Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1185/23.3YRLSB-A.S1
Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO
Relator: JÚLIO GOMES
Descritores: IRRECORRIBILIDADE
TRIBUNAL ARBITRAL
SERVIÇOS MÍNIMOS
RECURSO DE REVISTA
Data do Acordão: 02/08/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECLAMAÇÃO - ARTº 643 CPC
Decisão: INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO.
Sumário :

O artigo 22.º, n.º 1, do DL 259/2009 deve ser interpretado no sentido de que da decisão do tribunal arbitral que fixa serviços mínimos, no âmbito de uma greve, só cabe o recurso para o Tribunal da Relação, que decide definitivamente, não sendo admissível recurso de revista, salvo se for invocada alguma das situações contempladas no artigo 629.º, n.º 2, do CPC.

Decisão Texto Integral:

Processo n.º 1185/23.3YRLSB-A.S1


Acordam em Conferência na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça,


O Ministério da Educação, Recorrente no presente recurso, em que é Recorrido o Sindicato de Todos os Profissionais da Educação (S.T.O.P), notificado do despacho que não admitiu o recurso de revista veio reclamar para a Conferência, pedindo que sobre a matéria do despacho recaia um Acórdão (artigo 643.º do CPC e artigo 652.º n.º 3 do CPC).


A reclamação do Recorrente apresenta as seguintes Conclusões:


1. A presente reclamação para a conferência tem por objeto a douta decisão singular, que indeferiu a reclamação interposta da decisão, que não admitiu o recurso de revista, do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa (TRL), que revogou o acórdão do Tribunal Arbitral, que deliberou, por maioria, fixar serviços mínimos.


2. Considera a douta decisão singular que, por força do disposto no art. 22º, do DL 259/2009 de 25/11 (“da decisão arbitral cabe recurso, com efeito devolutivo, para o tribunal da Relação, nos termos previstos no Código de Processo Civil para o recurso de apelação”), a revista não é admissível. Porém,


3. Quando o recurso de revista não é admissível, o legislador di-lo em termos inequívocos (v.g. o artigo 370º, nº. 2 do C.P.C.: “Das decisões proferidas nos procedimentos cautelares, incluindo a que determine a inversão do contencioso, não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível”).


4. Não o dizendo, o caso subsume-se à regra geral: a decisão judicial pode ser impugnada por meio de recurso (nº. 1 do artigo 627º do CPC), admissível quando a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal (cfr. n.º 1 do artigo 629º do CPC), como é o caso.


5. O sentido do nº. 1 do artigo 22º do DL 259/2009 (“Da decisão arbitral cabe recurso, com efeito devolutivo, para o tribunal da Relação, nos termos previstos no Código de Processo Civil para o recurso de apelação”). é o de permitir o recurso da decisão arbitral para os tribunais judiciais.


6. Se o legislador quisesse vedar o recurso para o Supremo bastaria ter dito que “da decisão arbitral apenas cabe recurso, com efeito devolutivo, para o tribunal da Relação, nos termos previstos no Código de Processo Civil para o recurso de apelação”. Com efeito,


7. A lei impõe que os trabalhadores de serviços destinados a satisfazer necessidades sociais impreteríveis assegurem a sua satisfação durante a greve (artigo 398º da LGTFP).


8. Na falta de instrumento de regulamentação coletiva de trabalho e de acordo entre os representantes dos trabalhadores e os representantes das entidades empregadoras públicas, a definição desses serviços mínimos compete a um colégio arbitral (citado artigo 398º e DL 259/2009, de 25.09).


9. A Constituição não permite a instituição de tribunais arbitrais necessários se, das suas decisões, não for permitido o recurso para os tribunais do Estado (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 230/2013, de 24 de abril de 2013, Carlos Fernandes Cadilha, disponível em www.tribunalconstitucional.pt).


10. As decisões dos tribunais arbitrais só admitem recurso quando as partes assim o tiverem convencionado (cfr. artigo 39º, nº. 4 da Lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro), convenção por natureza inexistente na arbitragem necessária. Portanto,


11. O artigo 22º do DL 259/2009 visa permitir o recurso para os tribunais judiciais e assegurar a conformidade da arbitragem necessária, que regula, com o disposto no artigo 20º da Constituição.


