Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08B1168
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: ALBERTO SOBRINHO
Descritores: EXPROPRIAÇÃO
AUDIÊNCIA DE PARTE
DESPACHO
ADJUDICAÇÃO
EXPROPRIAÇÃO TOTAL
Nº do Documento: SJ200805270011687
Data do Acordão: 05/27/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: PROVIDO
Sumário :

1. Terminada a fase administrativa, entra-se na fase judicial e a primeira diligência a efectuar é a adjudicação da propriedade e eventualmente da posse do bem ao expropriante.
De acordo com o processado especial aqui preconizado, não está prevista a audição prévia dos interessados. E compreende-se que assim seja. Primeiro, porque eles puderam acompanhar a par e passo todo percurso processual que até aí se desenrolou e adoptar os procedimentos que entendessem convenientes. Segundo, porque a fase judicial só começa verdadeiramente com o despacho de adjudicação. Finalmente, porque é a própria declaração de utilidade pública a criar o carácter forçado da transferência do bem. No despacho de adjudicação, o juiz apenas pode exercer controle sob aspectos formais da tramitação do procedimento expropriatório até aí decorrente.
Não revestia qualquer interesse, digno de protecção legal, a notificação da expropriada previamente à prolação do despacho de adjudicação da propriedade do bem.
2. Vigora em matéria de expropriação o princípio da suficiência, ou seja, o sacrifício a impor ao particular deve limitar-se ao estritamente necessário para realização do fim público a prosseguir.
Este princípio admite excepções, a mais importante das quais é, desde logo, a expropriação total que é instituída em benefício do interessado. Desde que a parte do prédio não necessária à realização do interesse público não ofereça as mesmas vantagens que oferecia o conjunto ou deixe de se revelar economicamente viável, o expropriado pode requerer a expropriação de todo ele.
Não faria qualquer sentido que, declarada a utilidade pública de parte de um prédio e pretendendo o expropriado fundadamente obter a sua expropriação total, fosse obrigada a expropriante a obter uma DUP abrangente da parte restante. Aliás, e porque a expropriante nem terá, normalmente, qualquer interesse nessa expropriação, que para si é forçada, nem a parte restante se apresentará já necessária à satisfação de qualquer interesse público, não havia fundamento para provocar essa declaração.
Esta situação não se configura, por isso, como uma verdadeira expropriação. Este foi o meio encontrado para minorar o prejuízo do expropriado com o fraccionamento do imóvel, enquanto para o expropriante acaba por constituir um encargo acrescido na medida em que tem de adquirir parte de um imóvel não necessária a um fim de utilidade pública.
Requerida a expropriação total do prédio, uma vez concedida, apresenta-se ela como o desenvolvimento da declaração de expropriação inicial, não havendo sequer fundamento para provocar uma nova DUP.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


I. Relatório

EXPROPRIANTE: AA – ..................., S.A.

EXPROPRIADA: BB, LDª

Por despacho de 27/02/1995 do MOPTC, publicado no D.R- II Série, de 21/03/1995, foi declarada a utilidade pública e atribuído carácter de urgência à expropriação, entre outras, de cinco parcelas, as referenciadas sob os nºs 11.1 a 13.1, propriedade da Sociedade Produtora do Sal, Ldª, indispensáveis à construção das obras relativas à nova travessia rodoviária sobre o Tejo.

Após pedido de expropriação total formulado pela expropriada do conjunto dos seus terrenos compreendidos na chamada Salinas do ........., que veio a ser aceite pela expropriante, foi a expropriante autorizada a tomar posse administrativa, por despacho de 27/06/1997, do Secretário de Estado das Obras Públicas, das parcelas pertencentes à expropriada por referência ao mapa anexo ao despacho, mapa esse elaborado pela própria expropriada.

Organizado processo de expropriação referente à parcela nº 113, foi realizada a vistoria ad perpetuam rei memoriam e a entidade expropriante tomou posse administrativa dessa parcela.

Procedeu-se à arbitragem perante a entidade expropriante, tendo os árbitros, por unanimidade, atribuído à parcela expropriada o valor de Esc. 2.955.000$00.

