Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
162/2001.L1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: MÁRIO PEREIRA
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
VIOLAÇÃO DAS REGRAS DE SEGURANÇA
RESPONSABILIDADE DO EMPREGADOR
RESPONSABILIDADE AGRAVADA
NEXO DE CAUSALIDADE
ÓNUS DA PROVA
REPRESENTANTE
Data do Acordão: 02/03/2010
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: CJASTJ, ANO XVIII, TOMO I/2010, P. 237
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Doutrina: Antunes Varela in Das Obrigações em Geral, Volume I, 748; Almeida Costa, in Direito das Obrigações; Pessoa Jorge, “Ensaios sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil”, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, 392;
Legislação Nacional: DL N.º 143/99, 30.04 (ARTIGO ºS 41º, N.º 1, A) DA LAT E 71º, N.º 1);
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO DE 11.10.2000, NA REVISTA N.º 101/2000, E DE 5.2.2003, NA REVISTA N.º 3607/2002; DE 2.10.1996, PROFERIDO NO PROCESSO N.º 37/96;
Sumário :
I - A responsabilização, principal e agravada, do empregador pressupõe, para além da violação, por este, das regras de segurança no trabalho, a existência de um nexo causal entre essa violação e o acidente.
II - O ónus de alegação e prova dos factos demonstrativos de que houve inobservância culposa das regras de segurança no trabalho por parte do empregador (ou seu representante) e de que a inobservância foi causal do acidente recai sobre quem desses factos quer tirar proveito.
III - O termo “representante”, a que alude o art. 18.º, n.º 1, da LAT, aplica-se às pessoas que gozem de poderes representativos de uma entidade patronal e actuem nessa qualidade, abrangendo normalmente os administradores e gerentes da sociedade, cujas características preenchem as próprias do mandato, e ainda quem no local de trabalho exerça o poder directivo.
IV - Tendo o encarregado geral e o encarregado de segurança da Ré omitido, perante incêndio que deflagrava num silo da fábrica daquela, o chamamento dos bombeiros e tendo, ao invés, permitido aos trabalhadores da Ré, entre eles o Autor, que fossem os mesmos a tentar apagar o fogo, bem sabendo que não tinham formação para o efeito e nem sequer usavam roupas apropriadas, temos por verificada a omissão das regras de segurança no trabalho em matéria de incêndios, previstas nos arts. 8.º, n.º 1 e 2, als. i), j) e o) do DL n.º 441/91, de 14 de Novembro, na redacção dada pelo DL n.º 133/99, de 21 de Abril.
V - No quadro das funções que aqueles encarregados assumiam – e dado que não vem demonstrado que os órgãos representativos da Ré tenham assumido ou avocado para si a liderança do combate ao incêndio – cabia-lhes assumir poderes de actuação e decisão no que concerne a medidas a adoptar com vista ao combate ao incêndio e à preservação da segurança dos demais trabalhadores e à defesa dos bens da Ré.
VI - Nesta medida, tais encarregados participavam do poder directivo próprio da sua entidade empregadora, sendo que não vem demonstrado que hajam contrariado instruções que, a esse respeito, lhes tivessem sido dadas pela Ré, daí que os seus apontados comportamentos traduzam actos da própria Ré, que a vinculam e responsabilizam e que impõem se conclua pela violação culposa, por esta, através dos ditos “representantes”, das apontadas regras legais de segurança no trabalho.
VII - No juízo de preenchimento do nexo causal entre a violação das regras de segurança no trabalho e o acidente de trabalho, como pressuposto da responsabilização a título principal e agravado do empregador, há que fazer apelo à teoria da causalidade adequada, consagrada no art. 563.º, do CC, teoria segundo a qual para que um facto seja causa de um dano é necessário que, no plano naturalístico, ele seja condição sem a qual o dano não se teria verificado e, em abstracto ou em geral, seja causa adequada do mesmo.
VIII - Tendo a Ré, através dos seus “representantes”, omitido o chamamento dos bombeiros para que fossem estes a combater o incêndio que, há várias horas, deflagrava num dos silos da fábrica, e tendo esperado que fossem os trabalhadores da empresa, entre os quais se contava o Autor, a combater tal incêndio, sendo que esses trabalhadores não usavam roupas adequadas para o efeito e não dispunham de formação em matéria de combate a incêndios, temos por verificado o nexo causal entre tal violação e o acidente, traduzido na explosão de chamas provindas do silo e que vieram a atingir o Autor, quando este colaborava no combate ao incêndio, deitando água, com uma mangueira, para dentro do silo.
Decisão Texto Integral:


Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:


I – Tendo havido acordo judicialmente homologado apenas quanto à responsabilidade infortunística da Companhia de Seguros M… C…, SA (ver auto de fls. 150 e 151 e despacho homologatório de fls. 210), o autor AA propôs a presente acção especial emergente de acidente de trabalho contra a ré BB, S.A., pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 55.000,00 a título de danos morais, a pagar-lhe os montantes correspondentes às diferenças entre a pensão já fixada e a totalidade da remuneração, que até à data de entrada da petição contabiliza em € 25.535,68, e a pagar-lhe, a título de pensão anual, o valor correspondente às diferenças entre o montante que o Autor receberá anualmente da seguradora a título de pensão e o valor correspondente à totalidade daquelas que seriam as suas remunerações anuais devidas e anualmente actualizáveis e cujo montante será liquidado em sede de execução de sentença.
Alegou, para o efeito, em síntese:
No dia 24 de Fevereiro de 2000, foi vítima de um incêndio que deflagrou num silo da fábrica onde trabalhava para a ré.
Nesse dia, não pôde iniciar o seu trabalho na prensa, tendo o encarregado da fábrica mandado que ele fosse ajudar os colegas a apagar o foco de incêndio, mandando-o subir para a pá mecânica com uma mangueira, tendo ordenado a F… S… que manobrasse a máquina e fizesse subir a pá ao máximo de altura possível, devendo então o autor apontar a mangueira para dentro do silo, através da porta que fica a meio.
A determinada altura, uma massa imensa de poeiras em chamas desabaram no interior, tendo a "explosão" de poeiras em chamas, que saiu de dentro do silo, apanhado seis trabalhadores, incendiando-os, entre eles o autor.
Para além dos danos físicos, o autor passou a padecer de distúrbios de sono, pânico, choro, ansiedade incontrolável, insónias, irritabilidade, desinteresse pelo que o rodeia e despersonalização.
A ré, ao enviar o autor para o combate ao incêndio, bem sabendo que não dispunha de formação adequada, não tinha equipamento próprio e roupa de protecção, sem que tivesse chamado os bombeiros, agiu com negligência grosseira e foi, nesses moldes, que violou as regras mínimas de segurança e higiene no trabalho.

A ré contestou, alegando que, aquando da deflagração do incêndio, alguns dos trabalhadores, por sua iniciativa, começaram a deitar água para dentro do silo.
Quando o encarregado da fábrica foi chamado, contactou com o Engenheiro S… F… pondo-o a par da ocorrência.
Este Engenheiro deslocou-se à fábrica e assumiu toda a coordenação dos trabalhos de limpeza, dando ordens para introduzir mais água dentro do silo.
Mais tarde, este Engenheiro, sem se certificar que o fazia em segurança, deu ordens para abrirem a porta do silo e é quando se dá a explosão. Nega que o acidente tenha ocorrido devido à falta de condições de segurança no trabalho ou a uma actuação grosseiramente negligente da sua parte, pois que os administradores da ré não ordenaram ao autor ou demais trabalhadores que fossem apagar o fogo.
Concluiu pela sua absolvição do pedido.

Saneada, instruída e julgada a causa, foi proferida sentença que decidiu absolver a Ré BB, S.A. da totalidade dos pedidos contra ela formulados pelo Autor.

