Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1817/16.0T8PNF.P1.S2
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: ROSA TCHING
Descritores: CONTRATO MISTO
CONTRATO DE LOCAÇÃO
CONTRATO DE DEPÓSITO
MODIFICABILIDADE DA DECISÃO DE FACTO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
ERRO NA APRECIAÇÃO DAS PROVAS
QUALIFICAÇÃO JURÍDICA
RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
PRESUNÇÕES JUDICIAIS
DEVER DE VIGILÂNCIA
VIOLAÇÃO DE REGRAS DE SEGURANÇA
Data do Acordão: 09/19/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS.
Doutrina:
- Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2018, 5.ª Edição, p. 432;
- Antunes Varela, Contratos Mistos, Boletim da Faculdade de Direito, Vol. XLIV, Universidade de Coimbra, p. 149 e 150 ; Das Obrigações em Geral, 10.ª Edição, Vol. I, p. 264, 893 e 899;
- José A. Engrácia Antunes, Direito dos Contratos Comerciais, Almedina, 2009, p. 563e 564;
- Paula Ponces Camanho, Do Contrato de Depósito Bancário (natureza jurídica e alguns problemas de regime), Almedina, Coimbra, 1998, p. 73;
- Pereira Coelho, Arrendamento, Lições ao curso do 5.º ano de Ciências Jurídicas no ano letivo de 1988-1989, Coimbra, 1988, p. 34.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 635.º, N.ºS 3, 4 E 5 E 639.º, N.º 1.
REGIME GERAL DAS INSTITUIÇÕES DE CRÉDITO E SOCIEDADES FINANCEIRAS ( RGICSF): - ARTIGO 4.º, N.º 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 08-03-2018, PROCESSO N.º 351/14.7TBPNF.P1.S1, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I. O contrato de aluguer de cofre forte, que o artigo 4º, nº 1 do RGICSF inclui entre as operações que os bancos podem efetuar, é o contrato pelo qual o banco, mediante retribuição, coloca à disposição do cliente, dentro do próprio estabelecimento bancário, um cofre forte para que nele possa colocar bens ou valores em segurança e segredo.

II. Trata-se de um contrato atípico, que reveste a natureza de um contrato misto de locação e de depósito, que combina elementos de um e de outro destes contratos e em que o banco assume uma “obrigação de segurança”, que não só é mais ampla que uma simples obrigação de guarda, como é uma “obrigação essencial”, visto que o cliente procura precisamente junto do seu banco uma segurança que não encontra no seu próprio domicílio nem numa simples guarda exercida pelo depositário de uma forma passiva.

III. O contrato de aluguer de cofre forte comporta, assim, para o banco uma obrigação particular de vigilância e o dever de tomar todas as medidas necessárias para assegurar, salvo situações de caso fortuito ou de força maior, a salvaguarda do cofre e dos objetos nele depositados. 

IV. Ao conceder o cofre em locação, o banco assume um risco profissional inerente ao exercício da sua atividade, pelo que não pode deixar de responder pelas falhas, omissões ou deficiente cumprimento do dever de vigilância e de guarda em segurança do cofre e dos bens e valores nele contidos, sendo, por isso, responsável pelos danos decorrentes da subtração fraudulenta destes mesmos bens e valores, a não ser que prove que agiu com a diligência profissional que lhe era exigível, recaindo, por sua vez, sobre o cliente o ónus da prova do conteúdo do cofre.

Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
2ª SECÇÃO CÍVEL


I. Relatório


I. AA e mulher, BB; CC e mulher, DD; EE, FF e GG; HH e mulher, II; JJ; KK, LL e MM e NN e OO, intentaram a presente ação declarativa de condenação com processo comum, contra Caixa PP, CRL, (CPP”), pedindo que: se declare que a Ré incumpriu culposamente as obrigações a que estava vinculada por força dos contratos que celebrou com os Autores, em especial a obrigação de agir com o zelo e a diligência necessários para garantir a integridade, segurança e proteção dos bens guardados por eles nos cofres individuais cuja utilização lhes facultou; se condene a Ré a ressarcir os Autores, indemnizando-os pelos danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes da perda dos bens de que foram desapossados e que foram consequência adequada do seu incumprimento contratual, danos esses que ascendem:

- os 1ºs AA. AA e BB, à quantia de 109.000,00 (cento e nove mil euros);

- os 2ºs AA. CC e DD, à quantia 224.500,00 (duzentos e vinte e quatro mil e quinhentos euros);

- os 3ºs AA. EE, FF e GG, à quantia de 39.645,00 € (trinta e nove mil oitocentos e quarenta e cinco euros);

- os  4ºs AA. HH e II, à quantia de 95.430,00 € (noventa e cinco mil quatrocentos e trinta euros);

- os da 5ª A. JJ, a uma quantia não inferior a 46.000,00 € (quarenta e seis mil euros);

- os dos 6ªAA. KK, LL e MM, à quantia de 60.950,00 € (sessenta mil novecentos e cinquenta euros);

- os dos 7ºs AA. NN e OO, um dano patrimonial de 131.700,00 € (cento e trinta e um mil e setecentos euros) e um dano não patrimonial de 1.000,00 € (mil euros), ou seja, um dano global de 132.700,00 € (cento e trinta e dois mil e setecentos euros).


2. Contestou a Ré, alegando, em síntese, ter cumprido todas as obrigações, mormente a de assegurar a integridade exterior do cofre através das mais modernas técnicas de segurança, além de que não agiu com culpa, pois não sabia nem podia saber o que estava nos cofres.

Mais alegou que os próprios contratos previam expressamente não ser a CPP responsável pelos valores que os clientes guardassem nos cofres, cabendo a estes, querendo, celebrar contratos de seguro dos bens que viessem a guardar nos cofres.

Concluiu pela improcedência da ação.


3. Admitida a intervenção acessória da sociedade comercial QQ - Prestação de Serviços de Segurança e Vigilância, S.A., e da Companhia de Seguros RR, o processo prosseguiu os seus termos.


4. Realizada a audiência de julgamento foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente e condenou a Ré CPP a pagar:

“a) aos 1ºs Autores (conjuntamente) a quantia de € 107.750,00, acrescido de juros, à taxa legal, contados desde a citação até integral pagamento.

b) a cada um daqueles 1ºs Autores a quantia de € 1.000,00, a título de danos não patrimoniais, acrescido de juros, à taxa legal, contados desde a presente data até efetivo e integral pagamento;

c) aos 2ºs Autores (conjuntamente) a quantia de € 223.500,00, acrescido de juros, à taxa legal, contados desde a citação até integral pagamento.

d) a cada um daqueles 2ºs Autores a quantia de € 1.000,00, a título de danos não patrimoniais, acrescido de juros, à taxa legal, contados desde a presente data até efetivo e integral pagamento;

e) aos 3ºs Autores (conjuntamente) a quantia de € 7.300,00, acrescido de juros, à taxa legal, contados desde a citação até integral pagamento.

f) a cada um daqueles 3ºs Autores a quantia de € 1.000,00, a título de danos não patrimoniais, acrescido de juros, à taxa legal, contados desde a presente data até efetivo e integral pagamento;

g) aos 4ºs Autores (conjuntamente) a quantia de € 94.430,00, acrescido de juros, à taxa legal, contados desde a citação até integral pagamento.

h) a cada um daqueles 4ºs Autores a quantia de € 1.000,00, a título de danos não patrimoniais, acrescido de juros, à taxa legal, contados desde a presente data até efetivo e integral pagamento;

i) à 5ª Autora a quantia de € 43.555,00, acrescido de juros, à taxa legal, contados desde a citação até integral pagamento.

j) À 5ª Autora a quantia de € 1.000,00, a título de danos não patrimoniais, acrescido de juros, à taxa legal, contados desde a presente data até efetivo e integral pagamento;

l) aos 6ºs Autores (conjuntamente) a quantia de € 57.420,00, acrescido de juros, à taxa legal, contados desde a citação até integral pagamento.

m) a cada um daqueles 6ºs Autores a quantia de € 1.000,00, a título de danos não patrimoniais, acrescido de juros, à taxa legal, contados desde a presente data até efetivo e integral pagamento;

n) aos 7ºs Autores (conjuntamente) a quantia de € 56.700,00, acrescido de juros, à taxa legal, contados desde a citação até integral pagamento.

o) a cada um daqueles 7ºs Autores a quantia de € 1.000,00, a título de danos não patrimoniais, acrescido de juros, à taxa legal, contados desde a presente data até efetivo e integral pagamento.”


6. Inconformada com esta decisão dela apelou a ré para o Tribunal da Relação do Porto, impugnando parte da matéria de facto dada como provada e como não provada, arguindo a nulidade da sentença, por excesso de pronúncia e por contradição entre os fundamentos e a decisão e sustentando a inexistência de fundamento para condenação da ré a indemnizar os autores.


7. O Tribunal da Relação do Porto, por acórdão proferido em 27.06.2018, sem voto de vencido, julgou a apelação parcialmente procedente e, depois de alterar alguns pontos da decisão sobre a matéria de facto, condenou a Ré CPP a pagar:

a) aos 1ºs Autores (conjuntamente) a quantia de € 100.000,00, acrescido de juros, à taxa legal, contados desde a citação; de € 1.000,00, a título de danos não patrimoniais, acrescido de juros, à taxa legal, contados desde a presente data e ainda a quantia a liquidar em execução correspondente ao valor bens referidos em 15), com exceção dos últimos 5;

b) aos 2ºs Autores (conjuntamente) a quantia de € 1.000,00, a título de danos não patrimoniais, acrescido de juros, à taxa legal, contados desde a presente data e ainda a quantia equivalente a 5kgs de ouro, na cotação em vigor no 19. 11.2016;

c) aos 3ºs Autores (conjuntamente) a quantia de € 1.000,00, a título de danos não patrimoniais, acrescido de juros, à taxa legal, contados desde a presente data e ainda ao valor das 15 moedas de ouro referidas em 17) que se vier a determinar em incidente de liquidação;

d) aos 4ºs Autores (conjuntamente) a quantia de € 1.000,00, a título de danos não patrimoniais, acrescido de juros, à taxa legal, contados desde a presente data e ainda os valores e dinheiro referidos em 18) que se vier a determinar em incidente de liquidação;

e) à 5ª Autora a quantia € 1.000,00, a título de danos não patrimoniais, acrescido de juros, à taxa legal, contados desde a presente data e o valor dos bens referidos em 19), com exceção das duas últimas verbas e ainda 41 libras que foram recuperadas, que se vier a determinar em incidente de liquidação;

f) Aos 6ºs Autores (conjuntamente) a quantia de € 1.000,00, a título de danos não patrimoniais, acrescido de juros, à taxa legal, contados desde a presente data e o valor dos bens referidos em 20), com exceção das quatro primeiras verbas que correspondem às que foram recuperadas, que se vier a liquidar;

g) Aos 7ºs Autores (conjuntamente) a quantia de € 1.000,00, a título de danos não patrimoniais, acrescido de juros, à taxa legal, contados desde a presente data e o valor dos bens referidos em 21), que se vier a fixar em incidente de liquidação.


8. Inconformada, de novo, com esta decisão, veio a ré interpor recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça e, “subsidiariamente”, caso se entenda verificar “dupla conforme”, não sendo, por isso admissível recurso de revista nos termos gerais, interpôs recurso de revista, por via excecional, nos termos do art. 672º do C. P. Civil (cfr. fls. 705).

Terminou as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões que, na parte em que aqui interessa analisar, se e transcrevem:

«1. O presente recurso de revista vem interposto do douto Acórdão, datado de 27.06.2018, proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, que julgou parcialmente procedente a Apelação interposta pela ora Recorrente CPP.

2. O Tribunal da Relação do Porto alterou a matéria de facto dada como provada em Ia Instância em pontos relativos aos factos, danos, ilicitude, culpa e nexo de causalidade entre factos e pretensos danos, tendo prolatado uma decisão diversa da formulada em primeira instância, e assentando a mesma, quanto aos pressupostos da responsabilidade civil, em factos diversos, embora concluindo, ainda assim, pela condenação da ora Recorrente, com o que esta não se conforma.

3. Pelo que, ainda que a conclusão de Direito seja a mesma da sentença - a de que estão reunidos os pressupostos de aplicação do instituto da responsabilidade contratual - a fundamentação de facto em ambas as decisões apresenta diferenças relevantes, uma vez que o rol de factos considerados como provados e que estão na base do iter decisório sofreram importantes alterações.

4. O Acórdão recorrido, para além de ter julgado de forma incorreta a matéria de facto, fez uma errada interpretação e aplicação dos preceitos legais, violou leis substantivas e processuais e errou na aplicação das leis de processo, tendo proferido uma decisão que se revela manifestamente injusta e claramente violadora do basilar instituto jurídico da responsabilidade civil contratual, violando o disposto no artigo 483°, n° 1 do CC.

5. A decisão de facto não constitui base suficiente para a decisão de direito e ocorrem contradições insanáveis na decisão sobre a matéria de facto por parte do Tribunal da Relação que poderão inviabilizar a decisão jurídica do pleito, em violação do disposto no artigo 607°, n° 4 do CPC.

6. Veja-se também que, num ponto essencial do regime jurídico aplicável ao caso, o Tribunal de Ia Instância considerou nula a cláusula contratual pela qual as partes acordaram que a Recorrente não seria responsável pelo conteúdo dos cofres dos AA., ao passo que o Tribunal da Relação, não pondo em causa a respetiva validade, apenas colocou em causa a questão de a mesmo ter sido, ou não, devidamente comunicada aos aqui AA.

7. Por outro lado, pode entender-se que o douto Acórdão recorrido, que condenou a Recorrente em "valores a liquidar", sem estabelecer limites máximos, pode, em tese, resultar condenação em valores superiores àqueles que decorreram da condenação em primeira instância, o que sempre habilitaria a admissão do presente recurso de revista pelo regime normal.