Remetido o processo a Tribunal, foi adjudicada à entidade expropriante a propriedade da parcela nº 113, destinada a integrar o domínio público estadual.
Inconformada com este despacho de adjudicação, dele agravou a expropriada, agravo admitido com subida diferida.

Prosseguiu o processo os seus termos e, a final, foi proferida sentença que fixou a indemnização em 13.418,45 € (2.687.500$00), actualizada de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor.


Desta sentença foi interposto recurso pela expropriada, insurgindo-se contra o montante indemnizatório arbitrado, que considera exíguo.

O Tribunal da Relação de Lisboa, no provimento do recurso de agravo, revogou a decisão de adjudicação da propriedade da parcela nº 113 e declarou extinta a instância por impossibilidade da lide.

Irresignada com o teor desta decisão, é a expropriante a recorrer agora para o Supremo Tribunal de Justiça, pugnando pela revogação do acórdão posto em crise e pelo consequente conhecimento da apelação.

Contra-alegou a recorrida em defesa da manutenção do decidido e pugnando pela condenação da recorrente como litigante de má fé.


Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir


II. Âmbito do recurso


A- De acordo com as conclusões, a rematar as respectivas alegações, a discordância do recorrente radica, em síntese, no seguinte:

1. Resulta da letra e espírito do art. 50º C.Exp. que nele não se encontra prevista qualquer audição das partes antes da prolação do despacho de adjudicação de propriedade, o que bem se compreende já que o processo de expropriação litigiosa se destina apenas à fixação da indemnização, e foi precedido de uma série de actos, cuja irregularidade o expropriado poderá invocar nos termos do artigo 52° do CE aprovado pelo Decreto-lei n.° 483/91 de 9.11, actual artigo 54° do CE vigente.

2. No caso dos autos, estamos perante uma situação de expropriação a requerimento de um particular, que usou da faculdade de requerer a expropriação total consagrada nos artigos 3.° e 53.° do CE, pelo que o despacho de adjudicação, objecto do presente recurso, mais não é do que o corolário lógico do requerimento de expropriação total formulado pela recorrente, nada havendo a contraditar antes da sua prolação.

3. Por outro lado, o pedido de expropriação total formulado pela expropriada versou sobre diversos prédios que lhe pertenciam, entre os quais se conta o prédio dos autos, o que está claramente evidenciado no requerimento de expropriação total e respectivos documentos.

4. Na apreciação desse pedido, a expropriante efectuou uma correcta avaliação do prejuízo económico que decorreria para a expropriada, caso apenas fosse efectuada a expropriação parcelar, deferindo, em consequência, o pedido de expropriação total formulado, em virtude de, no caso, se encontrarem verificados os pressupostos que levam à aplicação do artigo 3.°, n.° 2, alínea b) do CE de 91.

5. O Tribunal a quo ao entender que, no caso dos autos, se afigurava necessária a audição das partes bem como a emissão de declaração de utilidade pública, errou na interpretação quer do artigo 50.° quer do artigo 3.°, n.° 2, alínea b) ambos do CE, proferindo decisão violadora da lei processual e substantiva aplicável.


B- Face à posição do recorrente vertida nas conclusões das alegações, delimitativas do âmbito do recurso, são duas as questões controvertidas a dilucidar:
- omissão de audição dos interessados previamente à prolação do despacho de adjudicação da propriedade;
- inexistência de declaração de utilidade pública de expropriação autónoma para a parcela dos autos.


III. Fundamentação

A- Os factos

Para além dos factos já vertidos no relatório, há ainda a considerar mais os seguintes, dados como assentes no acórdão recorrido:

1- Ao abrigo da Base da Concessão LXVITI, n° 2, aprovada pelo DL n° 168/94, a expropriada requereu a expropriação total dos prédios de sua propriedade, compreendidos na área designada como Salinas do ........., zona de recuperação e protecção ambiental e onde está inserida a Parcela 113, pedido esse que foi aceite pela entidade expropriante.

2- Por despacho n° 2928-A/97, do Exmo. Sr. Secretário de Estado das Obras Públicas, em competência delegada, publicado no D.R. – II Série, n.° 148, de 30/06/97, foi autorizada a posse administrativa de várias parcelas, de entre as quais a parcela 113.