Inconformado, o A. apelou, tendo a Relação de Lisboa julgado procedente o recurso, revogado a sentença e condenado a ré a pagar ao autor:
“- Uma pensão anual e vitalícia, com efeitos desde 20 de Agosto de 2002, e devidamente actualizada nos termos legais, cujo montante corresponde ao valor da pensão fixada a cargo da seguradora e o valor da retribuição anual do autor à data do acidente, ou seja € 11.855,55, acrescida dos juros de mora sobre as prestações em atraso, calculadas à taxa legal, desde a data do respectivo vencimento até integral pagamento (art.° 135, do CPT), relegando a respectiva liquidação para a execução de sentença
- A quantia de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), a título de indemnização pelos danos não patrimoniais”.


II – Dessa decisão interpôs a R. a presente revista em que formulou as seguintes conclusões:
1ª. O acórdão recorrido labora num erro crasso quando considera que o acidente ocorreu porque foram violadas as normas de segurança por parte do recorrente.
2ª. A este Supremo Tribunal compete aplicar o regime jurídico que julgue mais adequado aos factos fixados pelo Tribunal Recorrido.
3ª. Os factos fixados pelo Tribunal Recorrido são os mesmos que tinham sido fixados pela 1ª Instância, uma vez que o Autor AA quando recorreu para a Relação de Lisboa não sindicou a matéria de facto.
4ª. O Tribunal do Trabalho do Barreiro alicerçou a sua convicção, na matéria que respeita à forma como ocorreu o acidente, nos depoimentos das testemunhas A… U…, D… S…, R… Q… e L… S…, todos eles coincidentes no facto do Administrador da Recorrente, Senhor D… O…, ter passado pelo local, por volta das 10 horas, e falado com o Eng°. S… F…, Director de Manutenção e Segurança, a quem perguntou se era necessário chamar os bombeiros, tendo aquele respondido “que não era preciso, pois estava tudo controlado”. O sublinhado é nosso (cfr. a fundamentação do despacho que respondeu à Base Instrutória)
5ª. Assim sendo, a matéria de facto está definitivamente julgada e é insindicável por este Supremo Tribunal (art°. 729°, n° 2 do C.P.C.).
6ª. Por conseguinte, o Tribunal da Relação faz uma errada interpretação da prova e consequentemente da aplicação do direito, designadamente do art.° 18° da LAT, quando menciona que “a actuação da Ré configura uma elementar omissão dos seus deveres de diligência e cuidado, infringindo de forma grosseira as regras de segurança ....”. O sublinhado é nosso.
7ª. A Recorrente fez o que lhe competia, de acordo com o critério do “bonus paterfamilias”, quando perguntou ao seu Director de Manutenção e Segurança se era necessário chamar os Bombeiros, tendo aquele respondido que não, porque o foco de incêndio estava controlado, razão pela qual ficou plenamente convencida que de facto assim era, não admitindo sequer outra possibilidade que não fosse essa.
8ª. A Recorrente, através do seu Administrador D… O…, não omitiu os deveres de diligência e cuidado que lhe são imputados pelo acórdão recorrido, uma vez que diligenciou junto do seu Director de Manutenção e Segurança sobre se era ou não necessário chamar os bombeiros, contrariamente àquilo que é expressamente referido no douto acórdão recorrido.
9ª. O que causou o acidente de trabalho não foi a violação de algumas normas de segurança, mas foi o comportamento negligente do Eng.° S… F… que decidiu, por sua única e exclusiva iniciativa, abrir a porta do silo, numa altura em que não o devia ter feito, ao mesmo tempo que entendeu ser desnecessário chamar os bombeiros.
10ª. Aliás, no sentido referido na conclusão anterior se pronunciou o douto acórdão da Relação de Lisboa, já junto a este processo com as contra alegações de recurso, proferido no âmbito do processo n°. 220/2000, acórdão esse confirmativo da decisão da 1ª Instância, quando, a propósito deste caso, refere a fls. 30 que:
".... o que provocou a explosão que vitimou o sinistrado, não foi um simples foco de incêndio, o qual até já estava controlado, não sendo visíveis vestígios do mesmo, nem foi o facto de terem sido os trabalhadores da Ré a tentar apagar esse foco, nem o facto de não terem sido logo chamados os bombeiros para apagar aquele foco de incêndio.
O que causou aquela explosão foi o contacto do oxigénio com os produtos altamente inflamáveis que existiam no interior do silo. E o oxigénio só entrou em contacto com esses produtos inflamáveis, porque o sinistrado, não obstante avisado para o não fazer, abriu a porta do silo (...). Ora, esta actuação do sinistrado, não foi ordenada pela Ré, sua entidade patronal, nem havia quaisquer instruções desta nesse sentido.
Foi por sua própria iniciativa que o sinistrado assim procedeu”. O sublinhado é nosso.
11ª. A jurisprudência é unânime em reconhecer que não basta a inobservância das regras de segurança por parte da entidade empregadora para que se possa lançar mão do art° 18° da LAT é, antes, necessário e indispensável que se demonstre que o acidente ocorreu em virtude de tal violação, ou seja, que exista nexo de casualidade entre uma e outra ou, dito por outras palavras, que esse incumprimento seja causa adequada do acidente.
12ª. A responsabilidade agravada prevista no artigo 18 da LAT só existe se o acidente ocorrer em virtude da violação das normas de segurança, exigindo-se, para isso a demonstração de factos que permitam concluir que foi o desrespeito daquelas regras que causou o acidente.
13ª. O acórdão recorrido parte de pressupostos errados e, consequentemente, faz uma errada aplicação do direito, ao considerar que estão preenchidos os requisitos de aplicação do art°. 18 da LAT.
14ª. No presente caso não resultou provado o nexo de causalidade entre a verificação do acidente e a falta de observação das regras de segurança e higiene no trabalho, pois não basta provar que os trabalhadores tinham falta de formação ou lhes foi pedido para irem ajudar os colegas a combater o foco de incêndio (resposta aos quesitos 7 e 20), antes era necessário provar que o acidente só ocorreu por falta da referida formação, o que o sinistrado não logrou provar, apesar de lhe caber esse ónus da prova.
15ª. Não existindo nexo de causalidade entre a ocorrência do acidente e a falta de observação das regras de segurança não se pode imputar à Recorrente qualquer responsabilidade na produção do acidente o que, desde logo, afasta a aplicação do art°. 18° da LAT ao presente caso.
16ª. No caso em apreço não se provou quem pediu ao Autor para ir ajudar os colegas a combater o foco de incêndio, por isso, o Tribunal do Trabalho do Barreiro respondeu aos quesitos 7°, 11° e 12° de forma parcial, invocando "falta de apresentação de prova concludente sobre a sua verificação". O sublinhado é nosso. (cfr. última página da decisão sobre a base instrutória, parágrafo terceiro).
17ª. Também não se apurou, porque não foi sequer alegada, se existia alguma relação hierárquica entre o Autor e quem pediu a ajuda, pelo que o douto acórdão recorrido não pode afirmar, sob pena de violação da Lei, como faz, a fls. 15, penúltimo parágrafo, que “o acidente que vitimou o recorrente consistiu na explosão que o atingiu quando se encontrava a combater o incêndio, obedecendo a ordens que lhe haviam sido dadas pela Ré....".
18ª. O acórdão recorrido não pode, pois, sob pena de violação da lei processual (art° 684°, n° 3; 685°-B e 712° do CPC, a contrario), dar por provados factos que o Tribunal do Trabalho do Barreiro considerou apenas parcialmente provados (resposta aos quesitos 7°, 11° e 12°), uma vez que a decisão sobre a matéria de facto já transitou em julgado não tendo, sequer, sido objecto do recurso interposto pelo sinistrado para o Tribunal da Relação e, por via disso, não pode ser alterada - art°. 729°, n° 2 do Código Processo Civil.
19ª. O sinistrado podia desobedecer legitimamente ao pedido que lhe foi formulado, dado que o mesmo não respeitava, nem à execução, nem à disciplina do seu trabalho – art°. 121°, n° 1 al. d) do Código de Trabalho.
20ª. O acórdão recorrido, ao decidir, como decidiu, violou, por erro de interpretação e aplicação, o disposto nos artigos 18° da LAT e 483° e 563° do Código Civil.
Pede que a decisão recorrida seja revogada, em conformidade.

