Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
04A391
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: LOPES PINTO
Descritores: PARTILHA DA HERANÇA
EMENDA
LEGITIMIDADE
Nº do Documento: SJ200403090003911
Data do Acordão: 03/09/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL COIMBRA
Processo no Tribunal Recurso: 1248/03
Data: 06/24/2003
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário : A acção destinada a obter a emenda da partilha tem de ser proposta pelo interessado que em virtude do erro sofreu prejuízo, o qual tem de ser de natureza patrimonial, ainda que se possa aliar o afectivo, e tem de ser proposta contra todos os outros interessados.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

Por apenso ao inventário por óbito de A, B (falecida em 98.12.20, foram julgados habilitados os réus, proferindo-se o despacho de fls. 58, no sentido de evitar confusão entre as partes e a ordenar o prosseguimento da acção, do qual agravaram os réus contestantes) demandou C e marido D, E e mulher F, G e marido H, I e mulher J, e L e mulher M acção a fim de ser rectificado o erro de facto da descrição do imóvel referido no art. 1º da petição inicial, substituindo-se as verbas 15 e 16 da descrição de bens naquele por uma única, ou, a se não entender assim, se rectificarem as confrontações dos mesmos ou, a entender-se que não há erro de facto, se anular a licitação desses bens e subsequentes termos com base em erro que viciou a sua vontade aprazando-se nova conferência de interessados.
Contestaram apenas os réus I e mulher, para excepcionarem a ‘legitimidade (dignidade)’ da autora para invocar qualquer erro de identificação dessas verbas e a caducidade do direito de acção, no mais impugnando, concluindo pela absolvição da instância ou do pedido.
Após resposta, prosseguiu o processo tendo, por sentença, improcedido a excepção de caducidade e procedido a acção pelo último pedido subsidiário.
A Relação negou provimento ao agravo e confirmou a sentença.
De novo inconformados, os réus I e mulher pedem revista, concluindo, em suma e no essencial, em suas alegações:
- com o falecimento da autora devia ter sido declarada extinta a instância;
- há contradição entre o facto de a autora ter requerido, no início da conferência de interessados ocorrida no inventário, a atribuição do direito de habitar a casa que constitui a verba nº 16 e a pretensão de que ocorreu erro na licitação da verba 15;
- a ter ocorrido esse erro, devia, porque a seguir a essa licitação foi licitada a verba seguinte e por a autora ter estado presente e assistida por mandatário judicial, devia ter sido arguido de imediato;
- há contradição entre a matéria constante das als. b) a g), em particular nas als. f) e g), e a resposta dada ao quesito 4º e entre esta e a decisão proferida em 1ª instância;
- ainda que se aceitasse que a autora licitou a verba 15 convicta que a mesma incluía também a verba 16, o seu erro limitou-se à verba 15, pelo que só provocaria anulabilidade da licitação dessa verba;
- nula a decisão nos termos do art. 668-1 c) CPC e
- violado o disposto nos arts. 868 e segs, 236 e 251 CC e 205-1 e 1.387 CPC.
Contraalegando, os recorridos (restantes réus, agora como sucessores habilitados da autora), defenderam a confirmação do acórdão.
Colhidos os vistos.