3- A Parcela 113 tem a área de 11.700 m2 e corresponde à totalidade da área do prédio denominado “..........”, confrontando a norte com a marinha ... ....°, da BB, Lda., a sul com o ...... e marinha ......, da mesma sociedade, a nascente com o Esteiro e a poente com a marinha ....... também da mesma sociedade, sito na freguesia de Alcochete, concelho de Alcochete, descrito na Conservatória do Registo Predial de Alcochete, sob o n° ..... (antigo n.° 4232) de fls. 152 do livro B 11 e inscrito na matriz urbana sob o n° ......... a favor da expropriada BB, Lda.

4- A Parcela 113 localiza-se na Ribeira do ......... e confronta com a parcela 115 a norte, com as parcelas 111 e 112 a poente, com a parcela 114 a nascente e com a parcela 111 a sul, todas pertencentes à expropriada.


B- O direito


1. audição prévia dos interessados ao despacho de adjudicação

No acórdão recorrido sustentou-se que a audição prévia das partes, e não só da expropriada, era recomendável in casu, até como diligência inserida na conveniente instrução do processo, concluindo-se, por isso que, ao omitir-se essa audição, se violaram os princípios da igualdade e do contraditório.

O processo de expropriação por utilidade pública tem duas fases: uma de natureza administrativa e outra de natureza judicial.
Na primeira integram-se todos os procedimentos que hão-de determinar a declaração de utilidade pública, enquanto facto constitutivo da relação jurídica administrativa, e a sua concretização, até à posse administrativa do bem expropriado.
Enquanto a segunda contempla todos os actos procedimentais em vista da fixação do justo montante indemnizatório.
Através da declaração de utilidade pública reconhece-se que determinado bem é necessário à prossecução de um fim de utilidade pública, fim esse mais importante do que o aquele a que esse mesmo bem se encontrava afectado.
Por força da expropriação extingue-se o direito existente sobre o bem expropriado, que é transferido para outro património. A expropriação determina a extinção do direito do expropriado e, consequentemente, a constituição de um novo direito na esfera jurídica do expropriante. É a expropriação uma forma de aquisição e aquisição originária do direito de propriedade e não uma forma de transmissão onerosa (1)–arts.1308º e 1316º C.Civil.

Decorrida a fase administrativa, determina o art. 50º C.Expropriações (aprovado pelo Dec-Lei 438/91, de 9 Novembro, o aqui aplicável por estar em vigor à data de publicação da declaração de utilidade pública), o processo será remetido pela entidade expropriante ao tribunal competente no prazo de 14 dias a contar da obtenção do resultado da arbitragem (nº 1) e o juiz, no prazo de dois dias, adjudicará ao expropriante a propriedade e posse … e ordenará simultaneamente a notificação da decisão arbitral quer ao expropriante, quer aos diversos interessados (nº 4).
Até esse momento o processo corre os seus trâmites perante a entidade expropriante, os interessados vão sendo notificados de todos os procedimentos que nessa fase ocorrem, tendo tido desde logo e, em primeiro lugar, conhecimento do requerimento a solicitar a declaração de utilidade pública.
Têm logo conhecimento do facto constitutivo da relação jurídica de expropriação e possibilidade de acompanhar depois todos os actos de execução que constituem o normal desenrolar da relação assim constituída.

Terminada esta fase, entra-se então na fase judicial e a primeira diligência a efectuar é a adjudicação da propriedade e eventualmente da posse do bem ao expropriante.
De acordo com o processado especial aqui preconizado, não está prevista a audição prévia dos interessados. E compreende-se que assim seja. Primeiro, porque eles puderam acompanhar a par e passo todo percurso processual que até aí se desenrolou e adoptar os procedimentos que entendessem convenientes. Segundo, porque a fase judicial só começa verdadeiramente com o despacho de adjudicação. Finalmente, porque é a própria declaração de utilidade pública a criar o carácter forçado da transferência do bem. No despacho de adjudicação, o juiz apenas pode exercer controle sob aspectos formais da tramitação do procedimento expropriatório até aí decorrente.

