Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08A175
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: URBANO DIAS
Descritores: NULIDADES PROCESSUAIS
OMISSÃO DE NOTIFICAÇÃO
LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO
Nº do Documento: SJ2008040801751
Data do Acordão: 04/08/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: INCIDENTE
Decisão: INDERIDO A ARGUIÇÃO DE NULIDADES
Sumário :
Tendo a R. sido demandada em litisconsórcio necessário com o seu marido e, ao contrário deste, não tendo contestado nem constituído mandatário, não pode a mesma socorrer-se da falta de notificação da sentença (omissão que não devia ter tido lugar por força do preceituado no nº 4 do artigo 255º do Código de Processo Civil) para, já com o acórdão proferido em sede de recurso de revista, arguir a nulidade prevista no artigo 201º, nº 1, do mesmo diploma legal, dado que lhe aproveitam os actos (todos os actos) praticados pelo cônjuge ao longo de toda a lide.
Pode, assim, dizer-se que a actividade processual desenvolvida por parte de seu marido também lhe aproveitou, que, atenta a qualidade em que ambos foram demandados, se repercutiu também na sua esfera jurídica os efeitos resultantes da acção daquele, independentemente de ter sido ou não notificada da decisão proferida em 1ª instância.
Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:

I – Incidente de arguição de nulidade processual.

AA, R. no processo em epígrafe, veio arguir a nulidade processual resultante do facto de, não obstante ter sido citada e não ter contestado nem constituído advogado, não ter sido notificada nem da sentença proferida em 1ª Instância nem dos acórdãos proferidos pelo Tribunal da Relação de Lisboa, impossibilitando-a de interpor recursos, razão pela qual, na sua opinião, os autos devem baixar à 1ª Instancia a fim de ser devidamente notificada da decisão final, possibilitando-lhe, desta forma, a interposição de recurso de apelação.
Mais disse que “teve agora conhecimento, através de terceiros, que corre recurso de Revista pelo Supremo Tribunal de Justiça”.

A A.-recorrente pronunciou-se no sentido do indeferimento da pretensão da R..

