Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
AA, instaurou a presente ação declarativa, de condenação, contra Caravela, Companhia de Seguros SA, pedindo:
“a) Ser declarado que foi a condutora da viatura JJ quem causou única e exclusivamente o acidente sofrido pela Autora;
b) Ser a Ré condenada a pagar à Autora a quantia de €174.596,04, a título de indemnização pelo Défice Funcional Permanente sofrido pela Autora;
c) Ser a Ré condenada a pagar à Autora uma quantia não inferior a €50.000,00, a título de dano de afirmação pessoal;
d) Ser a Ré condenada a pagar à Autora uma quantia não inferior a €35.000,00, a título de prejuízo sexual;
e) Ser a Ré condenada a pagar à Autora uma quantia não inferior a €50.000,00, a título de dano biológico;
f) Ser a Ré condenada a pagar à Autora uma quantia não inferior a €5.250,00, a título de prejuízos sofridos pela privação do uso do motociclo,
g) Numa quantia global de €349.846,04, a que deverão acrescer os competentes juros de mora devidos, desde a citação até efectivo e integral pagamento”.
Alegou para o efeito, em síntese, a ocorrência de um acidente de viação em que intervieram o motociclo com a matrícula ..-NJ-.. (tripulado pela A.) e o ligeiro de mercadorias com a matrícula ..-JJ-.., seguro na Ré, que se produziu em virtude de a condutora deste não ter respeitado as regras que lhe impunham a paragem do veículo junto ao ponto de intersecção das vias, tendo ido invadir a mão de trânsito do veículo conduzido pela A. quando esta se aproximava do cruzamento, cortando a sua marcha, e bem assim a ocorrência causal dos danos que especificou.
A Ré contestou, impugnando a versão do acidente dada pela Autora, para cuja produção contribuíram ambas as condutoras. Para além disso, impugnou genericamente os danos alegados, dizendo ainda que, de todo o modo, a haver condenação, deve ser deduzido o montante que já pagou no procedimento cautelar de arbitramento de reparação provisória que correu termos sob o n.º 3674/15.... (apenso A).
Pelo requerimento de fls. 265, a Autora ampliou o pedido.
Realizado julgamento foi proferida sentença que na parcial procedência da acção, decidiu:
i) Condenar a Ré Caravela, Companhia de Seguros, SA a pagar à Autora AA, a quantia liquida de €150,000,00, a título de danos patrimoniais, acrescida de juros moratórios à taxa legal vigente, actualmente de 4%, vencidos e vincendos, desde a citação até integral e efectivo pagamento.
ii) Condenar a Ré Caravela, Companhia de Seguros, SA a pagar à Autora AA a quantia actualizada de €200.000, a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à mesma taxa aludida atrás, vencidos a contar da data da prolação da sentença até integral e efectivo pagamento.
iii) Relegar para liquidação ulterior de sentença, a indemnização a arbitrar à autora, a título de dano patrimonial futuro, relacionável com o previsivel agravamento do défice funcional permanente da integridade fisico-psiquíco de 53 pontos;
iv) Relegar para liquidação ulterior de sentença, a indemnização a arbitrar à autora, a título de dano futuro prevísivel, relacionável com necessidade permanente de ajudas medicamentosas, a saber: analgésicos, psicofármacos e Betmida; e com a necessidade permanente de tratamentos médicos regulares, a saber: tratamentosde fisioterapia e acompanhamento médico-psiquiátrico.
v) (À)s quantias indemnizatórias arbitradas em 1) e 2) deduz-se o valor indemnizatório provisório de €20.000,00 já pago pela Ré Caravela, Companhia de Seguros, SA à Autora AA, no âmbito dos apensos A e B dos procedimentos cautelares de arbitramento de reparação provisória”.
Da sentença apelaram ambas partes, fazendo-o a Ré a título subordinado.
A Relação de Coimbra, por acórdão de 24.01.2023, decidiu:
a) julgar improcedente o recurso interposto pela A;
b) julgar parcialmente procedente o recurso interposto pela Ré Caravela - Companhia de Seguros, SA e, consequentemente, revogar a decisão recorrida na parte constante de ii) do dispositivo, indo a mesma condenada a pagar à Autora a quantia de €150.000,00, a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, contados desde 20.06.2022, até efetivo e integral pagamento.
Inconformada com o assim decidido, a Autora interpôs recurso de revista, tendo formulado as seguintes conclusões:
A) O objeto do presente recurso reside na problemática associada ao quantum indemnizatório fixado pelo tribunal a quo no que aos danos de caráter patrimonial e não patrimonial sofridos pela recorrente se refere em decorrência do sinistro de que foi vítima e objeto de apreciação nos presentes autos, fundamentando-se ao abrigo do disposto na al. a) do n.º 1 do art. 674.º do Cód. do Proc. Civil, pois neste aspeto, andou mal, na ótica da recorrente, o Tribunal a quo.