12. Não dispõe sobre o recurso das decisões que o Tribunal da Relação virá a proferir sobre a decisão arbitral, assim sujeitas ao regime geral (cit. artigo 671º do C.P.C.). Tanto que,


13. No domínio da arbitragem voluntária, apesar do disposto no artigo 46º e nas als. f) e g) do artigo 59º da LAV (Lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro), o entendimento dominante é o da admissibilidade do recurso de revista (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27-09-2018, MARIA DA GRAÇA TRIGO, Processo: 776/17.6YRLSB.S1, onde cita o Acórdão do mesmo tribunal de 10 de novembro de 2016, proferido no processo 1052/14.1 TBBCL.P1. S1).


14. A jurisprudência do STJ, que considera inadmissível a revista em litígios sujeitos a arbitragem necessária (cfr. o Acórdão de 26.06.2019 proferido no Processo 1572/18.9YRLSB-A.S1, citado na decisão ora impugnada) surgiu em litígios emergentes de direitos de propriedade industrial, com único fundamento na urgência da decisão, pois está em causa viabilizar a colocação no mercado de medicamentos de referência e medicamentos genéricos (cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-09-2019, OLIVEIRA ABREU, processo 222/18.8YRLSB.S1), isto é, o direito à vida.


15. No caso dos autos, este argumento não é atendível: a decisão arbitral impugnada ou decretou serviços mínimos, ou não, mas, se os decretou, deviam ser prestados durante greve realizada em data que já é passado.


16. O entendimento acolhido na douta decisão singular não tem assim correspondência com o texto da lei, pelo que não deve ser atendido (cfr. artigo 9º do Cód. Civil).


17. Ao assim não entender, a decisão singular ora impugnada viola os artigos 22º do DL 259/2009, 9º, nº. 3 do Código Civil, nº 1 do art. 627º, do art. 629º do C.P.C. e do artigo 671º, do C.P.C., pelo que deve ser revogada e a revista admitida, apenas assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!


A questão não é nova e foi já reiteradamente decidida por este Supremo Tribunal de Justiça, justificando-se, assim, ao abrigo do artigo 663.º n.º 5 do CPC, aplicável ao recurso de revista ex vi artigo 679.º do CPC, a remissão para o que já foi decidido no Acórdão proferido no processo n.º 1006/23.7YRLSB-A.S1, onde se pode ler designadamente que:


“(…) deve dizer-se que longe de ser uma violação do artigo 9.º do Código Civil a decisão objeto da presente Reclamação assenta na interpretação mais próxima da letra da lei, à luz da presunção de que o intérprete deve partir de um legislador razoável e que se sabe exprimir. Com efeito, se tudo o que a norma legal visasse fosse permitir o recurso para os tribunais judiciais, o legislador teria empregado outra redação, como, por exemplo, afirmado que a decisão arbitral era suscetível de recurso para os tribunais judiciais. A fórmula legal empregue sugere, ao invés, que houve o escopo de apenas permitir o recurso para o Tribunal da Relação e já não o recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça.


E ao contrário do que pretende o Reclamante há um interesse na celeridade da definição definitiva dos serviços mínimos. No nosso sistema legal a greve pode ser decretada por um período determinado, mais ou menos longo, mas também por período indeterminado. É certo que tradicionalmente a greve era decretada por alguns poucos dias, de tal modo que sendo os serviços mínimos definidos pelo tribunal arbitral, o Tribunal da Relação normalmente já se pronunciará após a greve ter cessado. No entanto, não só nada impede que a greve, como se referiu, seja decretada por um período substancialmente mais longo, fenómeno hoje mais comum, mormente pela difusão dos designados “fundos de resistência”, como a celeridade prende-se com a importância em definir rapidamente se deverão existir, e em caso afirmativo quais serão, os serviços mínimos a assegurar pelos grevistas. Com efeito, não só o incumprimento dos serviços mínimos pode acarretar consequências para a licitude da própria greve, como os trabalhadores grevistas que não cumpram os serviços mínimos expõem-se a responsabilidade, designadamente disciplinar. E, como já se disse, a própria lei é manifestamente sensível a esta exigência de celeridade, tanto mais que fixa para o próprio recurso de apelação um prazo mais curto que o normal”.


Face ao exposto, há que indeferir a presente reclamação.


Decisão: Indefere-se a reclamação. Junte-se cópia do Acórdão proferido no processo n.º 1006/23.7YRLSB-A.S1


Custas: Estando o Estado isento da taxa de justiça, condena-se o Reclamante nas custas de parte.


Lisboa, 8 de fevereiro de 2024


Júlio Gomes (Relator)


Mário Belo Morgado


José Eduardo Sapateiro