Cumpre decidir.
Prescreve o nº 4 do artigo 255º do Código de Processo Civil:
“As decisões finais são sempre notificadas, desde que a residência ou sede da parte seja conhecida”.
Por sua vez, o nº 1 do artigo 201º do mesmo diploma legal textua:
“ Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa”.
Ora bem.
Sendo certo que a requerente foi devidamente citada e, como alegou, não contestou nem constituiu mandatário, mas não foi notificada do teor da sentença, o problema que se nos coloca é tão-somente este: a omissão referida (falta de notificação da sentença) implica, in casu, a nulidade e acarreta a baixa dos autos à 1ª instância a fim de, sendo a mesma sanada, lhe possibilitar a interposição de apelação?
A resposta a esta vexata quaestio passa necessariamente pela resolução de uma questão prévia, qual seja a de saber se a omissão cometida teve influência no exame ou decisão da causa.
Mas, ainda antes de procurar a resposta adequada, é mister trazer à luz da nossa reflexão dois outros pontos deveras importantes.
O primeiro tem a ver com o timing a partir do qual teve conhecimento da pendência do processo em sede de recurso de revista.
É, desde logo, estranho, muito estranho mesmo, que a R., tendo sido citada, nunca mais se tenha preocupado com a sorte da lide e, só agora, por mero acaso, por intermédio de terceiros, tenha tido conhecimento do estado do processo.
Mas, perguntamos nós, só agora, quando precisamente?
E quem são os terceiros que a informaram?
Nada nos diz sobre estes pontos.
O silêncio total da R.-requerente a respeito do momento exacto em que teve conhecimento da pendência do processo em sede de recurso bem como àcerca da identificação dos seus informadores é suficiente para dizermos que não cumpriu o ónus que, naturalmente, sobre ela impendia, de alegação e prova do direito reclamado (direito de arguição de nulidade processual), facto que necessariamente redunda em indeferimento puro e simples da sua pretensão.
Entendemos, porém, que algo mais importa dizer em reforço da solutio encontrada.
É, então, altura de nos interrogarmos sobre se, não obstante a omissão apontada, estamos perante uma nulidade processual a determinar a anulação do processado nos termos pretendidos.
Mas a resposta não pode ser dada sem que se traga à colação um ponto fáctico seriamente marcante: é que a requerente foi demandada na qualidade de mulher do R. BB. Este é, com efeito, o ponto decisivo para respondermos de modo seguro à questão colocada.
Mas não só decisivo. Também algo insólito e estranho na justa medida em que a mesma reside com aquele R. na Rua ...., lote 00, 2º Esquerdo, Moita, sendo de presumir que tenha tido conhecimento das vicissitudes, de todas elas, por que passou o processo, através do seu próprio marido.
É, com efeito, difícil de imaginar, que, vivendo ambos debaixo do mesmo tecto, e tendo este intervindo nos mais variados actos processuais, inclusive recorrendo das decisões que lhe foram desfavoráveis, não lhe tenha dado conhecimento mínimo do que se passava.
Ignorar esta realidade parece querer traduzir uma intenção de trazer a pretório algo que não se passa no mundo da realidade, mas no puro campo da ficção. Não pode ser!
Adiante, pois.
Estamos perante uma acção através da qual a A. pretendia, além do mais, obter a declaração de nulidade do negócio de compra de um prédio por parte do marido da ora requerente.
Isto significa que, à luz do disposto no nº 3 do artigo 28º-A do Código de Processo Civil, a acção para surtir efeito útil, na parte que ora nos interessa referir, tinha necessariamente que ser proposta contra ambos os cônjuges.
O artigo 29º do Código citado, ao traçar as linhas diferenciais entre o litisconsórcio necessário e o litisconsórcio voluntário, proclama que naquele “há uma única acção com pluralidade de sujeitos”, ao passo que neste “há uma simples acumulação de acções”.
Estamos, no caso concreto, perante um litisconsórcio com reflexos simples na acção, o mesmo é dizer que não obriga a um aumento de oposições entre as partes (MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, Estudos Sobre O Novo Processo Civil, página 152 e 153).
A decisão proferida num processo em que as partes surjam como litisconsortes necessários tem de ser “necessariamente única, sob pena de inutilidade” (ANSELMO DE CASTRO, Direito Processual Civil Declaratório, Vol. II, página 215).
A decisão da 1ª Instância que decretou a nulidade do negócio em que interveio o marido da ora requerente tem de ser vista na perspectiva indicada, sob pena de não ter efectivamente efeito útil: não podia ser decretada a nulidade do negócio apenas em relação ao R. BB – o negócio a ser nulo – como assim foi considerado – só o poderia ser em relação a ambos.
Ora, o que aconteceu é que o R., cônjuge da ora requerente, não só contestou a acção como recorreu da sentença proferida em 1ª Instância e do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa.
Perante a posição que o R. BB tomou face à decisão da 1ª Instância, cabe, ora, perguntar pelas consequências directas da sua atitude em relação à R. sua consorte.
A resposta à questão que nos preocupa passa necessariamente pela análise do artigo 683º, nº 1 do Código de Processo Civil que prescreve: “O recurso interposto por uma das partes aproveita aos seus consortes no caso de litisconsórcio necessário”.
Comentando este preceito, ALBERTO DOS REIS diz:
“Havendo litisconsórcio necessário, basta que um dos vencidos recorra; o seu recurso aproveita aos outros litisconsortes vencidos, o que quer dizer:
a) Que um deles pode, quando lhe aprouver, intervir no processo para fazer valer a impugnação deduzida pelo seu comparte;
b) Que a decisão do recurso produz os mesmos efeitos quanto ao recorrente e quanto aos não recorrentes” (Código de Processo Civil anotado, Volume V – Coimbra 1981 – página 293).
MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA precisa, contudo, esta ideia, dizendo que “para que, numa situação de litisconsórcio necessário, se possa verificar o aproveitamento pelas demais compartes do recurso interposto por um dos litisconsortes, é indispensável que exista um interesse comum a todos eles”, sublinhando mesmo que “o artº 683, nº 1, não se refere a todo o litisconsórcio necessário, mas apenas aquele que é unitário” (ESTUDOS SOBRE O NOVO PROCESSO CIVIL, pág. 501).
RIBEIRO MENDES, depois de nos dar conta da referência de NORONHA SILVEIRA à posição do legislador desde 1939 no sentido de admitir com relativa amplitude o princípio da realidade (segundo este princípio a eficácia do recurso estende-se a todos os compartes vencidos) aos casos, entre outros que aqui irrelevam, de pré-existência de litisconsórcio entre os co-interessados, acaba por concluir “que a pré-existência do litisconsórcio necessário entre co-interessados determina tal extensão, independentemente do facto de todos os litisconsortes interporem recurso” (RECURSOS EM PROCESSO CIVIL, págs. 170).
Também AMÂNCIO FERREIRA opina neste sentido:
“A nossa lei adoptou o princípio da realidade, sem restrições, no caso de litisconsórcio necessário e o princípio da personalidade no caso de litisconsórcio voluntário ou de coligação.
Com efeito, no caso de litisconsórcio necessário, diz-se no nº 1 do art. 683º que «o recurso interposto por uma das partes aproveita aos seus compartes».
Compreende-se que assim seja, por no litisconsórcio necessário nos encontrarmos perante uma causa única, com pluralidade de sujeitos (art. 29º, 1ª parte). Ora, uma causa única só pode comportar uma decisão singular nos diversos graus de jurisdição. Recorram todos os vencidos ou só um deles, a decisão a proferir estende-se a todos os litisconsortes” (Manual dos Recursos em Processo Civil, pág. 132).
Também ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES refere que “em princípio, o acto de interposição de recurso apenas aproveita ao recorrente, a solução a que preside o princípio da relatividade, por oposição ao princípio da realidade.
Tal regra, que emerge da natureza privatística do processo civil, sofre uma limitação no segmento relativo ao litisconsórcio necessário (negocial, legal ou natural), em que, de acordo com o art. 29º, há uma única acção com pluralidade de sujeitos: em tal situação, o facto de se discutirem interesses incindíveis impede que se alcancem resultados diversos para cada um dos litisconsortes. Daí afirmar-se no nº 1 que, independentemente da intervenção, o resultado do recurso interposto por algum ou alguns se repercutirá em todos eles” (Recursos em Processo Civil, Novo Regime, pág. 80).
Tudo isto para dizer que, no caso, malgrado a omissão de falta de notificação assinalada, não ocorreu a nulidade apontada pela requerente e pela singela razão de que a mesma não influiu na decisão da causa (parte final do nº 1 do artigo 201º do Código de Processo Civil).
A interposição de recurso por parte do R. BB aproveitou também à ora requerente, atenta a qualidade em que ambos foram demandados (litisconsórcio necessário unitário), repercutiu-se também na sua esfera jurídica, produziu os mesmos efeitos, apesar de não ter esta recorrido e isto independentemente de ter sido ou não notificada da sentença proferida em 1ª Instância.

