Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2833/17.0T8CBR.C1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: FERREIRA LOPES
Descritores: RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
ACIDENTE DE VIAÇÃO
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
SEGMENTO DECISÓRIO
DANOS FUTUROS
DANOS PATRIMONIAIS
DUPLA CONFORME
RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
EQUIDADE
PRESSUPOSTOS
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Data do Acordão: 06/20/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
I - Em acção de responsabilidade civil extracontratual por acidente de viação, a conformidade decisória das instâncias relativamente a uma das parcelas da indemnização, consubstancia dupla conforme que à luz do AUJ nº 7/2022, impede recurso de revista sobre aquele segmento decisório.

II - Sendo a indemnização por danos não patrimoniais fixada segundo equidade, não sujeita a um critério normativo, o STJ só deve alterar o quantum indemnizatório quando não estão preenchidos os pressupostos normativos do recurso à equidade e se a decisão recorrida afrontar de forma patente os limites que de acordo com a legislação e jurisprudência devem ser respeitados.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



AA, instaurou a presente ação declarativa, de condenação, contra Caravela, Companhia de Seguros SA, pedindo:

“a) Ser declarado que foi a condutora da viatura JJ quem causou única e exclusivamente o acidente sofrido pela Autora;
b) Ser a Ré condenada a pagar à Autora a quantia de €174.596,04, a título de indemnização pelo Défice Funcional Permanente sofrido pela Autora;
c) Ser a Ré condenada a pagar à Autora uma quantia não inferior a €50.000,00, a título de dano de afirmação pessoal;
d) Ser a Ré condenada a pagar à Autora uma quantia não inferior a €35.000,00, a título de prejuízo sexual;
e) Ser a Ré condenada a pagar à Autora uma quantia não inferior a €50.000,00, a título de dano biológico;

f) Ser a Ré condenada a pagar à Autora uma quantia não inferior a €5.250,00, a título de prejuízos sofridos pela privação do uso do motociclo,

g) Numa quantia global de €349.846,04, a que deverão acrescer os competentes juros de mora devidos, desde a citação até efectivo e integral pagamento”.

Alegou para o efeito, em síntese, a ocorrência de um acidente de viação em que intervieram o motociclo com a matrícula ..-NJ-.. (tripulado pela A.) e o ligeiro de mercadorias com a matrícula ..-JJ-.., seguro na Ré, que se produziu em virtude de a condutora deste não ter respeitado as regras que lhe impunham a paragem do veículo junto ao ponto de intersecção das vias, tendo ido invadir a mão de trânsito do veículo conduzido pela A. quando esta se aproximava do cruzamento, cortando a sua marcha, e bem assim a ocorrência causal dos danos que especificou.

A Ré contestou, impugnando a versão do acidente dada pela Autora, para cuja produção contribuíram ambas as condutoras. Para além disso, impugnou genericamente os danos alegados, dizendo ainda que, de todo o modo, a haver condenação, deve ser deduzido o montante que já pagou no procedimento cautelar de arbitramento de reparação provisória que correu termos sob o n.º 3674/15.... (apenso A).

Pelo requerimento de fls. 265, a Autora ampliou o pedido.

Realizado julgamento foi proferida sentença que na parcial procedência da acção, decidiu:

i) Condenar a Caravela, Companhia de Seguros, SA a pagar à Autora AA, a quantia liquida de €150,000,00, a título de danos patrimoniais, acrescida de juros moratórios à taxa legal vigente, actualmente de 4%, vencidos e vincendos, desde a citação até integral e efectivo pagamento.

ii) Condenar a Caravela, Companhia de Seguros, SA a pagar à Autora AA a quantia actualizada de €200.000, a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à mesma taxa aludida atrás, vencidos a contar da data da prolação da sentença até integral e efectivo pagamento.

iii) Relegar para liquidação ulterior de sentença, a indemnização a arbitrar à autora, a título de dano patrimonial futuro, relacionável com o previsivel agravamento do défice funcional permanente da integridade fisico-psiquíco de 53 pontos;

iv) Relegar para liquidação ulterior de sentença, a indemnização a arbitrar à autora, a título de dano futuro prevísivel, relacionável com necessidade permanente de ajudas medicamentosas, a saber: analgésicos, psicofármacos e Betmida; e com a necessidade permanente de tratamentos médicos regulares, a saber: tratamentosde fisioterapia e acompanhamento médico-psiquiátrico.

v) (À)s quantias indemnizatórias arbitradas em 1) e 2) deduz-se o valor indemnizatório provisório de €20.000,00 pago pela Caravela, Companhia de Seguros, SA à Autora AA, no âmbito dos apensos A e B dos procedimentos cautelares de arbitramento de reparação provisória”.

Da sentença apelaram ambas partes, fazendo-o a Ré a título subordinado.

A Relação de Coimbra, por acórdão de 24.01.2023, decidiu:

a) julgar improcedente o recurso interposto pela A;

b) julgar parcialmente procedente o recurso interposto pela Ré Caravela - Companhia de Seguros, SA e, consequentemente, revogar a decisão recorrida na parte constante de ii) do dispositivo, indo a mesma  condenada a pagar   à Autora a quantia de €150.000,00, a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, contados desde 20.06.2022, até efetivo e integral pagamento.

