Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2375/21.9T8STR.E1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: NUNO PINTO OLIVEIRA
Descritores: AÇÃO DE PREFERÊNCIA
PRÉDIO CONFINANTE
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
TERCEIRO ADQUIRENTE
SIMULAÇÃO
MEIOS DE PROVA
ADMISSIBILIDADE DE PROVA TESTEMUNHAL
DOCUMENTO
PODERES DA RELAÇÃO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
MATÉRIA DE FACTO
RECURSO DE REVISTA
Data do Acordão: 03/21/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
I. — O ónus da alegação e da prova de que estão preenchidos os presupostos da excepção do art. 1381.º, alínea a), do Código Civil recai sobre o alienante e/ou sobre o terceiro adquirente do prédio.

II. — O art. 394.º do Código Civil deve ser objecto de uma interpretação restritiva, admitindo-se a valoração de prova testemunhal como prova complementar de um início de prova escrita, desde que esta constitua, só por si, um indício que torne verosímil a existência de simulação..

III. — O alegado erro do Tribunal da Relação sobre se um determinado documento torna ou não verosímil a existência de simulação é, só pode ser, um erro na apreciação das provas — e um erro na apreciação das provas não pode ser objecto do recurso de revista.

Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA



I. — RELATÓRIO


1. Quinta das Comeiras — Sociedade Agrícola e Turística, Lda, demandou AA e Paumami — Construções, Lda. pedindo que lhe seja reconhecido o direito de preferência quanto ao prédio rústico objecto de contrato de compra e venda celebrado entre os Réus.


2. Os Réus contestaram e deduziram reconvenção, pedindo, para o caso de a acção ser julgada procedente, a condenação da Autora no pagamento do preço real da venda, no valor de € 50.000,00 (i.e., superior ao preço de € 25.000,00 declarado no contrato de compra e venda).


3. A Autora respondeu á reconvenção, pugnando pela sua improcedência.


4. O Tribunal de 1.ª instância julgou a acção totalmente improcedente e, em consequência, absolveu os Réus AA e Paumami — Construções, Lda., do pedido.


5. Inconformada, a Autora Quinta das Comeiras — Sociedade Agrícola e Turística, Lda, interpõs recurso de apelação.


6. O Tribunal da Relação julgou procedente o recurso.


7. O dispositivo do acórdão recorrido é do seguinte teor:

Por todo o exposto, acorda-se em julgar a apelação procedente e em consequência decide-se:

a) Reconhecer à Autora, QUINTA DAS COMEIRAS, SOCIEDADE AGRÍCOLA E TURÍSTICA, LIMITADA o direito de preferência na compra do prédio rústico composto de solo subjacente de cultura arvense de olival e oliveiras, com uma área de 37.200 m2, sito em C... ou Q..., na União de Freguesias ... e ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... com o n.º 1827 e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 29 da Secção X, substituindo-se esta à Ré PAUMAMI – CONSTRUÇÕES, LDA. no mesmo contrato, enquanto compradora, mediante o pagamento do preço de € 25.000,00, já depositado, determinando-se o cancelamento da inscrição a favor da mesma Ré no registo predial.

b) Julgar a reconvenção totalmente improcedente por não provada.


8. Inconformados, os Réus interpuseram recurso de revista.


9. Finalizaram a sua alegação com as seguintes conclusões:

1. O acórdão de que agora se recorre, encerra uma manifesta violação da Lei substantiva.

2. A Autora intentou ação de preferência contra os RR quanto ao prédio rustico, descrito na Conservatória de Registo Predial ... com o nº 1827 e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 29 da secção X, requerendo a substituição da Ré sociedade compradora, por si.

3. Os RR contestaram deduzindo a sua defesa por impugnação e exceção e deduziram reconvenção, alegando que o prédio rustico tinha sido adquirido para nele ser efetuada a construção de um estaleiro e que o valor da compra foi de 50.000€, tendo sido €25.000,00 em dinheiro e o restante em trabalhos a executar pela Ré compradora ao Reu vendedor.

4. AA., em sede de réplica, não contestou a exceção deduzida.

5. Para apreciação do presente recurso, importa que o Tribunal de 1ª Instancia considerou com provado o facto constante dos pontos 4. e 7 dos factos provados.

6. O Tribunal de 1ªinstancia considerou como provado que a 2.ª Ré é uma sociedade comercial que se dedica à atividade de construção civil e adquiriu o prédio 1827 para ali construir um estaleiro de apoio à referida atividade.

7. O Tribunal de 1ª Instância julgou a ação totalmente improcedente, atento ter-se considerado como provado que a Ré Paumami-Construções Ldª adquiriu o prédio nº 1827 com o fim exclusivo de ali construir um estaleiro de apoio à sua atividade, que é a construção civil, e como tal absolveram-se os Réus do pedido,

8. O Tribunal de 1ª Instância ficou convencido quanto à veracidade da factualidade descrita em 4 através da análise crítica do documento junto a fls. 47 e 48, do qual consta justamente os termos do acordo da venda, que abrangia, além do preço escriturado de € 25.000,00, a realização por parte da 2.ª Ré a favor do vendedor (1.º Réu) das obras de construção ali identificadas.

9. A Autora recorreu da referida sentença para o Tribunal da Relação de Évora, onde impugnou os factos considerados como provados sob os números 4 e 7, que no seu entender deveriam ser considerados como não provados, atento o facto do prédio rustico objeto da preferência destinar-se à atividade agrícola, não sendo possível dar-lhe outra utilização, e ainda que os RR não fizeram prova de que o terreno podia ter outro fim que não o agricola (ponto 7), e ainda que o comprovativo do preço da compra e venda através de depoimento das testemunhas não é a meio próprio para comprovar o preço do imóvel alienado.(ponto 4).

10. Quanto ao facto constante do ponto 7, a Autora nunca alegou, em qualquer dos seus articulados, que o prédio rústico em causa nos autos apenas se poderia destinar à atividade agricola, isto é, nunca respondeu à exceção.