8. Sem prescindir de tudo o até agora exposto, caso seja entendido estar-se perante uma situação de "dupla conforme", a Recorrente CPP interpõe Recurso de Revista Excecional, nos termos do artigo 672° do CPC.

9. Com efeito, as questões em causa nos presentes autos da (i) "qualificação dos contratos de locação de cofre" e correspondentes direitos e obrigações das partes, (íi) das cláusulas contratuais gerais, (iii) dos deveres dos funcionários bancários em caso de evento de cariz criminal, (iv) do nexo de causalidade entre facto e danos e (v) da valorização das "declarações de parte" são questões cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito".

10. São também questões que assumem acentuada "relevância social", por terem ponderosas implicações na vida patrimonial e profissional de um grande número de pessoas, sendo ademais inegável que os efeitos das soluções a dar a estas questões se projetarão para além da esfera jurídica da Recorrente e do universo dos seus clientes.

11. O douto Acórdão recorrido entra em frontal contradição, quanto a três das questões acima mencionadas, com o que o Tribunal da Relação do Porto havia decidido sobre as mesmas questões de Direito (e de facto), através do douto Acórdão prolatado no processo que correu termos pela 5.a Secção, Processo N.° 351/14.7TBPNF.P1, datado de 08.05.2017, já transitado em julgado.

12. O que sempre justificaria a admissão da revista excecional a título subsidiário interposta, e a apreciação de tais relevantes questões por este Supremo Tribunal.

13. O douto Acórdão é nulo por obscuridade, ambiguidade ou condenação para além do pedido, conforme vem previsto no artigo 615°, 1 c) do CPC e estabelecido no artigo 609°, n° l do CPC e na alínea e) do artigo 615.° do CPC, tudo por remissão do disposto nos artigos 685° e 666° do CPC.

14. O douto Acórdão é também nulo por manifesta contradição entre o decidido no ponto 16 da matéria de facto provada (decisão) e a fundamentação constante de fls. 671 dos autos. Na factualidade dada por provada o Tribunal declara que todo o ouro em causa tinha marca (as barras eram da marca SS e as chapas eram das marcas "TT" e "SS") — sendo, por isso, necessariamente comprado e não resultante de se ter derretido stock na ourivesaria dos Autores - Contraditoriamente, na fundamentação, o Tribunal afirma que dos 5kg de ouro, 3 kgs (correspondentes a duas caixas de l,5kg cada) eram provenientes de stock de ouro da ourivesaria dos AA. que teria sido derretido (não tendo, por isso, obviamente qualquer marca, muito menos "TT" e "SS'), acrescentando que "não houve discrepância entre a versão dos Autores, uma vez que deduz destas declarações o que o A diz ser ouro em chapa é o mesmo que a A, que não é a especialista, chama ouro em folha e como também se conclui pelas regras da experiência era este que era derretido de peças que tinham em stock".

15. Esta contradição constituiu causa de nulidade do Acórdão, conforme vem previsto no artigo 615°, 1 c) do CPC, por remissão do disposto nos artigos 685° e 666° do CPC.

16. No que concerne aos danos não patrimoniais, o douto Acórdão da Relação incorreu em omissão de pronúncia, o que acarreta a respetiva nulidade nos termos do disposto na alínea d) do n° 1 do artigo 615° do CPC.

17. Quanto à violação, pela douta sentença de primeira instância, do disposto no artigo 3o, n° 3 do CPC, invocada pela Recorrente no recurso de apelação, o douto Acórdão recorrido incorreu em omissão de pronúncia, o que acarreta a respetiva nulidade nos termos do disposto na alínea d) do n° 1 do artigo 615° do CPC.

18. Salvo o devido respeito, errou manifestamente o douto Acórdão recorrido na qualificação dos contratos que estão em causa nos presentes autos, bem como na interpretação dos mesmos e na posição assumida quanto aos correspondentes direitos e obrigações das partes dos mesmos decorrentes.

19. A Recorrente Caixa PP não cometeu qualquer ilícito — elemento essencial para a responsabilidade civil.

20. Sem necessidade de mais, dado o reconhecimento do seu autor, a Recorrente Caixa PP louva-se, a esse propósito, no douto Parecer, ora junto aos autos, emitido pelo Senhor Professor António Pinto Monteiro.

21. Esclarece o Professor António Pinto Monteiro:

"A. nossa posição, a este respeito, é que se trata de um contrato de locação, ainda que com particularidades, tendo em conta as condições de segurança a cargo do banco, por um lado, e as condições de gozo do bem locado, por outro lado, dependente da chave em poder do banco e só dentro do horário de expediente deste.

Rejeitamos, em absoluto, que se possa estar perante um contrato de depósito, uma vez que este é um contrato real "quoad  constitutionem", carece da entrega da coisa. Ora, no contrato de locação de cofre o cliente não entrega nada ao banco, este é que cede a utilização do cofre. Pela mesma rabeio, rejeitamos, igualmente, que se possa falar de contrato misto de locação e depósito."

(…)

I - Em face do exposto, não há dúvida de que o contrato de aluguer de cofre não faz surgir, a cargo do banco, a obrigação de guarda dos bens colocados dentro do cofre. O contrato não é de depósito, pelo que essa obrigação só existe se for acordada entre as partes.

(...)

No caso dos autos, porém, não só essa obrigação de guarda não foi acordada pois não consta em lado algum dos contratos celebrados —, como, pelo contrário e à cautela, foi deles expressamente afastada, como decorre do ponto 9 da matéria de facto provada."

(...)

16."Sai assim reforçada a conclusão de que a Ré não cometeu qualquer ilícito contratual, não podendo ser censurada pelo não cumprimento de uma obrigação que não assumiu!;

22. Ao concluir ter existido ilicitude na atuação/omissão da Recorrente Caixa PP, o Tribunal da Relação violou, no douto Acórdão recorrido, o disposto nos artigos 483°, n° 1 e nº 2 e 405° do Código Civil.

23. Ao considerar que o clausulado dos contratos celebrados, referido no ponto 9 da matéria de facto provada, embora válido, não foi devidamente comunicado aos AA. e, por essa razão, se deveria considerar "excluído" dos mesmos contratos, o douto Acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 405° do CC e os artigos 5.° e 8o do Decreto-Lei n.° 446/85.

24. Saliente-se que, quanto a este pontos, ambas as instâncias decidiram erradamente, como também decorre do Parecer do Professor Doutor António Pinto Monteiro, segundo o qual:

"Será válida esta cláusula? Evidentemente que sim, ao abrigo do princípio da liberdade contratual (art. 405°), na sua vertente de liberdade de modelação do conteúdo contratual ("Gestaltungsfreiheit"), permitindo que cada parte decida livremente acerca dos deveres que assume, das obrigações que contrai, com o acordo da outra parte.

Se os clientes discordassem desta cláusula, no caso dos autos, tinham a liberdade de se recusarem a celebrar o contrato o que não tinham nem poderiam ter seria o direito de obrigar a Caixa PP a assumir a obrigação de guarda dos bens que viessem a colocar no interior dos cofres! Sabendo que a Caixa PP não assumia essa "responsabilidade" isto é, essa obrigação de guarda —, teriam podido recusar o contrato, mas não impor à contraparte tal obrigação!

(...)

Ill — Cláusula perfeitamente válida, repete-se, quer em geral, quer no caso concreto, como acabamos de ver. Mas se ela devesse ser interpretada à letra e qualificada como cláusula de exclusão de responsabilidade, a sua validade continuaria a não suscitar quaisquer dúvidas.

(...)

Mas seja como for, temos por seguro que os referidos deveres de comunicação e de informação foram cumpridos.

Prova disso é que os contratos foram assinados. Se os clientes assinaram sem ler, sibi imputet! Pois, tratando-se de contratos redigidos por escrito, em que se pede às partes para os assinarem, a assinatura pelos contraentes faz prova de que concordam com o que consta do respectivo texto, de que fazem seu o que lá está escrito. E o princípio da auto-responsabilidade a impor esta conclusão.

Repare-se, aliás, que o que a lei pretende é que a comunicação "torne possível o seu conhecimento [do contrato] por quem use de "comum diligência" (art. 5.º do referido Decreto-Lei n.° 446/85). Ora, no caso concreto, tratando-se de pessoas com formação superior, com maturidade e experiência, a assinatura do contrato pressupõe que o conheciam e que se o assinaram é porque não precisavam de melhores esclarecimentos!

Não se trata de pessoas indefesas, de "consumidores" carecidos de especial tutela, pois está provado que estamos perante "pessoas com elevada capacidade económica", perante "cidadãos perfeitamente integrados na sociedade, com profissões tradicionais e respeitáveis (engenheiros, comerciantes e industriais, professora e funcionária administrativa"), ou seja, repete-se, de pessoas com formação superior, com maturidade e experiência, a quem é perfeitamente exigível que antes de assinarem leiam o contrato e peçam os esclarecimentos de que necessitem se o não fizeram, insiste-se, sibi imputet, não agiram com "comum diligência", pelo que não podem vir depois afirmar-se vítimas de uma situação da sua própria responsabilidade!"

25. O Tribunal da Relação, confundiu as obrigações dos funcionários bancários com as obrigações dos Agentes da Autoridade, no que o trecho seguinte do douto Acórdão é paradigmático:

"Não está, pois, em causa a possibilidade do representante da Ré impedir, ele próprio o assalto, mas antes de não ter agido com a diligência que lhe era exigível, chamando a GNR, por telefone, até porque os dois guardas estiveram no local cerca de 20m sem ele aparecer, não sendo de aplicar o critério do homem médio, atenta a natureza dos interesses confiados à Ré e a atividade especializada que desempenha.

Ao contrário do que sustenta em relação à segurança das suas instalações a Ré tem um dever de diligência superior ao das autoridades policiais, que têm de proteger igualmente os bens dos cidadãos e empresas em geral."

26. Ou seja, segundo o douto Acórdão, o funcionário bancário que acorreu ao local do crime após a presença da GNR teria obrigações de segurança superiores àquelas que para a GNR resultam da Lei n.° 63/2007, de 6 de Novembro, que aprova a orgânica da Guarda Nacional Republicana, uma vez que nenhuma censura foi feita àquelas autoridades, ainda que o fosse para mera diminuição da culpa da Recorrente Caixa PP.

27. O douto Acórdão violou, assim, na apreciação da culpa, quer o disposto no Código Civil, quer o disposto nas aludidas disposições da Lei 63/2007, de 6 de Novembro, quer ainda o disposto no Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n° 298/92, 31-12-1992 (com as alterações subsequentes), pois sustenta que não só o funcionário da Recorrente Caixa PP que acorreu ao local teria funções e obrigações de investigação, combate ao crime e segurança (que, no caso concreto, competem à GNR), como que teria, relativamente à GNR, deveres de diligência superiores, como ainda, deveria ter suspeitado das conclusões desta autoridade policial quando esta havia concluído que "nada de anormal se passava".

28. Também a este propósito se louva a Recorrente Caixa PP no douto Parecer emitido pelo Exmo. Senhor Professor Doutor António Pinto Monteiro, que aqui se dá por reproduzido.

29. Aí se conclui (realces nossos):

20.ºSendo assim, pergunta-se: será a Ré culpada por não ter observado, porventura, as condições de segurança que lhe eram exigíveis?

21.ºEm conformidade com a matéria de facto provada, só por ficção se poderá censurar o comportamento da Ré no caso concreto, tendo em conta tanto as medidas preventivas tomadas designadamente no tocante à localização dos cofres e ao sistema de segurança instalado, com alarme ligado à central da empresa de segurança contratada e com contacto imediato com o banco e com a GNR —, como a actuação do banco na noite do assalto;

22. ° Efectivamente, na noite do assalto funcionaram os alarmes e foi avisada a GNR e um Administrador da Ré, que de pronto se deslocaram ao local, nada tendo detectado;

23. ° Não podemos concordar com a censura que as instâncias fiarem ao Administrador da Repor não ter entrado no banco ou por não ter chamado a GNR para esse efeito;

24. ° A nosso ver, esse Administrador fez o que devia e lhe competia fazer, avisado do alarme, deslocou-se ao local, por duas vezes, em dois momentos diferentes, na primeira visionando o interior (através do exterior) e na segunda tendo inclusivamente verificado o estado da porta lateral de emergência, cujo alarme havia sido accionado, não detectando tanto ele como a patrulha da GNR, que igualmente inspecionou o local qualquer indício de que algo de anormal se estaria a passar;

25° —- Está efectivamente provado, inter alia, que a GNR "inspecionou o local e concluiu pela inexistência de qualquer suspeita de assalto" (facto provado 67);

26° Ora, perante isto, faria sentido o Administrador chamar a GNR, sendo-lhe a ele exigível que suscitasse suspeitas que as forças policiais não tinham?!;

27.° - E teriam os guardas da GNR acolhido um seu eventual pedido para entrarem nas instalações da Ré, quando os guardas estavam convencidos de que não existia "qualquer suspeita de assalto"?!;

28.ºNão serão as forças policiais a entidade competente para fazer o "diagnóstico" da situação, a elas competindo a responsabilidade de decidir que medidas tomar, quando e onde?!;

29.º Fazemos inteiramente nossas as esclarecidas, pertinentes e justas considerações do Tribunal da Relação do Porto, no seu Acórdão de 8 de Maio de 2017, sobre o mesmo caso: (...)

