Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
06B152
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SALVADOR DA COSTA
Descritores: EMBARGOS DE EXECUTADO
ÓNUS DA PROVA
TÍTULO EXECUTIVO
LIQUIDAÇÃO
REVISTA
MATÉRIA DE FACTO
Nº do Documento: SJ200602090001527
Data do Acordão: 02/09/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário : 1. A fase declarativa dos embargos de executado, estruturalmente extrínseca à acção executiva, configura-se como contra-execução destinada à declaração da sua extinção sob o fundamento de inexistência da obrigação exequenda e ou de título executivo ou da ineficácia deste.
2. Na execução baseada em documento particular é ao embargado que incumbe a prova dos factos constitutivos do seu direito de crédito e ao embargante a prova dos concernentes factos impeditivos, modificativos e extintivos, mas a liquidação da quantia exequenda por via de operações aritméticas não se traduz em factualidade constitutiva susceptível de envolver a problemática da distribuição do ónus da prova.
3. É título executivo o documento particular que consubstancie o contrato de mútuo sob a forma de abertura de crédito em conta corrente, complementado pelo extracto de conta de depósitos à ordem revelador da utilização do respectivo montante pelo mutuário, realidade distinta do contrato de hipoteca celebrado para garantia do respectivo cumprimento.
4. O erro na apreciação das provas e na consequente fixação dos factos materiais da causa, isto é, a decisão da matéria de facto baseada nos meios de prova produzidos que sejam livremente apreciáveis pelo julgador excede o âmbito do recurso de revista.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I
"AA" e BB deduziram, no dia 16 de Abril de 2002, contra o Empresa-A - a quem sucedeu o Empresa-B - embargos de executado, pedindo a declaração da extinção da acção executiva para pagamento de quantia certa por aquele instaurada contra CC e DD com base em contratos de mútuo e de hipoteca, e contra os embargantes, quanto a estes com fundamento na sua aquisição por compra do prédio hipotecado, sob o fundamento de a escritura de hipoteca não constituir título executivo e de o embargante não haver provado o direito de crédito que invocou.
Com o requerimento executivo, o exequente juntou certidão da escritura de hipoteca e do contrato de abertura de crédito em conta corrente e o extracto da conta de depósitos à ordem.
Na contestação dos embargos, afirmou o embargado a legalidade do contrato de mútuo outorgado e a suficiência do respectivo documento como título executivo por ser acompanhado dos documentos demonstrativos dos montantes creditados na conta de depósitos de CC e de DD.
Na fase da condensação foi decidida a redução da quantia exequenda para € 43.573,69, e, realizado o julgamento, foi proferida sentença, no dia 16 de Novembro de 2004, declarativa da improcedência dos embargos, da qual os embargantes apelaram, e a Relação, por acórdão proferido no dia 28 de Setembro de 2005, negou-lhes provimento ao recurso.

Interpuseram os embargantes recurso de revista, formulando, em síntese, as seguintes conclusões de alegação:
- não têm o ónus de prova do direito de crédito do recorrido nem dos factos levados à base instrutória apenas por ele alegados nem dos factos notórios ou evidentes resultantes de simples operações aritméticas que alegaram;
- a escritura de hipoteca só podia servir de base á execução se com a petição executiva fossem juntos documentos emitidos em conformidade com o nela estipulado que provassem ser o recorrido titular dos créditos que invocou;
- a escritura não é titulo executivo relativamente aos referidos direitos de crédito nas datas e proveniências invocadas no requerimento executivo;
- o acórdão recorrido violou os artigos 45º, nº 1, alínea b), 46º, alínea b), 50º, 514º, nº 1, 813º, alínea a) e 815º, nº 1, do Código de Processo Civil e 342º, nº 1, do Código Civil;
- deve ser revogado e substituído por outro que julgue os embargos procedentes e declare a extinção da execução.

Respondeu o recorrido em síntese de alegação:
- os recorrentes tinham o ónus de prova dos factos impeditivos e extintivos que invocaram;
- não provaram a inexistência do direito de crédito invocado pelo recorrido;
- o contrato de abertura de crédito em conta corrente consta de documento particular assinado pelos executados EE;
- o montante do débito é determinável através do extracto da conta de depósitos.