11. Quanto ao facto constante do ponto 4 dos factos provados, alegou a Autora que deveria ser considerado como não provado, porquanto “ um papel manuscrito que em nada garante ter sido elaborado e assinado antes da concretização da compra e venda…”

12. Na sentença proferida pela 1ª Instancia, o facto constante do ponto 4 dos factos provados, assim foi considerado não apenas pela sua exibição, mas também por ter sido corroborada a sua veracidade pelo teor do depoimento das testemunhas BB, CC, DD e EE que se deixaram transcritos.

13. O acórdão agora posto em crise decidiu que o documento junto pelos RR demonstrativo do valor total-€50.000,00-pago pela Ré sociedade compradora, não constitui prova documental suficiente para demonstrar a inveracidade da declaração confessória (constante da escritura de compra e venda) e como tal, o Tribunal de 1ª instancia não poderia ter-se socorrido da prova testemunhal.

14. O acórdão do qual agora se recorre, não tem qualquer fundamento, pois é legalmente admissível prova testemunhal quando o facto a provar, nomeadamente o valor real da venda, surge com alguma verosimilhança, em prova escrita, como em concreto ocorreu, o que constitui exceção à regra prevista no artigo 394º do CC.

15. A doutrina e a jurisprudência vêm entendendo que é admissível a prova testemunhal se os factos a provar surgirem com alguma verosimilhança, em provas escrita, isto é, constitui exceção àquela regra da inadmissibilidade a existência de um começo ou principio de prova escrito, o que é o caso dos autos.

16. O Tribunal de 1ª Instância “ficou convencido quanto à veracidade da factualidade descrita em 4 através da análise critica do documento junto a fls 47 e 48, do qual consta justamente os termos do acordo da venda, que abrangia, além do preço escriturado de €25.000,00, a realização por parte da 2.ªRé a favor do vendedor (1ª Réu) das obras de construção ali identificadas. “, o que foi corroborado, explicado e complementado pelo depoimento das testemunhas.

17. Na contestação os RR juntaram a declaração escrita junta a fls 47 e 48, que importou o convencimento do Tribunal de 1ªInstancia quanto à veracidade do preço total pago pela Ré Sociedade compradora ao Réu vendedor, pelo que sempre teria o Tribunal da Relação de admitir assim como admitiu a 1ª instância, a prova testemunhal a fim de interpretar o contexto do documento, que constituiu o indicio que tornou verosímil a alegação do preço pago pela Ré sociedade compradora.

18. O documento em análise junto a fls 47 e 48 foi a forma simplista que duas pessoas arranjaram para se obrigarem ao cumprimento dos termos do negócio acordado.

19. O valor das obras-€25.000,00- foi declarado vezes sem conta pelas testemunhas, BB, CC, DD e EE, umas que tinham intervindo nas obras, outra porque irmão do Réu vendedor, asseguraram que a Ré sociedade executado as obras, a maior parte já concluídas.

20. A concatenação do depoimento das testemunhas, BB que confirmou o que lhe havia sido transmitido pelo gerente da Ré sociedade, e de CC que confirmou o que lhe havia sido transmitido pelo Réu vendedor, permitiu concluir os termos do negócio e valor das obras.

21. Do depoimento da testemunha CC, não se extrai porque nunca declarado ou afirmado, a “ sociedade Ré já estava a fazer obras numa quinta do FF pois foi a própria testemunha que aí exerce funções de encarregado, que foi abordada pelo GG no sentido de saber se o FF estaria interessado em vender o terreno em causa.”

22. Tal conclusão, vertida no acórdão recorrido não corresponde à verdade.

23. As declarações da testemunha CC, para além de não demonstrarem o que o Tribunal da Relação concluiu, demonstram o que lhe foi transmitido pelo Réu vendedor.

24. Do depoimento das testemunha EE, extrai-se que houve de facto o acordo alegado pelos RR.

25. A testemunha DD, transmitiu ao Tribunal que fez trabalhos ao Réu vendedor, mas por conta da Ré sociedade compradora. Que dos trabalhos efetuados, um teria o valor de cerca de 8 mil euros e o outro de 8/9 mil euros.

26. O Tribunal da Relação, errou ao concluir que os trabalhos efetuados DD eram os únicos, esquecendo-se que para além dos trabalhos prestados por esta testemunha, faltavam pelo menos contabilizar os trabalhos prestados pela testemunha BB, que também executou alguns trabalhos ao Réu vendedor.

27. O Tribunal da Relação decidiu sem ter tido em consideração o que o Tribunal de 1º Instancia fez constar na sentença proferida, nomeadamente a convicção com que ficou após a audição das testemunhas.

28. A resposta à matéria de facto e a fundamentação da sentença proferida em 1ª Instancia não se mostra absurda, nem desviada do normal acontecer, antes consentânea com a prova produzida.

29. A prova testemunhal, apesar de falível e precária, é aquela que, na prática, assume a maior importância, por ser a única a que pode recorrer-se na demonstração da realidade de muitos factos, no caso, esclarecer a informação constante da declaração subscrita pelos RR, junta a fls 47 e 48.

30. O Mmº Juiz de 1ª instância, fundamentando a sua convicção na razão de ciência das testemunhas inquiridas, e não havendo motivos que contrariem tal convicção, não poderá existir qualquer erro de julgamento quando o Mmº Juiz de 1ª Instancia optou pela versão relatada pelas testemunhas indicadas pelos RR, por tal forma o revelando a prova produzida, na compatibilidade à motivação/fundamentação exarada, como se verifica circunstancialmente.

31. Da sentença recorrida constam os factos e as razões de direito em que o Tribunal alicerçou a sua decisão e esta é consequência lógica daquela fundamentação, pelo que nada há a apontar à sentença proferida em 1ª Instancia, não fazendo o acórdão proferido pela Relação de Évora, jus à prova produzida em sede de audiência de julgamento.

32. Pelo que os factos considerados como provados sob o ponto 4 dos factos provados na sentença proferida pela 1ª instancia, e que o acordão de que se recorre eliminou e os fez transitar para os não provados, devem manter-se como provados, revogando-se o douto acórdão .