Não é o facto da lei não prever expressamente a audição das partes previamente ao despacho de adjudicação que esta fica irremediavelmente prejudicada.
É que o princípio do contraditório deve operar sempre que se torne necessário garantir uma efectiva participação das partes no desenvolvimento do litígio, de modo a que cada uma delas possa aduzir as razões adequadas e relevantes à decisão a proferir.
Mas se essa participação se mostrar despida de qualquer interesse ou sentido útil, já não há qualquer razão para fazer funcionar o princípio do contraditório, como expressamente se consagra no nº 3 do art. 3º C.Pr.Civil.

Na situação vertente, a expropriada pôde acompanhar todo o processo na sua fase administrativa, processo que, aliás, teve a sua origem no pedido de expropriação total por si deduzido, tendo sido notificada de todas as diligências que nele ocorreram. Podia, por isso, ter assumido a posição processual adequada à defesa dos seus interesses.
Não revestia qualquer interesse, digno de protecção legal, a notificação da expropriada previamente à prolação do despacho de adjudicação da propriedade do bem.
Daí que não tenham sido violados os alegados princípios do contraditório e da igualdade.


2. inexistência de declaração de utilidade pública

Consignou-se no acórdão recorrido que entre as parcelas citadas (relativamente às quais foi declarada a utilidade pública) não consta a parcela nº 113, que é a parcela em causa nos autos. Mais se consignou ex abundanti que, no caso de pedido de expropriação total, sempre teria de haver uma Declaração de Utilidade Pública relativamente à parte do prédio não abrangido pela inicial declaração expropriativa.
E daqui se concluiu que inexiste DUP e, consequentemente, declarou-se extinta a instância por impossibilidade da lide.

Tal como alegado pela expropriada no seu pedido de expropriação total, a parcela aqui em causa, parcela nº 113, integra uma unidade de exploração de sal, dividida, do ponto de vista do processo produtivo, em duas áreas: uma, de recepção de água do rio e 1ª fase de evaporação; e outra, zona final de cristalização e evaporação total até obtenção de sal. O total desta segunda área é de 132.6640 ha.
Como ressalta também dos docs. nºs 14 e 20, incorporados nos autos a fls. 81 e 94, respectivamente, a parcela 113 está incluída nesta segunda área, marinhas que foram objecto de expropriação parcial.
Por outro lado, e como expressamente ficou assente nos factos provados, a expropriada requereu a expropriação total dos prédios de sua propriedade, compreendidos na área designada como Salinas do ........., zona de recuperação e protecção ambiental e onde está inserida a Parcela 113, pedido esse que foi aceite pela entidade expropriante.

Afirma-se no acórdão recorrido que a carta da Agravante nunca poderia ser havida como um pedido de expropriação no qual se incluísse a aludida parcela [parcela 113].
É pacífico o entendimento de que as ilações ou conclusões extraídas pela Relação constituem matéria de facto e que, como tal, o Supremo Tribunal de Justiça deve respeitar, mas desde que elas não alterem os factos dados como assentes e representem ainda o seu desenvolvimento lógico. Caso contrário isso implicaria uma alteração da matéria de facto fora das situações legalmente possíveis previstas no nº 1 do art. 712º C.Pr.Civil (2).
No caso em apreço não podia a Relação extrair aquela conclusão por a mesma implicar uma alteração da matéria de facto dada como assente.

A expropriação deve limitar-se ao necessário para a realização do seu fim, podendo, todavia, atender-se a exigências futuras, dispõe-se no nº 1 do art. 3º C.Exp. Embora o proprietário possa requerer a expropriação total (nº 2 do mesmo art.):
se a parte restante não assegurar, proporcionalmente, os mesmos cómodos que oferecia todo o prédio -al. a);
se os cómodos assegurados pela parte restante não tiverem interesse económico para o expropriante, determinado objectivamente –al. b).

Vigora em matéria de expropriação o princípio da suficiência, ou seja, o sacrifício a impor ao particular deve limitar-se ao estritamente necessário para realização do fim público a prosseguir.
Este princípio admite excepções, a mais importante das quais é, desde logo, a expropriação total que é instituída em benefício do interessado. Desde que a parte do prédio não necessária à realização do interesse público não ofereça as mesmas vantagens que oferecia o conjunto ou deixe de se revelar economicamente viável, o expropriado pode requerer a expropriação de todo ele.

