usufruição do estabelecimento, embora não plena, deve pagar a Ré à Autora a contrapartida correspondente de 10.000,00 € (dez mil euros).

3. Prejuízos sofridos e sua quantificação.

[…]

No mais, e vista a inutilidade de alguns dos pedidos ocorrida por força da desocupação do imóvel decretada, improcedem as pretensões das partes em sede de ação e reconvenção.


VI - DECISÃO

Pelo exposto, decide-se:

1 - Julgar parcialmente procedente por provada a ação e, em consequência:

a) Condenar solidariamente os Réus a pagar à Autora a quantia de 111.299,20 € (cento e onze mil duzentos e noventa e nove euros e vinte cêntimos);

b) No prazo de trinta dias após o trânsito da decisão, deverá a Ré comunicar à Autora a faturação mensal bruta da exploração que fez do estabelecimento comercial entre 1/10/2011 e 31/10/2015 acompanhada dos elementos contabilísticos e, caso haja saldo positivo, condenar os Réus solidariamente a pagar à Autora o saldo resultante da diferença entre a prestação mensal fixa de cada um desses meses e 25% da facturação mensal bruta de cada um dos mesmos meses.

2 - Julgar improcedente a reconvenção e, em consequência, absolver a Autora do pedido reconvencional.”

     Por sua vez, o Acórdão recorrido, conhecendo da nulidade de omissão de pronúncia ocorrida na sentença, arguida pelos RR. na sua apelação, por ali não se haver tomado posição sobre a questão da validade da resolução do contrato levada a efeito pela A., apresenta consignado, entre o mais, o que segue[14]:

- "D) Vejamos, agora, se a sentença recorrida é nula pelas razões indicadas pelos RR. e, na afirmativa, quais as implicações jurídicas e patrimoniais daí decorrentes

Estão em causa dois vícios: omissão de pronúncia e condenação em objeto diverso do pedido.

Na primeira hipótese, a sentença recorrida não teria tomado posição sobre o pedido de declaração de validade da resolução do contrato, levada a cabo pela A.[…].

[…].

Ora, desprezando o facto de não terem sido os RR. a formular o pedido de declaração de validade da resolução do contrato operada pela A. – o que nos conduziria à eventual ilegitimidade para suscitar esta questão -, verificamos, ainda assim, que esse pedido não passa do fundamento de que a A. se serviu  para pedir a entrega do locado; ou, talvez mais rigorosamente, como vimos, do prédio que integra o estabelecimento locado. Embora, pois, esse fundamento tenha sido erigido como pretensão da A., efetivamente, não o é. É, antes, a razão para ela própria chegar àquele resultado. Assim, deste ponto de vista, não se trata de um verdadeiro pedido em sentido material, apesar de incorretamente inserido na parte destinada a esse efeito, na petição inicial. Até porque, como já vimos e veremos ainda mais adiante, a resolução, para produzir efeitos jurídicos, não carecia, neste caso concreto, da intervenção jurisdicional. A resolução operava, como opera regra geral, mediante simples declaração unilateral recipienda ou recetícia de uma das partes à outra (artigo 436.º, n.º 1, do Código Civil), visto que se trata de um direito potestativo extintivo. O que significa que a instância recorrida não tinha de a declarar em sede decisória. Tinha era de apreciar a sua validade, mas na motivação, para daí extrair as correspondentes consequências. Ora, essa apreciação, foi feita, como até os RR. reconhecem. “

E isto posto, rematou-se: “De modo que, nesta parte, não se verifica a nulidade imputada à sentença recorrida, com o indicado fundamento.”

 Plasmadas que ficam, assim, as posições assumidas pelas Instâncias, diremos, antes de mais, que, salvo sempre o muito respeito, não concordamos com a Relação quando refere que “[…] a resolução, para produzir efeitos jurídicos, não carecia, neste caso concreto, da intervenção jurisdicional. A resolução operava, como opera regra geral, mediante simples declaração unilateral recipienda ou recetícia de uma das partes à outra (artigo 436.º, n.º 1, do Código Civil), visto que se trata de um direito potestativo extintivo. O que significa que a instância recorrida não tinha de a declarar em sede decisória.”

     Com efeito, ao assim se pronunciar a Relação olvida que os RR., ante a declaração resolutiva extrajudicial da A., não a aceitando, procederam como se o contrato de mantivesse inteiramente válido e actuante, além do mais, permanecendo a ocupar e fazer girar o estabelecimento.