Inconformada com o assim decidido, a Autora interpôs recurso de revista, tendo formulado as seguintes conclusões:

A) O objeto do presente recurso reside na problemática associada ao quantum indemnizatório fixado pelo tribunal a quo no que aos danos de caráter patrimonial e não patrimonial sofridos pela recorrente se refere em decorrência do sinistro de que foi vítima e objeto de apreciação nos presentes autos, fundamentando-se ao abrigo do disposto na al. a) do n.º  1 do art. 674.º do Cód. do Proc. Civil, pois neste aspeto, andou mal, na ótica da recorrente, o Tribunal a quo.

B) É certo que foi relegado para liquidação de sentença a indemnização pelo dano patrimonial futuro relacionável com o previsível agravamento do défice funcional permanente, todavia, a extensão, gravidade e particularidade dos danos que por ora se constatam, salvo melhor opinião, reclama que a indemnização por danos de carácter patrimonial se fixe em valor jamais inferior a € 250.000,00 tal como já foi defendido pela recorrente anteriormente. Isto, porque,

C) Por um lado, é praticamente certo que, fruto das sequelas que a recorrente ostenta, sem prejuízo da séria e previsível probabilidade do seu agravamento, esta não disponha de condições para voltar a exercer qualquer profissão, nem na sua área profissional, nem em outra, já que as limitações pessoais são incompatíveis com profissões para as quais a recorrente dispõe de competências.

D) Por outro, o benefício do recebimento imediato, salvo melhor opinião, não é uma realidade absoluta, pois se existe – ainda que temporariamente – possibilidade de rentabilizar capital, as taxas de rentabilização de capital são muito inferiores às taxas de inflação, e as primeiras serão reduzidas quanto a inflação baixar.

E) É neste sentido que, sem prejuízo de entendermos o raciocínio adotado pelo tribunal a quo, divergimos do mesmo, posto que existe, notoriamente, privação da capacidade de ganho da recorrente e o beneficio que se poderá invocar decorrente do recebimento imediato da quantia a este título fixada é mitigado, pois neste aspeto entendemos que o valor da indemnização tem que ser superior para, efetivamente, permitir à recorrente rentabilizar a mesma, no sentido do valor, não sofrer uma desvalorização que a torne, mais tarde, insuficiente para fazer face aos danos da vida da recorrente.

F) Pugna-se, assim, pelas aventadas razões, porque se trata de valor razoável, proporcional e adequado às concretas condições sequelares da recorrente, pela fixação da indemnização por danos de caráter patrimonial no valor de € 250,000,00 (duzentos e cinquenta mil euros), devendo, assim, alterar-se a decisão recorrida.

G) Na fixação da indemnização por danos não patrimoniais, não fornecendo a lei critérios normativos concretos que fixem o seu montante indemnizatório e dada a consabida dificuldade em o fazer, o legislador fez, por isso, assentar a sua quantificação através do recurso à  equidade (cfr. artºs. 496º, nº. 4, e 494º, 566º, nº. 3, e 4º), constituindo, porém, entendimento prevalecente, que se deverá atender para o efeito, nomeadamente, ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e à do lesado, devendo ser proporcional à gravidade do dano e tomando em conta na sua fixação todas as regras da justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida, e sem perder de vista a peculiaridade de que se reveste o caso concreto.

H) A singularidade de cada caso, impede uma generalização da gravidade de cada situação, sendo que, é a gravidade que, in casu, releva para a fixação dos danos de caráter não patrimonial.

I) Tendo em conta a concreta e particular gravidade dos danos que a recorrente ostenta, e tendo a indemnização a fixar que refletir a concreta gravidade do caso.

J) Cremos que num juízo de equidade de ponderação global das circunstâncias anteriormente elencadas (das quais resulta um quadro que se apresenta acentuadamente grave para a  Recorrente,  com repercussões negativas, em termos, passados, presentes e futuros , na sua saúde físico/espiritual, nomeadamente ao nível da sua afirmação própria, pessoal, familiar), e de equidade, afigura-se-nos que o valor fixado pela 1ª instância, na quantia de €200.000,00 se revela como ajustado para compensar os danos não patrimoniais sofridos pela Recorrente em consequência do sinistro objecto dos presentes autos.

k) Tendo, neste âmbito, o tribunal a quo interpretado e aplicado erradamente o art. 496º, nº 4, do Cód. Civil. 

Contra alegou a Recorrida, defendendo, no essencial:

Não deve ser admitida a revista no que tange à indemnização por dano patrimonial futuro, por se verificar uma situação de dupla conforme;

Assim não se entendendo, deve negar-se provimento à revista, mantendo-se inteiramente a decisão da Relação. 


///

Questões a resolver:

- Se deve ser admitida a revista na parte em que Recorrente se insurge contra a indemnização de €150.000,00 a título de dano patrimonial futuro;

- Na afirmativa, se aquele valor deve ser aumentado para €250.000,00;

- Indemnização por danos não patrimoniais.