O A. contra-alegou, defendendo a confirmação do julgado.

No seu douto parecer, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo pronunciou-se no sentido de ser negada a revista.
A ele responderam as partes, mantendo as posições que haviam defendido nas suas alegações.


III – Colhidos os vistos, cumpre decidir.

A sentença entendeu que a R. havia incorrido em violação de regras de segurança no trabalho, que indicou, mas considerou que o A. não lograra provar, como se mostrava necessário, o nexo causal entre essa violação e o acidente de trabalho que o vitimou.
E daí que tenha julgado a acção improcedente e tenha absolvido a R. dos pedidos.

Diverso foi o entendimento do acórdão recorrido que defendeu que a verificada violação de regras de segurança pela R. foi causal do acidente.
E, por isso, decidiu que havia lugar à responsabilização da R., a título principal e agravado, conforme art.ºs 18º, n.º 1 e 37º da Lei dos Acidentes de Trabalho, motivo por que a condenou nos termos acima referidos em I.

Contra essa decisão se insurge a R., na revista, defendendo, pelas razões que deixou sintetizadas nas respectivas conclusões, que não incorreu em violação de regras de segurança, e que, em qualquer caso, a mesma não teria sido causal do acidente, o que dita, em seu entender, a sua absolvição dos pedidos.

Assim, são essas as questões que, levadas às conclusões, constituem objecto da revista, nos termos dos art.ºs 684º, n.º 3 e 690º, n.º 1 do CPC, na redacção vigente à data da participação em juízo do acidente, participação que teve lugar em 26.02.2001 (ver fls. 2 dos autos), conforme n.ºs 1 dos art.ºs 11º e 12º do DL. n.º 303/2007, de 24.08 e 1º, n.º 2. a) e 26º, n.ºs 2 e 3 do CPT.

As instâncias deram como provados os seguintes factos, que aqui se mantêm, por não haver fundamento legal para os alterar:
1. No dia 24 de Fevereiro de 2000, em Alcochete, o autor foi vítima de um acidente, quando trabalhava, por conta e sob as ordens de BB, S.A., exercendo funções de prenseiro de aglomerados, mediante retribuição.
2. Tal acidente consistiu em ter sofrido queimaduras, que lhe provocaram lesões, que originaram que o autor ficasse afectado de uma Incapacidade Parcial Permanente de 61,4482%, com IPA para o Trabalho Habitual.
3. À data do acidente, o autor auferia o salário anual de € 11.855,65.
4. A entidade patronal do autor tinha a sua responsabilidade emergente de acidente de trabalho transferida para a Companhia de Seguros M… C…., S.A..
5. O autor teve alta definitiva em 19 de Agosto de 2002.
6. Realizada a tentativa de conciliação na fase conciliatória do processo, foi possível obter Acordo Parcial, tendo a seguradora assumido o pagamento ao autor de uma pensão anual e vitalícia, no valor de € 7.384,85, bem como o pagamento do subsídio por elevada incapacidade permanente, no valor de € 2.346,56.
7. O Acordo não foi, porém, conseguido, quanto à responsabilidade do pagamento da pensão por parte da entidade patronal, ao abrigo do art. 18° da L. 100/97, de 13/9, porquanto a entidade patronal entendeu não estarem reunidos os pressupostos do referido artigo, nomeadamente no que respeita ao nexo causal entre o acidente e a eventual falta de segurança.
8. Nas instalações da ré, existe um silo de cortiça granulada, que descarrega quantidades pré-programadas de cortiça para uma balança, seguindo para uma misturadora onde se juntam os químicos e as colas e que, posteriormente, vai para a prensa (onde se encontra o autor) e depois é moldada e segue para a estufa para cozer.
9. O silo de pó de cortiça é o alimentador da caldeira que permite manter a temperatura na estufa a fim de cozer os aglomerados de cortiça produzidos pela ré.
10. O posto de trabalho do autor era na prensa, ou seja, quando os blocos de cortiça saem da prensa devem ser retirados para paletes para serem transportados para a laminadora.
11. No momento da explosão o Autor encontrava-se dentro de uma pá mecânica.
12. O Autor foi transportado ao SAP de Alcochete.
13. Quando no dia 24/2/2000, se iniciou o turno de trabalho das 0 horas às 8 horas, os trabalhadores detectaram a saída de fumo na parte superior do silo de pó de cortiça e perceberam que o pó aí existente estava a arder.
14. Tentaram apagar o foco de incêndio que existia dentro do silo através da introdução de água para dentro, mas o mesmo não ficou apagado.
15. Nessa mesma noite, foi chamado o encarregado geral da fábrica, Sr. D… S…, o qual apareceu na fábrica entre as 02 e as 03 horas, tendo tomado conhecimento directo da existência do fogo dentro do silo.
16. O mesmo encarregado telefonou depois para o encarregado de segurança, Sr. Eng. S… F…, dando-lhe conta da situação.
17. O Autor iniciou o seu turno às 13 horas.
18. Foi dito ao Autor para ir ajudar os colegas a apagar o foco de incêndio no silo de pó de cortiça (resposta ao artigo 7º da base instrutória).
19. Ao que o autor obedeceu.
20. Tendo-se deslocado ao local a fim de auxiliar os seus colegas, deparou-se já com os colegas nesse local.
21. Foi então aberta a porta do silo que se situa a meio deste, junto à base do silo, a uma altura de cerca de 3/3,5 metros, de modo a poder ser deitada água para dentro do silo e tentar apagar o fogo que já desde a noite anterior se mantinha.
22. Foi dito ao Autor para subir para a pá mecânica com uma mangueira.
23. Ao trabalhador F… S… foi dito que manobrasse a máquina e fizesse subir a pá, devendo então o Autor apontar a mangueira para dentro do silo através da porta que tinha sido aberta e, durante 15 minutos esteve a deitar água para dentro.
24. Não era possível perceber se a manobra estava a ter êxito ou não, pois a quantidade de poeiras que saíam de dentro do silo, juntamente com o fumo, dificultavam muito a visão.
25. A água e o pó de cortiça molhado iam escorrendo e saindo por essa porta.
26. Até que, em determinado momento, uma massa imensa de poeiras em chamas desabaram no interior do silo.
27. A "explosão" de poeiras em chamas que saiu de dentro do silo acabou por incendiar seis trabalhadores, entre eles o autor.
28. O administrador da Ré, Sr. D… O…, passou pela zona do silo, por volta das 10 horas e tomou conhecimento do incêndio.
29. Os trabalhadores quando tentaram apagar o fogo, tinham vestido a roupa que têm de usar na fábrica.
30. Os trabalhadores não dispunham de formação em matéria de combate a incêndios.
31. Pelas 14 horas e 10 minutos/14 horas 29 minutos, os bombeiros registaram um pedido de intervenção nas instalações da Ré.
32. Aquando da explosão, o autor que se encontrava, a cerca de 3,5 metros de altura, dentro da pá mecânica, ficou imediatamente em chamas e atirou-se em queda livre da pá, onde se encontrava.
33. O sr. D… S… esteve junto do Autor, após o acidente.
34. No SAP de Alcochete, foi regado com soro sobre a pele ainda quente, de modo a aliviar as fortíssimas dores e evitar que a pele ressequisse.
35. Foi, de imediato, transportado para o Hospital de S. José, onde ficou internado no serviço de queimados, até ao dia 22 de Abril de 2000 (resposta ao artigo 29° da base instrutória).
36. O autor sofreu queimaduras em 30% do corpo, com particular incidência no rosto, pescoço, tronco, membros superiores e membros inferiores.
37. Desde a sua admissão nesse hospital e até ao dia 3/3/2000, foi mantido em estado de inconsciência, através da administração de morfina, para não sentir as dores decorrentes das queimaduras.
38. Enquanto esteve internado no Hospital de S. José, foi submetido a 4 intervenções cirúrgicas, nos dias 3/3/00, 14/3/00, 22/3/00 e 17/4/00.
39. Em todas as intervenções foram feitos enxertos nos membros inferiores e superiores e no rosto.
40. No dia 22/4/2000, saiu do Hospital de São José.
41. Tendo de se deslocar regularmente de sua casa em Alcochete ao Hospital de S. José para fazer pensos.
42. As demais cirurgias ocorreram na Clínica da Companhia de Seguros M… C…, S.A.
43. O autor foi submetido a nova intervenção cirúrgica, no dia 18/10/2000, a fim de lhe ser introduzido um expansor na fase direita e fosse feita mais uma correcção à mão direita.
44. Em 13/12/00, o Autor fez nova cirurgia na clínica da seguradora, que se destinou a retirar o expansor.
45. A 10/1/2001, fez nova cirurgia para correcção da mão esquerda.
46. A 14/3/2001, fez uma cirurgia destinada à correcção do rosto.
47. A 2/5/2001, fez nova cirurgia para correcção da mão direita e do rosto.
48. A 5/9/2001, é submetido à 10ª cirurgia para correcção da mão direita e do rosto.
49. Desde o acidente que o autor sofre de síndrome depressivo pós-traumático.
50. Sofrendo distúrbios e apneia de sono, pânico, choro súbito e compulsivo, ansiedade incontrolável à mera referência do acidente ou ao simples facto de passar junto da fábrica onde o acidente ocorreu, ansiedade persistente, irritabilidade, insónias, dificuldade de concentração, intrusão da situação sobre a forma de pensamentos, pesadelos, como se a pessoa vivesse de novo a situação traumática (flasbacks), desinteresse pelas coisas e pelas pessoas que o rodeavam, despersonalização.
51. Passou a manifestar permanente impaciência com a sua mulher e filha, sem se conseguir controlar.
52. Depois quando voltava a si, desfazia-se em pedidos de desculpas e ficava arrependido por aquela conduta com a sua família.
53. A filha do Autor trabalhou durante três meses, quando tinha 16/17 anos (não se apurou a idade exacta), durante um período de férias escolares, tendo ajudado financeiramente a família.
54. A falta de recursos financeiros da família levou a filha a ter de desistir da natação.
55. Devido às consequências do acidente, o autor sente-se triste e pergunta-se regularmente se "vale a pena estar vivo".