30.° Também no caso agora "sub Júdice" a conclusão deve ser a mesma: a Ré conseguiu ilidir a presunção de culpa;

31.° O mesmo Tribunal, contudo, no presente caso, adoptou uma posição oposta, porque, diz, o Supremo Tribunal de Justiça, embora confirmando aquele Acórdão, fê-lo porque o aí autor não provou ter bens no cofre, já que, quanto ao dever de diligência, a Ré não o teria cumprido;

32° Trata-se, com o devido respeito, de um "obiter dictum" sem fundamento, porque, como temos dito, não cremos que fosse exigível ao funcionário da Ré, nas circunstâncias concretas, outro comportamento, sendo despropositado recorrer aqui ao critério do "risco profissional", do "risco-proveito ou risco do empreendimento", como fez o Supremo;

33° De todo o modo, ainda que o Supremo venha a manter o mesmo critério, a verdade é que há, no presente processo, factos novos dados como provados que não constavam da matéria de facto provada no processo anterior, pelo que, sem se contradizer, o Supremo Tribunal de Justiça está agora em condições de decidir em sentido inverso, pois dispõe de factos diferentes que revelam ter o Administrador da Refeito muito mais do que bastar-se "com o mero registo destes [disparos dos alarmes] e comunicação à GNR";

(...)

Foi pena, repete-se, que o Tribunal "a quo " não tivesse reparado nisso!..."

30. Quanto ao nexo de causalidade, o errado julgamento das instâncias é evidente.

31. Não se encontra fixado pelas instâncias o momento da ocorrência dos danos, ou seja, o momento em que os bens dos AA. foram retirados pelos assaltantes das instalações da Recorrente.

32.   Em especial, não se encontra minimamente fixado que os danos tenham ocorrido posteriormente à pretensa omissão do funcionário da Recorrente Caixa PP (que teria, segundo as instâncias, ocorrido cerca das 04h28m — cfr. Facto provado 51) e muito menos que já não tivessem ocorrido no momento em que a GNR, após essa hora, sendo chamada, chegasse de novo às instalações do Banco).

33. Na verdade, não está provado que à hora da imputada "omissão" os assaltantes ainda estivessem dentro do Banco, até porque, como se encontra provado, o ultimo registo de alarme — que inclui o da porta de emergência do Piso 0, por onde, com toda a probabilidade terão saído — está registado às 04h21m (cfr. Facto provado 48).

34. Ora, é logicamente impossível estabelecer um nexo de causalidade entre facto e danos sem que esteja provado o momento da ocorrência dos danos e, em especial, sem que resulte dos autos, claramente, que os danos ocorreram em momento posterior ao facto pretensamente ilícito.

35. Acresce que, neste ponto, o Tribunal da Relação refere: "Essa parte da fundamentação da sentença recorre a uma ilação retirada dos restantes factos provados e ao contrario do que argumenta a Apelante, está correta, pois as regras da experiência e da normalidade indiciam com relativa segurança que os assaltantes quando dispararam os alarmes estavam dentro das instalações.".

Ora, como é evidente, para o estabelecimento do nexo de causalidade não interessa saber se "os assaltantes quando dispararam os alarmes estavam dentro das instalações", porque nada é imputado de ilícito ao funcionário da Recorrente Caixa PP por referência ao momento de "quando dispararam os alarmes".

37. O que é imputado ao funcionário da Recorrente Caixa PP é o facto de não ter recorrido (pela segunda vez) às autoridades após ter recebido notícia dos segundos alarmes (momento, portanto, posterior ao do toque dos alarmes, não coincidente com o mesmo). Só que, nesse momento, não há nenhuma prova no processo que possa confirmar que o assalto ainda estava em curso ou, por outras palavras, que demonstrem que o dano se produziu após esse momento.

38. E não existe nenhuma máxima de experiência de que se possa concluir que, do acionamento do alarme de uma porta de saída de emergência, às 4h21, resulta que os assaltantes (com os bens furtados), passados alguns minutos (quando a GNR, depois de novamente avisada, retornasse ao local), ainda não tivessem saído por essa mesma porta.

39. Em resumo, no caso subjudice, não está provado que os danos se produziram após o momento em que ocorreu a pretensa omissão, pelo que falece necessariamente o nexo de causalidade, por falta de prova.

40. Por outro lado, não consta da matéria de facto provada nenhum facto provado (posterior à alegada omissão) do qual se possa extrair a conclusão de que os danos ocorreram por causa da ação/omissão do funcionário da Recorrente Caixa PP.

41. Acresce que, não consta da matéria de facto provada nenhum facto relativo ao que sucederia caso a pretensa omissão não tivesse ocorrido e, em especial, que, caso ela não sucedesse, os danos também não existiriam.

42. Finalmente, constata-se existir uma abstrata incapacidade de o facto pretensamente ilícito produzir os pretensos danos e estão demonstrados nos autos factos bastantes para se concluir que o dano (a provar-se que ainda não estava consumado) decorreria de duas circunstâncias excecionais, anormais e extraordinárias ou anómalas que, no caso concreto, se registaram e estão provadas, e que interferiram no processo de causalidade, considerado no seu conjunto, afastando, assim, o nexo de causalidade adequada, a saber: (i) o caráter extraordinário do assalto e (ii) o facto extraordinário de a GNR ter estado no local e não ter detetado, após inspeção, que estava em curso um assalto destas dimensões tendo, pelo contrário, concluído pela "inexistência de qualquer suspeita de assalto".

43. Pelo que, ao concluir como concluiu, o douto Acórdão recorrido violou frontalmente o disposto nos artigos 563°, 342°, 483° e 798° do Código Civil, no que concerne ao nexo de causalidade e decidiu de Direito sem base factual para tanto.

44. Como decorre dos autos, toda a prova produzida quanto ( i ) à existência dos bens, ( ii ) às suas características, (iii) à sua titularidade pelos Autores e (iv) à sua colocação nos cofres (ao pretenso conteúdo dos cofres no momento do assalto) assentou nas declarações de parte de alguns dos AA.

45. Os Autores não trouxeram a depor testemunhas que, concretamente, conhecessem os bens, os tenham visto e os conseguissem descrever.

46. Poderiam tê-lo feito, mas não fizeram.

47. Como não juntaram documentos relevantes.

49. A prova testemunhal e documental seria determinante para que se pudessem afastar dúvidas sobre as alegações dos AA- Os AA. deveriam ter trazido a depor quem lhes ofereceu os bens, ou quem lhos vendeu. Como deveriam ter junto aos autos faturas de aquisição dos bens ou relações de bens apresentadas para efeitos sucessórios que os descrevessem.

50. Entende a Recorrente Caixa PP que, quando existem outros meios de prova disponíveis, não pode ser dada como provada a factualidade que constitua o núcleo essencial dos factos alegados pelas partes e constitutivos do seu direito apenas com base nas "declarações de parte".

51. Ainda para mais num caso em que — como os AA. bem sabem — não consegue a Recorrente Caixa PP contrapor uma qualquer outra versão sobre os bens, pois estes estavam protegidos pelo sigilo.

52. Só que os AA. não quiseram produzir esta prova, que necessariamente estava disponível, pois não foi alegado nem é crível que não exista qualquer registo documental e testemunhal das características dos bens e da sua aquisição pelos AA.

53. Pelo que não cumpriram o ónus de prova que lhes cabia.

54. As afirmações do Tribunal da Relação sobre o seu posicionamento perante a prova, espelhadas nas citações transcritas e culminando na afirmação de que "não há fundamento para duvidar que as apresentadas por estes AA corresponderem aos bens guardados no cofre" demonstram que este, ao invés de assumir um posicionamento de dúvida metodológica, eventualmente ultrapassada pela prova, assumiu, em manifesta violação do disposto no 342°, n° l do Código Civil e do disposto no artigo 414° do CPC, uma posição metodológica inicial de fé nas declarações que os AA. produziram perante as autoridades policiais, que depois vieram reproduzir (ou dar por reproduzidas, sem sobre elas se pronunciarem concretamente) em declarações de parte.

55. O Tribunal da Relação, ao dar como provada a existência dos bens, que identificou, no cofre, violou também o disposto nos n°s 2 e 3 do artigo 662°, pois deveria ter atuado no sentido de qualquer uma das suas alíneas e não deveria ter dado como provado o que consta dos pontos 15 a 21 da matéria de facto provada.

56. O Tribunal da Relação não justificou o afastamento da reconstituição natural no que concerne à condenação relativa à alínea b) da parte decisória do Acórdão recorrido (Capítulo "V. Decisão") — única sobre a qual, neste ponto, a Recorrente pretende recorrer - e considerou uma data de cotação legalmente incorrera, que coloca os AA. em situação diferente (de resto, mais vantajosa, em face da atual cotação do ouro) à que existiria se não se tivesse verificado o evento, em violação do disposto no artigo 562° do Código Civil e nos n°s 1 e 2 do art. 566º do C. C. Assim sendo, ao condenar como condenou, o Tribunal da Relação incorreu em postergação do princípio da reconstituição natural, em violação dos mencionados preceitos legais.


Termos em que requer seja revogado o acórdão recorrido.


9. Os autores responderam, pugnando pela manutenção do acórdão recorrido.


10. No Tribunal da Relação, foi proferido acórdão que, conhecendo das invocadas nulidades do acórdão recorrido, ao abrigo do disposto nos arts. 617, nºs 1 e 3 e 666º, ambos do CPC, julgou as mesmas improcedentes, admitindo o recurso como revista excecional.


11. Remetido o processo à Formação prevista no art. 672º, nº 3 do C. P. Civil, o coletivo desta formação proferiu acórdão que determinou que o processo devia ser remetido à distribuição, competindo ao correspondente relator pronunciar-se sobre a admissão da revista interposta pela R. a título principal, seguindo-se, posteriormente, se necessária, a apreciação da admissibilidade da revista excecional.  



12. Considerando verificar-se uma situação de dupla conformidade, nos termos e para os efeitos do n.º 3 do artigo 671.º do CPC, foi proferido despacho que decidiu não admitir o recurso de revista interposto, determinando a apresentação dos autos aos Exmºs Juízes Conselheiros que integram a Formação a que alude o art. 672º, nº 3 do CPC, com vista à prolação de decisão acerca dos pressupostos da revista excecional invocados pela  recorrente.


13. Pelo coletivo da Formação a que alude o art. 672º, nº 3 do C. P. Civil, foi proferido acórdão que, considerando estar verificado o pressuposto da alínea a) do nº1 do citado art. 672º, admitiu a revista excecional.


14. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.



***



II. Delimitação do objeto do recurso


Como é sabido, o objeto do recurso determina-se pelas conclusões da alegação do recorrente, nos termos dos artigos 635.º, n.º 3 a 5, 639.º, n.º 1, do C. P. Civil, só se devendo tomar conhecimento das questões que tenham sido suscitadas nas alegações e levadas às conclusões, a não ser que ocorra questão de apreciação oficiosa[1].


Assim, a esta luz, as questões a decidir consistem em saber:


1ª- se o Tribunal da Relação fez uso incorreto dos seus poderes de alteração da decisão sobre a matéria de facto;


2ª- como qualificar o contrato celebrado entre os autores e a ré;


3ª- se estão preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil contratual da ré;


4ª- se o acórdão recorrido violou o disposto nos arts. 562º e 566º, nº1 e 2 , ambos do C. Civil;


5ª- se o acórdão recorrido padece das nulidades previstas nas als. c) e e) do nº1 do art. 615º do CPC.



***



III. Fundamentação


3.1. Fundamentação de facto


Após alteração parcial da matéria de facto dada como provado pelo Tribunal de 1ª Instância, são os seguintes os FACTOS PROVADOS:

 

1 - Os Autores celebraram com a Ré, por escrito, os contratos juntos a fls. 55 a 72 que aqui se dão por integralmente reproduzidos, que designaram por “contrato de aluguer de cofre” (com a variante, em relação a um, de “contrato de aluguer de cofre forte” e, a outro, de “contrato de locação de cofre forte”, no qual os Autores eram designados por clientes e a Ré por Caixa … .

2 - Os Autores AA e BB celebraram com a Ré o referido contrato no dia 2 de fevereiro de 2011.

3 - Os Autores CC e DD celebraram com a Ré o referido contrato no dia 16 de fevereiro de 2012.

4 - Os Autores EE, FF e GG celebraram com a Ré o referido contrato no dia 11 de julho de 2012.

5 - Os Autores HH e II celebraram com a Ré o referido contrato no dia 24 de agosto de 2012.

6 - A Autora JJ celebrou com a Ré o referido contrato no dia 22 de dezembro de 1993.

7 - Os Autores KK, LL e MM celebraram com a Ré o referido contrato no dia 6 de agosto de 2003.

8 - Os Autores NN e OO celebraram com a Ré o referido contrato no dia 6 de maio de 2005.

9 - Nesses contratos ficou a constar que a Ré cede aos Autores (clientes), que por seu turno estes tomam, a utilização dos cofres-fortes, respetivamente, números 256 ( 1ºs Autores ), 271 ( 2ºs Autores ), 264 ( 3ºs Autores ), 261 ( 4ºs Autores ), 10 ( 5ª Autora ), 245 ( 6ºs Autores ) e 259 ( 7ºs Autores ), aí se estipulando que a Cliente responsabiliza-se por todos os valores que guarde no cofre, comprometendo-se expressamente a não guardar no cofre quaisquer bens que possam deteriorar o cofre ou nele provocar qualquer dano. Mais se referindo que a Caixa … não é responsável pelos valores que a Cliente guarde no cofre, dos quais aliás não tem, nem terá conhecimento, cabendo à cliente, querendo celebrar contratos de seguro dos bens que venha a guardar no cofre.

10 – Eliminado

11- Os contratos referidos em 1) a 9) foram elaborados pela Ré e apresentados aos Autores para estes os assinarem.

12 - Logo após a celebração dos referidos contratos, os Autores, entraram na posse efetiva de tais cofres-fortes.

