Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07A1164
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: RIBEIRO DE ALMEIDA
Descritores: CASO JULGADO
INVESTIGAÇÃO OFICIOSA DE PATERNIDADE
INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE
Nº do Documento: SJ200706190011646
Data do Acordão: 06/19/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :
I – Não existe identidade de sujeitos para efeito de caso julgado, entre a posição do Ministério Público quando intenta uma acção oficiosa de investigação de paternidade e posteriormente outra em representação do menor.
II – Actuando o Ministério Público em nome do representado e não em seu próprio nome, impossibilita que posteriormente o Autor intente nova acção, uma vez que é um sujeito idêntico juridicamente àquele.
III – Daí a violação de caso julgado ao intentar nova acção.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

AA, interpôs recurso de agravo da decisão que, na presente acção declarativa, sob a forma de processo comum ordinário, que propôs contra BB, casado, major da força aérea, julgou verificada a excepção do caso julgado e, em consequência, declarou a absolvição do réu da instância.

Inconformado com tal decisão dela recorreu para a Relação, mas sem êxito.

Recorre agora para este Supremo, e alegando concluiu assim:

1 - O douto acórdão recorrido confirmou a decisão que absolvera o R. da instância por considerar verificar-se a excepção de caso julgado, atenta a decisão proferida no processo ....../94 que o M.P. intentara em representação do Autor (então menor)

2 - Das alegações e conclusões do Recurso de Agravo, vê-se que o cerne da questão que o Recorrente submeteu ao Tribunal da Relação de Coimbra consistia em que aquele venerando Tribunal decidisse que na situação em apreço, por força do regime excepcional dos artigos 1813° e 1868" do Código Civil se verifica uma derrogação do regime normal (força vinculativa) do caso julgado material.

3 - A questão a que a Relação foi chamada a pronunciar-se não consistia portanto em verificar a existência ou inexistência de caso julgado, mas tão somente se, nas situações a que se referem os artigos 1813° e 1868" do Código Civil a verificação da existência de caso julgado impede a propositura de nova acção.
4 - O que se pediu ao Tribunal da Relação foi pois que se pronunciasse sobre unia questão de direito que se resolveria por unia interpretação da lei com vista à sua correcta aplicação.

5 - Para sustentar a sua tese o Recorrente socorreu-se dos ensinamentos de Pires de Lima e de Antunes Varela que expressamente qualificam este regime excepcional como "franca derrogação da doutrina (força vinculativa especial) do caso julgado material".
6 - É pois extremamente redutora e violadora da lei substantiva por erro de interpretação e aplicação do direito a afirmação contida logo no início da parte decisória do douto acórdão recorrido, onde se lê:

"A única questão a decidir no presente agravo... Consiste em saber se há lugar formação de caso julgado na sentença que absolveu o réu do pedido, em acção de investigação de paternidade proposta pelo autor menor, representado pelo Ministério Público"

7 - Na verdade a questão a decidir era se pode ou não intentar-se nova acção de investigação da paternidade mesmo quando se verifique haver caso julgado (isto é: quando haja identidade de sujeitos, a causa de pedir, procedente do mesmo facto jurídico, seja a mesma e seja idêntico o pedido) numa anterior acção proposta pelo Ministério Público em representação do menor.

8 - Questão essa que só se levanta se o M.P. tiver agido em representação do menor, pois se agiu em nome próprio não há identidade de sujeitos; logo, não há caso julgado, tornando-se absurdo que Pires de Lima e Antunes Varela considerassem aquele instituto excepcional como "franca derrogação da força vinculativa especial do caso, julgado material"
9 - Sobre o regime dos artigos 1813" e 1868° do Código Civil lê-se no aresto recorrido que:

"O legislador deve ter pretendido que a averiguação oficiosa ... não diminuísse o tradicional direito do investigante, empenhado na constituição do estado jurídico de filho, receando que este relevantíssimo direito pudesse ser comprometido por uma acção oficiosa descuidada"
"A razão justificativa da derrogação da doutrina da força vinculativa especial do caso, julgado material consiste nas menores garantias de apuramento da verdade que oferece a acção instaurada pelo MP"

10 - Estas certíssimas afirmações dos Meritíssimos Desembargadores fornecem o elemento histórico suficiente para uma correcta interpretação da lei atentos os fins que o instituto jurídico visa.

11 - Não faz sentido que o legislador tenha querido defender o relevantíssimo direito do investigante, do risco de se ver prejudicado por uma acção oficiosa descuidada, e que tenha considerado que na acção instaurada pelo M.P. são menores as garantias de apuramento da verdade e, não obstante, que tenha desprezado aquele mesmo relevantíssimo direito contra aqueles mesmíssimos perigos, quando o M.P. representa o menor.

12- Não há que distinguir acções "oficiosas" em que o M.P. age em representação do Estado e "não-oficiosas" em que o M.P. age em representação dum menor.

13 - Esta distinção não está consagrada na lei nem se justifica: quando o M.P. intenta uma acção de investigação de paternidade em representação do menor, não é escolhido nem mandatado pelo menor, nem pelo seu legal representante: age por iniciativa própria investido nos poderes legais que o seu estatuto (o seu "oficio") lhe confere.

14 - Ao averiguar da existência ou inexistência de caso julgado nos presentes autos, em vez de definir os contornos e implicações do comando dos artigos 1813 e 1868 do Código Civil e aplicar o regime excepcional deles resultante o douto aresto recorrido violou a lei substantiva por erro de interpretação e aplicação do direito.