33. Os RR consideram que a tese perfilhada pelo Tribunal da Relação, de que nos termos do artigo 1381º a) do CC, os RR teriam de ter alegado que o fim visado, a construção de um estaleiro era legalmente admissível, não é a que melhor interpreta as disposições legais aplicáveis (1380º e 1381º ambos do CC ) .

34. Os RR consideram que o ónus da prova quanto à viabilidade da construção, pertence à Autora,

35. O Acordão de que se recorre não pode ser mantido, por defender uma tese que não tem respaldo nas disposições legais aplicáveis, e contraria as regras do ónus da prova previstas no artigo 342º do CC.

36. Os RR na sua contestação, invocaram matéria de exceção, nomeadamente que a Ré adquiriu o prédio em questão para a construção de um estaleiro de apoio à sua atividade comercial de construção civil, facto que é extintivo do direito da A.

37. A A. teve oportunidade de se pronunciar quanto às exceções alegadas pelos RR, e nunca sequer aflorou a questão da licitude/ilicitude e viabilidade/inviabilidade da construção no prédio adquirido pela Ré, nem a existência/inexistência de pedido de licenciamento para aquele prédio.

38. Os RR na sua defesa, excecionaram a inoperância do direito de preferência da Autora sobre o prédio em causa nos autos, por não se destinar à cultura, e como tal, tal facto passou a ser constitutivo do direito da Autora, sendo que a mesma não logrou fazer qualquer prova nesse sentido, nem tão pouco alegou factualidade que a consubstanciasse, em resposta à reconvenção, onde deveria ter respondido à exceção, o que não fez.

39. Por sua vez, tendo os RR excecionado o direito da Autora, logrou provar, através do depoimento das testemunhas, HH, II, BB, CC e EE, o destino do prédio, que era distinto da cultura.

40. Não tendo a Autora suscitado a questão da licitude e viabilidade da construção, os RR não tinham que provar o que não se mostrava controvertido.

41. A Ré ao destinar o prédio adquirido a outro fim que não a cultura, é facto que obsta ao direito de preferência invocado pela A.

42. A A. simplesmente não alegou na resposta às exeções, nem provou, e nem podia provar, por não corresponder à verdade, que o prédio adquirido pela Ré não tinha apetência para o fim que a Ré compradora o havia adquirido.

43. Pelo que os factos considerados como provados sob os ponto 7 dos factos provados na sentença proferida pela 1ª instancia e que o acordão de que se recorre eliminou e os fez transitar para os não provados, devem manter-se como provados, revogando-se o douto acórdão .

44. Pelo que o acórdão de que se recorre deve ser revogado por Acordão a proferir por este Colendo Supremo Tribunal que mantenha a sentença proferida em 1ª Instância, considerando totalmente improcedente a ação.

45. Se assim se não entender, sempre o pedido reconvencional deve ser considerado procedente por provado.

46. Tudo, sob pena de violação dos artigos 342º, 1380º e 1381 a) todos do CC.

47. Pelo que deve ser proferido Acordão por este Supremo Tribunal, que revogue o Acordão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora, e considere a Ação totalmente improcedente,


10. A Autora Quinta das Comeiras — Sociedade Agrícola e Turística, Lda,, contra-alegou, pugnando pela imrprocedência do recurso.


11. Finalizou a sua contra-alegação com as seguintes conclusões:

1. Não têm os recorrentes qualquer razão ao afirmar que o acórdão recorrido encerra uma manifesta violação da Lei substantiva;

2. Não bastava aos R.R., aqui recorrentes, alegar que o comprador destinava o terreno alienado à construção de um estaleiro, mas sim alegar e provar que era possível ou viável dar ao terreno um outro fim que não o da exploração agrícola – o que não fizeram;

3. Declararam os R.R. na escritura de compra e venda que o preço era de 25.000,00 € que, sendo um documento autêntico, faz prova do seu conteúdo, não admitindo prova testemunhal em contrário;

4. Pelo que nada há a apontar à decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Évora, que deverá ser confirmada.


12. Como o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões dos Recorrentes (cf. arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608.º, n.ª 2, por remissão do art. 663.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), as questões a decidir in casu são as seguintes:

I. — se o Autor tinha o ónus de alegar e de provar a impossibilidade de afectação do terreno a algum fim que não fosse a cultura recaía;

II. — se o documento de fls. 47 e 48 era um início de prova ou princípio de prova escrito, suficiente para que se admitisse a prova testemunhal;

III. — se, em consequência da prova testemunhal produzida, deveria dar-se como provado que o 1.º Réu e a 2.ª Ré acordaram entre si que, em contrapartida da venda do prédio 1827, [a 2.º Ré] efectuaria a favor do 1.º Réu obras em instalações deste, nomeadamente, a recuperação de um barracão com cerca de 1200 m2 e a construção de uma plataforma em ferro e betão para suporte de equipamento para bombas de abastecimento e equipamento de rega, obras essas a que os Réus atribuíram o valor de € 25.000,00.”


II. — FUNDAMENTAÇÃO


     OS FACTOS


13. O Tribunal de 1.ª instãncia deu como provados os factos seguintes:

1. Mediante a AP. ... de 06.12.1991, encontra-se registada a aquisição, por compra, a favor da Autora do “prédio misto” denominado “Casal ... - ...”, composto de terra de semeadura com oliveiras, solo subjacente de cultura arvense e casa de rés-do-chão para lagar de azeite, dependências, palheiro e logradouro, com uma área de 46.040 m2, sito na freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... com o n.º 547 e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 21 e na matriz predial urbana sob o artigo 1518 (doravante, abreviadamente, prédio 547).

2. Por escritura pública outorgada em 09.07.2021 no Cartório Notarial ..., lavrada de fls. 59 a 60v do Livro de Notas 48-A do dito Cartório, o 1.º Réu declarou vender à 2.ª Ré, que declarou comprar, pelo preço de € 25.000,00, o “prédio rústico”, composto de solo subjacente de cultura arvense de olival e oliveiras, com uma área de 37.200 m2, sito em C... ou Q..., na União de Freguesias ... e ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... com o n.º 1827 e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 29 da Secção X, cuja aquisição a favor do 1.º Réu se achava registada pela AP. ...12 de 02.07.2018 (doravante, abreviadamente, prédio 1827).