B) É certo que foi relegado para liquidação de sentença a indemnização pelo dano patrimonial futuro relacionável com o previsível agravamento do défice funcional permanente, todavia, a extensão, gravidade e particularidade dos danos que por ora se constatam, salvo melhor opinião, reclama que a indemnização por danos de carácter patrimonial se fixe em valor jamais inferior a € 250.000,00 tal como já foi defendido pela recorrente anteriormente. Isto, porque,
C) Por um lado, é praticamente certo que, fruto das sequelas que a recorrente ostenta, sem prejuízo da séria e previsível probabilidade do seu agravamento, esta não disponha de condições para voltar a exercer qualquer profissão, nem na sua área profissional, nem em outra, já que as limitações pessoais são incompatíveis com profissões para as quais a recorrente dispõe de competências.
D) Por outro, o benefício do recebimento imediato, salvo melhor opinião, não é uma realidade absoluta, pois se existe – ainda que temporariamente – possibilidade de rentabilizar capital, as taxas de rentabilização de capital são muito inferiores às taxas de inflação, e as primeiras serão reduzidas quanto a inflação baixar.
E) É neste sentido que, sem prejuízo de entendermos o raciocínio adotado pelo tribunal a quo, divergimos do mesmo, posto que existe, notoriamente, privação da capacidade de ganho da recorrente e o beneficio que se poderá invocar decorrente do recebimento imediato da quantia a este título fixada é mitigado, pois neste aspeto entendemos que o valor da indemnização tem que ser superior para, efetivamente, permitir à recorrente rentabilizar a mesma, no sentido do valor, não sofrer uma desvalorização que a torne, mais tarde, insuficiente para fazer face aos danos da vida da recorrente.
F) Pugna-se, assim, pelas aventadas razões, porque se trata de valor razoável, proporcional e adequado às concretas condições sequelares da recorrente, pela fixação da indemnização por danos de caráter patrimonial no valor de € 250,000,00 (duzentos e cinquenta mil euros), devendo, assim, alterar-se a decisão recorrida.
G) Na fixação da indemnização por danos não patrimoniais, não fornecendo a lei critérios normativos concretos que fixem o seu montante indemnizatório e dada a consabida dificuldade em o fazer, o legislador fez, por isso, assentar a sua quantificação através do recurso à equidade (cfr. artºs. 496º, nº. 4, e 494º, 566º, nº. 3, e 4º), constituindo, porém, entendimento prevalecente, que se deverá atender para o efeito, nomeadamente, ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e à do lesado, devendo ser proporcional à gravidade do dano e tomando em conta na sua fixação todas as regras da justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida, e sem perder de vista a peculiaridade de que se reveste o caso concreto.
H) A singularidade de cada caso, impede uma generalização da gravidade de cada situação, sendo que, é a gravidade que, in casu, releva para a fixação dos danos de caráter não patrimonial.
I) Tendo em conta a concreta e particular gravidade dos danos que a recorrente ostenta, e tendo a indemnização a fixar que refletir a concreta gravidade do caso.
J) Cremos que num juízo de equidade de ponderação global das circunstâncias anteriormente elencadas (das quais resulta um quadro que se apresenta acentuadamente grave para a Recorrente, com repercussões negativas, em termos, passados, presentes e futuros , na sua saúde físico/espiritual, nomeadamente ao nível da sua afirmação própria, pessoal, familiar), e de equidade, afigura-se-nos que o valor fixado pela 1ª instância, na quantia de €200.000,00 se revela como ajustado para compensar os danos não patrimoniais sofridos pela Recorrente em consequência do sinistro objecto dos presentes autos.
k) Tendo, neste âmbito, o tribunal a quo interpretado e aplicado erradamente o art. 496º, nº 4, do Cód. Civil.
Contra alegou a Recorrida, defendendo, no essencial:
Não deve ser admitida a revista no que tange à indemnização por dano patrimonial futuro, por se verificar uma situação de dupla conforme;
Assim não se entendendo, deve negar-se provimento à revista, mantendo-se inteiramente a decisão da Relação.
///
Questões a resolver:
- Se deve ser admitida a revista na parte em que Recorrente se insurge contra a indemnização de €150.000,00 a título de dano patrimonial futuro;
- Na afirmativa, se aquele valor deve ser aumentado para €250.000,00;
- Indemnização por danos não patrimoniais.
Fundamentação de facto.
Vem provada a seguinte matéria de facto:
1 - No dia 15 de Abril de 2014, cerca das 15h30min. o motociclo de matrícula .. - NJ - .. conduzido pela autora, circulava na Estrada Nacional ...11 – ... – M... – ..., no sentido F... - C... ..
2 - A Estrada Nacional ...11 é atravessada perpendicularmente por uma outra, a saber: Estrada ..., a qual faz a ligação a M..., que é um itinerário secundário, e apresentada uma reduzida afluência de trânsito, em comparação com a EN...11.
3 - Ao km. Nº21.800 da EN ...11 dá a interceção das duas vias, a saber: Estrada ... com a EN...11.