12-A - Os AA acediam ao compartimento onde estavam os cofres para que pudessem, querendo, guardar no cofre que tinham alugados o que bem entendessem ou apenas examinassem os bens guardados, sem que qualquer funcionário do banco pudesse assistir ou controlar essa atividade ou ainda que os funcionários acedessem aos cofres.

13 - Ao longo da vigência de tais contratos, cada grupo de Autores foi depositando e guardando no cofre cuja utilização lhes foi atribuída diversos objetos móveis e valores, sempre na convicção de que a Ré assegurava e acautelava a preservação e integridade desses bens, protegendo-os contra furtos e roubos.

14 - No 18 de novembro de 2012, quando ocorreu o assalto, os Autores mantinham guardados no interior de cada um dos respetivos cofres os bens, objetos e valores que lhes pertenciam e se passa a discriminar:

15 - Os primeiros Autores, AA e BB, os seguintes bens:

- uma pequena caixa de cartão, com tampa prateada e com a inscrição “DG”, contendo no seu interior cem mil euros, em notas de quinhentos euros;

- três alianças em ouro;

- um cordão antigo em ouro, com medalhão de abrir para colocar foto, com desenho a fio azul no exterior do medalhão,

- um fio de ouro grosso com medalha retangular;

- um anel de curso em ouro com pedra lilás e verde;

- uma pulseira em ouro com chapa inscrição …;

- três pulseirinhas de criança em ouro;

- vários anéis finos de ouro;

- dois fios em ouro, finos;

- um anel de noivado em ouro com pedras brancas e verdes;

 - um anel antigo em ouro com pedra grande quadrada rosa,

- três libras de ouro;

- um medalhão em ouro com a letra … e pedrinhas encastradas;

- várias medalhinhas em ouro e pequenas peças em ouro.

16 - Os segundos Autores CC e DD, os seguintes bens;

 - ouro fino com o peso total de cinco quilogramas, distribuído por três caixas de cartão cinzento fechadas com fita cola incolor, tendo cada uma das caixas anotado o peso líquido do ouro nelas contido e o respetivo peso bruto (ouro e caixas):

- uma caixa continha dois quilogramas de ouro fino em barras da marca “SS” – duas barras de 500 gramas, duas barras de 250 gramas, quatro barras de 100 gramas, e duas barras de 50 gramas. Todas estas barras estavam acompanhadas dum certificado e estavam dentro de uma bolsa de plástico azul;

- duas caixas continham três quilogramas (1,5 Kg em cada uma) de ouro fino em chapa laminada com a largura aproximada de 5,5 cm, das marcas “TT” e “SS”.

17 - Os terceiros Autores, EE, FF e GG, os seguintes bens:

- uma pulseira com brilhantes;

- seis anéis em ouro;

- dez moedas em ouro;

- um estojo com cinco moedas de ouro;

- uma coleção de brincos em ouro;

- dois pares de botões de punho;

- um conjunto de quatro medalhas e uma “fisga”;

- dois pares de botões de punho em ouro;

- um par de argolas grossas, uma argola e um broche;

- duas medalhas;

- quatro broches;

- cinco broches;

- dois cordões em ouro;

- um trancelim;

- 5 pulseiras em ouro;

- dois fios em ouro;

- dois colares de coral;

- quatro alianças;

- um relógio de pulso de senhora, em ouro;

- uma moeda de ouro e um colar preto

18 - Os quartos Autores, HH e II:

- um colar de pérolas verdadeiras, com fecho em brilhante;

- um colar de pérolas com fecho normal, de ouro entre as pedras;

- um par de argolas em ouro antigo com pedras azuis e brancas;

- um par e brincos em ouro com pérolas;

- um par de brincos em ouro com um brilhante;

- uma pulseira em ouro com rubi escuro, cinco ou seis rubis;

- um fio em ouro de homem com uma cruz em ouro com um brilhante;

- um alfinete em ouro com desenho de flor com pé e com um brilhante;

- um colar em ouro e pulseira igual;

- um par de botões de punho em ouro com feito dum a bola;

- três meias libras em ouro;

- um trancelim em ouro;

- um cordão em ouro grosso;

- uma medalha antiga em ouro com moldura;

- um fio em ouro grosso com medalha;

- um fio em ouro grosso com uma medalha de coração que abre para adaptar fotografia;

 - um medalhão de pérolas;

- uma medalha com fecho para colocar em trancelim em ouro;

- um colar em ouro amarelo;

- uma pulseira em ouro em forma de chapa;

- uma pulseira em ouro com cinco ou seis esmeraldas não verdadeiras;

- um colar em ouro torcido com chapa a apertar;

- uma pulseira igual ao colar em ouro;

- uma medalha em ouro azul com a imagem de Nossa Senhora;

- um fio em ouro, tipo colar;

- um cordão em ouro;

- um par de brincos com brilhante e pérola;

- uma aliança de homem, em ouro liso;

- uma aliança de mulher, em ouro liso;

- um anel de noivado em ouro;

- um relógio de pulso normal de homem;

- cinco pulseiras, quatro anéis, três fios, quinze medalhas em ouro, recordações de criança.

- um anel de mulher, em ouro grosso liso.

- dinheiro em notas em valor não apurado, inferior a € 40 000.


19 - A quinta Autora, JJ, os seguintes bens:

 - um marco alemão em ouro;

- duas barras de ouro de vinte gramas;

- uma barra de ouro de cinquenta gramas;

- oitenta libras inglesas em ouro (Eduardo VI);

- uma coleção de moedas Gold “Descobrimentos Portugueses”, 1534/1993;

- uma coleção de moedas “Descobrimentos Portugueses”, 1988, em ouro;

- uma esferográfica Sheaffer Gold;

- uma caneta e esferográfica Targa By Sheaffer, Gold.

- uma coleção de moedas “Descobrimentos”, em prata, 1990;

- uma coleção de moedas “Descobrimentos Portugueses”, 1988, em ouro;

20 - Os sextos Autores KK, LL e MM, os seguintes bens:

 - doze colheres de chã em prata maciça (caninhas);

- doze colheres de café em prata maciça (caminhas);

- um conjunto de talher, copo e argola de guardanapo em prata,

- seis conjuntos de talheres (criança) e cabo em prata;

- oito facas de bolo com cabo em prata;

- oito garfos de bolo com cabo em prata;

- oito pás de bolo com cabo em prata;

- sete salvas de prata de vários tamanhos;

- três jarras em prata, todas trabalhadas, com cerca de trinta centímetros de altura;

- um par de castiçais em prata com suporte para três velas e com cerca de quarenta centímetros de altura;

- uma molheira em prata com rebordo todo rendilhado;

- um cesto de pão em prata, coma asa rendilhada;

- quatro alfinetes em filigrana;

- duas alianças em ouro branco;

- dois fios de ouro maciço em malha trabalhada;

- um coração em ouro de Viana;

- dois cordões em ouro maciço (um com três voltas e todos com uma argola);

- duas medalhas em ouro e brilhantes;

- uma medalha em ouro simples;

- dois anéis em ouro;

- um anel em ouro com três brilhantes colocados em diagonal;

- um anel em ouro branco com brilhantes (tipo chuveiro);

- um fio de ouro branco com coração de brilhantes;

- dois alfinetes em ouro: um em forma de folha e outro redondo com pedra vermelha;

- quatro cruzes em ouro: duas lisas e duas com Cristo;

- duas placas em ouro para gravação do grupo sanguíneo;

- dois trancelins em ouro, com três voltas cada um;

- um fio aos tubos, rente ao pescoço;

- vinte miniaturas em ouro sinos, figas, corações, etc);

- quatro relógios de bolso em prata;

- quatro pares de botões de punho: dois em ouro amarelão e dois em ouro branco, com brilhante no meio;

- vinte libras (Rainha Vitória e Rainha Isabel);

- três libras Rainha Vitória, com aro a toda a volta;

- quatro pulseiras em ouro (criança);

- uma pulseira em ouro com pérolas;

- dois pares de argolas em ouro simples;

- um par de brincos em filigrana;

- um par de brincos em ouro e pérolas.

21 - Os sétimos Autores NN e OO, os seguintes bens:

- uma pulseira de homem em ouro;

- um dragão em ouro;

- três pulseiras finas em ouro;

- uma caravela em ouro;

- várias medalhas em ouro;

22 - Na noite de 17 de novembro, sábado, para 18 de novembro, domingo, de 2012, o estabelecimento bancário explorado pela Caixa PP no Largo da …, em …, foi assaltado.

23 - Nessa noite, uma ou mais pessoas penetraram indevidamente no interior desse estabelecimento bancário, tendo danificado paredes, bens, equipamentos de vigilância e alarme, arrombado a zona de acesso ao cofre-forte, e danificado cofres de aluguer e retirado haveres.

24 - Os autores do assalto introduziram-se ilegitimamente na Cooperativa Agrícola de …, cujo edifício confina com o da Caixa PP.

25 - Os assaltantes abriram, com a ajuda de instrumentos específicos, do género de martelos pneumáticos e rebarbadoras, uma passagem na parede do edifício-sede da Caixa PP confinante com a da aludida Cooperativa Agrícola.

26 - Após terem conseguido penetrar no estabelecimento bancário explorado pela Caixa PP, os indivíduos em causa desativaram os alarmes que encontraram, tendo aliás desativado também a caixa de gravação da videovigilância.

27 - Após tudo isto, os assaltantes desceram pelas escadas que permitem o acesso à zona do cofre-forte geral blindado da Caixa PP (dentro da qual se situavam os cofres de aluguer), sita na cave do edifício.

28 - De novo munidos daqueles instrumentos do género de martelos pneumáticos, os criminosos abriram nova passagem através de uma parede reforçada em betão armado com cerca de 50-60 cm de espessura, do cofre-forte geral da Caixa PP.

29 - Após terem conseguido abrir a referida passagem, os indivíduos em apreço procederam ao arrombamento dos vários cofres de aluguer utilizados por clientes da Caixa PP, tendo levado consigo, entre outros bens, os bens descritos nos pontos 15 a 21, à exceção dos bens a que se alude nos pontos 36 a 39.

29-A - Os assaltantes mostraram profissionalismo no planeamento, na escolha da data, na organização da operação e nos meios empregues.

30 - Tal furto foi objeto de investigação criminal, tendo sido proferido despacho de arquivamento no âmbito do processo n.º 989/12.7GBPNF que correu termos na 2.-ª Secção do DIAP do Tribunal da Comarca do ….

31 - A Caixa PP tinha contratado com a sociedade comercial QQ – Prestação de Serviços de Segurança e Vigilância, SA (de ora em diante, “QQ”), com sede na Praça …, nº 5-A, … …, um contrato de prestação de serviços de segurança e vigilância.

32 - À data em apreço nos autos, a sociedade QQ - Prestação de Serviços de Segurança e Vigilância, S.A. tinha validamente contratado com a Interveniente Seguradora um contrato de seguro do ramo Responsabilidade Civil Exploração na modalidade Diversos de Exploração titulado pela apólice n.º 55…5 (vide Ata Adicional n.º 1 das Condições Particulares da apólice, com data efeito de 28.06.2012, e Informação Pré-contratual/Condições Gerais da Apólice de Responsabilidade Civil Geral, juntos como documentos juntos a fls. 252 v. a 254, 285 a 291 que aqui se dão por integralmente reproduzidas para todos os legais efeitos);

33 - A referida apólice garantia a responsabilidade civil da tomadora do seguro em diversos locais de risco, de entre os quais aquele onde ocorreram os factos em causa, pelos danos causados a terceiros até ao montante de €1.250.000,00, decorrentes do exercício de segurança privada, nos termos da legislação em vigor., entendendo-se como tal a atividade que tem por objeto o exercício, exclusivo, dos serviços abaixo mencionados: «Vigilância de bens móveis e imóveis e o controlo de entrada, presença e saída de pessoas, bem como a prevenção da entrada de armas, substâncias e artigos de uso e porte proibidos ou suscetíveis atos de violência no interior de edifícios ou locais de acesso vedado ou condicionado ao público, designadamente estabelecimentos, certames, espetáculos e convenções, conforme definido na alínea a) do nº 1 do artº 2º do DL 35/2004 de 21 de Fevereiro; Exploração e gestão de centrais de receção e monitorização de alarmes, nos termos da alínea c) do artº 2º do DL 35/2004 de 21 de Fevereiro»

34 - Mostrando-se aplicável a este contrato de seguro, in casu, uma franquia contratual a cargo do segurado de «10% no mínimo de € 500,00 por sinistro no máximo de € 5.000,00.» (vide Condições Particulares da apólice acima indicadas como documento n.º 1 - Franquia, pág. 4 de 5).

35 - Ainda no âmbito desse inquérito, foram reconhecidos, e pertencem aos Autores, os bens a seguir discriminados que estavam guardados nos cofres individuais arrombados e que os assaltantes abandonaram no chão da zona circundante.

36 - Pertencentes aos primeiros Autores AA e BB:

- um anel com três pedras vermelhas e duas brancas;

- um anel em ouro amarelo com pedras brancas;

- Libras ( 3);

- medalhão; 

 - Medalhinhas .

 Esses bens foram devolvidos aos 1ºs AA, exceto as libras.

37 - Pertencentes aos terceiros Autores EE, FF e GG,

- uma pulseira com brilhantes;

- seis anéis em ouro;

- uma coleção de brincos em ouro;

- dois pares de botões de punho;

- um conjunto de quatro medalhas e uma “fisga”;

- dois pares de botões de punho em ouro;

- um par de argolas grossas, uma argola e um broche;

- duas medalhas;

- quatro broches;

- cinco broches;

- dois cordões em ouro;

- um trancelim;

- 5 pulseiras em ouro;

- dois fios em ouro;

- dois colares de coral;

- quatro alianças;

- um relógio de pulso de senhora, em ouro;

- um colar preto.

 Tendo todos estes bens sido recuperados pelos terceiros autores.