Fundamentação de facto.
Vem provada a seguinte matéria de facto:
 
1 - No dia 15 de Abril de 2014, cerca das 15h30min. o motociclo de matrícula .. - NJ - .. conduzido pela autora, circulava na Estrada Nacional ...11 ... M... ..., no sentido F... - C... ..
2 - A Estrada Nacional ...11 é atravessada perpendicularmente por uma outra, a saber: Estrada ..., a qual faz a ligação a M..., que é um itinerário secundário, e apresentada uma reduzida afluência de trânsito, em comparação com a EN...11.
3 - Ao km. Nº21.800 da EN ...11 a interceção das duas vias, a saber: Estrada ... com a EN...11.
4 - Existindo na Estrada ..., na interceção com a EN...11, no sentido que a conduz a M..., sinalização luminosa, vulgo, semáforos, e um sinal vertical STOP (B2 Paragem obrigatória em cruzamentos ou entroncamentos).
5 - Na circunstâncias de tempo e lugar aludidos em 1), 2), 3) e 4), a Autora circulava na faixa mais à direita, quando ao aproximar-se do km 21,800, no ponto da intersecção da EN...11 e da Estrada ..., surgiu-lhe à sua direita na EN...11, vinda da Estrada ..., em direcção a M..., o veículo ligeiro de mercadorias de matrícula ..-JJ-.. conduzido por BB, que no ponto de interceção da Estrada ... e da EN...11, não parou o “JJ” e não olhou para a sua direita e para a sua esquerda da EN...11, a fim de se certificar que podia entrar na EN...11 para seguir a sua marcha para M..., após o que o motociclo chocou, de imediato, de frente com a lateral esquerda do veículo seguro JJ .

6 - À data da ocorrência do acidente de viação dos autos, a condutora do veículo JJ, BB, era trabalhadora da sociedade comercial V..., Lda. a sociedade proprietária do veículo, e conduzia-o, por conta, em nome e no interesse da referida entidade patronal.

7 - Na data e hora do sinistro dos autos, os semáforos encontravam-se intermitentes (ou seja, apresentavam luzes amarelas, ascendendo alternadamente).

8 - Por força do acidente de viação dos autos, a autora fracturou de forma
longitudinal o sacro e ramos ílio e ísquiopúblicos à esquerda; a bacia, o rádio esquerdo; o nariz; os maxilares e os dentes e o punho esquerdo e sofreu lesão do corpo perineal que afectou vários músculos do assoalho pélvico e que necessitou de anosplatia/reconstrução do esfíncter anal.
9 - Em virtude das lesões aludidas em 8), a autora foi de imediato transportada para os HUC, onde esteve internada, sob cuidado e vigilância clínica, até 03 de Julho de 2014.
10 - Face ás lesões e às lacerações que apresentava, após dar entrada nos HUC, a autora foi, de imediato, com urgência, levada para o bloco operatório, onde foi submetida a uma cirurgia geral, a uma cirurgia máxilo-facial e a uma cirurgia para redução da bacia com recurso a fixador externo.
11 - Após a realização das cirurgias aludidas em 10) e durante o período de internamento nos HUC, a autora foi submetida a cirurgia à fractura do pulso esquerdo, com a fixação interna de uma placa volar anatómica LCP.
12 - Durante o período de internamento nos HUC, e devido à lesão do períneo, os médicos tiveram que exteriorizar o intestino grosso da autora, através da sua parede abdominal, por forma a eliminar os gases e fezes através de saco de ostomia.
13 Por força do acidente de viação, a autor passou a sofrer de stress pós traumático, o que levou a que viesse a ser-lhe diagnosticada uma perturbação anglo -depressiva major, caracterizado por humor deprimido, anedonia, isolamento social e labilidade emocional e pensamento ruminativo centrado nas perdas, e necessitasse e necessite de acompanhamento psiquiátrico.
14 - Fruto de todas as dificuldades sentidas, nomeadamente, não consegue cuidar da sua filha menor sozinha, em consequência das lesões/sequelas resultantes do acidente de viação, a autora deixou de ter vontade de viver.
15 À data do acidente de viação, a autora vivia com a sua filha menor, e agora, precisa da mãe, que é uma pessoa de idade avançada, para a ajudar.
16 - Por força das lesões/sequelas que apresenta a nível ginecológico, decorrentes do acidente de viação, a autora não consegue relacionar-se sexualmente com ninguém, desde a data do acidente de viação.