IV – Conhecendo:
1. Atenta a data do acidente (24.02.2000), ao caso dos autos é aplicável – como foi entendido nas instâncias, com a concordância das partes – o regime jurídico dos acidentes de trabalho aprovado pela Lei n.º 100/97, de 13.09, doravante designada por LAT, e pelo respectivo Regulamento, constante do DL n.º 143/99, 30.04 (RLAT), conforme art.ºs 41º, n.º 1, a) da LAT e 71º, n.º 1 do RLAT.

Relativamente aos casos especiais de reparação dos acidentes de trabalho, o art.º 18º, n.º 1 da LAT preceitua, assim:
“Quando o acidente tiver sido provocado pela entidade empregadora ou seu representante, ou resultar da falta de observação das regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho, as prestações far-se-ão segundo as regras seguintes:
a) Nos casos de incapacidade absoluta, permanente ou temporária, e de morte, serão iguais à retribuição;
b) No caso de incapacidade parcial, permanente ou temporária, terão por base a redução de capacidade resultante do acidente”.
Nesses casos, e por força do disposto no n.º 2 do art.º 37º da LAT, essa responsabilidade agravada do empregador assume cariz principal, sendo que a responsabilidade da seguradora reveste natureza subsidiária e não agravada.


E como tem sido pacificamente entendido pela jurisprudência deste Supremo, e foi referido nas instâncias, no que concerne às regras de segurança, essa responsabilização do empregador pressupõe, para além da violação pelo mesmo de tais regras, a existência de nexo causal entre essa violação e o acidente (1).
Sendo que o ónus de alegação e prova dos factos demonstrativos de que houve inobservância culposa das regras de segurança no trabalho por parte do empregador (ou seu representante) e de que essa inobservância foi causal do acidente recai sobre quem desses factos quer tirar proveito.
O que significa que, no caso, esse ónus cabe ao A., nos termos do n.º 1 do art.º 342º do Cód. Civil, por estarmos perante factos que assumem natureza constitutiva do seu invocado direito à responsabilização, a título principal e agravado, da R.(empregadora) (2).
2. Feitas estas considerações gerais de enquadramento, vejamos o caso dos autos.
Como vimos, a sentença defendeu que a R. incorreu em violação de regras de segurança no trabalho, mas que essa violação não fora causal do acidente.
E, por isso, absolveu-a dos pedidos.
Fê-lo com a seguinte fundamentação:
« Cumpre (…) apurar do cumprimento ou incumprimento das regras de segurança, saúde e higiene pela entidade patronal.
Com relevo para a presente decisão temos como provado que o posto de trabalho do Autor era na prensa, ou seja, quando os blocos de cortiça saem da prensa devem ser retirados para paletes para serem transportados para a laminadora.
Quando despoletou o incêndio tentaram apagar o foco de incêndio que existia dentro do silo através da introdução de água para dentro, mas o mesmo não ficou apagado. Nessa mesma noite, foi chamado o encarregado geral da fábrica, Sr. D… S…, o qual apareceu na fábrica entre as 02 e as 03 horas, tendo tomado conhecimento directo da existência do fogo dentro do silo. O mesmo encarregado telefonou depois para o encarregado de segurança, Sr. Eng. S… F…, dando-lhe conta da situação.
O Autor iniciou o seu turno às 13 horas. Foi dito ao Autor para ir ajudar os colegas a apagar o foco de incêndio no silo de pó de cortiça, ao que o autor obedeceu, tendo-se deslocado ao local a fim de auxiliar os seus colegas, deparou-se já com os colegas nesse local.
Foi então aberta a porta do silo que se situa a meio deste, junto à base do silo, a uma altura de cerca de 3/3,5 metros, de modo a poder ser deitada água para dentro do silo e tentar apagar o fogo que já desde a noite anterior se mantinha. Foi, então, dito ao Autor para subir para a pá mecânica com uma mangueira.
Ao trabalhador F… S…, foi dito que manobrasse a máquina e fizesse subir a pá, devendo então o Autor apontar a mangueira para dentro do silo através da porta que tinha sido aberta e, durante 15 minutos esteve a deitar água para dentro.
Não era possível perceber se a manobra estava a ter êxito ou não, pois a quantidade de poeiras que saíam de dentro do silo, juntamente com o fumo, dificultavam muito a visão.
A água e o pó de cortiça molhado iam escorrendo e saindo por essa porta, até que em determinado momento, uma massa imensa de poeiras em chamas desabaram no interior do silo. A "explosão" de poeiras em chamas que saiu de dentro do silo acabou por incendiar seis trabalhadores, entre eles o autor.
O administrador da Ré, Sr. D… O…, passou pela zona do silo, por volta das 10 horas e tomou conhecimento do incêndio.
Os trabalhadores quando tentaram apagar o fogo, tinham vestido a roupa que têm de usar na fábrica e não dispunham de formação em matéria de combate a incêndios.
Pelas 14 horas e 10 minutos/14 horas e 29 minutos, os bombeiros registaram um pedido de intervenção nas instalações da Ré.
Aquando da explosão, o autor que se encontrava, a cerca de 3,5 metros de altura, dentro da pá mecânica ficou imediatamente em chamas e atirou-se em queda livre da pá, onde se encontrava.
Encontrando-se provado que os trabalhadores não dispunham de formação em matéria de combate a incêndios é nosso entendimento que, objectivamente a entidade patronal violou o disposto nos artigos 8º, n° 2, al. i), n) e o) e artigo 9º, n° 1, al. b) e c), n° 3, al. b) do Decreto Lei n° 441/91, de 14 de Novembro, com as alterações introduzidas pelo Decreto Lei n° 133/99, de 21 de Abril.
Cumpre agora apurar se o incumprimento destas normas de segurança por parte da entidade patronal foi causa do acidente.
(…)
Atenta a factualidade provada não resulta que a entidade patronal, por si ou através de alguém que a representasse (superior hierárquico do Autor), lhe tivesse dado ordens para ir ajudar a apagar o incêndio. Na verdade, o que se prova é a expressão "foi dito ao Autor", por quem o Tribunal desconhece.
Nada nos leva, face ao quadro fáctico provado sujeito a apreciação e valoração, a concluir que as ordens foram dadas pela Ré ou por um superior hierárquico do Autor e que o cumprimento das normas de segurança supra referidas teria impedido a produção do acidente.
Não ficou, em nosso entender, demonstrado nos autos, qualquer nexo causal entre o acidente e o eventual incumprimento de normas de segurança ou as ordens emanadas da Ré ou seu representante, o que impede, desde logo, a verificação da responsabilidade prevista pelo referido artigo 18° da Lei n° 100/97, de 13 de Setembro.
Afastado fica o pedido de condenação da Ré no pagamento da diferença entre os montantes devidos e pagos pela seguradora e os previstos no mencionado artigo 18°.
Nestes termos, não pode ser assacada qualquer responsabilidade à Ré entidade patronal, pelo que a reparação do acidente cabe exclusivamente à seguradora que já assumiu a sua responsabilidade em sede de conciliação.
Vem ainda o Autor peticionar a condenação da Ré no pagamento de uma indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos.
Como é sabido, no artigo 18° da Lei n.° 100/97, de 13 de Setembro é reconhecido o direito à indemnização por danos não patrimoniais. Contudo, esta obrigação de reparação só se verifica quando o acidente tiver ocorrido por culpa da entidade empregadora ou do seu representante ou quando tiver resultado da falta de observação das regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho.
Conforme já exposto, o presente caso não traduz qualquer responsabilidade agravada da Ré entidade patronal, motivo pelo qual não tem o Autor direito à indemnização peticionada a título de danos não patrimoniais.
Improcede, pois, a presente acção» (Fim de transcrição).

