Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
02A4354
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: PINTO MONTEIRO
Descritores: ACÇÃO DE REIVINDICAÇÃO
REGISTO DA ACÇÃO
LITISPENDÊNCIA
DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
Nº do Documento: SJ200305130043541
Data do Acordão: 05/13/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 5862/01
Data: 05/02/2002
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Sumário :
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:

I - "A" intentou acção com processo ordinário contra B e C; D; E; F; G, pedindo que se declare a autora proprietária do prédio rústico que identifica e se condenem os réus a reconhecer a propriedade da autora, a entregarem o prédio livre e desocupado e condenados ainda a pagar uma indemnização.

Alegou que é dona e proprietária do prédio rústico denominado "Terra da ...", que os réus ocupam sem qualquer título, causando com isso prejuízos.
Os réus F, D e G , foram pessoalmente citados e os restantes réus citados editalmente, sem que tenham deduzido oposição.

Citado o Ministério Público, nada disse.
O processo prosseguiu termos, tendo tido lugar audiência de discussão e julgamento e sendo proferida sentença que decidiu pela procedência da acção.
O réu G interpôs competente recurso.
O Tribunal da Relação confirmou o decidido.
Inconformado, recorre o mesmo réu para este Tribunal.

Formula as seguintes conclusões:
- Existe litispendência porque se verifica identidade dos sujeitos da acção - as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica (artigo 498º nº 2 do CPC);
- O adquirente é um representante do transmitente, sendo a mesma parte;
- O acórdão recorrido violou o artigo 342º nº 2 do CC, não interpretando correctamente o aí estatuído em articulação com os artigos 487º nº 2, 489º nº 2, 493º nº 1 e 2, 494º, alínea I), 495º, 498º nº 1 e 2, todos do CPC;
- Caso contrário, seria possibilitar a existência de um sem número de decisões contraditórias ou repetitivas, criando um verdadeiro caos jurídico.
- A excepção da litispendência é de conhecimento oficioso, podendo ser conhecida a todo o tempo;
- Também, o acórdão recorrido violou o estatuído no artigo 3º do CR Predial, não o interpretando correctamente em articulação com o disposto no artigo 1311º do CC;
- Mesmo admitindo que a questão essencial é a legitimidade ou não da ocupação do imóvel, a declaração e o reconhecimento da propriedade, são elementos igualmente indispensáveis para a procedência da acção (mesmo que a título acessório);
- Sendo assim, nos termos do artigo 3º do CRP, os autos estão sujeitos a registo, e não deveriam ter tido seguimento após os articulados, sem que a respectiva inscrição no Registo Predial se mostrasse efectuada.

Não houve contra-alegações.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II - Vem dado como provado:
A favor da autora mostra-se registada a propriedade sobre o prédio rústico designado "Terra da ...", sito na Granja de Alpriate, freguesia de Vialonga, concelho de Vila Franca de Xira, descrito na respectiva Conservatória sob o nº 1607, do livro B-41 e inscrito na matriz rústica sob o artigo 9º, secção BB;
O aludido prédio veio à posse da autora por compra celebrada em 21.12.1993 efectuada à firma H;
O aludido prédio rústico encontra-se parcialmente ocupado pelos réus, sem que para isso possuam qualquer título que o justifique;
Apesar das tentativas, quer da autora, quer dos anteriores proprietários, para reaverem o prédio, sempre os réus, recusaram desocupar o mesmo;
Aí mantendo a sua residência;
A ocupação abusiva por parte dos réus tem causado prejuízos à autora;
Uma vez que a mesma está impedida de arrendar o prédio rústico ocupado pelos réus;
Os aludidos prejuízos vão aumentando mensalmente.