     O que obrigou a que a A., em ordem a fazer valer a resolução declarada, tivesse de recorrer a Tribunal, propondo a acção dos autos, tendente a evidenciar o bem fundado dessa declaração e obter a condenação dos RR. nesse sentido, com a concomitante entrega das ditas instalações.

    Ora, perante este procedimento da A., os RR., citados, vieram pôr em causa/impugnar a validade dessa operada resolução extrajudicial, deduzindo em reconvenção pedido no sentido de – “ex adversu” ‑ ser declarado válido, eficaz e subsistente o contrato de cessão entre os mesmos celebrado.

     Nestes termos, pois, os RR. suscitaram o controlo judiciário da existência de fundamento ou da regularidade do exercício do direito de resolução levado a efeito pela A..

      Na verdade, é certo que “[o] disposto no art. 436.º, n.º1 [do Cód. Civil], não exclui que, se a parte a quem a resolução é declarada, entender não existir o direito de resolução ou que ele foi mal exercido, se venha a discutir em juízo se ele existia ou foi bem exercido; mas, neste caso, a sentença que julgue existente e bem exercido o direito de resolução é simplesmente declarativa, limitando-se a declarar que o direito foi correctamente exercido” – cfr. Vaz Serra, in R.L.J., Ano 102.º, p. 168 [apud Abílio Neto, in Código Civil Anotado, 20.ª ed., Ediforum, p. 405, nota 2.

      Em idêntico pendor, o Prof. Inocêncio Galvão Telles[15], começando por afirmar que “[a] resolução do contrato por inexecução reveste carácter extrajudicial”, o que “[s]ignifica que o credor, para a obter, não tem de recorrer ao tribunal”, [é] o próprio que resolve o contrato”, mais refere:

     - “Em caso de litígio o tribunal será chamado, não a decretar a resolução, mas a verificar se ela juridicamente se deu, isto é, se se reuniam as condições necessárias para o credor poder romper o contrato por sua vontade unilateral.

       Não há, assim, que propor uma acção resolutória, de natureza constitutiva [Cód. Proc. Civil, art. 4.º, n.º 2, alínea a]. A acção que venha a intentar-se em ordem a esclarecer o referido ponto será de simples apreciação ou, quando muito, de condenação [cit. Artigo, n.º 2, alíneas a) e b)].”

     Também Nuno Manuel Pinto de Oliveira[16], pronunciando-se sobre a justificação de o credor querer sujeitar a questão da resolução contratual ao tribunal, após dizer que o sentido aparente do art. 436.º causa dificuldades, acrescenta:

- “Em primeiro lugar, as disposições legais relativas aos factos constitutivos do direito potestativo de resolução do contrato contém conceitos indeterminados.

[…]

Em segundo lugar, ainda que a controvérsia sobre os factos constitutivos do direito de resolução não exista, ou não seja relevante (p. ex., por ser evidente o fundamento da resolução), o devedor poderá alegar factos impeditivos ou extintivos.”

E mais à frente[17], versando sobre os efeitos do exercício ilícito do direito potestativo de resolução do contrato, após esclarecer que:

- “O termo resolução ilegal, ilícita ou ilegítima compreende duas situações.

Em primeiro lugar, a resolução dir-se-á ilegal, ilícita ou ilegítima quando não se verifiquem os seus factos constitutivos (p. ex. quando tenha sido declarada sem que o credor tenha dado ao seu devedor duas oportunidades para cumprir).

Em segundo lugar, a resolução dir-se-á ilegal, ilícita ou ilegítima quando se verifiquem factos impeditivos ou extintivos – p. ex., a circunstância de o credor não estar em condições de restituir a prestação recebida (art. 432.º, n.º 2), ou de o risco correr por conta do credor (seja por aplicação das regras dos arts. 796.º e 797.º. seja por aplicação do regime de mora do credor  - art. 815.º do Código Civil).”

            Mais expende[18]:

    - “Os efeitos da resolução ilegal, ilícita ou ilegítima são controversos.

     Os adeptos da primeira dizem-nos que o contrato cuja resolução foi ilicitamente declarada não se extinguiu – e que, como contrato cuja declaração resolução foi ilicitamente declarada não se extinguiu, o credor e o devedor continuam a estar adstritos à realização da prestação e da contraprestação; os adeptos da segunda tese dizem-nos que o contrato cuja declaração foi ilicitamente declarada se extinguiu – e que, o contrato cuja resolução foi ilicitamente declarada se extinguiu, o credor o devedor deixam de estar adstritos à realização da prestação e da contraprestação, constituindo-se o autor de uma declaração de resolução ilegal, ilícita ou ilegítima no dever de indemnizar os danos causados ao seu destinatário.”