17 - À data do acidente de viação, a autora era uma mulher saudável e vigorosa, com dois empregos, a saber: assistente operacional do Instituto Português de ..., onde auferiu no ano de 2013, a retribuição líquida anual de €6.425,59, acrescida do subsídio anual de alimentação de €1.033, 34, e vigilante, na sociedade ..., Lda., onde auferiu no ano de 2013, a retribuição liquida anual de €412,10.
18 - Fruto das lesões/sequelas resultantes do acidente de viação, a Autora não pode permanecer de mais do que duas horas, nem sentada por igual período de tempo.
19 - Não pode efectuar caminhas longas.
20 - Não pode levantar pesos superiores a 4 kilos.
21- Não pode, devendo evitar, por orientação clinica prestada à autora, flectir os joelhos e subir e/ou descer escadas.
22 - No período de internamento nos HUC a autora foi submetida a outras cirurgias e terá que ser submetida a outra cirurgia destinada à extracção do material de osteossíntese.
23 - Após a alta do CHUC, a autora regressou a casa, onde esteve três meses acamada, necessitando da ajuda e auxilio de terceira pessoa, a saber, a sua mãe, para se deitar e levantar do leito.
24 - Posteriormente, a este período de convalescença no leito, a autora passou a levantar-se e a locomover-se em cadeira de rodas, durante um mês e meio.
25 - Após o período aludido em 24), a autora começou a deslocar-se com a ajuda de canadianas e a fazer fisioterapia durante o período de um ano.
26 - A partir da consolidação médico-legal das lesões sofridas fixável em 09/02/2017, em resultado do acidente de viação, a autora possui uma marcha claudicante (resposta explicativa ao art. 66º da petição inicial).
27 - As lesões decorrentes do acidente até à data da sua consolidação médico-legal fixável em 09/02/2017, demandaram à autora um défice funcional temporário total fixável em 210 dias, a que acresce um período de 07 dias e um défice funcional temporário parcial fixável em 822 dias, a que acresce um período de 30 dias, com repercussão temporária na actividade profissional total fixável em 1032 dias, a que acresce um período de 30 dias, e após a data da consolidação médico-legal das lesões, as sequelas graves e irreversíveis que lhe advieram, em resultado do acidente de viação, afectaram-na de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 53 pontos, sendo de admitir a existência de dano futuro, e em termos de repercussão permanente na actividade profissional é impeditiva do exercício da sua actividade profissional habitual, mas é compatível com outras actividades profissionais da sua área de preparação técnico-profissional, com esforços acrescidos.
28 - Durante o período de danos temporários entre a data do acidente de viação e a data da consolidação médico legal das lesões fixável em 09/02/2017, a autora sofreu dores físicas e sofrimento psíquico intensos, tendo em conta tratar-se de um politraumatizado grave, com longo período de internamento, incluindo nos cuidados intensivos, as múltiplas intervenções cirúrgicas a que foi submetida, as complicações surgidas, nomeadamente, a coaguplatia de consumo com choque hipovolémico que levou à necessidade de transfusão e colocação em ventilação mecânica assistida, a necessidade de permanecer com uma colostomia provisória, seguida de longos tratamentos de recuperação funcional que obrigaram a dependência de terceiros, aliada ao sofrimento vivenciado não pelo quadro lesional e seus tratamentos, mas agravado pela impossibilidade de cuidar da filha, o que corresponde a um quantum doloris sofrido pela autora fixável no grau 7 numa escala de gravidade crescente de 0 a 7.
29 À data do acidente de viação, a autora dedicava os seus tempos livres a praticar a arte marcial ..., no Centro Cultural e Recreativo de ... que contribuía para aliviar o stress do dia e dia, e representava para ela um amplo e manifesto espaço de realização e gratificação pessoal, sendo que, por força sequelas permanentes e graves que lhe advieram, está impossibilitada de praticar essa arte marcial, e cuja repercussão permanente das sequelas nas actividades desportivas e de lazer a que se dedicava à autora é fixável no grau 5 numa escala de gravidade crescente de 0 a 7.
30 - As sequelas que a autora apresenta a nível ginecológico, a saber: sequela anatómicas pélvicas impedindo o parto por via baixa, não dificultam a penetração como são causa de dor, não permitindo à mesma experienciar uma sexualidade satisfatória, e cuja repercussão permanente na actividade sexual da autora é fixável no grau 6 numa escala de gravidade crescente de 0 a 7.
31 - Em consequência do acidente de viação, a autora apresenta ainda, a seguinte sequela permanente e grave:
Face: cicatriz da cor da pele, estendendo-se da região supraciliar esquerda à face dorsal do nariz, em forma de V, de vértice inferior medindo o ramo maior 3cm de comprimento e o menor 2 cm de comprimento, pouco perceptível; vestígio cicatricial junto da linha média do lábio superior, curvilínea de concavidade superior, pouco aparente, discretamente nacarada, medindo 1,5cm de comprimento depois de retificada;
