Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
06A1263
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: JOÃO CAMILO
Descritores: MATÉRIA DE FACTO
DECISÃO
ALTERAÇÃO
AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Nº do Documento: SJ200606080012636
Data do Acordão: 06/08/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário : I. Não tendo sido claramente impugnada a decisão da matéria de facto, nomeadamente, com a indicação nas alegações do recurso de apelação dos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, não incorre em nulidade o acórdão da Relação que não conheceu da alteração da decisão da matéria de facto.
II. A ampliação da matéria de facto a ordenar pelo Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo do disposto no art. 729º, nº 3 do Cód. de Proc. Civil, só se justifica quando a factualidade apurada for insuficiente para a decisão do mérito da causa e houver factos não apurados que sejam relevantes para aquela decisão.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


Por apenso à execução de letra que AA - falecido na pendência da acção e substituído pelos sucessores BB e outros cujos nomes não constam dos autos, mas do apenso de habilitação que não foi remetido com o processo principal - move, no 2º Juízo Cível do Tribunal de Faro, a CC e sua mãe DD, vieram estes deduzir embargos de executado, alegando, em síntese, que, por lado, a executada apenas preencheu uma das três letras ajuizadas e, por outro lado, que o respectivo montante se referia a uma quantia que o sacador daquelas, EE, filho do exequente, conjuntamente com o executado CC foram buscar ao banco, através de uma letra no montante de 800.000$00 que repartiram entre ambos, mas que os embargantes pagaram a metade recebida ao sacador, tendo este se mancomunado com o exequente, seu pai, fingindo um endosso, para prejudicar os embargantes, para que estes não pudessem opor as excepções às mesmas letras.
Terminam pedindo a procedência dos embargos com a declaração de que os executados nada devem ao exequente.
O embargado contesta impugnando a matéria da petição inicial, pedindo a improcedência dos embargos.
Saneado o processo e elaborada a matéria de facto assente e a base instrutória, realizou-se audiência de discussão e julgamento, tendo sido proferida sentença que julgou totalmente procedentes os embargos em relação ao embargante CC e parcialmente procedente em relação à embargante DD, absolvendo esta da execução das letras de 800.000$00 e prosseguindo a execução em relação a esta executada relativamente à letra de 4.000.000$00.
Desta decisão apelou a executada DD, tendo a apelação sido julgada improcedente.
Mais uma vez inconformada, veio esta interpor a presente revista, tendo nas suas alegações formulado conclusões que por imprecisas e confusas foram neste tribunal mandadas aperfeiçoar.
Nas novas conclusões apresentadas, que por falta de concisão não serão aqui transcritas, a recorrente, se bem entendemos as mesmas, levanta, para conhecer nesta revista, as seguintes questões:
a) O acórdão em recurso não conheceu da impugnação da decisão da matéria de facto relativamente à divergência do selo constante da letra e do seu valor legal do mesmo atento a data do seu preenchimento, além dos vestígios de viciação da letra ?
b) A matéria de facto deve ser ampliada em ordem a constituir base suficiente para decisão de direito ?

Não foram apresentadas contra-alegações.
Corridos os vistos legais, urge apreciar e decidir.
Como é sabido - arts. 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do Cód. de Proc. Civil, a que pertencerão todas as disposições a citar sem indicação de origem -, o âmbito dos recursos é delimitado pelo teor das conclusões dos recorrentes.
Já vimos as concretas questões levantadas pela recorrente nesta revista.
A matéria de facto dada por assente pelas instâncias é a seguinte:
1.O embargante - querendo dizer embargado primitivo - é portador de 3 letras de câmbio que constituem fls. 187 a 189 dos presentes autos e que se dão por reproduzidas;
2. As letras de fls. 187 e 189 são do montante de 800.000$00 cada e venceram-se nos dias 15-09-96 e 30-10-96, respectivamente;
3. A letra de fls. 188 é do montante de 4.000.000$00 e tem como data de vencimento o dia 28-10-96;
4. A assinatura aposta nas letras no lugar do aceitante é do embargante;
5. Nessas letras consta como sacador EE, sendo sua a assinatura aposta nesse lugar;
6. Este é filho do embargado, conforme assento de nascimento de fl.s 11, que se dá por reproduzida;
7. O embargante e o sacador das letras mantinham relações de amizade;
8. A embargante é mãe do embargante CC, conforme certidão de fls. 12 dos autos;
9. Em 1995, foi subscrita uma letra na qual o EE foi sacador e o executado aceitante;
10. A assinatura que consta da letra correspondente a fls. 188, ou seja, a que tem o valor de 4.000.000$00, foi feita pela embargante;
11. O embargante solicitou ao EE pelo menos um empréstimo de dinheiro;
12. O EE é pintor e bate-chapas de profissão;
13. O citado EE era dono de um SEAT, de Nº-0;
14. O EE entregou ao CC uma declaração de venda do SEAT, já assinada por si, para que fosse preenchida com o nome da pessoa a quem o iria entregar.