38 - Pertencentes à quinta Autora JJ:

- 40 libras inglesas em ouro

- uma caixa com as inscrições com as inscrições Descobrimentos Portugueses, sem moedas, com nota de lançamento da Caixa … (Nº 1…9), um certificado de garantia (Nº 14…9) e um documento da Imprensa Nacional Casa da Moeda;

- uma caixa contendo quatro moedas de 100 escudos em prata Descobrimentos Portugueses;

- uma caixa de cor azul, contendo uma libra e respetivo talão de compra – harold cox 1915;

- uma caixa de cor azul, contendo no seu interior duas moedas em ouro com o valor de 100 escudos Descobrimentos Portugueses;

- um cofre de cor rosa o qual foi estroncado;

Tendo todos estes bens sido restituídos à quinta Autora

39 - Pertencentes aos sextos Autores KK, LL e MM:

“- uma caixa contendo quatro talheres no seu interior, bem como um cartão em nome de … e um papel com os dizeres …;

- uma caixa contendo no seu interior talheres e um copo em prata, com as inscrições “A…” e um papel manuscrito “D. …”;

- uma caixa contendo um copo de criança;

- um caixa contendo no seu interior um copo, um guizo e um porta guardanapos de criança (…. 23.10.1979);

- uma caixa contendo no seu interior talheres de prata com um papel com o nome …;

- uma caixa de cor vermelha contendo vários talheres em prata e contendo a inscrição … 9/4/1989 TIA …”.

Tendo todos estes bens sido restituídos aos sextos Autores.


40 - No dia 18/11/2012 em apreço nos autos, entre as 3h18m e as 3h20m, na central de alarmes da interveniente QQ e com referência às instalações da Ré verificou-se o acionamento dos alarmes de intrusão instalados nas instalações da Ré, sendo-o o detetor quebra de vidros entrada frente piso 0 (zona 5) e da Tamper sirene (zona 32).

41 - Na sequência, a empresa encarregue da colocação, funcionamento e gestão do alarme (a empresa QQ), comunicou esse facto à GNR, que se deslocou ao local.

41.A - A patrulha da GNR composta por dois guardas, avisada pelo posto do facto referido em 40) por volta das 3h e 25 m, chegou ao local, os guardas fizeram uma inspeção ao exterior do estabelecimento e olharam para o interior pelas vidraças e constataram que as vidraças e portas estavam intactas e não vislumbraram dentro do estabelecimento qualquer movimento suspeito, nem detetaram qualquer ruído.

Os 2 guardas permaneceram no local cerca de 20 minutos e depois convencidos que nada de anormal se passava retiraram-se. 

42 - O funcionário da QQ tentou entrar em contacto com o funcionário do banco em primeiro lugar da lista de contactos, o senhor UU, por mais do que uma vez, frustrando-se o contacto, o que sucedeu em escassos minutos

43 - Por esse motivo, entrou em contacto com o Administrador VV o qual se dirigiu às instalações da R.

44 - Aí chegado (o Administrador VV) efetuou uma vistoria exterior e olhou para o interior pelas vidraças, para verificar o que se passava, informando a empresa de Alarmes que estava tudo normal, pelas 04h17m.

45 - A Central de alarmes respondeu que já tinha conhecimento desse facto através da Guarda Nacional Republicana (GNR), que esta também fora informada pela referida Central de alarmes.

46 - O referido VV não era, na ocasião em que se deslocou às instalações da Ré e realizou a vistoria referida no ponto 28, portador de chave das portas das instalações da Ré.

47 - Pelas 04h03m os funcionários da QQ contactaram telefonicamente a GNR de …, tendo-lhes sido comunicado que a patrulha daquela força policial se havia deslocado ao local, não tendo detetado, por vistoria ao exterior, qualquer indício de situação anormal.

48 - Entre as 4h21m15s e as 4h21m21s, na central de alarmes da interveniente QQ e com referência às instalações da Ré verificou-se o acionamento dos alarmes de intrusão instalados nas instalações da Ré, sendo-o pela 2ª vez e em três sítios/locais diferentes: detetor Porta Emergência Lateral Piso O (Zona 62), detetor Hall w.c. Piso O (Zona 60) e detetor Gabinete Fundo Piso O (Zona 64).

49 - Às 4h22, o referido VV, recebe nova chamada da Central de Alarmes (segunda), a dar conhecimento daqueles disparos de alarmes de intrusão noutras zonas do banco.

50 - O Senhor VV, mais uma vez, desloca-se ao local e, sem entrar dentro das instalações da R. e sem chamar as forças policiais, fez/realizou nova inspeção exterior às instalações.

51 - Às 4h28, aquele mesmo VV, contactou a Central de Alarmes a informar que se encontrava tudo normal, dando nota da verificação da porta de emergência das instalações (cujo alarme tinha sido acionado) e que a mesma se encontrava fechada e intacta.

52 - Cerca das 6h15m verificou-se na central de alarmes uma falha de teste de linha, com relação às instalações da Ré, anomalia que significa uma falha de comunicação do sistema.

53 - Às 6h27, o mesmo VV recebeu nova chamada da Central de Alarmes a informar “falha de (teste de) linha”, o qual, desta vez, não se deslocou ao local para ver a causa do problema.

54 - Às 9 horas da manhã a R. e a empresa responsável estabelecem contactos no sentido da última enviar um técnico no sentido de averiguar as alegadas avarias no alarme do banco.

55 - Pelas 11 horas os funcionários da R. vistoriaram o interior do banco e detetaram a existência do furto.

56 - Aquando da sua deslocação ao local o Administrador da Ré não se fez acompanhar das chaves das instalações, das quais, de resto, não dispunha.

57– O Administrador da Ré não contactou ou sequer se cruzou com a GNR mas, conforme resulta da factualidade provada em 44) e 45), este soube que pela Central de alarmes da QQ que a GNR já tinha estado no local anteriormente e que não tinha encontrado nada de anormal.

58 - Os cofres de aluguer encontravam-se dentro do cofre-forte geral da Caixa PP.

59 - Este cofre-forte estava protegido por uma porta blindada, com cerca de 50 cm de espessura.

60 - As paredes laterais do cofre-forte eram feitas em betão armado e tinham igualmente uma espessura de cerca de 50 cm.

61 - Fora do cofre-forte geral da Caixa PP, todo o estabelecimento era dotado de portas de segurança.

62 - Todo o estabelecimento estava coberto por um sistema de segurança, incluindo alarme.

63 - O alarme estava ligado à central da empresa de segurança QQ – Prestação de Serviços de Segurança e Vigilância, SA (“QQ”), empresa especializada neste tipo de serviços, que prestava à Caixa PP os serviços de segurança e vigilância, através de um sistema de tecnologia bidirecional, que permitia a comunicação, em tempo real, entre a central de deteção instalada na Caixa PP e a central receptora de alarmes da QQ, permitindo ao operador da Central da QQ controlar remotamente o sistema instalado.

64 - Estava estabelecido com a QQ um plano de atuação em caso de verificação de qualquer evento suspeito

65 - Plano esse que, para além do mais, determinava o contacto, em caso de sinistro, quer com elementos da Caixa PP, quer com as autoridades policiais.

66 - De resto, a Caixa PP havia informado as autoridades policiais – Guarda Nacional Republicana – por carta datada de 22.02.2006 – de que, a partir dessa data, os alarmes protetores do estabelecimento em apreço passaram a estar ligados àquela empresa de segurança que, em caso de qualquer urgência, contactaria o posto da GNR mais próximo do mesmo (Posto de …), por forma a permitir a mais rápida e eficiente atuação das autoridades policiais.

67 - As autoridades policiais foram avisadas do evento pela QQ, sendo que a GNR esteve presente no local nesse momento e inspecionou o local e concluiu pela inexistência de qualquer suspeita de assalto.

68 - Cada um dos autores sofreu com a perda de bens, incómodos pelas várias diligências judiciais e extra judiciais que tiveram e continuam a ter que suportar.

69 - E sofreram tristeza e mágoa pela perda, em circunstâncias inesperadas, de bens de grande valor estimativo, associados a memórias pessoais e familiares.


FACTOS NÃO PROVADOS


a) Foi por não dispor das chaves conforme que o Administrador da Ré não entrou nas instalações daquela, limitando-se à vistoria exterior;

b) O Administrador da Ré desvalorizou a(s) informação(ões) da central de alarmes;

c) Na ocasião da situação e comunicação referidas em 52 e 53 o administrador da Ré foi informado de uma “avaria do alarme” e ficou ciente que o alarme estava desativado e que as instalações da Ré estavam “sem alarme”;

d) A não entrada nas instalações da Ré deveu-se ao facto do funcionário da Ré não ter chaves para entrar dentro da instituição bancária, tão-pouco diligenciando para as obter;

e) A não entrada nas instalações da Ré deveu-se ao facto dos funcionários da Ré e da QQ não terem dado nota/conta à GNR das situações e contactos sob os pontos 48 e 52 e pela falta de solicitação por aqueles da intervenção imediata da GNR, para entrar nas instalações da Ré, a fim de se certificarem de que nada de anormal se passava;

f) Perante a dimensão dos meios empregues pelos assaltantes, a preparação que demonstraram, o grau de conhecimento dos níveis de segurança existentes e o seu profissionalismo, nada poderia, em termos razoáveis, fazer a Caixa PP para evitar o acontecido ou a respetiva dimensão;

g) Para além do referido no ponto 21 que os sétimos Autores colocaram no cofre a quantia de setenta e cinco mil euros (75.000,00).

h) Que a parede que separa a Cooperativa da Caixa PP é em tijolo.



***



3.2. Fundamentação de direito


Conforme já se deixou dito, o objeto do presente recurso prende-se com as questões de saber:


1ª- se o Tribunal da Relação fez uso incorreto dos seus poderes de alteração da decisão sobre a matéria de facto;


2ª- como qualificar o contrato celebrado entre os autores e a ré;


3ª- se estão preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil contratual da ré;


4ª- se o acórdão recorrido violou o disposto nos arts. 562º e 566º, nº1 e 2 , ambos do C. Civil;


5ª- se o acórdão recorrido padece das nulidades previstas nas als. c) e  e) do nº1 do art. 615º do CPC.



*



3.2.1. Quanto à primeira das questões supra enunciadas, impugna a recorrente a apreciação da prova feita pelo Tribunal da Relação, sustentando que este Tribunal, ao dar como provada a factualidade constante dos pontos 15 a 21 da matéria de facto assente e atinente à existência dos bens, às suas características, à sua titularidade pelos Autores e aos bens contidos nos cofres no momento do assalto, apenas com base nas declarações de parte de alguns dos autores, violou o disposto nos arts. 662º e 414º, ambos do CPC.

Isto porque, tratando-se de factualidade que constitui o núcleo essencial dos factos alegados pelos autores e constitutivos do seu direito, o Tribunal não pode ficar convencido apenas com os relatos efetuados pelas próprias partes, interessadas na procedência da ação, tanto mais que os autores podiam e deviam ter juntado prova documental relevante e apresentado testemunhas que, concretamente, conhecessem os bens, os tivessem visto e os conseguissem descrever.

E ainda porque, recaindo sobre os autores o ónus da prova da factualidade em causa e sendo “ muito fraca” a prova por eles trazida aos autos, uma vez criada a dúvida sobre a realidade desses mesmos factos, impunha-se ao Tribunal da Relação observar o disposto no art. 414º do CPC e atuar em conformidade com o estabelecido nos nºs 2 e 3 do citado art. 662º.


Vejamos, então, se lhe assiste razão, tendo em conta, no que concerne à reapreciação da decisão de facto, que incumbe ao Tribunal da Relação formar a seu próprio juízo probatório sobre cada um dos factos julgados em 1.ª instância e objeto de impugnação, de acordo com as provas produzidas constantes dos autos e à luz do critério da sua livre e prudente convicção, nos termos do artigo 607.º, n.º 5, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do CPC, em ordem a verificar a ocorrência de erro de julgamento.

E que, nesta matéria, cabe apenas ao Tribunal de revista ajuizar se o Tribunal da Relação, no desempenho daquela sua função, observou, quer a disciplina processual a que aludem os arts. 640º e 662º, nº 1, quer o método de análise crítica da prova prescrito no art. 607º, nº 4,  aplicável por força o disposto no art. 663º, nº 2, todos do CPC, sem imiscuir-se na valoração da prova feita pelo Tribunal da Relação, segundo o critério da sua  livre e prudente convicção.

De salientar ainda que não compete ao Tribunal de revista sindicar o erro na livre apreciação das provas, salvo quando, nos termos do artigo 674.º, n.º 3, do CPC, a utilização desse critério de valoração ofenda uma disposição legal expressa que exija espécie de prova diferente para a existência do facto ou que fixe a força probatória de determinado meio de prova, ou ainda quando aquela apreciação ostente juízo de presunção judicial revelador de manifesta ilogicidade.

É que, como escreve Abrantes Geraldes[2], em tais situações, defrontámo-nos com verdadeiros erros de direito que, nesta perspetiva, se integram também na esfera de competência do Supremo.

Ora, o que claramente ressalta da fundamentação constante de fls. 26 a 34 do acórdão recorrido é que o Tribunal da Relação, na reapreciação da matéria de facto impugnada, lançou mão de todos os meios probatórios constantes dos autos.

E se é certo ter dado especial destaque às declarações dos autores, a verdade é que não deixou de apreciá-las em conjugação com as demais provas, designadamente com as relações de bens por eles apresentadas à GNR, reconhecimento dos bens recuperados e, em alguns casos, com fotografias e imagens, faturas e depoimentos de testemunhas, concluindo, tal como o Tribunal de 1ª Instância que, atentas as circunstâncias em causa foi produzida prova suficiente para se julgar provada a factualidade em causa.