Por seu turno, o acórdão recorrido fundamentou, assim, na parte que aqui interessa, a condenação da R.:
« Quanto à violação das normas de segurança relativas ao combate a incêndios, parece-nos que a asserção retirada na sentença recorrida não merece qualquer reparo pois não se provou que a recorrida tivesse cumprido as regras básicas nesta matéria, ou seja, o combate ao incêndio por quem estivesse preparado. Com efeito, os trabalhadores que combatiam o incêndio não estavam devidamente equipados, não tinham formação adequada e não foram assegurados os contactos necessários com as entidades exteriores competentes, os Bombeiros, tal como impõem os preceitos legais referidos.
O que importa então analisar é se se verifica o nexo de causalidade entre a violação das normas de segurança e o acidente que provocou as lesões ao autor/recorrente, pois na sentença recorrida foi considerado não ter ficado demonstrado que as ordens dadas ao autor o foram pela ré ou que o cumprimento das normas de segurança teria impedido a produção do acidente.
Vejamos
Da prova produzida resultou apurado que:
- No dia 24 de Fevereiro de 2000, em Alcochete, o autor foi vítima de um acidente, quando trabalhava por conta e sob as ordens, de BB, S.A.
- O posto de trabalho do autor era na prensa, quando os blocos de cortiça saem da prensa devem ser retirados para paletes para serem transportados para a laminadora.
- Quando despoletou o incêndio os trabalhadores tentaram apagar o foco de incêndio que existia dentro do silo através da introdução de água para dentro, mas o mesmo não ficou apagado.
- Nessa mesma noite, foi chamado o encarregado geral da fábrica, Sr. D… S…, o qual apareceu na fábrica entre as 02 e as 03 horas, tendo tomado conhecimento directo da existência do fogo dentro do silo. O mesmo telefonou para o encarregado de segurança, Sr. Eng. S… F…, dando-lhe conta da situação.
- O autor iniciou o seu turno às 13 horas. Foi-lhe dito para ir ajudar os colegas a apagar o foco de incêndio no silo de pó de cortiça, ao que o autor obedeceu, tendo-se deslocado ao local a fim de auxiliar os seus colegas, deparou-se já com os colegas nesse local.
- Foi então aberta a porta do silo que se situa a meio deste, junto à base do silo, a uma altura de cerca de 3/3,5 metros, de modo a poder ser deitada água para dentro do silo e tentar apagar o fogo que já desde a noite anterior se mantinha. Foi, então, dito ao Autor para subir para a pá mecânica com uma mangueira.
- Ao trabalhador F… S…, foi dito que manobrasse a máquina e fizesse subir a pá, devendo então o autor apontar a mangueira para dentro do silo através da porta que tinha sido aberta e, durante 15 minutos esteve a deitar água para dentro.
- Não era possível perceber se a manobra estava a ter êxito ou não, pois a quantidade de poeiras que saíam de dentro do silo, juntamente com o fumo, dificultavam muito a visão.
- A água e o pó de cortiça molhado iam escorrendo e saindo por essa porta, até que em determinado momento, uma massa imensa de poeiras em chamas desabaram no interior do silo. A "explosão" de poeiras em chamas que saiu de dentro do silo acabou por incendiar seis trabalhadores, entre eles o autor (factos 1,2, 13 a 27).
- O administrador da Ré, Sr. D… O…, passou pela zona do silo, por volta das 10 horas e tomou conhecimento do incêndio.
- Os trabalhadores quando tentaram apagar o fogo, tinham vestido a roupa que têm de usar na fábrica e não dispunham de formação em matéria de combate a incêndios.
- Aquando da explosão, o autor que se encontrava, a cerca de 3,5 metros de altura, dentro da pá mecânica ficou imediatamente em chamas e atirou-se em queda livre da pá, onde se encontrava (factos 28 a 30).
(…)
O acidente que vitimou o recorrente consistiu assim na explosão que o atingiu quando se encontrava a combater o incêndio, obedecendo a ordens que lhe haviam sido dadas pela ré, sem que qualquer preparação adequada (sic).
Na verdade, se o autor não estivesse a combater o incêndio (subido para a pá mecânica com uma mangueira, apontá-la para dentro do silo através da porta que tinha sido aberta e deitar água para dentro), não tinha sido atingido pela explosão que irrompeu do interior do silo e o atingiu, provocando-lhe as lesões acima descritas, pelo que se nos afigura concluir pela existência de um nexo de causalidade adequado entre aquela explosão que atingiu o autor e a violação de normas básicas de segurança.
Assim, contrariamente ao entendido na sentença recorrida, sabemos que se a ré tivesse cumprido as normas de segurança no combate ao incêndio, evitando que o autor tivesse ido apagar o fogo, o acidente não tinha ocorrido pois aquela explosão não o teria atingido.
O acidente consiste na explosão que atinge o sinistrado e não na explosão em si, como parece estar implícito nas parcas considerações tecidas na sentença recorrida a este propósito. Mas nela ainda se entende que não ficou demonstrado que as ordens dadas ao autor para ir combater o incêndio tenham sido dadas pela ré ou por um superior hierárquico do autor.
Esta conclusão também não pode ter acolhimento pois resultou provado que o acidente ocorreu quando o autor trabalhava por conta e sob as ordens da sua entidade empregadora e lhe foi dito para ir ajudar os seus colegas a apagar o fogo, provando-se ainda que lhe foi dito para subir para a pá mecânica e com uma mangueira apontasse para dentro do silo, o que o autor fez durante 15 minutos.
Ora, todos estes comandos pressupõem que foram dados por quem tinha legitimidade na ré para o fazer, independentemente de não se ter apurado quem em concreto deu as referidas ordens, pois só a entidade empregadora tem poderes para as dar no âmbito dos poderes de orientação e direcção em que se insere o contrato de trabalho existente com o sinistrado.
Mas a recorrida, ao ter infringido as normas de segurança em matéria de combate a incêndios, agiu ainda de forma leviana e descuidada pois dedicando-se a uma actividade de risco por trabalhar com produtos de fácil combustão (cortiças colas, entre outros), ao verificar que o incêndio lavrava há muitas horas dentro do silo, o seu administrador (D… O…) passou pela zona, por volta das 10 horas, e deixou que os trabalhadores continuassem a apagar o fogo, sabendo que estes não usavam roupas apropriadas e não dispunham de formação em matéria de combate a incêndios, e nem mesmo assim diligenciou em chamar os Bombeiros. Esta actuação da ré configura uma elementar omissão dos seus deveres de diligência e cuidado, infringindo de forma grosseira as regras de segurança em matéria de combate a incêndios a que estava vinculado.
Afigura-se-nos pois que esta actuação negligente da recorrida de violação das regras de segurança e que deu causa ao acidente permite a imputação da sua responsabilidade à luz do art.°18, da LAT, mostrando-se assim procedente o fundamento do recurso interposto» (Fim de transcrição).