II
É a seguinte a factualidade declarada provada no acórdão recorrido:
1. O objecto social do embargado é a realização de operações bancárias e financeiras com a latitude consentida por lei aos bancos de investimento
2. Em escritura lavrada pelo notário do 2º Cartório Notarial de Guimarães no dia 29 de Abril de 1998, objecto de registo predial no dia 3 de Março de 1998, declararam CC e DD constituir hipoteca a favor do embargado sobre o prédio urbano composto de casa de r/c e logradouro, situado na Rua de Damão, à Madre de Deus, freguesia de Azurém, Guimarães, para garantia do pagamento de todas e quaisquer responsabilidades ou obrigações por eles assumidas, ou a assumir, perante o embargado, provenientes de toda e qualquer operação bancária em direito permitida, nomeadamente financiamentos directos e indirectos, mútuos simples ou sob a forma de abertura de crédito, financiamentos externos, operações de desconto bancário de letras, livranças, remessas documentárias e outros títulos de crédito, pagamento de cheques, fianças, garantias bancárias, descobertos em contas de depósito, operações de bolsa, incluindo juros remuneratórios e moratórios, despesas e demais encargos legais e contratuais, que recaíssem sobre as respectivas operações até ao limite de dez milhões de escudos, taxa de juro anual de 10%, elevável na mora em 4%, a título de cláusula penal - despesas: 400 000$, montante máximo de 14 600 000$.
3. Representantes do embargado, por um lado, e CC e DD, por outro, declararam, no dia 8 de Julho de 1998, o primeiro mutuar e os últimos aceitar o mútuo, sob a forma de abertura de crédito em conta corrente, a quantia global de 7 500 000$, destinada a apoiar a tesouraria da sua actividade profissional, por doze meses, prorrogável uma ou mais vezes automaticamente por períodos iguais, e que a quantia mutuada, acrescida das despesas judiciais e extrajudiciais, no montante de 300 000$, venceria juros à taxa anual de 12% com o agravamento de 4% em caso de mora.
4. Representantes do embargado, por um lado, e CC e DD, por outro, declararam acordar o primeiro abrir para os últimos uma conta de depósitos à ordem solidária, sob o nº 35958080/001, na sequência do qual ele assumiu a função de guarda e de depositária das quantias pecuniárias que, para o efeito, lhe fossem entregues pelos mesmos, facultando-lhes a sua livre disposição e restituição integral logo que solicitada.
5. O embargado disponibilizou a CC e a DD a quantia de 7 500 000$, creditando-os na conta de depósitos à ordem mencionada sob 4. e eles deixaram de entregar ao primeiro as prestações de capital e juros mencionadas sob 3 que se foram vencendo mensal e sucessivamente e não liquidaram as despesas originadas pela operação contratada, nomeadamente as comissões e o respectivo imposto de selo.
6. Está inscrita na Conservatória do Registo Predial de Guimarães, desde 29 de Maio de 2001, a aquisição por compra pelo embargante, casado com a embargante, do prédio mencionado sob 2.
7. "CC" efectuou movimentos a débito da conta bancária mencionada sob 4 que excederam as quantias que na mesma se encontravam depositadas a seu favor, movimentos que determinaram que ela apresentasse um saldo devedor, no montante de 237 738$ ou € 1185,84 à data de 5 de Julho de 2001.
8. Quando as contas de depósitos não são regularizadas pelos clientes por forma a mantê-las com saldo positivo, o embargado opera as diligências de movimentação dos débitos para a conta nº 520, creditando a conta devedora por igual montante, aprovisionando a dívida internamente.
9. O crédito mencionado sob 8 não corresponde a qualquer entrada de dinheiro efectuada por CC e DD, correspondendo o valor 237 738$, lançado no dia 1 de Julho de 2001, à transferência do saldo negativo para a conta nº 502 - débitos em contencioso.
10. O valor não entregue por CC e DD referente ao convencionado 3 ascendia, no dia 1 de Agosto de 2001, pelo menos, a 7 502137$ ou € 37.420,50.
11. O Empresa-A intentou, no dia 15 de Março de 2002, contra CC e DD, e AA e BB, acção executiva para pagamento de quantia certa, com processo ordinário, a fim de exigir € 38.606,34 de capital, € 4 648,27 de juros de mora vencidos até 8 de Março de 2002, € 185,93 de imposto de selo, € 1.995,19 de despesas judiciais e extrajudiciais, e juros de mora vincendos à taxa anual de catorze por cento e imposto do selo à taxa anual de quatro por cento.
12. Na fase da condensação do procedimento de embargos foi decidida a redução da quantia exequenda para € 43.573,69