De salientar estarmos perante valorações de provas, todas elas sujeitas ao princípio da livre apreciação (cfr. art. 466º, nº 3 do CPC e arts. 376 e 396º do C. Civil), pelo que, neste domínio, a atividade jurisdicional do Tribunal da Relação escapa, tal como já se deixou dito, à sindicância deste Tribunal. 

Por tudo isto e porque no confronto entre a fundamentação do Tribunal da 1.ª Instância e a do Tribunal da Relação, não se vislumbra que, na apreciação dos factos dados como provados e supra descritos nos ponto 15 a 21, o Tribunal a quo tenha infringido qualquer norma legal probatória expressa nem tenha incorrido em raciocínio manifestamente ilógico, mais não resta a este Tribunal de revista do que acatar os factos fixados pela Relação, nos termos do artigo 682.º, n.º 1 e 2, do CPC.



*



3.2.2 Natureza do contrato celebrado entre os autores e a ré.


Neste domínio ficou provado que o autores, AA e mulher, BB; CC e mulher, DD; EE, FF e GG; HH e mulher, II; JJ; KK, LL e MM; e NN e OO, celebraram com a Ré, Caixa …, por escrito, os contratos juntos a fls. 55 a 72 que  designaram por “contrato de aluguer de cofre” (com a variante, em relação a um, de “contrato de aluguer de cofre forte” e, a outro, de “contrato de locação de cofre forte”), no âmbito dos quais acordaram  que a ré cedia, respetivamente,  aos 1ºs, 2ºs, 3ºs, 4ºs, 5ºs, 6ºs e 7ºs  aos autores, designados por clientes,  a utilização dos cofres-fortes, números 256, 271, 264, 261, 10, 245  e 259.

Não se questionando, no caso dos autos, esta qualificação, tal como entenderam as instâncias, também não se vê motivo para dela dissentir.

Estamos, pois, perante um contrato do universo da atividade bancária ( “safe deposit boxes”, “Schrankfach”, “coffre-fort”, “cassete de sicureza”, “caja de securidad” ), permitido pelo art. 4º , nº1, al. p) do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras ( RGICSF)[3] e que José A. Engrácia Antunes[4] define como «o contrato pelo qual o banco coloca à disposição do cliente cacifos blindados existentes nas instalações bancárias especificamente destinados  à guarda, em segurança e segredo, de quaisquer coisas móveis (dinheiro, títulos, metais preciosos, documentos, etc.)».

Nas palavras de Pinto Monteiro[5], é o «contrato pelo qual um banco cede a utilização de um cofre a alguém para que este o utilize em certos termos, mediante determinada retribuição, nele podendo guardar o que entender, em condições de segredo e segurança, quer no tocante à localização do cofre, quer no tocante à sua utilização»[6].

Segundo Paula Ponces Camanho [7], no contrato de cofre-forte, o banco, mediante retribuição, coloca «à disposição do cliente um cofre-forte, dentro do próprio estabelecimento bancário, para nele serem colocados objectos em segurança», precisando que «o cofre é numerado e, em regra, só pode ser aberto através de duas chaves diferentes, uma guardada pelo cliente e outra pelo banco(por razões de segurança e de controlo) e, para a sua abertura, é necessária a utilização de um código secreto, conhecido somente pelo cliente. Os funcionários do banco não podem assistir às operações de colocação ou de retirada dos objectos do cofre por parte do cliente, pelo que o seu conteúdo é desconhecido do banco». 

Trata-se, porém, de um contrato legalmente atípico, na medida em que o citado art. 4º , nº1, al. p) do RGICSF limita-se a incluí-lo entre as operações  que os bancos podem efetuar, sem dispor sobre o seu regime jurídico.

E porque assim é, importa definir a natureza jurídica deste contrato, pois, não estando regulado na lei, é a partir das obrigações tipicamente assumidas pelas partes que se alcançará o regime jurídico aplicável.

A verdade é que, nesta matéria, não existe unanimidade da doutrina, podendo-se destacar no contexto da doutrina portuguesa quatro correntes [8].

Os que defendem tratar-se de um contrato de locação, sustentando que «a obrigação do banco é colocar à disposição do cliente um local seguro, comprometendo-se somente à segurança e vigilância do cofre-forte, e não dos objetos nele depositados». Integram-se, nesta corrente doutrinária, Pereira Coelho[9], com o fundamento de que, usando o locatário o cofre em troca de uma retribuição, estaria desenhada a definição do art. 1022º do Código Civil ou, quando muito, configurado um contrato misto; J.C. Brandão Proença[10], sublinhando a preponderância dos elementos locativos, e Pinto Monteiro[11], sustentando tratar-se «de um contrato de locação, ainda com particularidades, tendo em conta condições de segurança a cargo do banco, por um lado, e a condições de gozo do bem locado, por outro, dependente da chave em poder do banco e só dentro do horário de expediente deste» ou, quando muito de um «contrato misto de locação e de prestação de serviço, para abranger as condições de segurança tidas em vista pelas partes ao celebrarem este contrato».

Outros autores existem que entendem estarmos perante um contrato de depósito, sustentando que, tal como qualquer depositário, o banco assume uma obrigação de custódia e de restituição do bem recebido.

Outros ainda, considerando que o banco obriga-se a uma prestação própria do locador e do depositário, entendem tratar-se de um contrato misto[12] de locação e de depósito. É o caso de Antunes Varela[13] que considera que a estrutura deste contrato engloba elementos típicos do contrato de locação - cedência temporária e remunerada de um cofre numa casa bancária – e do contrato de depósito quer do cofre, quer dos valores que o utente nele vai guardando.

No mesmo sentido, afirma José A. Engrácia Antunes[14] que o contrato de cofre-forte, «constitui um negócio que combina elementos dos negócios de depósito e de locação, que não está sujeito a forma especial, e cujo conteúdo se caracteriza essencialmente pelas obrigações do banco ceder o uso do cofre alugado e garantir a sua inviolabilidade, mediante remuneração pelos clientes».

Nesta mesma linha de entendimento, defende Paula Ponces Camanho[15] que, para além de existirem, no contrato de cofre-forte, elementos típicos da locação, pois, «quando um banco coloca à disposição de um cliente um cofre-forte, obriga-se a proporcionar-lhe o gozo do cofre, durante um determinado período, e recebe, por isso uma retribuição», a verdade é que um tal contrato «é celebrado pelo cliente visando um particular escopo - segurança das coisas que coloca no cofre», pelo que, na perspetiva da sua função económico-social, nele existe também um elemento de custódia.

É esta também a posição assumida por Miguel Pestana de Vasconcelos[16], que, depois de afirmar não poder reconduzir-se a figura do contrato de cofre-forte a uma simples locação, pois isso seria esquecer as elevadas condições de segurança dos cofres que o banco assegura e «é esse elemento que leva as partes a concluírem esse contrato», conclui pela existência, neste contrato, de «um elemento de guarda».

E, nas palavras de Januário Gomes[17], este tipo de contrato apresenta «elementos do contrato de locação, traduzido na utilização do cofe forte enquanto parte integrante do edifício ou enquanto coisa móvel; elementos do contrato de depósito, traduzido na obrigação de guarda do cofre, através dum rígido controle do seu acesso; e elementos da prestação de serviços traduzidos na obrigação por parte do concedente, de limpeza do local, iluminação, etc.».  

Finalmente, defendem alguns autores, estarmos perante um contrato sui generis, denominado, por uns, como “contratos de guarda” (“contrats de garde”) e considerados, por outros, como um contrato que ilustra uma especificidade do serviço bancário e daí a impossibilidade de o qualificar corretamente [18].

Lançando, agora, um olhar sobre a panorâmica da doutrina estrangeira traçada por Paula Camanho[19], nela encontramos uma maior convergência sobre o conteúdo da obrigação de custódia assumida pelo banco com a celebração do contrato de aluguer de cofre forte, reconhecendo-se a obrigação de segurança como um elemento essencial deste contrato.

Assim, segundo Molle[20], as obrigações do banco distinguem-se «consoante se refiram à concessão da utilização do cofre (prestação locatícia) ou à vigilância devida (prestação de custódia).

No primeiro grupo, insere «a obrigação de o banco colocar à disposição do cliente um cofre com as adequadas condições de solidez, de conservá-lo em bom estado de manutenção, de modo a servir para o uso convencionado, e de garantir ao titular a sua utilização».

O segundo grupo engloba «a obrigação de responder pela custódia do local, no sentido de que o banco deve, não só assegurar a vigilância necessária para evitar que sujeitos diferentes do utente possam abrir o cofre, mas também responder pela sua integridade».

Nas palavras de Paz[21], a obrigação de custódia assumida pelo banco tem um duplo sentido: «por um lado, o banco está obrigado a que a construção e estrutura dos locais e cofres-fortes sejam por si mesmas seguras e, por outro, está igualmente obrigado a reforçar tal segurança mediante a vigilância necessária».   

Mais explicitamente, defende Escarra[22] que, no contrato de locação de cofre forte, o banco assume uma “obrigação de segurança”, que não só é mais ampla que uma simples obrigação de guarda, como é uma «“obrigação essencial”, visto que o cliente procura precisamente junto do seu banco uma segurança que não encontra no seu próprio domicílio».     

No seu dizer, esta “obrigação de guarda ampla”, refere-se a uma «certa “técnica” de guarda, comportando para o banco o emprego de diversos procedimentos materiais, destinados a proporcionar ao cliente uma segurança mais elevada do que a que este encontraria numa simples guarda exercida pelo depositário de uma forma passiva».

E, tal como nos dá ainda conta Paula Camanho[23], é nesta mesma linha de entendimento que a jurisprudência francesa considera que o contrato de locação comporta para o banco uma obrigação particular de vigilância e o dever de tomar todas as medidas necessárias para assegurar, salvo situações de força maior, a salvaguarda do cofre e dos objectos nele depositados»[24]

Cientes de que nenhuma das enunciadas teses doutrinárias está isenta de críticas e procurando tomar posição sobre a natureza jurídica do contrato de aluguer de cofre forte e enquadrá-lo no nosso sistema jurídico, começaremos por referir que o critério para se determinar se há um único contrato ou um contrato misto não pode, em obediência ao princípio de autonomia privada, deixar de ser subjetivo, impondo uma indagação da vontade das partes e, consequentemente, à sua intenção, aos motivos determinantes numa perspetiva de “resultado concreto unitariamente perseguido” [25].

Ora, o que a este respeito se verifica no contrato de cofre forte, é por um lado, que o direito de uso do cofre não assume a extensão do uso concedido ao locatário, tal como se prevê no art. 1022º do C. Civil, na medida em que aquele a quem foi cedido o uso do cofre não pode exercer tal direito sem a cooperação ativa do dono do mesmo cofre (ou seja, a presença de um funcionário do banco).

E, por outro lado, que os deveres assumidos pelo banco também não se limitam aos próprios do locador, previstos no art. 1031º do C. Civil, porquanto, se o cliente contratou o uso do cofre, foi porque tinha em vista a segurança que aquele inspira, guardando eficazmente os valores que lhe são confiados.

Aliás, no caso dos autos, basta atentar nos factos provados e supra descritos sob o ponto 13 [26] para facilmente se constatar que foi essa a razão que levou os autores a celebrar com a ré os contratos de aluguer de cofre forte.

Por tudo isto e porque, no nosso entender, esta proteção e segurança dos bens guardados no cofre é um elemento preponderante na formação do mútuo consenso das partes, na esteira da orientação seguida no Acórdão do STJ, de 08.03.2018 (processo nº 351/14.7TBPNF.P1.S1) [27], não podemos deixar de aderir à tese daqueles que defendem que o contrato de cofre forte assume a natureza de um contrato misto, que combina elementos da locação e do depósito.    

Daí que, segundo o critério geral enunciado no art. 1028º do C. Civil, relativamente à prestação do banco, seja de aplicar, além das regras da locação, as regras próprias do contrato de depósito, designadamente as previstas no art. 1185º e segs. do C. Civil.

Logo era dever do banco, nos termos do estabelecido no art. 1187º do C. Civil, guardar os cofres alugados e as coisas neles contidas [ al. a) ] e facultar a restituição destas mesmas coisas aos seus clientes [ al. c)].   



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3.2.3 Responsabilidade da ré. 


Assente a natureza do contrato de cofre forte, a questão que a seguir se coloca é a de saber se, nas circunstâncias dos autos, estão verificados os pressupostos da responsabilidade civil da ré.


E a este respeito cumpre, desde logo, salientar, tal como afirmou o supra referido Acórdão do STJ, de 08.03.2018, na esteira dos ensinamentos de Carlos Henrique Abrão[28], de Paula Camanho[29] e demais doutrina por esta citada, ser «unanimemente reconhecido que existe uma presunção de responsabilidade da entidade bancária relativamente ao desaparecimento ou deterioração dos bens e valores depositados sendo a instituição bancária responsável pelos danos causados, a não ser que prove que o evento danoso se ficou a dever a caso fortuito ou de força maior e que agiu com a diligência profissional que lhe era exigível, mas o cliente, por seu turno, tem o ónus da prova do conteúdo do cofre, para efeitos de determinação do dano ressarcível».


Dissentindo deste entendimento, persiste a recorrente em defender que não cometeu qualquer ilícito, porquanto, contrariamente ao defendido pelas instâncias, o contrato de cofre forte não faz surgir, a cargo do banco, a obrigação de vigilância e de guarda em segurança dos bens colocados dentro do cofre, nem essa obrigação foi acordada entre as partes, não constando dos contratos celebrados. 