4 - Existindo na Estrada ..., na interceção com a EN...11, no sentido que a conduz a M..., sinalização luminosa, vulgo, semáforos, e um sinal vertical STOP (B2 – Paragem obrigatória em cruzamentos ou entroncamentos).
5 - Na circunstâncias de tempo e lugar aludidos em 1), 2), 3) e 4), a Autora circulava na faixa mais à direita, quando ao aproximar-se do km 21,800, no ponto da intersecção da EN...11 e da Estrada ..., surgiu-lhe à sua direita na EN...11, vinda da Estrada ..., em direcção a M..., o veículo ligeiro de mercadorias de matrícula ..-JJ-.. conduzido por BB, que no ponto de interceção da Estrada ... e da EN...11, não parou o “JJ” e não olhou para a sua direita e para a sua esquerda da EN...11, a fim de se certificar que podia entrar na EN...11 para seguir a sua marcha para M..., após o que o motociclo chocou, de imediato, de frente com a lateral esquerda do veículo seguro JJ .
6 - À data da ocorrência do acidente de viação dos autos, a condutora do veículo JJ, BB, era trabalhadora da sociedade comercial V..., Lda. a sociedade proprietária do veículo, e conduzia-o, por conta, em nome e no interesse da referida entidade patronal.
7 - Na data e hora do sinistro dos autos, os semáforos encontravam-se intermitentes (ou seja, apresentavam luzes amarelas, ascendendo alternadamente).
8 - Por força do acidente de viação dos autos, a autora fracturou de forma
longitudinal o sacro e ramos ílio e ísquiopúblicos à esquerda; a bacia, o rádio esquerdo; o nariz; os maxilares e os dentes e o punho esquerdo e sofreu lesão do corpo perineal que afectou vários músculos do assoalho pélvico e que necessitou de anosplatia/reconstrução do esfíncter anal.
9 - Em virtude das lesões aludidas em 8), a autora foi de imediato transportada para os HUC, onde esteve internada, sob cuidado e vigilância clínica, até 03 de Julho de 2014.
10 - Face ás lesões e às lacerações que apresentava, após dar entrada nos HUC, a autora foi, de imediato, com urgência, levada para o bloco operatório, onde foi submetida a uma cirurgia geral, a uma cirurgia máxilo-facial e a uma cirurgia para redução da bacia com recurso a fixador externo.
11 - Após a realização das cirurgias aludidas em 10) e durante o período de internamento nos HUC, a autora foi submetida a cirurgia à fractura do pulso esquerdo, com a fixação interna de uma placa volar anatómica LCP.
12 - Durante o período de internamento nos HUC, e devido à lesão do períneo, os médicos tiveram que exteriorizar o intestino grosso da autora, através da sua parede abdominal, por forma a eliminar os gases e fezes através de saco de ostomia.
13 – Por força do acidente de viação, a autor passou a sofrer de stress pós – traumático, o que levou a que viesse a ser-lhe diagnosticada uma perturbação anglo -depressiva major, caracterizado por humor deprimido, anedonia, isolamento social e labilidade emocional e pensamento ruminativo centrado nas perdas, e necessitasse e necessite de acompanhamento psiquiátrico.
14 - Fruto de todas as dificuldades sentidas, nomeadamente, não consegue cuidar da sua filha menor sozinha, em consequência das lesões/sequelas resultantes do acidente de viação, a autora deixou de ter vontade de viver.
15 – À data do acidente de viação, a autora vivia com a sua filha menor, e agora, precisa da mãe, que é uma pessoa de idade avançada, para a ajudar.
16 - Por força das lesões/sequelas que apresenta a nível ginecológico, decorrentes do acidente de viação, a autora não consegue relacionar-se sexualmente com ninguém, desde a data do acidente de viação.
17 - À data do acidente de viação, a autora era uma mulher saudável e vigorosa, com dois empregos, a saber: assistente operacional do Instituto Português de ..., onde auferiu no ano de 2013, a retribuição líquida anual de €6.425,59, acrescida do subsídio anual de alimentação de €1.033, 34, e vigilante, na sociedade ..., Lda., onde auferiu no ano de 2013, a retribuição liquida anual de €412,10.
18 - Fruto das lesões/sequelas resultantes do acidente de viação, a Autora não pode permanecer de pé mais do que duas horas, nem sentada por igual período de tempo.
19 - Não pode efectuar caminhas longas.
20 - Não pode levantar pesos superiores a 4 kilos.
21- Não pode, devendo evitar, por orientação clinica prestada à autora, flectir os joelhos e subir e/ou descer escadas.
22 - No período de internamento nos HUC a autora foi submetida a outras cirurgias e terá que ser submetida a outra cirurgia destinada à extracção do material de osteossíntese.
23 - Após a alta do CHUC, a autora regressou a casa, onde esteve três meses acamada, necessitando da ajuda e auxilio de terceira pessoa, a saber, a sua mãe, para se deitar e levantar do leito.