Abdómen: cicatriz nacarada de características cirúgicas, mediana paraunbilical
esquerda, medindo 14 cm de comprimento por um centímetro de largura; cicatriz acastanhada de características cirúrgicas, discretamente irregular, obliqua infero-medialmente, na fossa ilíaca esquerda, medindo 5cm x1,2 cm (em provável correspondência  com  o saco   de  colostoma);      duas     cicatrizes  nacaradas     de características cirúrgicas de cada lado das regiões correspondentes às cristas ilíacas ântero-superiores à esquerda, medindo 3 cm de comprimento cada e à direita, medindo 1,5 cm cada (em provável relação com aplicação dos fixadores externos da bacia.
   Períneo: cicatriz de características cirúrgicas na raiz da coxa esquerda ligeiramente deprimida, medindo 1cm de comprimento; cicatriz no freio dos pequenos lábios, medindo 1,5 cm de diâmetro, ligeiramente aderente aos planos profundos, condicionado a sensação de picada ao toque.
Membro superior esquerdo: cicatriz nacarada de características cirúrgicas, em ziguezague, no terço distal da face anterior do antebraço, medindo 10 cm em toda a sua extenção, cujas sequelas/cicatrizes levam a que a autora tenha complexos com o seu corpo e cuja beleza estética ficou desde o acidente inevitavelmente comprometida, o que corresponde a um dano estético permanente sofrido pela autora fixável no grau 5 numa escala de gravidade crescente de 0 a 7(resposta explicativa aos arts. 95º a 104º da petição inicial e parte do art. 25º do requerimento de ampliação do pedido de fls. 265 e ss. apresentado pela Autora).
32 Por força dos danos materiais sofridos pelo motociclo, decorrentes do acidente de viação, o motociclo esteve impossibilitado de circular até à data da sua reparação durante um período temporal que não se logrou apurar, e cujo aluguer diário de um veículo da mesma marca e modelo do veículo da autora não se logrou apurar.
33 - A autora, em 28/04/2015, instaurou contra a a providência cautelar de arbitramento de reparação provisória n.º 3647/15.... que correu, por apenso, aos presentes autos principais.
34 - Por acordo junto aos autos aludidos em 33), em 13/05/2015, a aceitou pagar à autora, por conta da indemnização devida a final, a quantia de 10.000,00, conforme decorre do doc. nº1 junto com a contestação, e cujo acordo, foi homologado, por sentença judicial proferida em 14/05/2015, conforme decorre do teor de fls. 28 a 34 dos autos apensos do procedimento cautelar aludido em 33).
35 - Por carta datada de 25 de Maio de 2015, a autora enviou à o cheque n.º ...32, sacado s/ BBVA, no valor de 10 000,00, para liquidação do acordo efectuado, conforme decorre do doc. nº3 junto com a contestação.
36 - A autora recebeu o cheque e assinou o competente recibo de quitação, que enviou à por carta datada de 29 de maio de 2015, conforme decorre do doc. 4 junto com a contestação.
37 À data do sinistro, encontrava-se transferida válida e eficazmente para a a responsabilidade civil, por danos provocados a terceiros, emergente da circulação rodoviária do referido ..-JJ-.. através do contrato de seguro automóvel obrigatório     titulado pela apólice nº ...57, conforme doc. 5 junto com a contestação.
38 -No local do acidente, é permitida a circulação de trânsito em ambos os sentidos de marcha, divididos por separador central constituído por lancil.
39 - A EN ...11 (Rua ...) forma um cruzamento em que, atento o sentido F... - C... ., é entroncada, à direita, pela Rua dos ..., e, à esquerda, pela Rua M....
40 - Na zona do cruzamento, a EN ...11, que até essa zona é composta apenas por duas hemi-faixas de rodagem, passa a ter uma via central para que, quem provenha de qualquer um dos sentidos, possa efetuar, com segurança, a manobra de mudança de direção à esquerda.
41- A estrada em que ocorreu o acidente descreve uma recta com mais de 500 metros para ambos os lados do cruzamento.
42 - O sinistro deu-se dentro da localidade de M... e entre as placas indicativas de início de localidade, existentes em cada um dos sentidos - sinais N1a do Regulamento de Sinalização de Trânsito (RST).
43 Trata-se de uma estrada marginada, de ambos os lados, por edifícios de diversa índole, nomeadamente, comerciais e de habitação .
44 -Atento o sentido F... - C... ., encontram-se colocados, cerca de 700 metros antes do cruzamento, em ambas as bermas, duas placas de trânsito indicativas da proibição de exceder a velocidade máxima de 50 km/h sinais C13 do RST.
45 - Encontra-se colocado, entre as referidas placas e o cruzamento, o sinal A22, indicativo de aproximação de sinalização luminosa, acompanhado da inscrição "velocidade controlada", e de dois semáforos a funcionar com a luz amarela intermitente.
46 -O conjunto da sinalização referida no artigo anterior está colocada quer no lado direito da via quer por cima da faixa de rodagem (art. 19º da contestação).
47 -A sinalização semafórica do cruzamento, cuja existência é previamente avisada pela sinalização abordada em 45) e 46), encontrava-se a funcionar, no momento do sinistro, apenas com os amarelos intermitentes.