Não é esta, porém, a nossa posição, porquanto, tal como já se deixou dito, no ponto 3.2.2, na nossa ótica, o contrato de aluguer de cofre forte comporta, essencialmente, para o banco, uma obrigação de resultado[30], de vigilância e de guarda em segurança, quer do cofre, quer dos bens e valores nele contidos, pelo que, ante o disposto nos arts. 406º, nº1 e 762º, nº1, ambos do C. Civil, o desaparecimento dos bens e valores que os autores tinham guardados no interior de cada um dos respetivos cofres, por furto com arrombamento destes mesmos cofres ocorrido na sequência do assalto às instalações da ré, na noite de 17 para 18 de novembro de 2012, não pode deixar de constituir violação dos deveres de vigilância e de custódia/guarda por parte da ré, que não salvaguardou a integridade e a inviolabilidade de tais cofres, como lhe competia.

E nem se diga, como o faz a recorrente, que, no caso concreto dos autos, inexiste essa obrigação de guarda dos bens colocados dentro do cofre, porquanto a mesma não só não consta dos contratos celebrados com os autores, como foi deles expressamente afastada, conforme decorre do ponto 9 da matéria de facto provada.  

É que se é certo ter ficado estipulado nos contratos celebrados entre a ré e os autores, que « A Caixa … não é responsável pelos valores que a Cliente guarde no cofre, dos quais não tem, nem terá conhecimento, cabendo à Cliente, querendo celebrar contratos de seguro dos bens que venha a guardar no cofre », certo é também que resultando dos factos dados como provados sob o ponto 11 que tais contratos foram elaborados pela ré e apresentados aos autores para estes os assinarem, estamos perante uma cláusula contratual geral, sujeita à disciplina do DL n.º 446/85, de 25.10, com as alterações  introduzidas pelos DL n.º 220/95, de 31.08,  DL nº. 249/99, de 07.07 e DL nº 323/2001, de 17.12, pelo que não tendo a ré alegado nem logrado provar, tal como lhe competia, nos termos do disposto no art. 5º, nº 3 deste diploma, que comunicou e informou os autores do significado da sobredita cláusula, nenhuma censura merece o acórdão recorrido ao considerar aquela cláusula excluída dos contratos em causa, tal como o impõe o art. 8º, al. a) do citado decreto-lei.

Acresce que, também contrariamente ao afirmado pela recorrente, não se vê que esta decisão possa constituir violação ao princípio da liberdade contratual consagrado no art. 405º do C. Civil e que reconhece às partes a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos na lei ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver.

Isto porque, como é consabido, a disciplina das cláusulas contratuais gerais surgiu da necessidade sentida pelo legislador, ante um comércio jurídico massificado, de encontrar mecanismos reguladores jurídicos eficientes para minorar, tanto quanto possível, as desvantagens inerentes à supressão ou redução da liberdade de negociação, com vista à reposição da igualdade nas relações jurídico-negociais, o que tudo significa que o regime das cláusulas contratuais surgiu ainda assim para acautelar a liberdade contratual, garantindo negociações esclarecidas, com discernimento e em liberdade.

 


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Persiste também a recorrente em sustentar que não agiu com culpa, quer por ter adotado medidas preventivas no tocante à localização dos cofres e ao sistema de segurança instalado, com alarme ligado à central da empresa de segurança contratada e com contacto imediato com o banco e com a GNR, quer pelo administrador da ré ter feito tudo o que devia e lhe competia fazer.

Consabido estarmos no domínio da responsabilidade contratual e da culpa presumida da entidade bancária, conforme o disposto no art. 799º, nº1 do C. Civil, vejamos, então, se a ré logrou ilidir esta presunção e demonstrar a inexistência de culpa sua, ou seja, que atuou com a diligência profissional que lhe era exigível, tomando todas as precauções e medidas de vigilância necessárias com vista a prevenir o evento danoso (no caso o arrobamento dos cofres e o furto dos bens e valores neles contidos).   

Ora, nesta matéria, o que se constata é que o acórdão recorrido corroborou a argumentação da sentença proferida pelo Tribunal de 1ª Instância, que se transcreve nas seguintes partes que temos por essenciais:

« Da factualidade provada resulta manifestamente que o responsável da Ré Caixa PP que foi alertado pela empresa de segurança e se deslocou ao local não agiu com a diligência e o zelo a que estava obrigado, sendo-lhe por isso imputável (e consequentemente à Ré) a responsabilidade pela consumação do assalto que necessariamente se prolongou no tempo».

Isto porque « em função da conjugação de “anomalias” sinalizadas e comunicadas (accionamento de alarmes de intrusão em zonas distintas ou diversas do estabelecimento e a subsequente perda definitiva de sinal), era justificado o receio/a suposição/a hipótese de que o interior do estabelecimento da Ré Caixa PP se encontrasse a ser alvo de intrusão», pelo que « a mera observação exterior da integridade das portas e vidros existentes e o visionamento necessariamente limitado, como resulta das regras da experiência, quando se atente no local reservado/escondido onde se situava o cofre, de parte das instalações não corresponde, nem integra o cumprimento da totalidade das obrigações exigíveis a um homem médio, colocado na posição concreta do responsável indicado pela Ré para comunicações como a decidenda. (…) ».

«Não está em causa a convicção subjectiva pelo referido funcionário, ora administrador da Ré, da existência de uma situação “normal”, mas a falta de diligência devida no afastar desse ilegítimo convencimento. Com efeito, perante as comunicações realizadas pela empresa de vigilância, o que se lhe impunha era ao menos que tentasse a análise da situação mediante o auxílio da autoridade policial, ao invés de se bastar com a comunicação de que a “ polícia também já lá tinha estado e não tinha verificado nada de estranho ou anormal ” », tanto mais que « a autoridade policial foi alertada “apenas” para a existência de uma sinalização de um alarme de intrusão de um vidro/porta de entrada, ao passo que o referido responsável da Ré foi sendo “actualizado” com a existência de accionamento de outros alarmes no interior das instalações (sendo-o pela 2ª vez e em três sítios/locais diferentes: detector Porta Emergência Lateral Piso O (Zona 62), detector Hall w.c. Piso O (Zona 60) e Detector Gabinete Fundo Piso O (Zona 64) – ponto 32* ) e, após, com os problemas de sinal ».

«Na posse da totalidade destas informações sobre os accionamentos do alarme, não emergindo também que os mesmos fossem vulgares/usuais/comuns, no sentido de habituais, nem também de justificação aparente – assim fenómenos climatéricos ou proximidade a operações de movimentação de terras ou pesos ou mesmo ao “barulho da festa de S. …”, perfeitamente descaracterizado, e/ou presença de animais em função da actividade, localização ou estado do imóvel (ratos ou pássaros), mesmo na falta de evidência de quebra de vidros e/ou arrombamento de portas, impunha-se ao funcionário da Ré a verificação da realidade desse “autoconvencimento” de estar em causa “falso alarme”, mediante a verificação do interior das instalações, naturalmente que com o adequado e necessário apoio das forças de segurança».

E mesmo sabendo-se que aquele representante da Ré não era portador das chaves da instituição, «era-lhe exigível, face ao accionamento de outros alarmes no interior das instalações e, após, com os problemas de sinal, que recorresse às autoridades policiais para uma cabal certificação daquilo que de facto se estava a passar na instituição bancária, tanto mais, que o mesmo tinha conhecimento que a autoridade policial já não se encontrava no local quando ocorreram novos disparos do sistema de alarme.

Donde, o aludido representante da Ré Caixa PP podia ter prevenido a consumação do furto, mediante o recurso e solicitação da entrada no estabelecimento pelas autoridades policiais, caso tivesse encarado com a diligência e zelo devidos os sucessivos e reiterados disparos do sistema de alarme instalado no estabelecimento bancário da Ré, ao longo de período temporal assinalável e durante a madrugada de um sábado para um domingo, desenquadrados de qualquer explicação plausível .

Nem colhe também o convencimento razoável de uma “avaria do equipamento”. Ao contrário, o que resulta é o pleno e cabal funcionamento deste mediante a sinalização de intrusão e uma desactivação indiciadora de uma actividade de sabotagem efectivamente ocorrida. Terá errado na avaliação da situação o agente da Ré, mas não resulta que tenha empregado as diligências que se lhe impunham perante os elementos de informação de que dispunha. Não está em causa a boa fé daquele, mas uma actuação culposa, por não ter feito a “leitura” da situação que se lhe impunha: a da necessidade de verificação/comprovação da sinalizada (pelos alarmes) intrusão.

Com efeito, está-se perante a responsabilidade contratual da instituição financeira imprudente ou não diligente, por não ter cumprido, em consonância com os ditames da boa fé (art. 762.º, n.º 2 do CC), os deveres de diligência, protecção e de guarda dos cofres e dos legítimos interesses dos seus clientes.

Com efeito, sobre a Caixa impendia a obrigação de garantir a segurança dos cofres e respectivo conteúdo, por si alugados. E consequentemente sobre a Caixa recaía o dever de verificar cuidadosamente os variados sinais de alarme que, numa madrugada de um sábado para um domingo, foram accionados no seu estabelecimento, o que, perante os dados de que dispunha, impunha o dever de verificação/controlo do interior do estabelecimento.

Ao contrário do que afirma a Ré na respectiva contestação esta não é uma daquelas situações em que o evento não era evitável ou susceptível de ser impedido, mesmo na observância dos mais rigorosos meios de segurança. É uma situação em que o evento não foi evitado (ao menos quanto à sua gravidade/dimensão) por não terem sido observados os deveres de cautela e previsão proporcionais e adequados aos dados objectivos que se deparavam ao seu representante».

Assim, o Banco que não use da exigível diligência não infirma a presunção que sobre si impende, de culpa/responsabilidade no cumprimento da obrigação de guarda/custódia assumida pelo contrato em causa.

Na situação decidenda, a diligência/previsão/comportamento correcto do funcionário da Ré ficou aquém do exigível, com referência ao descrito circunstancialismo envolvente, em função já da natureza profissional da actividade exercida, como se adiantou.

Sendo que a Ré Caixa PP é responsável pela aludida omissão do seu representante/funcionário que compareceu no local, e omitiu os seus deveres de zelo e consequentemente a prática dos actos necessários e adequados tendentes a verificar o que se passava no interior do estabelecimento e assim aferir da sua segurança e integridade, em face do disposto no artigo 800º do CC. (…)  »


Que dizer?


Desde logo que, ao conceder o cofre em locação, o banco assume um risco profissional inerente ao exercício da sua atividade, pelo que não pode deixar de responder pelas falhas, omissões ou deficiente cumprimento do dever de vigilância e de guarda em segurança do cofre e dos bens e valores nele contidos.

Assim, pese embora a factualidade dada com provada e supra descrita nos pontos 58 a 67, ante os factos provados e supra descritos nos pontos 22 a 29-A, 31 e 40 a 57, não só não vislumbramos razões para dissentir deste entendimento como não se acolhe a argumentação da recorrente no sentido de que «o acórdão recorrido, na apreciação da culpa, violou o disposto no Código Civil, na  Lei 63/2007, de 6 de Novembro e no Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n° 298/92, 31-12-1992 (com as alterações subsequentes), na medida em que defende  que  o funcionário da Recorrente Caixa PP que acorreu ao local teria funções e obrigações de investigação, combate ao crime e segurança (que, no caso concreto, competem à GNR), como que teria, relativamente à GNR, deveres de diligência superiores, como ainda, deveria ter suspeitado das conclusões desta autoridade policial quando esta havia concluído que "nada de anormal se passava" », pois nada disto está em causa.

Daí não podermos também deixar de aderir à conclusão extraída no já citado Acórdão do STJ, de 08.03.2018 (processo nº 351/14.7TBPNF.P1.S1) [31], que pronunciando-se precisamente sobre a responsabilidade da recorrente no caso que, agora, nos ocupa - ou seja, o assalto às instalações da ré, ocorrido na noite de 17 de novembro ( sábado) para 18 de novembro ( domingo) de 2012 - e no âmbito de idêntico quadro jurídico, afirmou que a recorrente « confrontada com os sucessivos disparos dos alarmes não deveria satisfazer-se com o mero registo destes e comunicação à GNR que realizou, tão só, inspecção exterior às instalações, quando pela persistência daqueles disparos, a denotar que algo de estranho e intrusivo se estava a passar  no interior, se impunha que outras medidas de segurança fossem tomadas (e não foram), em ordem a salvaguardar os bens e valores que ali se encontravam depositados pelos clientes, confiantes de que a mesma os manteria em segurança ».   



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Finalmente, sustenta a recorrente que, nas circunstâncias dos autos, é logicamente impossível estabelecer um nexo de causalidade entre o facto e os danos sem que esteja provado o momento da ocorrência dos danos e, em especial, sem que resulte dos autos, claramente, que os danos ocorreram em momento posterior à pretensa omissão do funcionário da recorrente, pelo que não se provou este requisito.

Mais sustenta que não consta da matéria de facto provada nenhum facto provado (posterior à alegada omissão) do qual se possa extrair a conclusão de que os danos ocorreram por causa da ação/omissão do funcionário da Recorrente Caixa PP, nem nenhum facto relativo ao que sucederia caso a pretensa omissão não tivesse ocorrido e, em especial, que, caso ela não sucedesse, os danos também não existiriam, pelo que o acórdão recorrido ao concluir pela existência do nexo de causalidade decidiu de direito sem base factual para tanto.


Mas, em nosso entender, continua a carecer de razão, pois, como refere Antunes Varela [32], «para que haja causa adequada, não é de modo nenhum necessário que o facto, só por si, sem a colaboração de outros, tenha produzido o dano. Essencial é que o facto seja condição do dano, mas nada obsta a que como frequentemente sucede, ele seja apenas uma das condições desse dano».

Acresce, não estar vedada às instâncias a faculdade de retirarem ilações com base nos factos dados como provados e com apela às regras da experiência e da normalidade, nos termos definidos no artigo 349.º do Código Civil e 607º, nº 4 do Código de Processo Civil, cabendo apenas ao Supremo Tribunal de Justiça censurar o recurso a presunções judiciais se esse uso ofender qualquer norma legal, se padecer de evidente ilogicidade ou se partir de factos não provados, o que não se verifica no caso dos autos.