24 - Posteriormente, a este período de convalescença no leito, a autora passou a levantar-se e a locomover-se em cadeira de rodas, durante um mês e meio.
25 - Após o período aludido em 24), a autora começou a deslocar-se com a ajuda de canadianas e a fazer fisioterapia durante o período de um ano.
26 - A partir da consolidação médico-legal das lesões sofridas fixável em 09/02/2017, em resultado do acidente de viação, a autora possui uma marcha claudicante (resposta explicativa ao art. 66º da petição inicial).
27 - As lesões decorrentes do acidente até à data da sua consolidação médico-legal fixável em 09/02/2017, demandaram à autora um défice funcional temporário total fixável em 210 dias, a que acresce um período de 07 dias e um défice funcional temporário parcial fixável em 822 dias, a que acresce um período de 30 dias, com repercussão temporária na actividade profissional total fixável em 1032 dias, a que acresce um período de 30 dias, e após a data da consolidação médico-legal das lesões, as sequelas graves e irreversíveis que lhe advieram, em resultado do acidente de viação, afectaram-na de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 53 pontos, sendo de admitir a existência de dano futuro, e em termos de repercussão permanente na actividade profissional é impeditiva do exercício da sua actividade profissional habitual, mas é compatível com outras actividades profissionais da sua área de preparação técnico-profissional, com esforços acrescidos.
28 - Durante o período de danos temporários entre a data do acidente de viação e a data da consolidação médico – legal das lesões fixável em 09/02/2017, a autora sofreu dores físicas e sofrimento psíquico intensos, tendo em conta tratar-se de um politraumatizado grave, com longo período de internamento, incluindo nos cuidados intensivos, as múltiplas intervenções cirúrgicas a que foi submetida, as complicações surgidas, nomeadamente, a coaguplatia de consumo com choque hipovolémico que levou à necessidade de transfusão e colocação em ventilação mecânica assistida, a necessidade de permanecer com uma colostomia provisória, seguida de longos tratamentos de recuperação funcional que obrigaram a dependência de terceiros, aliada ao sofrimento vivenciado não só pelo quadro lesional e seus tratamentos, mas agravado pela impossibilidade de cuidar da filha, o que corresponde a um quantum doloris sofrido pela autora fixável no grau 7 numa escala de gravidade crescente de 0 a 7.
29 – À data do acidente de viação, a autora dedicava os seus tempos livres a praticar a arte marcial ..., no Centro Cultural e Recreativo de ... que contribuía para aliviar o stress do dia e dia, e representava para ela um amplo e manifesto espaço de realização e gratificação pessoal, sendo que, por força sequelas permanentes e graves que lhe advieram, está impossibilitada de praticar essa arte marcial, e cuja repercussão permanente das sequelas nas actividades desportivas e de lazer a que se dedicava à autora é fixável no grau 5 numa escala de gravidade crescente de 0 a 7.
30 - As sequelas que a autora apresenta a nível ginecológico, a saber: sequela anatómicas pélvicas impedindo o parto por via baixa, não só dificultam a penetração como são causa de dor, não permitindo à mesma experienciar uma sexualidade satisfatória, e cuja repercussão permanente na actividade sexual da autora é fixável no grau 6 numa escala de gravidade crescente de 0 a 7.
31 - Em consequência do acidente de viação, a autora apresenta ainda, a seguinte sequela permanente e grave:
Face: cicatriz da cor da pele, estendendo-se da região supraciliar esquerda à face dorsal do nariz, em forma de V, de vértice inferior medindo o ramo maior 3cm de comprimento e o menor 2 cm de comprimento, pouco perceptível; vestígio cicatricial junto da linha média do lábio superior, curvilínea de concavidade superior, pouco aparente, discretamente nacarada, medindo 1,5cm de comprimento depois de retificada;
Abdómen: cicatriz nacarada de características cirúgicas, mediana paraunbilical
esquerda, medindo 14 cm de comprimento por um centímetro de largura; cicatriz acastanhada de características cirúrgicas, discretamente irregular, obliqua infero-medialmente, na fossa ilíaca esquerda, medindo 5cm x1,2 cm (em provável correspondência com o saco de colostoma); duas cicatrizes nacaradas de características cirúrgicas de cada lado das regiões correspondentes às cristas ilíacas ântero-superiores à esquerda, medindo 3 cm de comprimento cada e à direita, medindo 1,5 cm cada (em provável relação com aplicação dos fixadores externos da bacia.
Períneo: cicatriz de características cirúrgicas na raiz da coxa esquerda ligeiramente deprimida, medindo 1cm de comprimento; cicatriz no freio dos pequenos lábios, medindo 1,5 cm de diâmetro, ligeiramente aderente aos planos profundos, condicionado a sensação de picada ao toque.