3. A Recorrente discorda da transcrita fundamentação do acórdão recorrido e da decisão nele proferida, sustentando que não incorreu na violação de regras de segurança e que, em qualquer caso, não se verificaria o nexo causal entre violação que, porventura, tenha existido e o acidente, pelo que não pode ser-lhe imputada qualquer responsabilidade na eclosão do acidente, tanto mais que o seu administrador D… O…, quando passou pelo local do acidente, por volta das 10.00 horas, não ficou inactivo, antes se dirigiu ao Engº F…, pessoa responsável pelas áreas de Manutenção e Segurança da Recorrente, perguntando-lhe se era necessário chamar os bombeiros, tendo-lhe aquele respondido que não, pois “estava tudo sob controle”, ficando a Recorrente, perante a resposta daquele responsável, plenamente convencida que o incêndio estava realmente controlado e resolvido, pelo que não pode deixar de se entender que, de acordo com o critério do “bonus pater familias”, o administrador D… O…, ao dirigir-se ao responsável das áreas de Manutenção e Segurança, perguntando-lhe se era ou não necessário chamar os bombeiros, actuou de forma diligente, não lhe sendo, por isso, exigível qualquer outro comportamento para além deste.
A Recorrente considera ainda que a verdadeira causa do acidente foi o comportamento negligente do Engº F… que decidiu, por sua única e exclusiva iniciativa, abrir a porta do silo na altura em que o não devia ter feito e se não fora a abertura dessa porta jamais a explosão teria ocorrido, o que desde logo afasta a existência de nexo de causalidade entre violação de normas de segurança e a explosão.
A Recorrente invoca ainda que, relativamente à “pretensa” ordem dada ao Autor, apenas ficou provado que “foi dito ao Autor para ir ajudar os seus colegas a apagar o foco de incêndio” (resposta ao artigo 2º da BI), “ao que o autor obedeceu” (resposta ao artigo 8º da BI), não tendo, contudo, ficado provado quem disse ou pediu ao Autor para ir ajudar os colegas, assim como também não se provou a existência de uma qualquer relação hierárquica entre quem formulou aquele pedido e o sinistrado, sendo certo que o Autor podia desobedecer legitimamente a esse pedido de ajuda sem que isso implicasse qualquer prejuízo para si, dado que não respeitava nem à execução nem à disciplina do seu trabalho.
Conclui a Recorrente que o acórdão recorrido, ao decidir, como decidiu, violou por erro de interpretação e aplicação o disposto nos artigos 18º da LAT, 483º e 563º do Código Civil.