III
A questão essencial decidenda é a de saber se deve ou não declarar-se extinta a acção executiva para pagamento de quantia certa intentada pelo recorrido contra os recorrentes e outros.
Tendo em conta o conteúdo do acórdão recorrido e das conclusões de alegação formuladas pelos recorrentes e pelo recorrido, a resposta à referida questão pressupõe a análise da seguinte problemática:
- lei adjectiva aplicável na execução e nos embargos;
- limites da sindicância no recurso de revista do juízo de prova formulado pela Relação;
- natureza e âmbito dos contratos celebrado entre o recorrido e CC e DD;
- dispõe ou não o recorrido de título executivo idóneo a fundar a acção executiva em causa?
- estrutura dos embargos de executado;
- foram ou não infringidas as normas relativas ao ónus de prova?
- síntese da solução para o caso espécie decorrente dos factos provados e da lei.

Vejamos, de per se, cada uma das referidas sub-questões.

1.
Comecemos pela determinação da lei adjectiva aplicável na execução e na oposição que à mesma foi deduzida.
Como a acção executiva a que foi deduzida a oposição foi instaurada no dia 15 de Março de 2002, são-lhe aplicáveis as pertinentes normas do Código de Processo Civil Revisto que entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 1997 (artigo 16º do Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro).
Ademais, tendo em linha de conta a referida data de instauração da acção executiva, não lhe é aplicável o novo regime decorrente da reforma que entrou em vigor no dia 15 de Setembro de 2003 (artigo 21º, nº 1, do Decreto-Lei nº 38/2003, de 8 de Março).
Os recorrentes são para ela dotados de legitimidade ad causam visto que adquiriram a CC e DD, depois da celebração do contrato de hipoteca entre estes e o recorrido, que serve de garantia real de cumprimento do direito de crédito do último contra os segundos, incidente sobre prédio mencionando sob II 1, o direito de propriedade sobre ele (artigo 56º, º 2, do Código de Processo Civil).

2.
Verifiquemos agora os limites da sindicância no recurso de revista do juízo de prova formulado pela Relação.
Os recorrentes alegaram não ter o recorrido provado ser credor em relação a CC e a DD quanto às quantias de € 1995,19 e de € 185,93, e de € 37 420,50, € 1.185,84, de € 4.648,27 e de € 185,93, em 20 de Agosto de 2001, 7 de Dezembro de 2001 e 7 de Março de 2002, respectivamente.
A referida alegação formulada pelos recorrentes baseia-se essencialmente na circunstância de o recorrido não haver apresentado pertinentes documentos particulares e em erro de cálculo dos juros de mora por ele formulado.
Quanto a este último ponto, expressa a lei que se execução vencer juros que continuam a vencer-se, a liquidação deles é feita a final pela secretaria, em face do título executivo e dos documentos que o exequente ofereça em conformidade com ele (artigos 805º, nº 2, do Código de Processo Civil)
O regime geral nesta matéria é no sentido de que, salvo casos excepcionais legalmente previstos, o Supremo Tribunal de Justiça apenas conhece de matéria de direito (artigo 26º do Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, aprovada pela Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro -LOFTJ).
Nessa conformidade, como tribunal de revista, a regra é a de que o Supremo Tribunal de Justiça aplica definitivamente aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido o regime jurídico que julgue adequado (artigo 729º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
Excepcionalmente, no recurso de revista, o Supremo Tribunal de Justiça pode apreciar o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa cometido pela Relação se houver ofensa de disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou fixe a força probatória de determinado meio de prova (artigos 722º, n.º 2 e 729º, n.º 2, do Código Civil).
Assim, o Supremo Tribunal de Justiça só pode conhecer do juízo de prova formado pela Relação sobre a matéria de facto quando ela tenha dado como provado algum facto sem produção da prova por força da lei indispensável para demonstrar a sua existência ou ocorrer desrespeito das normas reguladoras da força probatória dos meios de prova admitidos no nosso ordenamento jurídico.
Por isso, o erro na apreciação das provas e a consequente fixação dos factos materiais da causa, isto é, a decisão da matéria de facto baseada nos meios de prova produzidos que sejam livremente apreciáveis pelo julgador excede o âmbito do recurso de revista.
Em consequência, tendo em conta a natureza dos meios de prova susceptíveis de provar os factos indicados pelo recorrente, incluindo os concernentes ao cálculo dos juros moratórios, não pode sindicar-se no recurso de revista o juízo a esse propósito formulado pela Relação.