Membro superior esquerdo: cicatriz nacarada de características cirúrgicas, em ziguezague, no terço distal da face anterior do antebraço, medindo 10 cm em toda a sua extenção, cujas sequelas/cicatrizes levam a que a autora tenha complexos com o seu corpo e cuja beleza estética ficou desde o acidente inevitavelmente comprometida, o que corresponde a um dano estético permanente sofrido pela autora fixável no grau 5 numa escala de gravidade crescente de 0 a 7(resposta explicativa aos arts. 95º a 104º da petição inicial e parte do art. 25º do requerimento de ampliação do pedido de fls. 265 e ss. apresentado pela Autora).
32 – Por força dos danos materiais sofridos pelo motociclo, decorrentes do acidente de viação, o motociclo esteve impossibilitado de circular até à data da sua reparação durante um período temporal que não se logrou apurar, e cujo aluguer diário de um veículo da mesma marca e modelo do veículo da autora não se logrou apurar.
33 - A autora, em 28/04/2015, instaurou contra a ré a providência cautelar de arbitramento de reparação provisória n.º 3647/15.... que correu, por apenso, aos presentes autos principais.
34 - Por acordo junto aos autos aludidos em 33), em 13/05/2015, a ré aceitou pagar à autora, por conta da indemnização devida a final, a quantia de € 10.000,00, conforme decorre do doc. nº1 junto com a contestação, e cujo acordo, foi homologado, por sentença judicial proferida em 14/05/2015, conforme decorre do teor de fls. 28 a 34 dos autos apensos do procedimento cautelar aludido em 33).
35 - Por carta datada de 25 de Maio de 2015, a autora enviou à ré o cheque n.º ...32, sacado s/ BBVA, no valor de € 10 000,00, para liquidação do acordo efectuado, conforme decorre do doc. nº3 junto com a contestação.
36 - A autora recebeu o cheque e assinou o competente recibo de quitação, que enviou à ré por carta datada de 29 de maio de 2015, conforme decorre do doc. nº 4 junto com a contestação.
37 – À data do sinistro, encontrava-se transferida válida e eficazmente para a ré a responsabilidade civil, por danos provocados a terceiros, emergente da circulação rodoviária do referido ..-JJ-.. através do contrato de seguro automóvel obrigatório titulado pela apólice nº ...57, conforme doc. nº 5 junto com a contestação.
38 -No local do acidente, é permitida a circulação de trânsito em ambos os sentidos de marcha, divididos por separador central constituído por lancil.
39 - A EN ...11 (Rua ...) forma um cruzamento em que, atento o sentido F... - C... ., é entroncada, à direita, pela Rua dos ..., e, à esquerda, pela Rua M....
40 - Na zona do cruzamento, a EN ...11, que até essa zona é composta apenas por duas hemi-faixas de rodagem, passa a ter uma via central para que, quem provenha de qualquer um dos sentidos, possa efetuar, com segurança, a manobra de mudança de direção à esquerda.
41- A estrada em que ocorreu o acidente descreve uma recta com mais de 500 metros para ambos os lados do cruzamento.
42 - O sinistro deu-se dentro da localidade de M... e entre as placas indicativas de início de localidade, existentes em cada um dos sentidos - sinais N1a do Regulamento de Sinalização de Trânsito (RST).
43 – Trata-se de uma estrada marginada, de ambos os lados, por edifícios de diversa índole, nomeadamente, comerciais e de habitação .
44 -Atento o sentido F... - C... ., encontram-se colocados, cerca de 700 metros antes do cruzamento, em ambas as bermas, duas placas de trânsito indicativas da proibição de exceder a velocidade máxima de 50 km/h – sinais C13 do RST.
45 - Encontra-se colocado, entre as referidas placas e o cruzamento, o sinal A22, indicativo de aproximação de sinalização luminosa, acompanhado da inscrição "velocidade controlada", e de dois semáforos a funcionar com a luz amarela intermitente.
46 -O conjunto da sinalização referida no artigo anterior está colocada quer no lado direito da via quer por cima da faixa de rodagem (art. 19º da contestação).
47 -A sinalização semafórica do cruzamento, cuja existência é previamente avisada pela sinalização abordada em 45) e 46), encontrava-se a funcionar, no momento do sinistro, apenas com os amarelos intermitentes.
48 - Na Rua dos ..., junto à intersecção com a EN ...11, encontrava-se colocado, à data do sinistro, o sinal vertical B2 do RST, indicativo de paragem obrigatória em cruzamentos ou entroncamentos, vulgarmente conhecido como sinal de "STOP".
49 -A Rua dos ..., junto ao sinal STOP aludido em 48) colocado a menos de um metro da intersecção com a EN ...11, é ladeado por casas de ambos os lados, que retiram completamente a visibilidade da EN...11.
50 - A faixa de rodagem da EN ...11 tem a largura total de 12,60 mts, estimando-se que a via da direita, destinada ao sentido F... - C... ., tenha cerca de 4 metros de largura.
51 - O piso, em alcatrão, encontrava-se em bom estado de conservação.
52 - Fazia bom tempo (seco).