48 - Na Rua dos ..., junto à intersecção com a EN ...11, encontrava-se colocado, à data do sinistro, o sinal vertical B2 do RST, indicativo de paragem obrigatória em cruzamentos ou entroncamentos, vulgarmente conhecido como sinal de "STOP".
49 -A Rua dos ..., junto ao sinal STOP aludido em 48) colocado a menos de um metro da intersecção com a EN ...11, é ladeado por casas de ambos os lados, que retiram completamente a visibilidade da EN...11.
50 - A faixa de rodagem da EN ...11 tem a largura total de 12,60 mts, estimando-se que a via da direita, destinada ao sentido F... - C... ., tenha cerca de 4 metros de largura.
51 - O piso, em alcatrão, encontrava-se em bom estado de conservação.
52 - Fazia bom tempo (seco).
53 - No circunstancialismo de tempo e lugar aludidos atrás, o JJ circulava pela Rua dos ..., em direção ao centro de M..., para o que necessitava de atravessar a EN ...11 e ao chegar ao chegar ao cruzamento, parou no sinal de STOP colocado a menos de um metro da interceção com a EN...11, ladeado por edifícios diversos de ambos os lados, que lhe retiravam completamente a visibilidade da EN...11, e olhou para a frente, onde visualizou um veículo provindo da Rua M..., que também pretendia penetrar no cruzamento.
54 - Aquando da eclosão do sinistro, a autora dirigia-se para o local de trabalho sito no Instituto Português de ..., EPE, em ....
55 - Por contrato de seguro titulado pela Apólice nº ...02 o “Instituto Português de ..., ... EPE transferiu para a Interveniente a responsabilidade civil emergente de acidentes de trabalho ocorridos com os seus trabalhadores, conforme folhas de férias, na qual estava incluída a Autora, conforme decorre do teor dos docs. nºs 1 e 2 juntos com o articulado autónomo.
56 - Em consequência do referido acidente, simultaneamente de viação e de trabalho para a Autora, a Interveniente assumiu as suas obrigações decorrentes do referido contrato de seguro e tem vindo a pagar as indemnizações que lhe compete, por força desse contrato de seguro de acidente de trabalho, nomeadamente, está a pagar despesas médicas e medicamentosas e os transportes para os tratamentos da Autora, consequentes do acidente.
57 - No decurso do processo de acidente de trabalho os serviços clínicos da deram alta à Autora no dia 9/2/2017, conforme decorre do teor do doc. nº3 junto com o articulado autónomo.
58 - Foram pagos à Autora de ITA de 100% entre o dia 16/04/2014 e o dia 22/12/2016, a quantia de €16.112,39 correspondente a 982 dias; de ITP de 50% entre 23/12/2016 e 18/1/2017, a quantia de €221,50 (27 dias) e de ITP de 40% entre o dia 19/1/2017 e 9/2/2017 144, a quantia de €39 (22 dias).
59 - Os serviços clínicos da Interveniente consideraram que a Autora ficou, após a consolidação das lesões e das sequelas delas resultantes, com uma IPP de €24,760.
60 - A Autora necessitará de assistência futura e provavelmente vitalícia, conforme as necessidades e tratamentos que vieram a ser prescritos.
61 - A Interveniente fez uma estimativa dos custos totais com este acidente de €172.532,59, conforme decorre do teor do doc. 4 junto com o articulado autónomo.
62 - Até ao dia 4/10/2017 a Interveniente pagou de indemnizações por incapacidade temporárias, com despesas médicas e medicamentosas, e com transportes a quantia de €80.870,00, conforme decorre do teor do doc. 5 junto com o articulado autónomo.
63 - A Interveniente Principal “Zurich”, entre 29/10/2017 e 15/03/2021 custeou despesas médicas com a Autora, no montante de €9.433, 23; em transportes da Autora para tratamentos pagou a quantia de €229,83, e em despesas judiciais suportou a quantia de €1.060,80.
64 - A Interveniente Principal “Zurich”, entre 15/03/2021 e 15/09/2021, custeou
despesas médicas com a Autora, no montante de €2.223, 78; em transportes da Autora para tratamentos pagou a quantia de €41.61.
65 - Autora nasceu em .../.../1978.
66 - Por força das sequelas resultantes do acidente de viação, terá necessidade permanente de ajudas medicamentosas, a saber: analgésicos, psicofármacos e Betmida; e terá necessidade permanente de tratamentos médicos regulares, a saber: tratamentos de fisioterapia e acompanhamento médico-psiquiátrico.
67- A Interveniente Principal “Zurich”, entre 15/09/2021 e 31/05/2022, custeou despesas médicas com a Autora, no montante de €2.465,12, e em transportes da Autora para tratamentos pagou a quantia de €69.35.
68 - Na pendência da causa principal, a autora instaurou, igualmente, o procedimento cautelar de arbitramento provisório de indemnização aludido em 33) o procedimentos cautelar de arbitramento provisório de indemnização nºs 2833/17.0 - B contra a “Caravela”, e onde, por acordo junto a fls. 39 vº, a 28/06/2019, dos ditos autos apensos B, a aceitou pagar à autora, por conta da indemnização devida a final, a quantia de 10 000,00, e cujo acordo, foi homologado, por sentença judicial proferida a fls. 42, dos ditos autos apensos B, transitada em julgado”.