4. Antes de prosseguirmos, convém referir que os factos a atender, na presente acção, são os que acima se deixaram elencados em III deste acórdão, não sendo convocáveis, por não haver fundamento legal para tal – sendo, aliás, que a R. nada invoca, a esse propósito – os que foram dados como assentes na acção de acidente de trabalho movida por F… A… S… V… C… dos S… F… (viúva do já mencionado S… M… B… F…, falecido em consequência do acidente ora em apreço) contra a ora R. e a seguradora M… C…, e a que se referem os acórdãos da Relação de Lisboa e deste STJ, juntos, respectivamente, a fls. 761 a 790 e 940 a 971.
A este Supremo cabe aplicar, no que toca às questões aqui em apreço, o pertinente regime jurídico aos factos dados como provados na presente acção – factos que, diga-se, não coincidem, nalguns pontos, com os que foram dados como assentes nessa outra acção.
E assim, como sublinha a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta, no seu parecer, não colhe, em sede da presente revista, a invocação feita pela R. recorrente de factos que resultaram provados nessa outra acção, mas que aqui não lograram obter demonstração.
5. Posto isto, vejamos se se pode concluir ou não pela violação imputável à R. de regras de segurança no trabalho e causal do acidente que vitimou o A., em termos, portanto, de a responsabilizar, a título principal e agravado.
Com interesse é de reter a seguinte factualidade assente:
- Quando no dia 24.02.2000, se iniciou o turno de trabalho das 00 horas às 08 horas, os trabalhadores detectaram a saída de fumo na parte superior do silo de pó de cortiça e perceberam que o pó aí existente estava a arder (facto 13);
- Tentaram apagar o foco de incêndio que existia dentro do silo através de introdução de água para dentro, mas o mesmo não ficou apagado (facto 14);
- Nessa mesma noite, foi chamado o encarregado geral da fábrica Sr. D… S…, o qual apareceu na fábrica entre as 02 e as 03 horas, tendo tomado conhecimento directo da existência do fogo dentro do silo (facto 15);
- O mesmo encarregado telefonou depois para o encarregado de segurança, Eng.º S… F…, dando-lhe conta da situação (facto 16);
- O A. iniciou o seu turno às 13 horas (facto 17);
- Foi dito ao A. para ir ajudar os colegas a apagar o foco de incêndio no silo do pó de cortiça (facto 18);
- Ao que o A. obedeceu (facto 19);
- Tendo-se deslocado ao local onde a fim de auxiliar os seus colegas, deparou-se já com os colegas nesse local (facto 20);
- Foi então aberta a porta do silo que se situa a meio deste, junto à base do silo, a uma altura de cerca de 3/3,5 metros, de modo a poder ser deitada água para dentro do silo e tentar apagar o fogo que já desde a noite anterior se mantinha (facto 21);
- Foi dito ao A. para subir para a pá mecânica com uma mangueira (facto 22);
- Ao trabalhador F… S… foi dito que manobrasse a máquina e fizesse subir a pá, devendo então o Autor apontar a mangueira para dentro do silo através da porta que tinha sido aberta e, durante 15 minutos esteve a deitar água para dentro (23);
- Não era possível perceber se a manobra estava a ter êxito ou não, pois a quantidade de poeiras que saíam de dentro do silo, juntamente com o fumo, dificultavam muito a visão (24);
- A água e o pó de cortiça molhado iam escorrendo e saindo por essa porta (25);
- Até que em determinado momento, uma massa imensa de poeiras em chamas desabaram no interior do silo (26);
- A "explosão" de poeiras em chamas que saiu de dentro do silo acabou por incendiar seis trabalhadores, entre eles o autor (27);
- O administrador da Ré, Sr. D… O…, passou pela zona do silo, por volta das 10 horas e tomou conhecimento do incêndio (28);
- Os trabalhadores, quando tentaram apagar o fogo, tinham vestido a roupa que têm de usar na fábrica (29).
- Os trabalhadores não dispunham de formação em matéria de combate a incêndios (30);
- Pelas 14 horas e 10 minutos/14 horas 29 minutos, os bombeiros registaram um pedido de intervenção nas instalações da Ré (31);
- Aquando da explosão, o autor que se encontrava, a cerca de 3,5 metros de altura, dentro da pá mecânica ficou imediatamente em chamas e atirou-se em queda livre da pá, onde se encontrava (32).
Desta factualidade resulta, como justamente se sublinhou no douto parecer da Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo, que, quer o encarregado geral da fábrica, Sr. D… S…, quer o encarregado de Segurança, Eng.º F…, não obstante o incêndio no silo de pó de cortiça ter perdurado por um período de tempo tão longo (desde, pelo menos, as 0 horas até às 14 horas do dia 24.2.2000), em vez de terem chamado os bombeiros, para o combaterem, esperaram que o incêndio fosse apagado pelos trabalhadores da empresa, entre os quais se contava o A., sendo que estes não usavam roupas apropriadas e não dispunham de formação em matéria de combate a incêndios.
Sendo, por outro lado, que o Administrador da Ré, Sr. D… O…, passou pela zona do silo, por volta das 10.00 horas, e tomou conhecimento do incêndio, sendo que não vem demonstrado que tenha chamado os bombeiros ou tenha dado instruções aos ditos encarregado geral ou encarregado de Segurança ou a outrem para que o fizessem (diga-se que, quer na presente revista, quer na própria contestação – ver, designadamente, os art.ºs 6º a 25º, 52º a 56º e 65º a 69º – a posição da R. foi a de que cabia e coube, efectivamente, ao Sr. Eng. F…, responsável pelas áreas de Manutenção e Segurança da R., a condução das diligências tendentes ao combate ao incêndio).
Ora, essas actuações-omissões, quer do encarregado geral da fábrica, Sr. D… S…, quer, sobretudo, do Sr. Engenheiro F…, encarregado da segurança na empresa – trabalhadores da R. –, quer mesmo do Administrador da R., Sr. D… O…, envolvem, como se entendeu no referido parecer do M.º P.º, uma evidente omissão dos respectivos deveres de diligência e cuidado e infringiram, aliás, de forma grosseira, as regras de segurança no trabalho em matéria de combate a incêndios, previstas nos art.ºs 8º, n.ºs 1 e 2, alíneas i), j) e o) do DL n.º 441/91, de 14.11, na redacção dada pelo DL n.º 133/99, de 21.04.
Aqui chegados há que equacionar se, nos termos e para os efeitos do n.º 1 do art.º 18º da LAT, os referidos D… S…, Eng.º F… e D… O… assumiram a qualidade de “representantes” da R..
E é de dizer que a doutrina e a jurisprudência têm, a propósito, admitido um conceito de “representante” mais amplo do que o aceite no direito civil.
Assim, escreve Carlos Alegre (3):
“Toda a pessoa física, constituinte dos órgãos de direcção da pessoa colectiva-entidade patronal, enquanto age em nome desta, é seu representante, o que pode constituir um conceito de representação mais alargado do que o previsto no artigo 163º do Código Civil.
Todavia, afigura-se-nos que o conceito de representante da entidade patronal – seja ela, agora, pessoa individual ou colectiva – pode ser alargado a outras pessoas físicas que, de algum modo, actuem em representação daquela entidade seja porque detém um mandato específico para tanto, seja porque age sob as ordens directas da entidade patronal, como é o caso de qualquer pessoa colocada na escala hierárquico-laboral de uma empresa”.
E nesse sentido se orienta a jurisprudência.
Assim, no acórdão do STJ, Secção Social, de 2.10.1996, proferido no Processo n.º 37/96, perante previsão essencialmente idêntica da Base XVII da LAT 1965 (aprovada pela Lei n.º 2127, de 3.8.1965), foi entendido que o termo “representante” se aplica às pessoas que gozem de poderes representativos duma entidade patronal e que actuem nessa nessa qualidade, abrangendo normalmente os administradores e gerentes de sociedade, cujas características preenchem as características do mandato, e ainda quem no local de trabalho exerça o poder directivo.
E nessa mesma linha, se orientaram os acórdãos desta Secção Social, de 11.10.2000, na Revista n.º 101/2000, e de 5.2.2003, na Revista n.º 3607/2002, quanto ao trabalhador que, na altura do acidente, dirigia os trabalhos em causa, assumindo a posição de encarregado ou responsável pelos mesmos.
Ora, no caso, o referido D… O… era Administrador da R. e passou pela zona do silo, por volta das 10 horas, tendo tomado conhecimento do incêndio, o que revela que estava em exercício das suas funções.
Assim, temos por inquestionável a sua qualidade de representante da R. para os efeitos em apreço.
Aliás, na presente acção, v.g. na contestação, a R. não negou – antes aceitou – que a intervenção do D… O…, no caso, tenha sido efectuada nessa qualidade.
E igual qualificação – e não a de meros ou simples trabalhadores da R. e colegas de trabalho do ora A/sinistrado – é de atribuir, face à factualidade assente, aos mencionados D… S… e Eng.º F… .
É que, no quadro das suas posições e funções próprias e no contexto do grave evento ocorrido, traduzido na deflagração e perduração do incêndio – e dado que não vem demonstrado que os órgãos representativos da R. tenham assumido ou avocado para si a liderança do combate ao incêndio – cabia-lhes (e, particularmente, ao Eng.º F…, após ter-lhe sido dado conhecimento do incêndio) assumir poderes de actuação e decisão no que concerne a medidas a adoptar com vista ao combate ao incêndio e à preservação da segurança dos demais trabalhadores e à defesa dos bens da R..
Por isso, participavam do exercício do poder directivo próprio da sua entidade patronal, sendo que não vem demonstrado que hajam contrariado instruções que, a esse respeito, lhes tivessem sido dadas pela R.
Assim sendo, as apontadas actuações/omissões do D… S… e do Eng.º F… – a par da do Eng.º O… – traduzem, no apontado quadro, actos da própria R., que a vinculam e responsabilizam.
Podemos concluir, assim, que a R., através dos ditos “representantes”, violou, culposamente, as apontadas regras legais de segurança no trabalho.
6. Há agora que indagar da verificação ou não do outro requisito ou pressuposto da accionada responsabilidade da R., a do nexo causal entre essa violação e o acidente de trabalho ocorrido, que vitimou o ora A..
O acima referido acórdão de 25.06.2009, desta Secção Social, proferido na Revista n.º 4022/08, remetendo para o acórdão de 21.06.2007, proferido no Recurso n.º 534/2007, também desta Secção, teceu a respeito desse nexo causal, as seguintes considerações:
«No que ao nexo de causalidade concerne, perfilhando uma teoria de formulação negativa, tal como a que foi formulada por Enneccerus-Lehmann, para se usarem os ensinamentos de Antunes Varela (Das Obrigações em Geral, Volume I, 748), “o facto que actuou como condição do dano só deixará de ser considerado como causa adequada se, dada a sua natureza geral, se mostrar de todo em todo indiferente (…) para a verificação do dano, tendo-o provocado só por virtude das circunstâncias excepcionais, anormais, extraordinárias ou anómalas, que intercedam no caso concreto”, sendo que, no juízo de prognose, em “condições regulares, desprendendo-nos da natureza do evento constitutivo de responsabilidade, dir-se-ia que um facto só deve considerar-se causa (adequada) daqueles danos (sofridos por outrem) que constituem uma consequência normal, típica, provável dele (cfr., também, Almeida Costa, in Direito das Obrigações, para quem “o facto que actua como condição só deixará de ser causa do dano desde que se mostre por sua natureza de todo inadequado e o haja produzido apenas em circunstâncias anómalas ou excepcionais”, e Pessoa Jorge, “Ensaios sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil”, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, 392, que defende que “a orientação hoje dominante é a que considera causa de certo efeito a condição que se mostra, em abstracto, adequada a produzi-lo”, traduzindo-se essa adequação “em termos de probabilidade, fundada nos conhecimentos médios: se, segundo a experiência comum, é lícito dizer que, posto o antecedente x se dá provavelmente o consequente y, haverá relação causal entre eles”) » (Fim de transcrição).
Desses ensinamentos tem feito aplicação a jurisprudência desta Secção Social.
Assim, a título de exemplo, e, para além dos já referidos acórdãos de 25.06.2009 e de 21.06.2007, podemos mencionar o de 29.03.2000, proferido na Revista n.º 318/99, em que se entendeu que, no juízo de preenchimento do nexo causal entre a violação de regras de segurança no trabalho e o acidente de trabalho, como pressuposto da responsabilização a título principal e agravado do empregador, há que fazer apelo à teoria da causalidade adequada, consagrada no art.º 563º do Cód. Civil, teoria segundo a qual para que um facto seja causa de um dano é necessário que, no plano naturalístico ele seja condição sem a qual o dano não se teria verificado e, em abstracto ou em geral, seja causa adequada do mesmo.
Aí se defendeu também que, na interpretação a dar a esse art.º 563º, há que considerar que a lei reconduz a causalidade a uma questão de probabilidade (séria), isto é, a adequação traduz-se em termos de probabilidade fundada nos conhecimentos médios, de harmonia com a experiência comum, atendendo às circunstâncias do caso.
E, segundo o acórdão de 23.09.2009, proferido na Revista n.º 107/05, acolheu-se, no referido art.º 563º, a teoria da causalidade adequada, na sua formulação negativa, segundo a qual o estabelecimento do nexo de causalidade, juridicamente relevante para efeito da imputação de responsabilidade, pressupõe que o facto ilícito (acto ou omissão) praticado pelo agente tenha actuado como condição da verificação de certo dano, ou seja, que não foi de todo indiferente para a produção do mesmo, apresentando-se este como consequência normal, típica ou provável daquele, conclusão esta a extrair da análise de todo o processo factual que, em concreto, conduziu ao dano.