53 - No circunstancialismo de tempo e lugar aludidos atrás, o JJ circulava pela Rua dos ..., em direção ao centro de M..., para o que necessitava de atravessar a EN ...11 e ao chegar ao chegar ao cruzamento, parou no sinal de STOP aí colocado a menos de um metro da interceção com a EN...11, ladeado por edifícios diversos de ambos os lados, que lhe retiravam completamente a visibilidade da EN...11, e olhou para a frente, onde visualizou um veículo provindo da Rua M..., que também pretendia penetrar no cruzamento.
54 - Aquando da eclosão do sinistro, a autora dirigia-se para o local de trabalho sito no Instituto Português de ..., EPE, em ....
55 - Por contrato de seguro titulado pela Apólice nº ...02 o “Instituto Português de ..., ... – EPE transferiu para a Interveniente a responsabilidade civil emergente de acidentes de trabalho ocorridos com os seus trabalhadores, conforme folhas de férias, na qual estava incluída a Autora, conforme decorre do teor dos docs. nºs 1 e 2 juntos com o articulado autónomo.
56 - Em consequência do referido acidente, simultaneamente de viação e de trabalho para a Autora, a Interveniente assumiu as suas obrigações decorrentes do referido contrato de seguro e tem vindo a pagar as indemnizações que lhe compete, por força desse contrato de seguro de acidente de trabalho, nomeadamente, está a pagar despesas médicas e medicamentosas e os transportes para os tratamentos da Autora, consequentes do acidente.
57 - No decurso do processo de acidente de trabalho os serviços clínicos da Ré deram alta à Autora no dia 9/2/2017, conforme decorre do teor do doc. nº3 junto com o articulado autónomo.
58 - Foram pagos à Autora de ITA de 100% entre o dia 16/04/2014 e o dia 22/12/2016, a quantia de €16.112,39 correspondente a 982 dias; de ITP de 50% entre 23/12/2016 e 18/1/2017, a quantia de €221,50 (27 dias) e de ITP de 40% entre o dia 19/1/2017 e 9/2/2017 144, a quantia de €39 (22 dias).
59 - Os serviços clínicos da Interveniente consideraram que a Autora ficou, após a consolidação das lesões e das sequelas delas resultantes, com uma IPP de €24,760.
60 - A Autora necessitará de assistência futura e provavelmente vitalícia, conforme as necessidades e tratamentos que vieram a ser prescritos.
61 - A Interveniente fez uma estimativa dos custos totais com este acidente de €172.532,59, conforme decorre do teor do doc. nº 4 junto com o articulado autónomo.
62 - Até ao dia 4/10/2017 a Interveniente já pagou de indemnizações por incapacidade temporárias, com despesas médicas e medicamentosas, e com transportes a quantia de €80.870,00, conforme decorre do teor do doc. nº 5 junto com o articulado autónomo.
63 - A Interveniente Principal “Zurich”, entre 29/10/2017 e 15/03/2021 custeou despesas médicas com a Autora, no montante de €9.433, 23; em transportes da Autora para tratamentos pagou a quantia de €229,83, e em despesas judiciais suportou a quantia de €1.060,80.
64 - A Interveniente Principal “Zurich”, entre 15/03/2021 e 15/09/2021, custeou
despesas médicas com a Autora, no montante de €2.223, 78; em transportes da Autora para tratamentos pagou a quantia de €41.61.
65 - Autora nasceu em .../.../1978.
66 - Por força das sequelas resultantes do acidente de viação, terá necessidade permanente de ajudas medicamentosas, a saber: analgésicos, psicofármacos e Betmida; e terá necessidade permanente de tratamentos médicos regulares, a saber: tratamentos de fisioterapia e acompanhamento médico-psiquiátrico.
67- A Interveniente Principal “Zurich”, entre 15/09/2021 e 31/05/2022, custeou despesas médicas com a Autora, no montante de €2.465,12, e em transportes da Autora para tratamentos pagou a quantia de €69.35.
68 - Na pendência da causa principal, a autora instaurou, igualmente, o procedimento cautelar de arbitramento provisório de indemnização aludido em 33) o procedimentos cautelar de arbitramento provisório de indemnização nºs 2833/17.0 - B contra a Ré “Caravela”, e onde, por acordo junto a fls. 39 vº, a 28/06/2019, dos ditos autos apensos B, a ré aceitou pagar à autora, por conta da indemnização devida a final, a quantia de € 10 000,00, e cujo acordo, foi homologado, por sentença judicial proferida a fls. 42, dos ditos autos apensos – B, já transitada em julgado”.
Fundamentação de direito.
Vejamos em primeiro lugar se a revista não deve ser admitida na parte relativa à indemnização por dano patrimonial futuro por se verificar uma situação de dupla conforme.
Diz o nº3 do art. 671º do CPCivil, que “sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte.”
O AUJ nº7/2022, de 20.09.2022, concretiza o critério do art. 671º/3, nos seguintes termos:
“Em acção de responsabilidade civil fundada em facto ilícito, a conformidade decisória que caracteriza a dupla conforme impeditiva da admissibilidade da revista, nos termos do art. 671º, nº3, do CPCivil, avaliada em função do benefício que o apelante retirou do acórdão da Relação, é apreciada, separadamente, para cada segmento decisório autónomo e cindível em que a pretensão indemnizatória global se encontra decomposta.”