3.
Atentemos agora na natureza dos contratos celebrados entre o recorrido, por um lado, e CC e DD, por outro.
As operações de Banco são reguladas pelas disposições especiais respectivas aos contratos que representarem ou em que afinal se resolverem (artigo 363º do Código Comercial).
A concessão de crédito mediante remuneração é uma das funções naturais dos bancos, por via de modalidades diversas, por exemplo mútuo, abertura de crédito ou desconto, todas elas entroncando no chamado mútuo bancário.
Entre as referidas modalidades surgem-nos no comércio jurídico os contratos de abertura de crédito em conta-corrente e de descoberto em conta-corrente.
Previstos no artigo 362º do Código Comercial, não têm regulamentação própria, regendo-se por via das respectivas declarações negociais e, na sua falta, pelas normas dos contratos que representarem ou em que se desenvolverem (artigos 405º do Código Civil e 363º do Código Comercial).
No primeiro caso, a instituição de crédito e o cliente convencionam no sentido de o crédito ser utilizado pelo último por várias vezes; no segundo, a instituição de crédito, sob a forma de conta-corrente, admite um saldo positivo a seu favor, decorrente, por exemplo, de pagamentos por conta do cliente, no confronto com o correspondente saldo negativo para o último.
Trata-se de algo semelhante a contratos-quadro em que os direitos de crédito concernentes surgem por via da movimentação da conta-corrente a crédito ou a débito, ou seja, por via da utilização do dinheiro por parte do creditado.
A propósito da hipoteca, expressa a lei, por um lado, que ela confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro, com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo, e, por outro, que a obrigação por ela garantida pode ser futura ou condicional (artigo 686º do Código Civil).
A hipoteca assegura os acessórios do crédito que constem do registo e, tratando-se de juros, abrange os relativos a três anos (artigo 693º, nºs 1 e 2, do Código Civil).
Sempre que o dono da coisa seja pessoa diferente do devedor, é-lhe lícito por ao credor os meios defesa que o devedor tiver contra o crédito, com exclusão das excepções que são recusadas ao fiador (artigo 698º, nº 1, do Código Civil).
Tendo em conta a factualidade mencionada sob II 2 e 3 e as considerações de ordem jurídica acima expendidas, a conclusão é a de que o Empresa-A, por um lado, e CC e DD, por outro, celebraram entre si um contrato de concessão de crédito a descoberto em conta-corrente, e um contrato de hipoteca (artigos 3º, 362º, 363º, 394º a 396º do Código Comercial, 686º, 1142º e 1145º do Código Civil).
O referido contrato de hipoteca, que incide sobre o prédio mencionado sob II 2 garante o cumprimento da obrigação de pagamento do valor correspondente ao capital mutuado, juros compensatórios e moratórios, despesas até € 1 995,19, com o limite máximo de € 72 824,49.
A circunstância de o recorrente haver adquirido o direito de propriedade sobre o prédio objecto do contrato de hipoteca implica que ele pode ser executado com vista à realização do direito de crédito do recorrido.

4.
Vejamos agora se o recorrido dispõe ou não de título executivo idóneo a fundar a acção executiva em causa.
O título executivo, na sua vertente rigidamente formal, envolvente de presunção da existência do direito de crédito a que se reporta, define o fim e os limites da acção executiva (artigo 45º, nº 1, do Código de Processo Civil).
Entre os referidos títulos executivos contam-se os documentos particulares assinados pelo devedor que importem a constituição ou o reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado nos termos do artigo 805º (artigo 46º, alínea c), do Código de Processo Civil).
Os recorrentes, invocando o artigo 50º do Código de Processo Civil, alegaram que a escritura pública de hipoteca mencionada sob II 2 não pode servir na espécie de título executivo por não estar complementada por documentos emitidos na sua conformidade e reveladores da efectiva concessão do crédito em causa a CC e DD.
Todavia, o contrato de hipoteca consubstanciado na aludida escritura pública não serve de título executivo na acção executiva em causa, pelo que não tem aplicação na espécie o disposto no artigo 50º do Código de Processo Civil.
Com efeito, o título executivo em que o recorrido fundou a acção executiva em causa é o contrato de mútuo sob a forma de abertura de crédito em conta corrente consubstanciado em documento particular, consumado por via da disponibilização aos mutuários, em conta de depósitos, previsto no artigo 46º, alínea c), do Código de Processo Civil.
A obrigação pecuniária que dele consta envolve a quantia de capital de € 37 409,84, juros compensatórios à taxa anual de doze por cento e juros moratórios à taxa anual de dezasseis por cento e despesas judiciais no montante de € 1 496,39.
Assim, ao contrário do que os recorrentes alegaram, o recorrido dispõe de título executivo, com os referidos limites quantitativos.