3. A aquisição da favor da 1.ª Ré do prédio 1827 encontra-se registada junto da Conservatória do Registo Predial pela AP. ...29 de 14.07.2021.

4. Além do preço constante da escritura pública que antecede, o 1.º Réu e a 2.ª Ré acordaram entre si que, em contrapartida da venda do prédio 1827, esta efetuaria a favor do 1.º Réu obras em instalações deste, nomeadamente, a recuperação de um barracão com cerca de 1200 m2 e a construção de uma plataforma em ferro e betão para suporte de equipamento para bombas de abastecimento e equipamento de rega, obras essas a que os Réus atribuíram o valor de € 25.000,00.

5. Os prédios 547 e 1827 confinam entre si e são ambos de sequeiro.

6. O 1.º Réu não informou previamente a Autora sobre a intenção de venda do prédio 1827, nem a identidade da 2.ª Ré, enquanto interessado na compra daquele, o preço e os demais termos e condições da venda.

7. A 2.ª Ré é uma sociedade comercial que se dedica à atividade de construção civil e adquiriu o prédio 1827 para ali construir um estaleiro de apoio à referida atividade.


14. Em contrapartida, o Tribunal de 1.ª instância deu como não provado que o prédio 547 não se destinasse predominantemente a exploração agrícola.


15. O Tribunal da Relação eliminou do elenco de factos dados como provados os n.ºs 4 e 7, determinando que transitassem para o elenco de factos dados como não provados.


16. Em consequência da alteração,

I. — o Tribunal da Relação deu como provados os factos seguintes:

1. Mediante a AP. ... de 06.12.1991, encontra-se registada a aquisição, por compra, a favor da Autora do “prédio misto” denominado “Casal ... - ...”, composto de terra de semeadura com oliveiras, solo subjacente de cultura arvense e casa de rés-do-chão para lagar de azeite, dependências, palheiro e logradouro, com uma área de 46.040 m2, sito na freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... com o n.º 547 e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 21 e na matriz predial urbana sob o artigo 1518 (doravante, abreviadamente, prédio 547).

2. Por escritura pública outorgada em 09.07.2021 no Cartório Notarial ..., lavrada de fls. 59 a 60v do Livro de Notas 48-A do dito Cartório, o 1.º Réu declarou vender à 2.ª Ré, que declarou comprar, pelo preço de € 25.000,00, o “prédio rústico”, composto de solo subjacente de cultura arvense de olival e oliveiras, com uma área de 37.200 m2, sito em C... ou Q..., na União de Freguesias ... e ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... com o n.º 1827 e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 29 da Secção X, cuja aquisição a favor do 1.º Réu se achava registada pela AP. ...12 de 02.07.2018 (doravante, abreviadamente, prédio 1827).

3. A aquisição da favor da 1.ª Ré do prédio 1827 encontra-se registada junto da Conservatória do Registo Predial pela AP. ...29 de 14.07.2021. […]

5. Os prédios 547 e 1827 confinam entre si e são ambos de sequeiro.

6. O 1.º Réu não informou previamente a Autora sobre a intenção de venda do prédio 1827, nem a identidade da 2.ª Ré, enquanto interessado na compra daquele, o preço e os demais termos e condições da venda. […]

II. — em contrapartida, o Tribunal da Relação deu como não provado:

a. — que o prédio 547 não se destinasse predominantemente a exploração agrícola;

b. — que, além do preço constante da escritura pública que antecede, o 1.º Réu e a 2.ª Ré tivessem acordado entre si que, em contrapartida da venda do prédio 1827, [a 2.ª Ré] efetuaria a favor do 1.º Réu obras em instalações deste, nomeadamente, a recuperação de um barracão com cerca de 1200 m2 e a construção de uma plataforma em ferro e betão para suporte de equipamento para bombas de abastecimento e equipamento de rega, obras essas a que os Réus atribuíram o valor de € 25.000,00;

c. - que a 2.ª Ré fosse uma sociedade comercial que se dedica à atividade de construção civil ou que tivesse adquirido o prédio 1827 para ali construir um estaleiro de apoio à referida atividade.


      O DIREITO


17. A 1.ª questão consiste em averiguar sobre quem recaía o ónus da alegação e da prova da intenção de afectar o terreno a algum fim que não seja a cultura e da possibilidade física e jurídica (legal ou regulamentar) da afectação correspondente à intenção do comprador.


18. O acórdão recorrido considerou que recaía sobre os Réus, agora Recorrentes.


19. Os Réus, agora Recorrentes, alegam que

33. […] a tese perfilhada pelo Tribunal da Relação, de que nos termos do artigo 1381º a) do CC, os RR teriam de ter alegado que o fim visado, a construção de um estaleiro era legalmente admissível, não é a que melhor interpreta as disposições legais aplicáveis (1380º e 1381º ambos do CC ) .

34. Os RR consideram que o ónus da prova quanto à viabilidade da construção, pertence à Autora,

35. O Acordão de que se recorre não pode ser mantido, por defender uma tese que não tem respaldo nas disposições legais aplicáveis, e contraria as regras do ónus da prova previstas no artigo 342º do CC.

36. Os RR na sua contestação, invocaram matéria de exceção, nomeadamente que a Ré adquiriu o prédio em questão para a construção de um estaleiro de apoio à sua atividade comercial de construção civil, facto que é extintivo do direito da A.

37. A A. teve oportunidade de se pronunciar quanto às exceções alegadas pelos RR, e nunca sequer aflorou a questão da licitude/ilicitude e viabilidade/inviabilidade da construção no prédio adquirido pela Ré, nem a existência/inexistência de pedido de licenciamento para aquele prédio.