      E tomando posição sobre este diferendo, o Autor, refere[19] que, no seu entender, a declaração de resolução considerada ilegal ilegítima ou ilícita deverá julgar-se ineficaz, sem efeito extintivo, pois “[o] credor não tem o direito potestativo de resolução  ‑ e, não tendo o credor direito potestativo de resolução, “da tentativa de exercício de um direito de que não era titular não pode resultar qualquer efeito extintivo da relação contratual.” [aqui citando Paulo Mota Pinto, in Interesse contratual negativo e interesse contratual positivo, vol. II, C. Editora, 2008, pp. 1674-1677 (nota n.º 4861)].

     Esta posição – diga-se - , é, em nosso modesto ver, aquela que merece sufrágio, pois – como também explicita [20]Nuno Manuel Pinto de Oliveira –“[…] admitir que o autor de uma resolução sem fundamento se desvinculasse significaria atribuir-lhe o efeito querido, contra a lei. O exercício ilícito do direito seria tratado como se de um exercício lícito se tratasse.”

      E em abono da mesma surge ainda de convocar o ensinamento do Prof. Pedro Romano Martinez[21], no sentido de que [s]e a relação contratual, cuja resolução foi declarada ilícita, ainda pode ser executada, não obstante esta declaração de vontade ter efeito extintivo, o vínculo obrigacional subsiste. A declaração de ilicitude e a consequente obrigação de reconstituir a situação que existiria implica a manutenção do contrato. Assim, se o vendedor resolveu ilicitamente o contrato, tendo o comprador contestado a ilicitude da cessação, o tribunal, ao considerar ilícita a resolução, pode condenar o vendedor a cumprir a sua prestação (p. ex., entregar a coisa), cabendo nomeadamente ao adquirente recorrer à realização coactiva da prestação exigindo judicialmente o seu cumprimento (art. 817.º do CC).”

            Pois bem.

     Como sabido, ante a declaração resolutiva exercitada pela A., e sequente recurso a Tribunal, foi por essa posição de contestação que os RR. se determinaram, questionando a validade/eficácia dessa declaração e, em reconvenção, deduzindo pedido, ao fim e ao resto, de declaração dessa falta de validade, e consequente manutenção do contrato.

      Ora, em face destes elementos, o Tribunal apelado, ao invés do entendido pela Relação, não se podia limitar a apreciar a validade da resolução apenas na motivação da sentença, nada a tal respeito declarando em sede decisória, como se essa postura de oposição por parte dos RR. não houvesse tido lugar e, portanto, a estatuição sobre a questão da validade/eficácia dessa declaração não tivesse sido reclamada.

       E, além desse pronunciamento, e no mesmo contexto, tinha ainda o dito Tribunal de um outro emitir, tal no concernente ao sub-pedido, formulado pela A., de condenação da Ré a reconhecer a resolução do contrato e a entregar, de imediato, o objecto do mesmo a ela, A., livre e desembaraçado de pessoas e bens.


      Na verdade, e como visto, estes exigíveis pronunciamentos por parte do Tribunal decorriam e decorrem, incontornavelmente, da pretensão a ele apresentada pelos Litigantes, no sentido de apreciar a legitimidade da emissão da declaração resolutiva efectivada pela Locadora.

        Silenciando tais pronunciamentos, sem sombra de dúvida – sempre salvaguardando o muito respeito por diferente entendimento ‑, que a sentença teria incorrido no vício ora em foco – omissão de pronuncia.


Sem embargo, usamos esta tónica condicional, pois, em recta visão das coisas, nessa decisão não se incorreu em tal deficiência.

      Com efeito, analisado o seu acima reproduzido teor, constata-se que, na sentença, a mais da parte da motivação, no seu dispositivo final tomou-se expressa posição – estatuiu-se – sobre essas antitéticas posições assumidas pelos Litigantes no tocante à validade/eficácia da declaração resolutiva efectuada pela A..