No caso sub judice, a Autora demandou a Ré pedindo a condenação desta a ressarci-la pelos danos de natureza patrimonial (nestes se incluindo danos emergentes e lucros cessantes), e não patrimoniais que para si advieram do acidente de viação.
A sentença, na parcial procedência da acção, condenou a Ré a pagar à Autora, a título de danos patrimoniais:
i) A quantia líquida de €150,000,00, acrescida de juros moratórios à taxa legal vigente, actualmente de 4%, vencidos e vincendos, desde a citação até integral e efectivo pagamento.
iii) Relegar para liquidação ulterior de sentença, a indemnização a arbitrar à autora, a título de dano patrimonial futuro, relacionável com o previsível agravamento do défice funcional permanente da integridade fisico-psiquíco de 53 pontos;
iv) Relegar para liquidação ulterior de sentença, a indemnização a arbitrar à autora, a título de dano futuro prevísivel, relacionável com necessidade permanente de ajudas medicamentosas, a saber: analgésicos, psicofármacos e Betmida; e com a necessidade permanente de tratamentos médicos regulares, a saber: tratamentosde fisioterapia e acompanhamento médico-psiquiátrico.
No recurso de apelação que interpôs, a Autora insurgiu-se contra a indemnização de €150.000,00 pelo dano patrimonial futuro/dano biológico na vertente de dano patrimonial, pugnando pela subida da indemnização neste particular para €250.00,00.
Pretensão esta que não foi acolhida no acórdão recorrido que ponderou para tanto:
“ (…) também agora, contrariamente ao defendido pela recorrente, obviamente que o benefício pelo recebimento imediato do capital continua a ser manifesto, podendo, a título de exemplo, o capital ou parte dele ser hodiernamente rentabilizado v.g. através de certificados de dívida pública, remunerados com taxa de juro bruta fixada em 3,088% em janeiro de 2023.
E, na verdade, tomando-se em consideração:
- a idade da A. à data do acidente: prestes a completar os 36 anos,
- o grau de incapacidade: 53 pontos,
- a profissão desempenhada: assistente operacional/segurança privada,
- os rendimentos auferidos: cerca de € 7871,03 por ano;
- o aludido benefício decorrente da antecipação da totalidade do capital e
- a inexistência de demonstração em como a lesão tenha implicado uma efetiva redução dos rendimentos do trabalho (fator com elevado peso)
a quantia arbitrada de € 150.000 apresenta-se, de acordo com um correto juízo de equidade como adequada para a ressarcir o dano sob apreciação, (sem olvidar que foi relegado para liquidação de sentença a indemnização pelo dano patrimonial futuro, relacionável com o previsível agravamento do défice funcional permanente).
Improcede, como tal, o recurso interposto pela A.”
Verifica-se uma conformidade decisória nas instâncias quanto à indemnização pelo dano patrimonial futuro, sendo este um segmento decisório autónomo e cindível das demais pretensões indemnizatórias, sem que a Relação, para atingir o mesmo resultado da decisão da 1ª instância, se tenha baseado numa fundamentação essencialmente diferente.
A existência de dupla conforme relativamente à indemnização por dano patrimonial futuro, na vertente de dano biológico, elimina, nesta parte, a interposição do recurso de revista, nos termos da jurisprudência uniformizada pelo AUJ nº 7/2022.
Procede, assim, a questão prévia suscitada pela Recorrida.
Estando já definitivamente decidida a questão da culpa no acidente e a responsabilidade civil da Ré, emerge das conclusões do recurso que a única questão a decidir prende-se com o valor da indemnização a título de danos não patrimoniais.
É hoje indiscutível a ressarcibilidade deste tipo de danos.
Nas palavras de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 9ª edição, pag. 549, “…os danos não patrimoniais, embora insusceptíveis de uma verdadeira e própria reparação, porque inavaliáveis pecuniariamente, podem ser, em todo o caso, de algum modo compensados. E mais vale proporcionar à vítima essa satisfação do que deixá-la sem qualquer amparo.”
De acordo com o princípio fixado no art. 496º do CCivil, serão indemnizáveis todos os danos de natureza não patrimonial que, em atenção à sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
A referência, como se sabe, é o art. 494º do CCivil, por remissão do nº3 do art. 496º.
A doutrina e a jurisprudência têm teorizado sobre os modos de expressão do dano não patrimonial, nele distinguindo como mais significativos e importantes, o chamado “quantum doloris”, que sintetiza as dores físicas e morais sofridos no período de doença e de incapacidade temporária, o “dano estético” que simboliza o prejuízo anátomo-funcional associado às deformidades e aleijões que resistiram ao processo de tratamento e recuperação da vítima, “o prejuízo de afirmação social”, dano indiferenciado, que respeita á inserção social do lesado, nas suas variadíssimas vertentes (familiar, profissional, sexual, afectiva, recreativa, cultural, cívica), o “prejuízo da saúde geral e da longevidade” (aqui avultando o dano da dor e o défice de bem estar), que valoriza os danos irreversíveis na saúde e bem estar da vítima e corte na expectativa de vida, o “pretium juventutis” que realça da especificidade da frustração do viver em pleno a primavera da vida.