Foi precisamente a perda relevante do interesse económico que motivou o pedido de expropriação total da parcela nº 113.
Na verdade, alega a expropriada, em seu requerimento de pedido de expropriação total, que a área sobejante quer nos próprios imóveis onde se integram as parcelas, quer na unidade de exploração económica onde todos se integram não só não assegura proporcionalmente os mesmos cómodos –art. 112º-, como inclusive deixa de ter qualquer interesse de exploração económica como vinha a ter, pelo acréscimo de custos e, principalmente, pela muitíssima menor área de produção/cristalização e diminuição da capacidade produtiva (menos sol, menos vento e água de pior qualidade) –art.113º.

Porque o conjunto dos prédios que integravam ou se relacionavam com as unidades de produção piscícola e salinícola ficaram afectados economicamente com a expropriação parcial, levou a expropriada a requerer a sua expropriação total, para assim obstar ou minorar os efeitos negativos dessa expropriação parcial.
E na sequência desse pedido, foi organizado o respectivo processo de expropriação litigiosa.
É uma realidade que a DUP não abrangia a parte do prédio de que agora foi pedida a expropriação total.
Só que este pedido, instituído no interesse da expropriada, foi por ela efectivamente deduzido. E os pressupostos do deferimento desta pretensão são aqueles a que se fez referência supra e apenas esses.
Não faria qualquer sentido que, declarada a utilidade pública de parte de um prédio e pretendendo o expropriado fundadamente obter a sua expropriação total, fosse obrigada a expropriante a obter uma DUP abrangente da parte restante. Aliás, e porque a expropriante nem terá, normalmente, qualquer interesse nessa expropriação, que para si é forçada, nem a parte restante se apresentará já necessária à satisfação de qualquer interesse público, não havia fundamento para provocar essa declaração.
Esta situação não se configura, por isso, como uma verdadeira expropriação. Este foi o meio encontrado para minorar o prejuízo do expropriado com o fraccionamento do imóvel, enquanto para o expropriante acaba por constituir um encargo acrescido na medida em que tem de adquirir parte de um imóvel não necessária a um fim de utilidade pública.
Concluímos, pois, que requerida a expropriação total do prédio, uma vez concedida, apresenta-se ela como o desenvolvimento da declaração de expropriação inicial, não havendo sequer fundamento para provocar uma nova DUP.


Sempre se dirá ainda que se apresenta como claramente abusiva a actuação da recorrida ao atacar a validade da expropriação total com base na inexistência de DUP, quando essa expropriação total por ela havia sido requerida.
O abuso de direito tem lugar quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito -artº 334.° do Codigo Civil.
O abuso de direito, pressupondo a existência de um direito subjectivo, existe quando o seu titular exorbita claramente dos fins próprios desse direito ou do contexto em que é exercido.

Ora, tendo a expropriada formulado um pedido de expropriação total, invocando factos suficientes para essa pretensão ser deferida, como efectivamente o foi, vir posteriormente invocar a inexistência de um pressuposto dessa mesma expropriação, está a exercer o seu direito em manifesta oposição a uma tomada de posição anterior em que a outra parte acreditou e aceitou. Em suma, exerceu o seu direito fora do seu objectivo natural e da razão justificativa da sua existência
Ocorrendo uma situação de abuso de direito, ao titular que assim exerce o seu direito é-lhe negado o efeito pretendido.


Daí que se não possa manter o decidido no acórdão recorrido.


IV. Decisão

Perante tudo quanto exposto fica, acorda-se, no provimento do agravo, em revogar o acórdão recorrido, devendo, consequentemente, os autos baixar ao Tribunal da Relação para conhecimento dos recursos que não chegaram a ser apreciados.

Custas pela recorrida.



Lisboa, 27 de Maio de 2008


Alberto Sobrinho (Relator)
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Lázaro Faria
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(1) - cfr. Marcelo Caetano, in Manual de Direito Aministrativo, 9ª, II, pág. 1020
(2)- cfr., neste sentido, acs. STJ, de 2003/09/23 e de 2004/12/09, in C.J.,XI-3º,43 e XII-3º,144, (acs. STJ), respectivamente