38. Os RR na sua defesa, excecionaram a inoperância do direito de preferência da Autora sobre o prédio em causa nos autos, por não se destinar à cultura, e como tal, tal facto passou a ser constitutivo do direito da Autora, sendo que a mesma não logrou fazer qualquer prova nesse sentido, nem tão pouco alegou factualidade que a consubstanciasse, em resposta à reconvenção, onde deveria ter respondido à exceção, o que não fez.

39. Por sua vez, tendo os RR excecionado o direito da Autora, logrou provar, através do depoimento das testemunhas, HH, II, BB, CC e EE, o destino do prédio, que era distinto da cultura.

40. Não tendo a Autora suscitado a questão da licitude e viabilidade da construção, os RR não tinham que provar o que não se mostrava controvertido.

41. A Ré ao destinar o prédio adquirido a outro fim que não a cultura, é facto que obsta ao direito de preferência invocado pela A.

42. A A. simplesmente não alegou na resposta às exeções, nem provou, e nem podia provar, por não corresponder à verdade, que o prédio adquirido pela Ré não tinha apetência para o fim que a Ré compradora o havia adquirido.

43. Pelo que os factos considerados como provados sob os ponto 7 dos factos provados na sentença proferida pela 1ª instancia e que o acordão de que se recorre eliminou e os fez transitar para os não provados, devem manter-se como provados, revogando-se o douto acórdão .


20. Os arts. 1380.º e 1381.º do Código Civil são do seguinte teor:

Artigo 1380.º: “1. — Os proprietários de terrenos confinantes, de área inferior à unidade de cultura, gozam recìprocamente do direito de preferência nos casos de venda, dação em cumprimento ou aforamento de qualquer dos prédios a quem não seja proprietário confinante. […]

4. — É aplicável ao direito de preferência conferido neste artigo o disposto nos artigos 416.º a 418.º e 1410.º, com as necessárias adaptações”.

Artigo 1381.º — Não gozam do direito de preferência os proprietários de terrenos confinantes

a) Quando algum dos terrenos constitua parte componente de um prédio urbano ou se destine a algum fim que não seja a cultura;

b) Quando a alienação abranja um conjunto de prédios que, embora dispersos, formem uma exploração agrícola de tipo familiar [1].


21. O Supremo Tribunal de Justiça tem interpretado a fórmula quando algum dos terrenos se destine a algum fim que não seja a cultura da alínea a) do art. 1381.º do Código Civil como significando quando o adquirente e, em especial, o comprador destine o terreno a algum fim que não seja a cultura [2]. Em consequência, “[o] fim que releva […] não é aquele a que o terreno esteja afectado à data da alienação, antes o que o adquirente pretenda dar-lhe” [3].


22. Interpretando a fórmula da alínea a) do art. 1381.º como significando quando o comprador destine o terreno a algum fim que não seja a cultura, o Supremo Tribunal de Justiça considera que a procedência da excepção pressupõe que dos factos dados como provados decorram duas coisas: em primeiro lugar, a intenção de afectar o terreno a algum fim que não seja a cultura [4] e, em segundo lugar, a possibilidade física [5] e jurídica (legal ou regulamentar) da afectação correspondente à intenção do comprador [6].


23. Os dois requisitos explicam-se pelo perigo de fraude: “Caso contrário [— caso não se exigisse a prova de que a intenção de afectar o terreno a algum fim que não seja a cultura é legal e regulamentarmente possível —] estar-se-ia a dar relevo jurídico a simples manifestações subjectivas de vontade, quiçá ficcionadas, que fariam precludir a norma-regra do direito de preferência do proprietário confinante” [7] [8].


24. Ora, o ónus da alegação e da prova de que estão preenchidos os presupostos da excepção do art. 1381.º, alínea a), do Código Civil recai sobre o alienante e/ou sobre o  terceiro adquirente do prédio.


25. Como se diz, p. ex., nos acórdãos do STJ de 29 de Abril de 2004 — processo n.º 04B980 —, de 17 de Outubro de 2019 — processo n.º 295/16.8T8VRS.E1.S2 —, de 14 de Janeiro de 2021 — processo n.º 892/18.7T8BJA.E1.S1 — e de 8 de Novembro de 2022 — processo n.º 2856/17.9T8AGD.P1.S2 —,

“[p]rovados os pressupostos do direito de preferência concedido no n.º 1 do art.1380.º, é sobre os demandados que, consoante n.º 2 do art.342.º, recai o ónus da prova da excepção prevista na parte final da al.a) do art.1381.º, todos do Código Civil e, assim, da seriedade do seu propósito de dar ao prédio adquirido destino diferente da cultura” [9].


26. A Autora, alegando que tem um direito de preferência, tinha o ónus da prova dos factos descritos no art. 1380.º [10]; os Réus, alegando que a Autora não tem nenhum direito de preferência, por estarem preenchidos os pressupostos do art. 1381.º, alínea a), do Código Civil, tinham ónus da prova da intenção de afectar o terreno a algum fim que não seja a cultura e da possibilidade física e jurídica (legal ou regulamentar) da afectação correspondente à intenção do comprador [11].


27. Ora dos factos dados como provados não decorre — depois da eliminação do n.º 7 —.nem a intenção de afectação do terreno a algum fim que não fosse a cultura, nem a possibilidade jurídica de afectação correspondente à alegada intenção do comprador.


28. A segunda e a terceira questões consistem em determinar — I. — se o documento de fls. 47 e 48 era um início de prova ou princípio de prova escrito, suficiente para que se admitisse a prova testemunhal e — II. — se, em consequência da prova testemunhal produzida, deveria dar-se como provado que o 1.º Réu e a 2.ª Ré acordaram entre si que, em contrapartida da venda do prédio 1827, [a 2.º Ré] efectuaria a favor do 1.º Réu obras em instalações deste, nomeadamente, a recuperação de um barracão com cerca de 1200 m2 e a construção de uma plataforma em ferro e betão para suporte de equipamento para bombas de abastecimento e equipamento de rega, obras essas a que os Réus atribuíram o valor de € 25.000,00.”


29. O art. 674.º, n.º 3, do Código de Processo Civil determina que

O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.