       Constando – como vertido retro - do segmento finalizante da respectiva motivação que “[n]o mais, e vista a inutilidade de alguns dos pedidos ocorrida por força da desocupação do imóvel decretada, improcedem as pretensões das part6es em sede de acção e reconvenção”, passando à elaboração do final dispositivo, nele se consignou:

       - “Pelo exposto, decide-se:

       1 – Julgar parcialmente procedente por provada a acção e, em consequência:

        […]

    2 – Julgar improcedente a reconvenção e, em consequência, absolver a Autora do pedido reconvencional”.

    Nestes termos, pois, não subsistem dúvidas que a sentença enfrentou e decidiu essa questão da (in)validade da resolução por parte da A., pronunciou-se –posto que negativamente – sobre as pretensões a tal respeito contrapostamente deduzidas pelos Litigantes, pelo que, em suma, não incorreu na nulidade que lhe vem sendo assacada, seja, omissão de pronúncia, na al. d), do n.º 1, do art. 651.º, do CPC, tipificada.

       Conquanto que, por fundamentação diversa, o decidido no Acórdão ora em crise – negando a verificação da nulidade em consideração – apresenta-se de confirmar, com a consequente improcedência da douta objecção recursória a que nos vimos atendo.

   5. Em sede da outra e remanescente questão do seu recurso, defendem os RR. que a sentença não poderia também deixar de se pronunciar, em face dos pontos de facto provados n.ºs 20 a 54, sobre a condenação da A. – por aqueles também peticionada em sede reconvencional - a eliminar e corrigir todos os defeitos aí mencionados.

Concluem, por isso, que a dita sentença deve ser declarada nula, revogada, e substituída por outra que decrete a condenação da A. nessa reparação de defeitos.


Como resulta do expendido no âmbito da apreciação da anterior questão do recurso em foco, a sentença não deixou de conhecer/julgar também da questão ora em exame, proferindo veredicto – como visto ‑, no sentido da improcedência da reconvenção e, em consequência, absolvendo a A. do pedido nessa peça deduzido.


No douto Acórdão recorrido, por sua vez, no que tange à questão em presença, começou por se escrever:

- “Os RR. queixam-se também de na sentença recorrida não ter apreciado, como devia, o seu pedido para que a A. fosse condenada a reparar e eliminar os defeitos apurados.

Da sentença em causa, na verdade, não consta essa apreciação. Mas já consta a razão para essa atitude. Isto é, que a análise de tal pedido não era feita porquanto se considerava a mesma prejudicada pela desocupação do imóvel entretanto ocorrida. Assim, em rigor, não há qualquer omissão de pronúncia.”


Salvo o muito respeito, não vemos como não dissentir destas afirmações, exceptuada a parte em que se considerou a inexistência de omissão de pronúncia.

Na verdade, não se pode dizer que a sentença não apreciou esse pedido de condenação na reparação dos defeitos.

Bem pelo contrário, fez essa apreciação, e, como referido, julgou-o improcedente, visto esse negativo pronunciamento necessária e indissoluvelmente decorrente daquele “in totum” , no mesmo pendor, conferido à reconvenção, da qual tal sub-pedido se perfila(va) parte integrante.

Ora, não foi nem é em termos de mérito, substância ou fundo da decisão, que os RR. reagiram e ora reagem contra tal veredictum, mas, diferentemente, assacando-lhe nulidade por falta de pronúncia.

Na sequência do exposto, este formal vício não pode ser dado como ocorrido, pelo que a vertente objecção – conquanto que, de novo, por fundamentação diversa do douto Acórdão – naufraga.

E, assim, na íntegra, o recurso principal pelos RR. interposto.


6. Importa agora, e por fim, conhecer da outra questão suscitada no recurso subordinado.

Diz a A., nessa sede, que foi entendido no Acórdão recorrido que a condenação solidária dos RR. a pagar à A. a quantia de €111.299,20 €, relativa às rendas compreendidas entre Novembro de 2013 e Outubro de 2015, é diversa do pedido, e por isso nula, o que nesse aresto se decidiu.

Contudo – mais aduz - a A. peticionou o IVA e as rendas vencidas à data de proposição da presente demanda.

Ora, sendo nula naquele segmento a sentença, nada obstava a que a Relação, corrigindo-a, por outro lado, condenasse no pagamento das rendas efectivamente formuladas no pedido, porquanto resulta dos autos – factualidade constante nos pontos n.ºs 11 a 14 – elementos suficientes para o procedimento dessa peticionada condenação.

Como assim –acrescenta para concluir - existe omissão de pronúncia no dito Acórdão a tal respeito, sendo por isso o mesmo nulo.