Fundamentação de direito.

Vejamos em primeiro lugar se a revista não deve ser admitida na parte relativa à indemnização por dano patrimonial futuro por se verificar uma situação de dupla conforme.

Diz o nº3 do art. 671º do CPCivil, que “sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte.”

O AUJ nº7/2022, de 20.09.2022, concretiza o critério do art. 671º/3, nos seguintes termos:

“Em acção de responsabilidade civil fundada em facto ilícito, a conformidade decisória que caracteriza a dupla conforme impeditiva da admissibilidade da revista, nos termos do art. 671º, nº3, do CPCivil, avaliada em função do benefício que o apelante retirou do acórdão da Relação, é apreciada, separadamente, para cada segmento decisório autónomo e cindível em que a pretensão indemnizatória global se encontra decomposta.”

No caso sub judice, a Autora demandou a Ré pedindo a condenação desta a ressarci-la pelos danos de natureza patrimonial (nestes se incluindo danos emergentes e lucros cessantes), e não patrimoniais que para si advieram do acidente de viação.

A sentença, na parcial procedência da acção, condenou a Ré a pagar à Autora, a título de danos patrimoniais:

i) A quantia líquida de €150,000,00, acrescida de juros moratórios à taxa legal vigente, actualmente de 4%, vencidos e vincendos, desde a citação até integral e efectivo pagamento.

iii) Relegar para liquidação ulterior de sentença, a indemnização a arbitrar à autora, a título de dano patrimonial futuro, relacionável com o previsível agravamento do défice funcional permanente da integridade fisico-psiquíco de 53 pontos;

iv) Relegar para liquidação ulterior de sentença, a indemnização a arbitrar à autora, a título de dano futuro prevísivel, relacionável com necessidade permanente de ajudas medicamentosas, a saber: analgésicos, psicofármacos e Betmida; e com a necessidade permanente de tratamentos médicos regulares, a saber: tratamentosde fisioterapia e acompanhamento médico-psiquiátrico.

No recurso de apelação que interpôs, a Autora insurgiu-se contra a indemnização de €150.000,00 pelo dano patrimonial futuro/dano biológico na vertente de dano patrimonial, pugnando pela subida da indemnização neste particular para €250.00,00.

Pretensão esta que não foi acolhida no acórdão recorrido que ponderou para tanto:

“ (…)  também agora, contrariamente ao defendido pela recorrente, obviamente que o benefício pelo recebimento imediato do capital continua a ser manifesto, podendo, a título de exemplo, o capital ou parte dele ser hodiernamente rentabilizado v.g. através de certificados de dívida pública, remunerados com taxa de juro bruta fixada em 3,088% em janeiro de 2023.

E, na verdade, tomando-se em consideração:

- a idade da A. à data do acidente: prestes a completar os 36 anos,
- o grau de incapacidade: 53 pontos,

- a profissão desempenhada: assistente operacional/segurança privada,

- os rendimentos auferidos: cerca de € 7871,03 por ano;
- o aludido benefício decorrente da antecipação da totalidade do capital e
- a inexistência de demonstração em como a lesão tenha implicado uma efetiva redução dos rendimentos do trabalho (fator com elevado peso)
a quantia arbitrada de 150.000 apresenta-se, de acordo com um correto juízo de equidade como adequada para a ressarcir o dano sob apreciação, (sem olvidar que foi relegado para liquidação de sentença a indemnização pelo dano patrimonial futuro, relacionável com o previsível agravamento do défice funcional permanente).

Improcede, como tal, o recurso interposto pela A.”

Verifica-se uma conformidade decisória nas instâncias quanto à indemnização pelo dano patrimonial futuro, sendo este um segmento decisório autónomo e cindível das demais pretensões indemnizatórias,  sem que a Relação, para atingir o mesmo resultado da decisão da 1ª instância, se tenha baseado numa fundamentação essencialmente diferente.

A existência de dupla conforme relativamente à indemnização por dano patrimonial futuro, na vertente de dano biológico, elimina, nesta parte, a interposição do recurso de revista, nos termos da jurisprudência uniformizada pelo AUJ nº 7/2022.

Procede, assim, a questão prévia suscitada pela Recorrida.

Estando já definitivamente decidida a questão da culpa no acidente e a responsabilidade civil da Ré, emerge das conclusões do recurso que a única questão a decidir prende-se com o valor da indemnização a título de danos não patrimoniais.

É hoje indiscutível a ressarcibilidade deste tipo de danos.

Nas palavras de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 9ª edição, pag. 549, “…os danos não patrimoniais, embora insusceptíveis de uma verdadeira e própria reparação, porque inavaliáveis pecuniariamente, podem ser, em todo o caso, de algum modo compensados. E mais vale proporcionar à vítima essa satisfação do que deixá-la sem qualquer amparo.”

De acordo com o princípio fixado no art. 496º do CCivil, serão indemnizáveis todos os danos de natureza não patrimonial que, em atenção à sua gravidade, mereçam a tutela do direito.

A referência, como se sabe, é o art. 494º do CCivil, por remissão do nº3 do art. 496º.