Ora, demonstrado, neste domínio, não ter a ré agido com a diligência profissional que lhe era exigível, incumprindo, deste modo, a obrigação essencial de vigilância e de tomar todas as medidas e precauções necessárias para assegurar a integridade do cofre e dos bens e valores nele depositados e que o incumprimento daquela obrigação de resultado contribuiu para a produção do evento danoso, ou seja, para a ocorrência do assalto às instalações da ré com o consequente arrobamento dos cofres de aluguer utilizados pelos respetivos clientes e o furto dos bens e valores neles contidos, designadamente dos bens supra descritos nos pontos 15 a 21 (cfr. factos dados como provados sob os pontos 22 a 29), mais não resta do que concluir pela verificação do nexo causal entre a atuação ilícita e culposa da ré e os danos sofridos pelos autores em virtude de uma tal atuação.

É que, como também se afirma no citado Acórdão do STJ, de 08.03.2018, estribado no entendimento unanime da doutrina, tendo em conta as particularidades do contrato de aluguer de cofre forte, em que o «cliente que utiliza o serviço de locação de um cofre bancário tem como objetivo colocar em segurança os bens ou valores que ali deseja colocar e a entidade bancária, ao oferecer esse serviço, assume um dever de vigilância e custódia, portanto, uma obrigação de resultado (…) é da sua responsabilidade a subtração fraudulenta do conteúdo do cofre que mantém sob a sua guarda. Trata-se de risco profissional decorrente da sua actividade comercial da qual obtém lucros, pelo que lhe cabe também, de outra parte, assumir os riscos a ela inerentes, o chamado risco-proveito ou risco do empreendimento ».

Quer tudo isto dizer ser a ré responsável pelos prejuízos causados aos autores, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 798º, 799º nº1, 805º, nº 2, al. a) e 806º, nºs 1 e 2, todos do C. Civil.



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3.2.4. Argumenta a ré que ao condená-la no pagamento aos 2ª autores da quantia equivalente a 5kgs de ouro, na cotação em vigor no dia 19.11.2016, sem justificar o afastamento da reconstituição natural, o acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 562° e 566º, nº1 e 2, ambos do Código Civil.



Carece, porém, de razão.

Isto porque tal justificação consta expressamente de fls. 29 do acórdão recorrido (correspondente a fls. 671 dos presentes autos), aí se afirmando que «como é do conhecimento geral o valor do ouro, tem uma cotação internacional publicada diariamente, não estando, no entanto, junto aos autos, esse documento», pelo que o valor «será depois obtido, com a comprovação da cotação no dia útil a seguir ao assalto (19.11.2012).

E nem se diga, como o faz a recorrente, que a consideração desta data de cotação é legalmente incorreta uma vez que coloca os autores em situação mais vantajosa, em face da atual cotação do ouro, pois consistindo a obrigação de indemnização, à luz do citado art. 562º, no dever de reparar os prejuízos, reconstruindo a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento danoso, temos por certa a data indicada.



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3.2.5. Nulidades do acórdão


Sustenta a recorrente padecer o acórdão recorrido das nulidades previstas no art. 615º, nº 1, als. c), d) e e), aplicável por força do art. 666º, ambos do CPC.


Fundamenta a recorrente a invocada obscuridade, ambiguidade ou condenação para além do pedido, na circunstância de o acórdão recorrido não ter limitado a condenação no que se vier a liquidar em execução de sentença quanto aos bens cujo valor não foi apurado.

Cremos, porém, não lhe assistir razão.

É que, apesar de não constar qualquer referência a tais limites na parte decisória do acórdão recorrido, se atentarmos na respetiva fundamentação facilmente se constatamos que aí se referiu, expressamente, que «os valores a liquidar relativamente aos concretos bens e dinheiro referidos quanto aos 4ºs AA têm como limite os valores por eles celebrados na petição» e que «no valor dos bens furtados a apurar em liquidação, não serão atendido os que foram recuperados, ainda que não tenham sido restituídos aos AA, sendo certo que não se pode imputar à Ré qualquer responsabilidade nessa falta de restituição», o que tudo significa estar limitada a condenação a liquidar em execução de sentença.



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Sustenta a recorrente haver contradição entre o decidido no ponto 16 da matéria de facto provada e a respetiva fundamentação constante de fls. 671 dos autos, pois na factualidade dada por provada o Tribunal declara que todo o ouro em causa tinha marca (as barras eram da marca SS e as chapas eram das marcas "TT" e "SS") — sendo, por isso, necessariamente comprado e não resultante de se ter derretido stock na ourivesaria dos Autores – e, contraditoriamente, na fundamentação, afirma que dos 5kg de ouro, 3 kgs (correspondentes a duas caixas de l,5kg cada) eram provenientes de stock de ouro da ourivesaria dos AA. que teria sido derretido (não tendo, por isso, obviamente qualquer marca, muito menos "TT" e "SS'), acrescentando que "não houve discrepância entre a versão dos Autores, uma vez que deduz destas declarações o que o A diz ser ouro em chapa é o mesmo que a A, que não é a especialista, chama ouro em folha e como também se conclui pelas regras da experiência era este que era derretido de peças que tinham em stock".


No que concerne à oposição entre os fundamentos e a decisão que constitui a causa de nulidade prevista na c) do nº 1 do citado art. 615º, vem a doutrina e a jurisprudência entendendo, sem controvérsia, que a mesma constitui um vício da estrutura da decisão.

No dizer de Alberto dos Reis[33] e de Antunes Varela[34], trata-se de um vício que ocorre quando os fundamentos indicados pelo juiz deveriam conduzir logicamente a uma decisão diferente da que vem expressa na sentença.

Dito de outro modo e na expressão do Acórdão do STJ, de 02.06.2016 ( proc nº 781/11.6TBMTJ.L1.S1), «radica na desarmonia lógica entre a motivação fáctico-jurídica e a decisão resultante de os fundamentos inculcarem um determinado sentido decisório e ser proferido outro de sentido oposto ou, pelo menos, diverso».

Ou seja, refere-se a um vício lógico na construção da sentença: o juiz raciocina de modo a dar a entender que vai atingir certa conclusão lógica (fundamentos), mas depois emite uma conclusão (decisão) diversa da esperada.

Ora, nada disto acontece no caso dos autos e nem é a esta realidade que a recorrente pretende aludir, pois, no fundo o que ela questiona é um erro de julgamento quanto à matéria de facto em causa.



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Sustenta a recorrente haver omissão de pronúncia por parte do acórdão recorrido no que respeita à suscitada questão da sentença proferida pelo Tribunal de 1ª Instância ter condenado no pagamento de indemnização por danos não patrimoniais em valor superior ao pedido.

Não se vislumbra, todavia, que o acórdão recorrido padeça da nulidade prevista no nº1, al. d) do citado art. 615º, pois dele se vê, claramente, que o mesmo não só conheceu da invocada nulidade da sentença recorrida (cfr. fls. 689), como procedeu à respetiva sanação, afirmando expressamente, no que concerne ao montante dos danos não patrimoniais, que «como atrás se referiu, na apreciação da arguida nulidade de condenação para além do pedido, tem de se limitar a € 1000, por grupo de AA, como peticionado, dado que nem sequer a Ré pôs em causa a sua razoabilidade» (cfr. fls. 696).


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Finalmente sustenta a recorrente padecer ainda o acórdão recorrido de nulidade por omissão de pronúncia sobre a nulidade da sentença de 1ª Instância por violação do disposto no artigo 3o, n° 3 do CPC, invocada pela recorrente no recurso de apelação.


A este respeito diremos que se é certo não ter o acórdão recorrido conhecido desta questão, não menos certo é estarmos perante uma omissão que não tem a virtualidade de acarretar a nulidade do acórdão recorrido, por não se tratar de questão que devesse ser, obrigatoriamente, decidida no acórdão recorrido.

É que, configurando a falta de audição prévia à decisão, nos termos do citado art. 3º, nº 3 uma mera nulidade processual, sujeita ao regime de arguição estabelecido no art. 195º e segs. do CPC, a mesma sempre teria de ser considerada sanada por não ter sido arguida, perante o Tribunal de 1ª Instância, no prazo de 10 dias a contar da notificação da referida sentença.


Carecem, pois, de qualquer fundamento as apontadas nulidades.

Termos em que, por tudo o que se deixou dito, improcedem todas as razões invocadas pela recorrente.

 


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IV – Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Supremo Tribunal em negar a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.

As custas da revista ficam a cargo da recorrente.



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Supremo Tribunal de Justiça, 19 de setembro de 2019

Maria Rosa Oliveira Tching (Relatora)

Rosa Maria Ribeiro Coelho

Catarina Serra

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[1] Vide Acórdãos do STJ de 21-10-93 e de 12-1-95, in CJ. STJ, Ano I, tomo 3, pág. 84 e Ano III, tomo 1, pág. 19, respetivamente.
[2] In, “Recursos  no Novo Código de Processo Civil”, 2018- 5ª Edição, pág.432. 
[3] Vigente à data da celebração dos contratos entre a ré e os autores.
[4] In, “Direito dos Contratos Comerciais”, Almedina, 2009, pág. 563.
[5] In parecer junto a fls. 953 a 985 dos presentes autos.   
[6] Esclarecendo ainda que, para o efeito, o cofre fica situado num lugar seguro das instalações do banco e é rodeado de especiais medidas de segurança, só podendo ser utilizado pelo cliente e pelas pessoas por este autorizadas, através do emprego simultâneo de duas chaves para abrir o cofre, uma em poder do cliente e outra em poder do banco. Aberto o cofre, o funcionário do banco afasta-se, não tendo o banco qualquer controlo sobre os bens que o cliente coloca ou não no cofre, desconhecendo em absoluto que bens ou valores contém o cofre. O cliente só tem acesso ao cofre dentro do horário de expediente do banco.
[7] In “ Do Contrato de Depósito Bancário (natureza jurídica e alguns problemas de regime), Almedina, Coimbra, 1998, pág. 73.
[8] Neste sentido, cfr. Paula Ponces Camanho, in “ Do Contrato de Depósito Bancário (natureza jurídica e alguns problemas de regime), Almedina, Coimbra, 1998, págs. 77 a 79.
[9] In “Arrendamento, Lições ao curso do 5º ano de Ciências Jurídicas no ano letivo de 1988-1989, Coimbra, 1988, pág. 34.
[10] In “ Do dever de guarda do depósito e outros detentores precários: âmbito e função, critério de apreciação da culpa e impossibilidade de restituição”, DJ, 1994, tomo 2, pág. 71.
[11] In parecer junto a fls. 968 e 969 dos presentes autos.  
[12] em que há um só negócio, cujos elementos essenciais respeitam a tipos contratuais distintos
[13] In “ Contratos Mistos”, Boletim da Faculdade de Direito, Vol. XLIV, Universidade de Coimbra, págs. 149 e 150 e in “Das Obrigações em Geral”; vol. I, pág. 264.
[14] In, “Direito dos Contratos Comerciais”, Almedina, 2009, pág. 564.
[15] In “ Do Contrato de Depósito Bancário (natureza jurídica e alguns problemas de regime), Almedina, Coimbra, 1998, págs. 81 e 82
[16] In “Direito Bancário”, Almedina 2017, pág. 125
[17] In “Constituição da Relação de Arrendamento Urbano”, Almedina, Coimbra 1980, pág. 137.
[18] Cfr. doutrina citada por Paula Ponces Camanho, in “ Do Contrato de Depósito  Bancário ( natureza jurídica e alguns problemas de regime), Almedina, Coimbra, 1998, pág. 79.
[19] In “ Do Contrato de Depósito Bancário (natureza jurídica e alguns problemas de regime), Almedina, Coimbra, 1998, págs. 73 e 74.
[20] Citado por Paula Camanho, in, obra citada, pág. 75.  
[21] Citado por Paula Camanho, in, obra citada, pág. 75.  
[22] Citado por Paula Camanho, in, obra citada, pág. 75.  
[23] In obra citada, págs. 76 e 81, notas 171 e 193.  
[24] Cfr. decisões da Cour de Cassation du 29 octobre 1952, RTDCOmm, 1953, pág. 462; da Cour de Cassation Ire section civile, 21 mai 1957 (Ver. trim.droit civil, tome cinquante-cinquième, 1957, pág. 707). Cfr. ainda Comm.13 janv. 1985, RTDComm, Tomo XXXXII, Anée 1989, pág. 105.
[25] Neste sentido, cfr. Antunes Varela, in “Contratos Mistos”, Boletim da Faculdade de Direito, Vol. XLIV, Universidade de Coimbra, pág. 166.
[26] Em que ficou provado que “ ao longo da vigência de tais contratos, cada grupo de autores foi depositando e guardando no cofre cuja utilização lhes foi atribuída diversos objetos móveis e valores, sempre na convicção de que a ré assegurava e acautelava a preservação e integridade desses bens, protegendo-os contra furtos e roubos”.  
[27] Acessível in www.dgsi.pt/stj.
[28] In, “Cofres de Segurança”, editora Quartier Latin, São Paulo, 2006, pág. 145.
[29] In obra citada, pág 81.  
[30] Neste sentido, Thierry Bonneau, in, “Droit Bancaire”, 6ª ed. Montchrestien, Paris, 2005, págs. 585 e segs.
[31] Acessível in www.dgsi.pt/stj.
[32] In, “ Das Obrigações em Geral”, 10ª Edição, Vol. I, págs. 893 e 899
[33] In, “Código de Processo Civil, Anotada”, vol. V, pág. 141.
[34] In, “Manual de Processo Civil”, 1ª ed. ,pág. 671.