5.
Atentemos agora na estrutura dos embargos de executado e na distribuição do ónus de prova no seu âmbito.
Estamos na espécie perante uma acção executiva para pagamento de quantia certa baseada em título executivo consubstanciado num documento particular simples envolvente de um contrato de mútuo na espécie de abertura de crédito em conta corrente concretizado por via da efectiva disponibilização de espécies monetárias.
A fase declarativa dos embargos de executado, estruturalmente extrínseca à acção executiva, configura-se como contra-execução destinada à declaração da sua extinção, sob o fundamento da inexistência da obrigação exequenda ou da inexistência ou ineficácia do título executivo.
Assim, os fundamentos dos embargos de executado podem ser de natureza substantiva, relativos à própria obrigação exequenda, ou de natureza processual concernentes à inexistência ou inexequibilidade de título executivo (artigo 813º, proémio, e alínea a), e 815º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
Na sua dinâmica, são uma fase eventual da acção executiva, tendente a obstar aos efeitos da execução por via da afectação dos efeitos normais do título executivo, em que o executado pode invocar factos de impugnação e ou de excepção.

6.
Vejamos agora se no acórdão recorrido foram ou não infringidas as normas relativas à distribuição do ónus de prova.
Os recorrentes afirmaram não terem o ónus da prova dos factos notórios ou evidentes resultantes de simples operações aritméticas que alegaram, nem do direito de crédito invocado pelo recorrido nem dos factos quesitados por ele articulados.
Ao mencionarem o ónus de prova relativo ao direito de crédito invocado pelo recorrido, naturalmente pretendem referir-se os factos concernentes à sua constituição.
É exacto que os factos notórios envolvidos de notoriedade geral não têm de ser alegados ou provados pelas partes (artigo 514º, nº 1, do Código de Processo Civil).
Todavia, a liquidação da quantia exequenda por via de meras operações aritméticas é insusceptível de ser qualificada de factualidade constitutiva (artigo 805º, nº 2, do Código de Processo Civil).
A regra, porém, como não pode deixar de ser, é no sentido de que os direitos e obrigações de que as pessoas são titulares têm a sua origem em factos jurídicos que os constituem, modificam ou extinguem, pelo que é necessário que os provem.
Nesse quadro de motivação, em sede de direito probatório material, a lei expressa, por um lado, caber a quem alega um direito fazer a prova dos seus factos constitutivos, e a quem lhe contrapõe factos impeditivos ou extintivos a respectiva prova (artigo 342º, nºs 1 e 2, do Código Civil).
Não obstante a natureza específica da fase declarativa dos embargos de executado, a distribuição do ónus da prova que lhes concerne é a geral que resulta dos referidos normativos, ou seja, ao embargado cabe provar os factos constitutivos do seu direito de crédito e ao embargante os concernentes factos impeditivos ou extintivos.
No acórdão em análise foi considerado que o recorrido provou os factos constitutivos do direito de crédito que pretenda fazer valer no âmbito da acção executiva e que os recorrentes não provaram qualquer facto de excepção peremptória impeditivo ou extintivo daquele direito.
Em consequência, a conclusão não pode deixar de ser no sentido de que no acórdão recorrido não foi infringida qualquer norma concernente à distribuição do ónus da prova.

7.
Atentemos, finalmente, na síntese da solução para o caso espécie decorrente dos factos provados e da lei.
O recorrido, por um lado, e CC e DD, por outro, celebraram um contrato de hipoteca, um contrato de mútuo na modalidade de abertura de crédito em conta corrente e um contrato de abertura de conta de depósitos à ordem.
No recurso de revista em apreciação não pode este Tribunal sindicar o juízo da Relação relativo à fixação dos factos derivada de provas de livre apreciação pelo julgador, designadamente o juízo de cálculo dos elementos do direito de crédito exequendo.
O recorrido dispõe de título executivo idóneo à demonstração do seu direito de crédito que fez valer na execução no confronto de CC e DD com garantia real de hipoteca sobre um imóvel da titularidade dos recorrentes.
A Relação não infringiu qualquer normativo de direito material relativo à distribuição do ónus da prova, nem qualquer das outras normas invocadas pelos recorrentes.

Improcede, por isso, o recurso.
Vencidos, são os recorrentes responsáveis pelo pagamento das custas respectivas (artigo 446º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).

IV
Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso, e condenam-se os recorrentes no pagamento das custas respectivas.

Lisboa, 9 de Fevereiro de 2006
Salvador da Costa
Ferreira de Sousa
Armindo Luís