Vejamos agora cada uma das questões acima elencadas como objecto deste recurso.
a) Nesta primeira questão pretende a recorrente que o acórdão cometeu uma nulidade ao não se pronunciar sobre a questão da alteração da decisão da matéria de facto relativamente à divergência do selo aposto na letra com o valor legal do mesmo selo, na data do preenchimento da letra, além dos vestígios de viciação da mesma.
O art. 660º, nº 2, primeira parte, prescreve que o juiz na sentença deve conhecer de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, com excepção daquelas cuja decisão tenha ficado prejudicada pela decisão dada a outras.
E o art. 668º, nº 1 al. d) comina com a nulidade a sentença que omitir o cumprimento daquele dever processual.
Analisando as alegações da recorrente formuladas no recurso de apelação e, nomeadamente, as suas conclusões que, pese embora o respeito devido, não primam pela clareza, não se descortina qualquer impugnação da decisão da matéria de facto e, sobretudo, não consta aí quais os quesitos que teriam sido mal decididos, como exigia à recorrente o disposto no art. 690º-A, nº 1 al. a).
Por isso, e bem, o douto acórdão em recurso concluiu que nas alegações da apelante não fora objecto de impugnação a decisão da matéria de facto.
Desta forma, não praticou aquele acórdão a nulidade decorrente de não ter conhecido da alteração da matéria de facto pela simples razão de que aquela alteração não fora peticionada.
Se bem entendemos a recorrente, esta parece pretender que fossem considerados factos circunstanciais - valor do selo aposto na letra diverso do devido legalmente na data do preenchimento e indícios de viciação do texto da letra -, para fazer proceder os embargos, mas não chega a dizer que factos é que quer provados com aquelas circunstâncias.
Por outro lado, aquelas factos circunstanciais poderiam eventualmente fazer as instâncias aplicar as presunções judiciais, ao abrigo do disposto no art. 351º do Cód. Civil, o que efectivamente foi efectuado no acórdão em apreço conforme se pode ver a fls. 434 e seguintes.
Daí que nenhuma nulidade tenha praticado o acórdão em apreço, soçobrando assim este fundamento do recurso.

b) Nesta segunda questão pretende a recorrente que seja mandada ampliar a matéria de facto com vista à melhor decisão do mérito da causa.
O art. 729º, nº 3 permite que o Supremo mande ampliar a base de facto com vista à conveniente decisão do mérito da causa .
A recorrente não é muito clara na matéria factual que entende dever ser acrescentada com vista à melhor decisão do direito.
Porém, parece-nos que se deve referir às mencionadas circunstâncias da divergência do selo e da viciação da letra.
Relativamente à divergência do selo, facto que foi alegado pelos embargante na sua petição inicial que se teria de admitir por provado, neste Supremo, mesmo tendo as instâncias desprezado tal factualidade, por resultar adquirida desde a primeira instância - cfr. ac. STJ de 15-02-2000, Col. Jur. STJ, VIII, 1º, 101-, só que tal como o douto acórdão referiu o mesmo facto é inócuo para a decisão da causa, pois se o selo é o legal na data do preenchimento da letra ou não, é matéria que não invalida o valor da letra como título de câmbio e, por isso, como título executivo, tendo apenas efeitos em matéria fiscal.
Por outro lado, a referida viciação não foi objecto de alegação e por isso não teria de ser considerada nos termos do art. 664º.
Poder-se-ia dizer que sendo facto instrumental decorrente da discussão da causa, deveria ser conhecido, ao abrigo do disposto no art. 264º, nº 2.
Porém, a prova daquele facto - indícios de viciação da letra que não abrange os elementos essenciais daquela letra - não é de molde a invalidar o valor da mesma, pelo que nenhum interesse tem em alargar a base factual a esse facto que é inócuo para a decisão da causa, tal como já doutamente entendeu o acórdão em apreço.
Naufraga, desta forma, mais este fundamento do recurso e com ele, toda a revista.

Pelo exposto, nega-se a revista peticionada e, por isso se confirma a douta decisão recorrida.
Custas pela embargante-recorrente.


Lisboa, 8 de Junho de 2006
João Camilo (Relator)
Fernandes Magalhães
Azevedo Ramos.