No caso em análise, aqueles componentes do dano não patrimonial expressam-se em dose elevada.
O “quantum doloris” é elevadíssimo, tendo sido fixado no grau máximo: 7 numa escala de 0 a 7, evidenciado pela gravidade das lesões, as intervenções cirúrgicas, as dores intensas, como bem revelam os pontos 8, 9, 10, 11, 12, 22 e 28 da matéria de facto.
Igualmente elevado é o prejuízo de afirmação pessoal: a Autora à data do acidente era uma mulher jovem, que praticava nos tempos livres uma arte marcial, que ficou impossibilitada de praticar, deixou de poder ter uma vida sexual satisfatória, como evidencia o ponto 30 da matéria da facto, danos que foram avaliados, respetivamente, nos graus 5 e 6 numa escala de 0 a 7 (pontos 29 e 30 da matéria de facto).
Grave também o dano estético, fixado no grau 5 numa escala de gravidade crescente de 0 a 7 (desenvolvidamente o ponto 31).
A isto acrescem as graves limitações que a Autora apresenta, como consequência das lesões sofridas no acidente: impossibilidade de estar muito tempo em pé, nem muito tempo sentada, impossibilidade de levantar pesos superiores a 4 kg, de subir ou de descer escadas, necessidade permanente de tratamentos médicos regulares, a saber: tratamentos de fisioterapia e acompanhamento médico-psiquiátrico, o que se traduz numa acentuada redução da qualidade de vida.
Estamos perante danos não patrimoniais de indiscutível gravidade que o quantum indemnizatório não pode deixar de revelar.
A sentença de 1ª instância fixou a indemnização no valor actualizado de €200.000, acrescida de juros de mora, a contar da data da prolação da sentença.
A Relação baixou aquele valor para €150.000,00.
A Recorrente pugna para que seja repristinado o quantum indemnizatório fixado na sentença.
Que dizer?
A indemnização por danos não patrimoniais é fixada com base na equidade. (art. 494º/3 do CCivil).
Trata-se, por um conseguinte, de um juízo prudencial e casuístico, tanto quanto possível objectivo, não podendo descurar-se as indemnizações que vêm sendo atribuídas pelo STJ em casos paralelos, a fim de se “obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito” (art. 8º, nº3 do Cód. Civil).
Como se escreveu no Acórdão do STJ de 12.11.2020. P. 317/12, relatado pelo Conselheiro Nuno Pinto Oliveira, que também subscreve o presente, “independentemente de estarem em causa danos patrimoniais ou não patrimoniais, o Supremo Tribunal de Justiça tem entendido que o controlo, em sede de recurso de revista da fixação equitativa da indemnização deve concentrar-se em quatro coisas: Em primeiro lugar deve averiguar-se se estavam preenchidos os pressupostos normativos do recurso à equidade. Em segundo lugar, se foram consideradas as categorias ou os tipos de danos cuja relevância é admitida e reconhecida. Em terceiro lugar, se, na avaliação dos danos correspondentes de cada categoria ou cada tipo, foram considerados os critérios que, de acordo com a legislação e a jurisprudência, deveriam ser considerados (…). Em quarto lugar, se, na avaliação dos danos correspondentes a cada categoria ou a cada tipo, foram respeitados os limites que, de acordo com a legislação e a jurisprudência, deveriam ser respeitados. Está em causa fazer com que o juízo equitativo se conforme com os princípios da igualdade e da proporcionalidade – e que conformando-se com os princípios da igualdade e da proporcionalidade, conduza a uma decisão razoável.”
Crê-se que a decisão do acórdão recorrido respeitou todos os critérios enunciados, designadamente é consentânea com padrões utilizados noutras decisões recentes do Supremo Tribunal de Justiça (cf., vg, os acórdãos de 19.09.2019 (P. 2706/17), de 21.01.2021, (P. 6705/14), 08.09.2021 (P. 26422/18) e de 08.11.2022 (P. 2133/16)).
Neste contexto, afigura-se-nos equilibrado e adequado às circunstâncias do caso concreto o quantum indemnizatório de €150.000,00 fixado pelo acórdão recorrido, que assim se confirma.
O que conduz ao inevitável naufrágio do recurso.
Decisão.
Pelo exposto, decide-se:
- Não tomar conhecimento da revista na parte relativa à indemnização pelo dano patrimonial futuro/dano biológico na vertente patrimonial;
- Negar a revista no mais.
Custas pela Recorrente.
Lisboa, 20.06.2023
Ferreira Lopes (relator)
Maria de Fátima Gomes
Nuno Pinto Oliveira