Feitas estas considerações de enquadramento, vejamos o caso dos autos.
Vimos acima que a violação das regras de segurança cometida pela R., melhor, pelos seus mencionados representantes, se traduziu em – não obstante o incêndio no silo perdurar há muitas horas – estes não terem diligenciado pela comparência dos bombeiros, para o combaterem, esperando que fosse apagado pelos trabalhadores da empresa (entre os quais se contava o A.), actuando pela forma apurada, e sendo que esses trabalhadores não usavam roupas apropriadas para o efeito nem dispunham de formação em matéria de combate a incêndios.

Ora, essa factualidade é suficiente para dar como verificado o nexo causal entre essa violação e a produção do acidente, traduzido na explosão de chamas vindas do silo e que veio a atingir o A., quando este colaborava no combate ao incêndio, deitando água, com uma mangueira, para dentro do silo.
Tenhamos presente, designadamente, que esse combate não estava a ser dirigido e executado por pessoas com formação e conhecimentos nessa área (e roupas próprias para o efeito), o que, em abstracto, se mostra idóneo para gerar uma situação de maior risco e perigosidade, por ser lícito entender que uma má ou inadequada escolha de opções ou procedimentos possa ter sido adoptada.
Nesse contexto, afigura-se perfeitamente plausível, face ao conhecimento ou experiência comum, que os concretos procedimentos adoptados – v.g. a abertura da porta do silo, com a entrada de oxigénio no mesmo – pudessem ter activado a combustão dentro dele e originado a explosão de chamas que veio a atingir o A. e outros trabalhadores da R.(4).
E, assim sendo, da factualidade provada não se pode retirar que a actuação/omissão dos ditos representantes da R. não tenha funcionado como condição de verificação do acidente de trabalho que vitimou o A. – quando este combatia o incêndio, tarefa que, no caso, não lhe devia ter sido permitida e antes confiada aos bombeiros – e que tenha sido, de todo, indiferente à produção do acidente.
Na verdade, não pode concluir-se que o acidente se tenha ficado a dever a circunstâncias excepcionais, anormais, extraordinárias ou anómalas, que tenham ocorrido, em concreto.
Assim, é de concluir, como fez o acórdão recorrido, embora com fundamentação em parte divergente, pelo preenchimento do requisito ou pressuposto ora em causa, isto é, que a actuação/omissão dos representantes da R. foi causa adequada do acidente que vitimou o A., com a consequente responsabilização da R., a título principal e agravado, pelas prestações infortunísticas e pela indemnização por danos não patrimoniais.

Refira-se que, no quadro da posição e fundamentação perfilhadas, quer sobre a verificação da violação das normas de segurança pela R., quer sobre o preenchimento do nexo causal entre essa violação e o acidente de trabalho que vitimou o A., irrelevam, por inócuas, as invocações feitas pela R., nas conclusões da revista, de que não vem apurado, em concreto, quem pediu ou ordenou ao ora A. para ajudar no combate ao incêndio, e, designadamente, se era ou não superior hierárquico deste.
Como irreleva a invocação feita pela R., na conclusão 19ª, de que o A. podia desobedecer legitimamente a esse pedido.
Isso porque, sem necessidade de melhor análise da situação, a respectiva recusa pelo A. sempre traduziria, como resulta da própria posição da R., uma faculdade sua – e não um dever –, cujo não exercício não o podia, obviamente, penalizar, v.g. não interferindo nos juízos firmados da violação das regras de segurança pela R. e do nexo causal entre tal violação e o acidente de trabalho.

7. Como a R. não impugnou, na revista, outros pontos da decisão recorrida, nada mais há a conhecer.

V – Assim, acorda-se em negar a revista e em confirmar a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 3 de Fevereiro de 2010
Mário Pereira (Relator)
Sousa Peixoto
Sousa Grandão

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(1) - Vejam-se, nesse sentido, entre outros, os acórdãos desta Secção Social do STJ de 14.05.2008, no Recurso n.º 324/08, de 23.09.2009, no Recurso n.º 107/05, e de 24.01.2007, no Recurso n.º 2073/06.
(2) - No sentido exposto, também pacífico nesta Secção Social, vejam-se, entre muitos outros, os acórdãos deste STJ de 12.11.2009, no Recurso n.º 330/04.2TTABT.S1, e de 14.12.2006, no Recurso n.º 2704/06.
(3) - In “Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais - Regime Jurídico Anotado”, Reimpressão da 2ª edição de 2001, Almedina, págs. 102 e 103.
(4) - Diga-se que se mostra perfeitamente admissível encarar aqui a plausibilidade desse cenário, quando é certo que, na acção referente ao acidente em causa intentada pela viúva do Sr. Eng.º F…, foi essa a causa encontrada para a produção do acidente, como resulta da seguinte passagem (constante de fls. 970 e 971 dos presentes autos) do já referido acórdão de 25.06.2009, proferido na revista n.º 4022/08:
(…) tal como decidiram as instâncias, «o que causou a explosão que vitimou o falecido S… F…, foi o facto de o próprio sinistrado, que desde manhã coordenava os trabalhos de limpeza do silo, ter decidido, por sua iniciativa, abrir a porta desse silo, não obstante ter sido alertado por outros trabalhadores para que não o fizesse e, após a abertura da porta, ter dado ordens a outro trabalhador para perfurar a extensa camada de pó existente no interior do silo, através de sucessivos jactos de água, o que determinou a entrada de oxigénio, que se misturou com os produtos inflamáveis existentes no interior do silo, originando aquela explosão (…)”.