III - Intentada a presente acção, foi a autora declarada legítima proprietária do prédio rústico em causa e condenados os réus a reconhecerem esse direito, a desocuparem e restituírem o prédio e ainda condenados no pagamento de uma indemnização.
O acórdão da Relação confirmou o decidido na 1ª instância.
Recorre um dos réus (que, tal como todos os outros, não moveu qualquer oposição ao pedido da autora).
Suscita as seguintes questões:
Existência de litispendência;
Obrigatoriedade de registo da acção.
Vejamos, antes de mais, a problemática do registo.
O artigo 3º nº 1 do Código do Registo Predial determina que estão sujeitas a registo as acções que tenham por fim, principal ou acessório, o reconhecimento, a constituição, a modificação ou a extinção de algum dos direitos referidos no artigo 2º; as acções que tenham por fim, principal ou acessório, a reforma, a declaração de nulidade ou a anulação de um registo ou do seu cancelamento; as decisões finais das acções referidas, logo que transitem em julgado.
As acções sujeitas a registo não terão seguimento após os articulados sem se comprovar a sua inscrição, salvo se o registo depender da respectiva procedência (nº 2 do artigo 3º).
A lei, no que aqui interessa, sujeita assim a registo as acções que tenham por fim, principal ou acessório, o reconhecimento, a constituição, a modificação ou extinção do direito de propriedade (artigo 2º nº 1, alínea a) e artigo 3º nº 1, alínea a) do CP Predial).
No caso concreto, como facilmente se conclui da causa de pedir e dos pedidos formulados, está-se perante uma acção de reivindicação, que é exercida pelo proprietário não possuidor contra o detentor ou possuidor que não é proprietário da coisa (artigo 1311º do C. Civil). Tal acção, como acção real que é, está sujeita a registo, uma vez que tem por fim, "principal ou acessório", o reconhecimento do direito de propriedade, através dela se efectuando o direito de sequela, característico das figuras de natureza real.
Mas se é assim, a verdade é que se impõe uma distinção entre as acções de reivindicação cuja causa de pedir é a aquisição originária por usucapião e aquelas que se fundam na presunção registral do artigo 7º do C. Registo Predial.
Encontrando-se o prédio reivindicado registado em nome do autor, como é aqui o caso, não é exigível o registo da acção, já que aquele registo não é afectado pelo destino da acção.
Procedesse ou não a pretensão da autora, tal facto não produziria efeitos quanto ao registo do prédio, que se mostra feito em seu nome.
Se é certo que a falta de contestação não altera a natureza da acção, que se mantém de reivindicação (não passando a acção processória), também não pode deixar de se observar que não tendo sido deduzida oposição ao direito de propriedade da autora, já que nem existiu contestação, e gozando aquela da presunção derivada do registo, não se vê que vantagem adviria ao recorrente da obrigatoriedade do registo.
Nenhuma, a não ser, obviamente, uma maior delonga processual.
Este entendimento, embora não sendo pacífico, corresponde a uma jurisprudência maioritária - Entre muitos o Ac. STJ de 12.07.2001, Agravo nº 2121/01 - 7ª Secção, em "Sumários" 2001, pág. 248; Ac. RC de 07.04.94, CJ, Tomo II, pág. 22, referindo a posição doutrinal de J. de Seabra Magalhães, "Estudos de Registo Predial", 1986, pág. 16 e segs.
Analise-se então a questão da litispendência.
O recorrente defende a tese de que existe uma situação de litispendência, uma vez que está pendente uma acção idêntica à dos presentes autos, quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir, visando ambas a reivindicação do mesmo prédio.
A excepção de litispendência pressupõe a repetição de uma causa estando a anterior ainda em curso. Repete-se a causa quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir (artigos 497º e 498º do C. Processo Civil).
A existência da referida excepção tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior (artigo 497º nº 2 do CP Civil), com o dano que daí resultaria para o prestígio da Justiça.
No que respeita às acções em causa, constata-se, antes de mais, que a autora na acção nº 1529/93 é "H" e nesta acção a autora é "A". Certo é porém, que a aqui autora adquiriu por compra o prédio àquela.
Ora, a identidade das partes para os efeitos aqui em discussão não é a simples identidade física, tendo lugar quando as partes nos dois processos sejam as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica. Isso acontecerá quando as partes no novo processo forem as próprias pessoas que pleitaram no outro ou sucessores delas (entre vivos ou mortis causa) na relação controvertida. Será o caso de herdeiros, legatários, donatários, cessionários, compradores.
As partes no novo processo serão pois idênticas às do anterior quando sejam pessoas que na relação em litígio ocupem a mesma posição que, ao tempo, estas ocupavam - Prof. Manuel de Andrade - "Noções Elementares de Processo Civil", pág. 286.
Tendo a aqui autora adquirido por compra o prédio à litigante, também autora, na acção primitivamente instaurada, pode, efectivamente, existir identidade de sujeitos.
Para ocorrer a litispendência é, porém, necessário que ambas as acções estejam pendentes.
Dos elementos existentes nos autos não é possível concluir por tal pendência. Consta um despacho datado de 07.07.97 declarando interrompida a instância na acção referida como instaurada em primeiro lugar. O processo foi remetido para o arquivo aguardando a deserção.
O recorrente não carreou para os autos elementos que comprovem estar a anterior acção em curso.
Atente-se que a sentença da 1ª instância data de 27.11.2000 e o Acórdão recorrido de 02.05.2002, tendo assim decorrido mais de três e cinco anos após o despacho.
Tendo a instância ficado deserta, não existe a possibilidade de existir uma decisão que contradiga ou reproduza decisão anterior, que é a finalidade última que se pretende alcançar com a excepção da litispendência.
O acórdão recorrido não merece por isso censura.
Pelo exposto nega-se a revista.
Custas pelo recorrente, sem prejuízo de isenções concedidas.

Lisboa, 13 de Maio de 2003
Pinto Monteiro
Reis Figueira
Barros Caldeira