30. Como se escreve, p. ex., nos acórdãos do STJ de 14 de Dezembro de 2016 — proferido no processo n.º 2604/13.2TBBCL.G1.S1 —, de 12 de Julho de 2018  — proferido no processo n.º 701/14.6TVLSB.L1.S1 — e de 12 de Fevereiro de 2019 — proferido no processo n.º 882/14.9TJVNF-H.G1.A1 —,

“… o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa escapa ao âmbito dos poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça (artigos 674º nº 3 e 682º nº 2 do Código de Processo Civil), estando-lhe interdito sindicar a convicção das instâncias pautada pelas regras da experiência e resultante de um processo intelectual e racional sobre as provas submetidas à apreciação do julgador. Só relativamente à designada prova vinculada, ou seja, aos casos em que a lei exige certa espécie de prova para a demonstração do facto ou fixa a força de determinado meio de prova, poderá exercer os seus poderes de controlo em sede de recurso de revista” [12];

“… está vedado ao STJ conhecer de eventual erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa, apenas lhe sendo permitido sindicar a actuação da Relação nos casos da designada prova vinculada ou tarifada, ou seja quando está em causa um erro de direito (arts. 674.º, n.º 3, e 682.º, nº 2)” [13].


31. Em todo o caso, o alcance do art. 674.º, n.º 3, do Código de Processo Civil deve esclarecer-se. O Supremo Tribunal de Justiça pode pronunciar-se sobre a interpretação e sobre a integração das disposições de direito probatório relevantes e pode sindicar o juízo probatório do Tribunal da Relação desde que tenha sido dado como provado um facto sem que tivesse sido feita prova da espécie que a lei considera necessária, ou desde que tenham sido dados como provados ou como não provados factos em violação das regras sobre a força dos meios de prova [14]. Entre os corolários do art. 674.º, n.º´1, in fine, está o de que o Supremo Tribunal de Justiça pode e deve pronunciar-se sobre a interpretação e a integração das disposições legais relevantes para determinar se é ou não admissível prova testemunhal — designadamente, das disposições dos arts. 393.º e 394.º do Código Civil [15].


31. A doutrina e a jurisprudência discutem se a admissibilidade de prova testemunhal para a prova de que o preço convencionado era superior ao preço declarado em documento autêntico, desde que haja um início de prova ou um princípio de prova por escrito, resulta de uma interpretação restritiva do art. 358.º, n.º 2, em ligação com os arts. 371.º, n.º 1, e 393.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil [16] ou, tão-só, de uma interpretação restritiva do art. 394.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil [17].


32. Em alguma doutrina e, sobretudo, em alguma jurisprudência recente, distingue-se as proibições de prova testemunhal do art. 393.º e do art. 394.º.

O art. 393.º deveria ser objecto de uma interpretação declarativa. Encontrando-se em causa, p. ex., factos provados por confissão, que constasse de documento autêntico, não seria nunca admitida a prova testemunhal [18]. O art. 394.º, e só o art. 394.º, deveria ser objecto de uma interpretação restritiva, “[em termos de se admitir] a valoração de prova testemunhal como prova complementar de um início de prova escrita ou retirada de circunstâncias que revelem a existência da declaração negocial a provar” [19]. Estando em causa, p. ex., a prova do acordo simulatório ou,. desde que demonstrado o acordo simulatório, a prova do negócio dissimulado, “a norma do art. 394.º n.º 2 do Código Civil deve[ria] ser interpretada restritivamente, no sentido de que, existindo um princípio de prova por escrito, é lícito aos simuladores recorrer à prova testemunhal para completar a prova documental existente, desde que esta ‘constitua, por si só, um indício que torne verosímil a existência de simulação’” [20].


33. Embora a doutrina e a jurisprudência discutam se a admissibilidade de prova testemunhal desde que haja um início de prova ou um princípio de prova por escrito resulta de uma interpretação restritiva do art. 358.º, n.º 2, em ligação com os arts. 371.º, n.º 1, e 393.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil  ou, tão-só, de uma interpretação restritiva do art. 394.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil, a discussão pode, por agora, permanecer em aberto.


34. O caso concreto é o de uma simulação relativa, sobre o preço, em que há algum consenso sobre a interpretação restritiva das proibições legais [21].


35. O Supremo Tribunal de Justiça tem considerado, constantemente, que a prova testemunhal só pode ser “complementar (coadjuvante) de um documento indiciário de ‘fumus boni juris’” [22], ou seja, que de um documento que, só por si, torne verosímil a simulação [23].


36. Os Réus, agora Recorrentes, alegam que o documento de fls. 47 e 48, só por si, tornava verosímil a simulação.


37. O acórdão recorrido considerou que “[o]s Réus/apelados não juntaram nenhuma prova documental que possa constituir um princípio de prova de que a declaração por si feita na escritura pública de compra e venda, de que o preço de € 25.000,00 pela transmissão da propriedade do prédio, não correspondia à verdade”.


38. Os Réus, agora Recorrentes, alegam que

14. O acórdão do qual agora se recorre, não tem qualquer fundamento, pois é legalmente admissível prova testemunhal quando o facto a provar, nomeadamente o valor real da venda, surge com alguma verosimilhança, em prova escrita, como em concreto ocorreu, o que constitui exceção à regra prevista no artigo 394º do CC. […]

17. […] os RR juntaram a declaração escrita junta a fls 47 e 48, que importou o convencimento do Tribunal de 1ªInstancia quanto à veracidade do preço total pago pela Ré Sociedade compradora ao Réu vendedor, pelo que sempre teria o Tribunal da Relação de admitir assim como admitiu a 1ª instância, a prova testemunhal a fim de interpretar o contexto do documento, que constituiu o indicio que tornou verosímil a alegação do preço pago pela Ré sociedade compradora.