Matéria de facto que as instâncias consideraram provada -
a)- por óbito de A procedeu-se a inventário facultativo que correu termos neste tribunal sob o n° 114/92, tendo como cabeça de casal a B;
b)- da herança do inventariado A faz parte uma casa de habitação com pátio, cinco compartimentos, sete dependências, cinco vãos e um quintal;
c)- a casa de habitação encontra-se inscrita na matriz predial urbana da freguesia de Fonte de Ageão sob o art. 278;
d)- o quintal encontra-se inscrito na matriz predial rústica da freguesia de Fonte de Ageão sob o art. 1881;
e)- o quintal e a casa de habitação foram relacionados e descritos no inventário n° 114/92 em 2 verbas, a nº 15 quinze e a nº 16, respectivamente, que reproduzem as respectivas inscrições matriciais;
f)- a verba nº 15 da descrição de bens tem o seguinte teor, uma terra de cultura na Fonte de Ageão, a confrontar do norte com P, do sul e nascente com N e do poente com casa do proprietário, não descrito na Conservatória do Registo Predial e inscrito na matriz predial rústica sob o art. 1881, com o valor tributável de mil setecentos e cinquenta e dois escudos;
g)- a verba nº 16 da descrição de bens tem o seguinte teor: uma casa de rés-do-chão, com pátio, 5 compartimentos, 7 dependências e 5 vãos, a confrontar do norte com O, do sul com N, do nascente com o proprietário e do poente com Rua, não descrito na Conservatória do Registo Predial e inscrita na matriz predial urbana sob o art. 278, com o valor tributável de quatro mil setecentos e noventa e cinco escudos;
h)- na conferência de interessados realizada no inventário 114/92, em 93.07.13, não tendo sido possível o acordo, procedeu-se a licitações, tendo a verba nº 15 sido licitada pela autora por 4.000.000$00 e a verba nº 16 licitada pelo interessado I, pelo valor de 1.355.000$00;
i)- em 94.03.16 foi dada a forma à partilha por parte da cabeça-de-casal, a autora nos presentes autos;
j)- em 94.11.28 foi proferida sentença no inventário 114/92;
k)- a autora tem 79 anos de idade (à data da propositura da acção - 95.07.13);
l)- a parte rústica inscrita na matriz rústica e descrita na verba nº 15 é o logradouro da casa de habitação descrita na verba nº 16;
m)- o pátio mencionado na descrição da verba nº 16 é rodeado, a toda a volta, pela casa e respectivas dependências;
n)- a verba descrita sob o nº 16 confronta pelo sul com terreno da herança de A, descrito na verba nº 15;
o)- a verba nº 15 confronta do norte com P e a casa de habitação descrita na verba 16 e do poente com a mesma casa e estrada (resposta ao quesito 4°);
p)- a autora é analfabeta;
q)- durante toda a sua vida cuidou dos filhos, da casa e trabalhou no campo;
r)- não tem experiência em relação à transacção de imóveis e à forma habitual de os identificar;
s)- ao aproximar-se a data da conferência de interessados, a autora solicitou a avaliação de bens da herança a louvados locais,
t)- que não se aperceberam que a casa e o quintal estavam descritos em verbas distintas;
u)- e deram à autora a indicação de que a casa e o quintal no seu conjunto valiam entre 3.500.000$00 e 4.000.000$00;
v)- no dia da conferência de interessados, a autora encontrava-se muito nervosa e perturbada;
x)- durante as licitações, ao ouvir ler a descrição da verba nº 15 não percebeu do que se tratava e pediu esclarecimentos,
y)- tendo-lhe sido dito pela interessada Irene que era o quintal da casa;
w)- a autora pensou que a verba nº 15 abrangia o terreno livre de construções do conjunto descrito na al. b) - certamente, por lapso de escrita, consignou-se «a)»,
z)- e que era um terreno bom para a construção, com uma área superior a 1.100 m² e com uma frente para a estrada de mais de 10 m;
a-1)- no entanto, o que estava a ser licitado era um terreno com menos de 600 m² sem qualquer frente para a estrada ou caminho e sem acesso a qualquer via pública;
b-1)- tal terreno vale 352.000$00;
c-1)- a autora B pensou que ao licitarem a verba nº 16 por 1.084.000$00, os réus estavam a adquirir apenas as casas, o terreno onde elas estão implantadas e o pátio que elas rodeiam;
d-1)- o conjunto das casas tem uma área de 407,00 m²,
e-1)- tem uma frente para a estrada de 17,28 m;
f-1)- a verba descrita no nº 16 corresponde a um terreno com 27,91 metros de frente para a Estrada Nacional e mais de 600 m² de área;
g-1)- um lote de terreno com tais características vale mais de 3.500.000$00;
h-1)- os réus sabiam que a autora não adquiriria por 4.000.000$00 o terreno descrito na verba nº 15 se tivesse percebido que esse terreno não abrangia toda a área livre de construções do conjunto constituído pela casa de habitação e quintal;
i-1)- os réus sabiam que a autora cobriria o lance da verba nº 16 se tivesse entendido que esta abrangia mais terreno que as casas de habitação e suas dependências ocupam, com todo o quintal ao lado da casa e suas confrontações com estrada;
j-1)- os restantes interessados mostravam-se desinteressados do destino das verbas em causa;
k-1)- o somatório dos valores das licitações de ambas as verbas resultava superior à avaliação prévia, extrajudicial, do conjunto constituído pelas casas de habitação e quintal;
l-1)- só posteriormente, quando quis proceder à delimitação do terreno que julgava ter adquirido com aquele dos réus, a autora se apercebeu qual o terreno que licitara;
m-1)- até ao atrás mencionado a autora esteve na convicção de que adquirira todo o terreno por fora da casa de habitação e dependências;
n-1)- ocupou, vigiou o mencionado terreno na convicção de que o havia adquirido.

Decidindo:

1.- A morte da autora e subsequente habilitação dos seus sucessores, os seus filhos ora réus, só aparentemente provocaria in casu uma situação em que nas mesmas pessoas se concentravam os interesses de demandados e demandantes.
Com efeito, o escopo desta acção é obter a emenda da partilha por não haver acordo em ordem a esse fim. Porque cada herdeiro, ainda que possa concertar-se com um ou mais herdeiros num determinado resultado, defende um interesse próprio a não contestação da acção por alguns deles, além de reflectir o reconhecimento da situação de falta de acordo (... o que determinou a acção), não significa que necessariamente todos os demandados estejam sejam titulares de interesses opostos ao do demandante.
A acção tem de ser proposta por um interessado mas não por qualquer um - apenas o pode ser por aquele em relação ao qual o erro ocorreu e que, em virtude desse erro, sofreu prejuízo, o qual tem de ser de natureza patrimonial (ainda que para o interessado se possa aliar o afectivo).
Este interesse patrimonial, a ser reconhecido e proceder o erro, irá permitir o traduzir-se, no prosseguimento do inventário, em modificação da sua situação patrimonial, com relevo (potencial ou efectivo) para a composição do seu património hereditário.
Quem demanda tem de accionar contra todos os outros interessados, muito embora só um ou alguns tenham tirado proveito da situação de erro que ocorreu. Por isso, nada tem de estranho que apenas este ou estes contestem; os outros reconhecem que não se estabeleceu acordo para a emenda da partilha. Porque in casu continuam a ser herdeiros do acervo hereditário da ora autora a (im)procedência da acção e o subsequente prosseguimento (ou não) do inventário não lhes é indiferente - a composição desse acervo sofrerá (pelo menos, potencialmente) alteração no sentido do seu aumento.
De um lado surge o interesse de quem tirou proveito, querendo que este se consolide, do outro estarão os restantes interessados. Porque a autora faleceu no decurso da acção, a situação terá de reflectir esse decesso - porque herdeiros, têm interesse em que o acervo hereditário da de cujus conheça uma composição patrimonial mais favorável (efectiva - aquela dele já não pode, como é óbvio, dispor), o que, a suceder, terá de ser à custa do contestante.
Não há confusão de interesses, a instância tinha de prosseguir a menos que o decesso tivesse dado origem, rectius, permitisse terem-se concertado e obtido o acordo. Mas então, a extinção decorreria não em consequência da (inexistente) confusão de interesses e sim do acordo obtido e levado ao processo.
2.- Alegam os recorrentes um facto novo que da acta da conferência consta.
Independentemente de ser um facto novo, não considerado pelas instâncias na decisão de facto, o mesmo em nada altera nem contradiz o já fixado.
Com efeito, resulta da matéria de facto fixada que a convicção da falecida autora era a de que na verba 15 se incluía uma área que, na realidade, estava incluída não aí mas na verba 16 da qual fazia parte. Além dessa área, a verba 16 incluía a casa de habitação mas a falecida estava convencida que essa verba apenas incluía a dita casa.
Isto o que se retira da conjugação das als. b) a g), l) a o), s) a u), x) a a-1), c-1) e l-1) a n-1), convicção que os recorrentes conheciam e sabiam ser errónea (cfr., als. h-1) e i-1)).
Também só por uma interpretação meramente literal - e nem essa seria inequívoca - poderia conferir razão aos recorrentes quanto à leitura que fazem do facto que consta da al. l-1). Porém, se atentarmos no contexto da petição inicial donde o quesito fora retirado e ainda na sua articulação com os factos acima assinalados, observa-se que não é um problema de conhecer com quem confrontava mas de delimitar o terreno que julgava estar incluído na verba que licitara, a 15.
Para alegarem contradição do facto constante da al. o) com os constantes das als. b) a g) os recorrentes partem da autonomia entre as verbas 15 e 16 e do levantamento topográfico.
Quanto a este último, há que lhes recordar que o Supremo Tribunal de Justiça não é uma 3ª instância mas tribunal de revista.
Quanto ao primeiro - a autonomia das verbas descritas não vem questionada, não é aí que reside o litígio, mas sim no que a falecida compreendia constituir cada uma dessas verbas (a 15 e a 16), compreensão essa que motivou a sua licitação na verba 15 e não também na verba 16 e ainda o que, a ser correcto o agora alegado pelos recorrentes, ela manifestou como vontade quanto à casa de habitação (ser-lhe adjudicado o direito de habitar essa casa, que ela supunha ser o que unicamente constituía a verba 16).
Erro objectivo, susceptível de viciar a vontade da falecida, que efectivamente a viciou e pelo qual não foi responsável. Porque lhe causou prejuízo, tinha legitimidade para demandar. Erro, portanto, causal da emenda.
3.- A falecida não se apercebeu do erro em que incorrera quer durante as licitações quer quando, como cabeça-de-casal, foi chamada a dar a forma à partilha, mas bem mais tarde (als. l-1) a n-1)). A sua invocação tinha de ocorrer, salvo havendo acordo de todos os interessados, através de uma demanda judicial proposta dentro de um ano a contar do conhecimento do erro (CPC- 1.386 e 1.387).
Incidindo o erro sobre as verbas 15 e 16 a anulação da licitação tinha de abranger uma e outra, não podia deixar de fora esta como é pretensão dos recorrentes. Contrariamente ao defendido por estes não é uma questão do valor por que foi licitada dever ser corrigido para menos mas sim de regressar ao momento inicial da licitação para se poder proceder a esse acto com real conhecimento do que se está a licitar - isso irá, por outro lado, uma vez que a autora (a errante) entretanto faleceu, ter directo reflexo no acervo hereditário da falecida.
Nenhuma outra questão cumpre conhecer, outra não foi levada á conclusões nem as há de apreciação oficiosa.

Termos em que se nega a revista.
Custas pelos recorrentes.

Lisboa, 9 de Março de 2004
Lopes Pinto
Pinto Monteiro
Lemos Triunfante