Sem quebra do muito respeito, cremos que não cabe à A. razão.

Ainda que havendo interposto recurso de apelação subordinado da sentença, a A. não pôs em causa o segmento da mesma em que não sem considerou, para efeitos de condenação dos RR., os quantitativos de IVA e de rendas vencidas à data do ingresso da acção em juízo.

Como se salienta no Acórdão recorrido, a A., nesse dependente recurso, apenas se insurgiu contra – e passamos a citar – “o segmento que condenou a Ré a pagar-lhe a referida quantia de 111.299,20€, por conta de prestações cujo reembolso a A. não pediu (novembro de 2013 a outubro de 2015).”

     Assim sendo, como é, julgando nulo por excesso de pronúncia esse segmento condenatório inscrito na sentença, e uma vez que a A. não reagiu – como lhe era dado fazer, notadamente através do mecanismo previsto no art. 636.º do CPC [ampliação do âmbito do recurso de apelação] – contra essoutro capítulo da mesma sentença que não tomou em conta tais quantitativos de IVA e de rendas vencidas, obviamente que não tinha – nem mesmo podia – a Relação emitir pronúncia – sob pena, então sim, de nulidade - a este respeito.

    Não sendo, pois, o Acórdão passível do censurável reparo em apreciação, também nesta parte, e como avançámos, o recurso subordinado da A. falece e, assim, o mesmo na sua totalidade.


            IV – DECISÃO

    Termos em que, se decide negar provimento a ambos os recursos de revista em apreço – independente e subordinado -, confirmando - ainda que quanto àquele por fundamentos não inteiramente coincidentes -, o Acórdão pelos mesmos adversado.

Custas pelos Recorrentes, no tocante aos respectivos recursos.

                                                                       *

                                                                       *

Lisboa e Supremo Tribunal de Justiça, 22 de Novembro de 2018


Helder Almeida (Relator)

Oliveira Abreu

Ilídio Sacarrão Martins

__________

[1] Rel.: Helder Almeida
   Adjs.: Exm.º Conselheiro Oliveira Abreu e
              Exm.º Conselheiro Ilídio Sacarrão Martins.
[2] No fundamental, seguir-se-á o constante do douto Acórdão recorrido.
[3] Cfr. Bol. n.º 445, p. 404; no mesmo sentido, ainda, Ac. do STJ de 31.01.96, in Bol. n.º 453, p. 413; na doutrina, Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, in Direito Processual Civil, Vol. II, Almedina, p. 425.
[4] Proferido no Proc. n.º 5527/04, e disponível in dgsi.pt. Identicamente, decidiu-se no Ac. deste mesmo Tribunal de 30.10.2003 – in Col./STJ, Tomo II, p. 60 – que “[n]ão é a incompletude dos elementos materiais de um estabelecimento, ou o facto de a sua exploração ainda não se ter iniciado ou encontrar-se interrompida, que obsta a que esse estabelecimento possa ser objecto de um contrato de cessão de exploração”
[5] Cfr. fls. 903 deste volume.
[6] Cfr. Direito Comercial Português, Vol. I, C. Editora, p. 353.
[7] Como sabemos que in casu ocorre – Facto n.º 1.
[8] Cfr. Código de Processo Civil-Anotado, Vol. V, C. Editora, pág. 143.
[9] Cfr. Manual de Processo Civil, 2.ª ed., C. Editora, pág. 686.
[10] Cfr. 3.º volume, pp. 795 e ss..
[11] Neste ponto inscreve-se uma nota de rodapé com o seguinte teor: “Neste sentido pode ver-se CALVÃO DA SILVA, “Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória”, p. 335.
[12] Neste ponto inscreve-se nova nota de rodapé com o seguinte teor: “ROMANO MARTINEZ, “Cumprimento Defeituoso em especial na compra e venda e na empreitada”, p. 324.”
[13] Neste ponto inscreve-se nova nota de rodapé com o seguinte teor: “CALVÃO DA SILVA, ob. cit., p. 336.
[14] Cfr. fls. 906 e ss. deste 4.º volume.
[15] Cfr. Direito das Obrigações, 7.ª ed., C. Editora, p. 460.
[16] Cfr. Princípios de Direito dos Contratos, C. Editora, p. 880.
[17] Idem, p. 890.
[18] Id., p. 893.
[19] Id., pp. 895-896.
[20] Id., p. 894.
[21] Cfr. Da Cessação do Contrato, Almedina, p. 219.