39. Ora deve distinguir-se entre a questão da interpretação ou integração dos arts. 393.º e 394.º do Còdigo Civil e a questão da aplicação da lei ao caso concreto — concretizada num juízo de facto sobre a verosimilhança de uma simulação: a primeira é uma questão de direito; pode e deve ser apreciada pelo Supremo; a segunda é uma questão de facto, não pode ou, em todo o caso, não deve ser apreciada pelo Supremo Tribunal de Justiça.


40. O alegado erro do Tribunal da Relação sobre se um determinado documento torna ou não verosímil a simulação é, só pode ser, um erro na apreciação das provas — e um erro na apreciação das provas não pode ser objecto do recurso de revista.


41. A resposta dada à segunda questão prejudica a terceira — e, ainda que a resposta dada á segunda questão não a prejudicasse, sempre a resposta à terceira questão teria de ser determinada pelo art. 674.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.


42. O Tribunal da Relação considerou que “nenhuma testemunha depôs com o mínimo rigor e consistência” e que, em consequência, a prova testemunhal não teria, em qualquer circunstância, a virtualidade de demonstrar “que a declaração […] de que o preço de € 25.000,00 pela transmissão da propriedade do prédio, não correspondia à verdade” — e o Supremo Tribunal de Justiça não pode substituir-se ao Tribunal da Relação para decidir que alguma testemunha depôs com rigor e consistência, ou que a prova testemunhal tem a virtualidade de demonstrar que a declaração não correspondia à verdade.


III. — DECISÃO


Face ao exposto, nega-se provimento ao recurso e confirma-se o acórdão recorrido.

Custas pelos Recorrentes AA e Paumami — Construções, Lda.


Lisboa, 21 de Março de 2023


Nuno Manuel Pinto Oliveira (Relator)

José Maria Ferreira Lopes

Manuel Pires Capelo

_____

[1] Sobre a interpretação dos arts. 1380.º e 1381.º do Código Civil, vide designadamente Fernando Andrade Pires de Lima / João de Matos Antunes Varela (com a colaboração de Manuel Henrique Mesquita), anotações aos arts. 1380.º e 1381.º, in: Código Civil anotado, vol. III — Artigos 1251.º a 1575.º, 2.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1987 (reimpressão), págs. 270-275 e 275-277, respectivamente, ou Manuel Henrique Mesquita, Obrigações reais e ónus reais, Livraria Almedina, Coimbra, 1990, págs. 202-229.

[2] Vide, designadamente, os acórdãos do STJ de 12 de Julho de 1983 — processo n.º 070205 —, de 20 de Junho de 1990 — processo n.º 078594 —, de 3 de Março de 1998 — processo n.º 96B930 —, de 31 de Março de 1998 — processo n.º 98A113 —, de 20 de Junho de 2000 — processo n.º 00A217 —, de 9 de Janeiro de 2003 — processo n.º 02B3914 —, de 6 de Fevereiro de 2003 — processo n.º 02B4164 —, de 20 de Abril de 2004 — processo n.º 04A844 —, de 29 de Abril de 2004 — processo n.º 04B980 —, de 4 de Outubro de 2007 — processo n.º 07B2739 —, de 28 de Fevereiro de 2008 — processo n.º 08A075 —, de 11 de Dezembro de 2008 — processo n.º 08B3602 —, de 6 de Maio de 2010 — processo n.º 537/02.G1.S1 — ou de 19 de Fevereiro de 2013 — processo n.º 246/05.5TBMNC.G1.S1.

[3] Cf. Fernando Andrade Pires de Lima / João de Matos Antunes Varela (com a colaboração de Manuel Henrique Mesquita), anotação ao art. 1381.º, in: Código Civil anotado, vol. III — Artigos 1251.º a 1575.º, cit., pág. 276.

[4] Cf. acórdãos do STJ de 20 de Junho de 1990 — processo n.º 078594 —, de 3 de Março de 1998 — processo n.º 96B930 —, de 31 de Março de 1998 — processo n.º 98A113 —, de 20 de Junho de 2000 — processo n.º 00A217 —, de 9 de Janeiro de 2003 — processo n.º 02B3914 —, de 6 de Fevereiro de 2003 — processo n.º 02B4164 —, de 20 de Abril de 2004 — processo n.º 04A844 —, de 4 de Outubro de 2007 — processo n.º 07B2739 —, de 11 de Dezembro de 2008 — processo n.º 08B3602 —, de 6 de Maio de 2010 — processo n.º 537/02.G1.S1 —, de 19 de Fevereiro de 2013 — processo n.º 246/05.5TBMNC.G1.S1 —, ou de 1 de Abril de 2014 — processo n.º 854/07.0TBLMG.P1.S1.

[5] Cf. acórdão do STJ de 19 de Fevereiro de 2013 — processo n.º 246/05.5TBMNC.G1.S1.

[6] Cf. acórdãos do STJ de 20 de Junho de 1990 — processo n.º 078594 —, de 20 de Junho de 2000 — processo n.º 00A217 —, de 9 de Janeiro de 2003 — processo n.º 02B3914 —, de 6 de Fevereiro de 2003 — processo n.º 02B4164 —, de 20 de Abril de 2004 — processo n.º 04A844 —, de 4 de Outubro de 2007 — processo n.º 07B2739 —, de 11 de Dezembro de 2008 — processo n.º 08B3602 —, de 6 de Maio de 2010 — processo n.º 537/02.G1.S1 —, de 19 de Fevereiro de 2013 — processo n.º 246/05.5TBMNC.G1.S1 —, ou de 1 de Abril de 2014 — processo n.º 854/07.0TBLMG.P1.S1.

[7] Cf. acórdão do STJ de 11 de Dezembro de 2008 — processo n.º 08B3602.

[8] Em termos semelhantes, vide o acórdão do STJ de 19 de Fevereiro de 2013 — processo n.º 246/05.5TBMNC.G1.S1 —, em cuja fundamentação de direito se escreve que “não se compreenderia que assim não fosse [i.e., que não fosse necessária a alegação e a prova de que a afectação correspondente á intenção do adquirente era juridicamente viável] uma vez que justificando-se a consagração do direito de preferência no artigo 1380º nº 1 por razões de interesse publico — ligadas à necessidade de alteração da estrutura fundiária do país e à manutenção da estabilidade ecológica — não podiam essas razões ser contornadas com base em meras intenções declaradas e apenas remota e hipoteticamente possíveis”.