A doutrina e a jurisprudência têm teorizado sobre os modos de expressão do dano não patrimonial, nele distinguindo como mais significativos e importantes, o chamado “quantum doloris”, que sintetiza as dores físicas e morais sofridos no período de doença e de incapacidade temporária, o “dano estético” que simboliza o prejuízo anátomo-funcional associado às deformidades e aleijões que resistiram ao processo de tratamento e recuperação da vítima, “o prejuízo de afirmação social”, dano indiferenciado, que respeita á inserção social do lesado, nas suas variadíssimas vertentes (familiar, profissional, sexual, afectiva, recreativa, cultural, cívica), o “prejuízo da saúde geral e da longevidade” (aqui avultando o dano da dor e o défice de bem estar), que valoriza os danos irreversíveis na saúde e bem estar da vítima e corte na expectativa de vida, o “pretium juventutis” que realça da especificidade da frustração do viver em pleno a primavera da vida.

No caso em análise, aqueles componentes do dano não patrimonial expressam-se em dose elevada.

O “quantum doloris” é elevadíssimo, tendo sido fixado no grau máximo: 7 numa escala de 0 a 7, evidenciado pela gravidade das lesões, as intervenções cirúrgicas, as dores intensas, como bem revelam os pontos 8, 9, 10, 11, 12, 22 e 28 da matéria de facto.

Igualmente elevado é o prejuízo de afirmação pessoal: a Autora à data do acidente era uma mulher jovem, que praticava nos tempos livres uma arte marcial, que ficou impossibilitada de praticar, deixou de poder ter uma vida sexual satisfatória, como evidencia o ponto 30 da matéria da facto, danos que foram avaliados, respetivamente, nos graus 5 e 6 numa escala de 0 a 7 (pontos 29 e 30 da matéria de facto).

Grave também o dano estético, fixado no grau 5 numa escala de gravidade crescente de 0 a 7 (desenvolvidamente o ponto 31).

A isto acrescem as graves limitações que a Autora apresenta, como consequência das lesões sofridas no acidente: impossibilidade de estar muito tempo em pé, nem muito tempo sentada, impossibilidade de levantar pesos superiores a 4 kg, de subir ou de descer escadas, necessidade permanente de tratamentos médicos regulares, a saber: tratamentos de fisioterapia e acompanhamento médico-psiquiátrico, o que se traduz numa acentuada redução da qualidade de vida.

Estamos perante danos não patrimoniais de indiscutível gravidade que o quantum indemnizatório não pode deixar de revelar.

A sentença de 1ª instância fixou a indemnização no valor actualizado de €200.000, acrescida de juros de mora, a contar da data da prolação da sentença.
A Relação baixou aquele valor para €150.000,00.
A Recorrente pugna para que seja repristinado o quantum indemnizatório fixado na sentença.
Que dizer?

A indemnização por danos não patrimoniais é fixada com base na equidade. (art. 494º/3 do CCivil).

Trata-se, por um conseguinte, de um juízo prudencial e casuístico, tanto quanto possível objectivo, não podendo descurar-se as indemnizações que vêm sendo atribuídas pelo STJ em casos paralelos, a fim de se “obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito” (art. 8º, nº3 do Cód. Civil).

Como se escreveu no Acórdão do STJ de 12.11.2020. P. 317/12, relatado pelo Conselheiro Nuno Pinto Oliveira, que também subscreve o presente, “independentemente de estarem em causa danos patrimoniais ou não patrimoniais, o Supremo Tribunal de Justiça tem entendido que o controlo, em sede de recurso de revista da fixação equitativa da indemnização deve concentrar-se em quatro coisas: Em primeiro lugar deve averiguar-se se estavam preenchidos os pressupostos normativos do recurso à equidade. Em segundo lugar, se foram consideradas as categorias ou os tipos de danos cuja relevância é admitida e reconhecida. Em terceiro lugar, se, na avaliação dos danos correspondentes de cada categoria ou cada tipo, foram considerados os critérios que, de acordo com a legislação e a jurisprudência, deveriam ser considerados (…). Em quarto lugar, se, na avaliação dos danos correspondentes a cada categoria ou a cada tipo, foram respeitados os limites que, de acordo com a legislação e a jurisprudência, deveriam ser respeitados. Está em causa fazer com que o juízo equitativo se conforme com os princípios da igualdade e da proporcionalidade – e que conformando-se com os princípios da igualdade e da proporcionalidade, conduza a uma decisão razoável.”

Crê-se que a decisão do acórdão recorrido respeitou todos os critérios enunciados, designadamente é consentânea com padrões utilizados noutras decisões recentes do Supremo Tribunal de Justiça  (cf., vg, os acórdãos de 19.09.2019 (P. 2706/17), de  21.01.2021, (P. 6705/14), 08.09.2021 (P. 26422/18) e de 08.11.2022 (P. 2133/16)).

Neste contexto, afigura-se-nos equilibrado e adequado às circunstâncias do caso concreto o quantum indemnizatório de €150.000,00 fixado pelo acórdão recorrido, que assim se confirma.
O que conduz ao inevitável naufrágio do recurso.


Decisão.

Pelo exposto, decide-se:
- Não tomar conhecimento da revista na parte relativa à indemnização pelo dano patrimonial futuro/dano biológico na vertente patrimonial;
- Negar a revista no mais.
Custas pela Recorrente.

Lisboa, 20.06.2023


Ferreira Lopes (relator)

Maria de Fátima Gomes

Nuno Pinto Oliveira