É patente, agora, depois da análise do que efectivamente se passou, que não assiste à requerente a mínima razão na queixa que apresentou: para além das situações desusadas referidas, quais sejam a de ter sido demandada juntamente com o marido, certo que foi citada na mesma residência e não indicou posterior alteração de residência, a falta de indicação precisa do momento em que soube do estado do processo (o que é no mínimo estranho) e a falta de indicação das pessoas que eventualmente a informaram disso (impedindo, desde logo, qualquer possibilidade de contradita), a verdade é que a tal omissão cometida pela Secção do Tribunal de 1ª Instância não tem a virtualidade de desencadear uma nulidade, tal como está previsto no supra citado nº 1 do artigo 201º do Código de Processo Civil, como ficou evidenciado.
Em conformidade com o exposto, indefere-se o requerido e condena-se a requerente nas custas do incidente a que deu causa, com taxa de justiça fixada em 10 Ucs (artigo 16º, nº 1, do Código das Custas Judiciais).

II – Incidente de arguição de nulidade do acórdão.

O R. BB, recorrente nos presentes autos, veio arguir a nulidade prevista na 1ª parte da alínea d) do nº 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil, argumentando, para tanto, que o acórdão proferido no passado dia 12 de Fevereiro do corrente ano tinha considerado indevidamente como questões novas as atinentes ao invocado abuso de representação, defendendo que as mesmas não são novas, antes foram discutidas desde a 1ª instância e, como assim, torna-se imperioso o seu conhecimento, declarando nulo o acórdão com substituição por outro que julgue válido o negócio por si celebrado com CC através do qual declarou comprar o prédio identificado nos autos.

Respondeu a A.-recorrida, DD, pugnando pelo indeferimento total da pretensão do recorrente.

Decidindo.
Antes de ir directamente à questão que o recorrente colocou à nossa consideração e com vista a darmos uma resposta cabal à mesma, é bom recordar o que está em causa na presente acção.
Através dela, a A. pretendeu ver consagrada a nulidade dos diversos negócios celebrados pelos RR..
A verdade é que as instâncias deram razão à A., justificando tal entendimento com o facto de as duas primeiras vendas terem sido simuladas (simulação absoluta conducente, portanto, à nulidade dos negócios, ut artigo 240º, nº 1 e 2 do Código Civil) e a última (a outorgada entre CC e o R. BB) ser também nula, não por virtude do vício referido, mas antes por ter sido concretizada entre ambos uma venda de bens alheios e, como tal, também nula ex vi artigo 892º do Código Civil.
Ora, foi precisamente por estas razões que a A. viu a sua pretensão ser deferida.
Da matéria de facto dada como provada não resulta que o procurador dos proprietários iniciais dos prédios aqui em causa, AB e mulher, OM, o aqui R. GF, tenha abusado de poderes. Nem podia tal ter acontecido pela singular razão de que a defesa, toda ela, nada invocou a este respeito.
Como bem refere a recorrida, na resposta ao requerimento do recorrente, “as anulações dos actos nada têm a ver com a procuração mas com outros factos, designadamente, contrato promessa existente a favor da Autora, actividade ilícita dos RR., GF, pais e irmã deste, simulações dos actos, e venda de coisa alheia, vícios estes já referidos” (sic).
Está aqui perfeitamente explicada a razão de se ter considerado – e bem – como questões novas as relacionadas com o eventual abuso de representação.
Ao não se pronunciar sobre as questões referidas, o Tribunal nada mais fez do que cumprir a Lei, conhecendo apenas e só das questões colocadas pertinentemente pelo recorrente nas várias conclusões. O mesmo é dizer que não foi cometida a nulidade que o recorrente enxergou.
Pelo que, de uma forma assaz resumida, ficou dito, indefere-se a pretensão do recorrente, o qual vai condenado nas custas do incidente a que deu causa, fixando-se a taxa de justiça em 5 Ucs. (artigo 16º, nº 1, do Código das Custas Judiciais).

Lisboa, aos 08 de Abril de 2008
Urbano Dias (relator)
Paulo Sá
Mário Cruz