[9] Expressão do acórdão do STJ de 29 de Abril de 2004 — processo n.º 04B980.

[10] Cf. acórdãos do STJ de 17 de Outubro de 2019 — processo n.º 295/16.8T8VRS.E1.S2 — e de 14 de Janeiro de 2021 — processo n.º 892/18.7T8BJA.E1.S1 —, em cujo sumário se escreve: “I. — O direito real de preferência atribuído pelo artigo 1380º, nº 1, do Código Civil, aos proprietários de prédios rústicos confinantes depende da verificação dos seguintes requisitos: i) ter sido vendido ou dado em cumprimento um prédio com área inferior à unidade de cultura; ii) ser o preferente a dono de prédio confinante com o prédio alienado; iii) ter o prédio do proprietário que se apresenta a preferir área inferior à unidade de cultura; iv) não ser o adquirente [proprietário] do prédio confinante”.

[11] Cf. acórdãos do STJ de 17 de Outubro de 2019 — processo n.º 295/16.8T8VRS.E1.S2 —, de 14 de Janeiro de 2021 — processo n.º 892/18.7T8BJA.E1.S1 — e de 8 de Novembro de 2022 — processo n.º 2856/17.9T8AGD.P1.S2 —, em cujo sumário se escreve: “[n]uma acção de preferência, baseada na confinância, são factos constitutivos da excepção positivada no art. 1381 a) CC, a cargo dos demandados, a alegação e prova de que o prédio alienado ( objecto da preferência) se destina a um fim que não a cultura, e, alegando-se o destino para a construção, que esse destino seja legalmente possível”.
[12] Cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Dezembro de 2016 — processo n.º 2604/13.2TBBCL.G1.S1.
[13] Cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Julho de 2018  — processo n.º 701/14.6TVLSB.L1.S1.

[14] Vide, por todos, o acórdão do STJ de 7 de Fevereiro de 2017 — processo n.º 3071/13.6TJVNF.G1.S1 —, em cujo sumário se escreve. “2. — O S.T.J. limita-se a aplicar aos factos definitivamente fixados pelo Tribunal recorrido o regime jurídico adequado. 3. — São excepções a esta regra a existência de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova. 4. — Em suma, o S.T.J. só pode conhecer do juízo de prova fixado pela Relação quando tenha sido dado por provado um facto sem que tivesse sido produzida a prova que a lei declare indispensável para a demonstração da sua existência ou tiverem sido violadas as normas reguladoras da força de alguns meios de prova. 5. — Nesta área o S.T.J. está a sindicar a aplicação de normas jurídicas movendo-se, então, em sede de direito”.

[15] Em termos em tudo semelhantes, vide, por todos, o acórdão do STJ de 14 de Setembro de 2021 — processo n.º 864/18.1T8VFR.P1.S1 —: “[s]aber se é ou não admissível exclusivamente prova testemunhal para a demonstração do preço simulado numa escritura pública é matéria que se inscreve na previsão legal dos arts. 682.º, n.º 2, e 674.º, n.º 3, do CPC por constituir indagação de ofensa pelo tribunal recorrido de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força probatória de determinado meio de prova (prova tarifada ou legal)”.

[16] Como sugere o acórdão recorrido, afirmando que a declaração dos contraentes, em escritura pública, sobre o preço do imóvel, tem o valor de uma condissão extrajudicial, em documento autêntico — art. 358.º, n.º 2, do Código Civil — e, em consequência, faz prova plena dos factos declarados — art. 371.º, n.º 2, do Código Civil —, em termos tais que a prova testemunhal não poderia ser admitida por aplicação do art. 393.º, n.º 2, do Código Civil.

[17] Como sugere, p. ex., os acórdãos do STJ de 11 de Março de 2021 — processo n.º 853/17.3T8VNG.P1.S1 — e de 10 de Novembro de 2022 — processo n.º 286/21.7T8LLE.E1.S1.

[18] Vide, por todos, os acórdãos do STJ de 11 de Março de 2021 — processo n.º 853/17.3T8VNG.P1.S1 — e de 10 de Novembro de 2022 — processo n.º 286/21.7T8LLE.E1.S1 —, em cujo sumário se escreve: “O artigo 358.º, n.º 2, do Código Civil, confere força probatória plena qualificada à confissão extrajudicial escrita dirigida à parte contrária, que conste de documento autêntico, podendo essa prova ser contrariada, para além da prova da falta ou de um vício da vontade na emissão dessa declaração, demonstrando-se não ser verdadeiro o facto confessado, mas estando, contudo, absolutamente proibido que essa demonstração seja obtida através da utilização de prova testemunhal ou por presunção judicial”.

[19] Vide, por todos, o acórdão do STJ de 11 de Março de 2021 — processo n.º 853/17.3T8VNG.P1.S1.

[20] Cf. acórdão do STJ de 9 de Julho de 2014 — processo n.º 5944/07.6TBVNG.P1.S1.

[21] Vide, por todos, os acórdãos do STJ de 9 de Julho de 2014 — processo n.º 5944/07.6TBVNG.P1.S1 —, de 7 de Fevereiro de 2017 — processo n.º 3071/13.6TJVNF.G1.S1 —, de 9 de Março de 2021 — processo n.º 2891/18.0T8BRG.G1.S1 — ou de 14 de Setembro de 2021 — processo n.º 864/18.1T8VFR.P1.S1.

[22] Expressão do acórdão do STJ de 7 de Fevereiro de 2017 — processo n.º 3071/13.6TJVNF.G1.S1.

[23] Expressão, p. ex., dos acórdãos do STJ de 9 de Julho de 2014 — processo n.º 5944/07.6TBVNG.P1.S1 —, de 9 de Março de 2021 — processo n.º 2891/18.0T8BRG.G1.S1 — ou de 14 de Setembro de 2021 — processo n.º 864/18.1T8VFR.P1.S1.