15- Deve pois ser revogada a douta decisão recorrida, ordenando-se a remessa do processo para o Tribunal de 1" Instância, para prosseguimento da acção, com as legais consequências.

Foram apresentadas contra-alegações, em que se levantou a questão da espécie do recurso.

Cumprido o disposto no Artigo 702 n.º 2 do Código Processo Civil veio o recurso a ser admitido como de agravo.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir

Os Factos:

a) O A. nasceu em Coimbra, na freguesia da Sé nova, no dia 5 de Dezembro de 1986 e foi registado como filho de CC.

b) Pela Procuradoria da República da Comarca de Lisboa, correu termos o processo administrativo nº ....../2004 com vista à instauração de acção de investigação da paternidade do Autor em representação do mesmo, à data, menor. Por entretanto ter atingido a maioridade, foi o referido P.A arquivado, atento que o M°.P°. carecia de legitimidade para a dita acção, nos termos do disposto nos artigos 1869, 1873 e 1817-1 do Código Civil.

c) Na comarca de Aveiro correu termos um P.A. relativo ao mesmo assunto da paternidade do Autor então menor, com o nº ..../92, que foi arquivado em 19/1/96.

d) No dia 12/1/96 foi proferida decisão – sentença, no processo nº ..../94 do 1° Juízo Cível do Tribunal Judicial de Aveiro, acção de investigação de paternidade, a qual julgou improcedente o pedido nela formulado pelo Autor, então representado pelo MPº.

e) A decisão transitou em julgado conforme resulta da certidão junta a fls. 29 destes autos.

Decidindo:

O Ministério Público intentou duas acções contra o Autor.
Não restam dúvidas que existe identidade de pedido e de causa de pedir nas duas acções, uma vez em que em ambas as acções se invoca como causa de pedir a filiação biológica, e como pedido o reconhecimento judicial dessa filiação. Assim, e com efeito, a questão suscitada respeita apenas aos sujeitos.
No quadro do artigo 497, do Código de Processo Civil, se uma causa se repetir depois da primeira ter sido decidida por uma sentença, que já não admite recurso ordinário, verifica-se a excepção de caso julgado.

A questão que se coloca é a de saber se, em ambas as acções existe identidade jurídica, no que ao Autor diz respeito.
Na primeira o MP, após processo administrativo intenta acções nos termos dos Artigos 1864, 1865, 1869, 1849, 1847 e 1796 n.º 2 do CC e Artigo 202 e seguintes da OTM e 121 do Código do Registo Civil.

Não tendo êxito a acção de investigação oficiosa, pode ainda estabelecer-se, em acção comum de investigação da paternidade, portanto desprovida da fase de averiguação oficiosa prévia, conforme o que estipulam os Artigos 1847, 1796, n.º 2 e 1869 a 1873 do Código Civil.

Assim a improcedência da acção oficiosa não obsta a que seja intentada nova acção de investigação, mesmo fundada nos mesmos factos – Artigos 1813 e 1868 do Código Civil – o que é contrário ao âmbito subjectivo do caso julgado – Artigo 674 do Código Processo Civil –.
Existe identidade de sujeitos no âmbito do nº 2 daquele dispositivo 498, quando as partes são as mesmas sob o prisma da sua identidade jurídica.
As partes no novo processo, só serão idênticas às do anterior, quando sejam pessoas que, na relação em causa, seguem a mesma posição que ao, tempo, as preenchiam ou ocupavam.
- Em conformidade, e assim, se alguém propõe uma acção na qualidade de representante de outrem, não fica impedido de, mais tarde, poder propor outra acção em nome próprio. – Cf. Alberto dos Reis Código Processo Civil Anotado III/98; Manuel de Andrade, Noções página 308 e 309 (aponta que essa identidade, passa essencialmente por os litigantes serem os mesmos que pleitearam nos dois processos, ou são seus sucessores).
O MP pode intervir na posição de investigante da paternidade em representação do Estado, quer em acção de investigação comum em representação dos incapazes, o que acontece com os menores – cf. Artigos 122 e 123 do Código Civil, 10, n.º 1 do Código Processo Civil e 5º n.º 1 c) do EMP(Lei 60/98 de 27 de Agosto) – isto sempre que tenha fracassado a de natureza oficiosa.
A actuação do Ministério Público revestiu primeiro carácter oficioso, no uso de um dever imposto pelo Estado, Na de Aveiro actuou em representação do menor, que é ao fim e ao resto o Autor da acção. O representante acciona em nome do representado e não em seu próprio nome.
Daqui decorre que o Autor ao intentar a presente acção é um sujeito idêntico juridicamente àquele em que foi representado pelo Ministério Público.
Assim a propositura desta acção, após o transito da sentença proferida na anterior implica violação do caso julgado pelo que o Réu tem que ser absolvido, como foi, da instância – Artigos 493, nºs 1 e 2 e 494 n.º 1 i) do Código Processo Civil.

Face ao exposto, e na improcedência das conclusões das alegações, acorda-se em negar provimento ao agravo.
Custas pelo Autor.

Lisboa, 19 de Junho 2007

Relator: Ribeiro de Almeida
Adjuntos:Dr. Dr. Nuno Cameira
Dr. Sousa Leite